O MISTÉRIO
DE
IRMA VAP
(UM FENÔMENO DE PÚBLICO
E DE CRÍTICA NUMA RELEITURA
Se
for feita uma enquete, entre pessoas que, no período
de 1986 a 1997, assistiram à peça “O MISTÉRIO DE IRMA VAP”, o resultado
será surpreendente. Se houver uma segunda pergunta, sobre quantas vezes cada um
assistiu à comédia, a surpresa será maior ainda.
Originalmente
escrita em três atos, em 1984, pelo norte-americano CHARLES
LUDLAM, considerado um inovador do teatro americano da segunda metade do século
XX, fundador, em 1967, da sua própria trupe, já que também era ator,
a “Ridiculous Theatrical Company”, a peça é considerada o maior
fenômeno de bilheteria e de crítica, no Brasil, por ter ficado 11 anos
em cartaz, o que lhe garantiu um destaque no “Guinness Book of Records”,
a partir de 2003, como a peça que mais tempo se manteve em cartaz, no
Brasil, e com o mesmo elenco.
Como IRMA
VAP é um anagrama de VAMPIRA, o título original é “The
Mystery of Irma Vep”, para ser possível o anagrama* “Vampire”.
(*Entende-se por anagrama a transposição de letras de palavra ou frase,
para formar outra palavra ou frase diferente (amor, de Roma – ou vice-versa;
posa, de sapo; Célia, de Alice, vela, de leva; barco, de cobra; cantiga, de
catinga etc.).
A
peça é um exemplo perfeito de um tipo de TEATRO que já fez muito
sucesso, no Brasil, e que, ainda hoje, é muito aceito, o “TEATRO
besteirol”, no qual predomina a sátira e tem um pezinho nas deliciosas
chanchadas. Aqui, numa "salada", os ingredientes são os melodramas vitorianos, a
farsa e os filmes Rebecca (1940), um dos
clássicos do consagrado cineasta Alfred Hitchcock, e “Pague para
Entrar, Reze para Sair”, de Tobe Hooper. Mergulhado na estética
dos anos 80, ainda há, na peça, referência ao icônico videoclipe de “Thriller”,
de Michael Jackson. Além disso, nesta atual versão, encontramos várias
citações de Shakespeare, principalmente de “Hamlet”.
O
autor pretendeu escrever seu texto como peça-paródia de filme
de terror, e o conseguiu, com os fartos elementos do “besteirol”,
potencializados por cada encenador. JORGE FARJALLA, então, “faz a
festa”, com isso.
A
atual montagem é uma idealização de PRISCILA PRADE, fotógrafa
e produtora cultural, a qual, desde 2009, detém os direitos autorais da peça,
e de MARCO GRIESI, diretor geral do Espaço Porto Seguro, em São
Paulo. Os dois convidaram o diretor e encenador JORGE
FARJALLA, para pôr a massa na massa. FARJALLA, que sempre faz
questão de que, em seus trabalhos, o título da peça venha seguido da informação
“Na visão de JORGE FARJALLA”, obviamente, não iria repetir o que fez Marília
Pêra, na direção da emblemática primeira montagem, que tinha Marco
Nanini e Ney Latorraca no elenco. A ação se passa numa mansão
mal-assombrada, como consta na sinopse, entretanto o diretor imaginou
a história “como um grande parque de diversão” e criou a trama
acontecendo dentro de um trem fantasma, “que é o fio condutor do
espetáculo”. Além disso, incorporou, à montagem, quatro
jovens atores, “nossos vodus”, como ele os considera (“vodus
contrarregras”: FAGUNDES EMANUEL, GRECO TREVISAN, KAUAN
SCALDELAI e THOMAS MARCONDES), que auxiliam nas trocas de figurino
dos atores LUÍS MIRANDA e MATEUS SOLANO e, também, executam
parte da trilha sonora ao vivo, ajudando a contar a história, que é o
interesse maior do diretor.
Explico melhor
o final, grifado, do parágrafo anterior. O grande atrativo da primeira montagem,
o gigantesco “marketing” da peça, era, sem dúvida, a
questão das trocas de figurinos, inúmeras e em tempo recorde, o que
deixava a plateia atônita. Um ator saía por uma porta, com o figurino de
um personagem, e, imediatamente, entrava por outra, com outro figurino,
de outro personagem, do sexo oposto. Isso era o grande “mistério”
da peça. Era algo que levava as pessoas, por mais de uma vez, ao
Teatro Casa Grande (o antigo), no Rio de Janeiro, e em todos
os outros por onde o espetáculo passou, Brasil afora. Se
perguntarmos, porém, a todos os que viram aquela montagem sobre o enredo,
de que tratava o texto, numa curta sinopse (Perdão, pelo
pleonasmo!), a grande maioria, certamente, não se lembrará da história. FARJALLA
pensou, ao contrário, em que todos pudessem acompanhar a narrativa e entender a
peça, apesar de o enredo ser, propositalmente, confuso, e deixar
o Teatro com uma história - bizarra, sim; absurda -, mas completa, e com
detalhes, na cabeça. E foi além: houve por bem que as trocas dos figurinos
fossem feitas à vista do público (Cerca de 90% delas, creio, estatisticamente
falando. Só há uma cena em que os dois atores trocam de roupa, várias
vezes, atrás de uma porta daquelas do tipo “bangue-bangue” ou “saloon”.),
contando com a ajuda dos quatro atores coadjuvantes, como já foi dito.
Segundo
o “release”, primeiramente enviado por ADRIANA BALSANELLI,
que fez a assessoria de imprensa na primeira temporada, em São Paulo,
onde o espetáculo estreou, no Teatro Porto Seguro, com um sucesso
estrondoso, e, depois, também chegado até mim, por BARATA COMUNICAÇÃO (assessoria
de imprensa no RIO DE JANEIRO), “Vamos teatralizar a troca de
roupas. Eu quero mostrar, para o espectador, o TEATRO como uma grande ilusão e
o ator como um grande mago, que pode criar tudo na frente do público e fazê-lo
acreditar naquela situação. Quero que a plateia sinta o trabalho do ator e como
eles vão dividir esses personagens em um jogo de espelhos. O próprio texto de
LUDLAM sugere o jogo teatral e tentamos enfatizar ao máximo a questão dos
atores como um duplo”, diz o diretor.
SINOPSE:
A trama original se passa
em um lugar remoto da Inglaterra e conta a história de LADY ENID
(MATEUS SOLANO), a nova esposa do excêntrico LORD EDGAR MONTEPICO (LUÍS
MIRANDA), o qual a aguarda muito radiante e ardendo de paixão.
Ela tem que se adaptar a
viver em uma mansão mal-assombrada, pelo fantasma da primeira esposa de seu
marido, IRMA VAP, lugar onde o filho do casal VÍTOR, que não
aparece em cena, foi morto, supostamente, por um lobisomem, também chamado VÍTOR.
Na casa, há uma
governanta, JANE (LUÍS MIRANDA), extremamente leal à falecida patroa, que
assume a posição de rival da recém-chegada e não admite a possibilidade de outra
mulher ocupar o lugar deixado por IRMA VAP, preencher o vazio daquela
lúgubre mansão, tornar-se a segunda LADY MONTEPICO. e um serviçal, NICODEMO (MATEUS SOLANO), uma bizarra
criatura.
Para fazer jus ao amor de seu
marido, LADY ENID “come o pão que o diabo amassou”, nas mãos de JANE,
e pratica peripécias divertidas.
Em cena, dois atores
interpretam os vários personagens, entre humanos e assombrações.
O final da trama revela uma surpresa.
O final da trama revela uma surpresa.
Segundo o diretor,
são cinco os personagens, nesta trama de suspense e terror cômico,
contando com a falecida. O primeiro diferencial a ser notado, na atual montagem,
que não existia na primeira e que funciona muito bem, é a ideia da direção
de criar um prólogo, em que LUÍS e MATEUS entram em cena,
com o figurino base, uma espécie de macacão, grudado a seus corpos, como
se fossem bonecos de vodu, conversam, improvisam, ainda como pessoas físicas,
desejam “MERDA!”, um ao outro, sinal para que as cortinas se abram,
deixando à vista o cenário, cuja base permanece inalterada, da primeira
à última cena, e, aí, então, começa o desenrolar da história, a qual abusa de
referências a (e aparições de) vampiros, fantasmas, múmias e lobisomens. E,
para que isso seja possível, a montagem exige, em qualquer modelo de encenação,
grande quantidade de efeitos sonoros, adereços, efeitos
especiais e trocas rápidas de vestuário.
Estando
em São Paulo, durante a última Semana Santa, fui, a convite de FARJALLA,
assistir à peça, no Teatro Porto Seguro, e a revi, há cerca de
uma semana, aqui, no Rio, onde acho que o espetáculo cresceu
bastante, uma vez que o palco do Teatro OI Casa Grande é bem maior que o
de São Paulo, acomodando melhor a cenografia e proporcionando
mais espaço e conforto aos atores.
Não
quero, não posso nem devo estabelecer comparações com a montagem do trio
Marília, Nanini e Latorraca, uma vez que, cada uma das encenações
foi criada com uma proposta distinta, sob estéticas idem e contando com atores,
os quatro, de grande talento, mas de estilos diferentes, no modo de
interpretar, cada um com sua peculiar personalidade artística e profissional. Gostei
das duas, mas, nem sob tortura, revelarei qual a que mais me tocou, até porque não
é este o objetivo desta crítica, e, sim, fazer uma modesta análise de “O
MISTÉRIO DE IRMA VAP”, “na visão de JORGE FARJALLA”.
Essa
“visão” traz, como marca, o desejo de desconstruir, de provocar, de ser ousado,
criativo e inovador, totalmente arcando com as consequências, que estão afetas
à reação do público e da crítica. Seus trabalhos – e isso é muito salutar – não
visam à unanimidade e, geralmente, dividem, radicalmente, as opiniões: há os
que gostam e os que não. Incluo-me, via de regra, no primeiro grupo, com algumas
restrições, o que é natural, a um ou outro detalhe desta ou daquela montagem,
ainda que, em algumas delas, não tenha conseguido identificar nada que, a mim,
não agradasse, como, por exemplo, a sua releitura para “Dorotéia”, de Nélson
Rodrigues.
Com
relação à peça em tela, gosto bastante do resultado, porque já parti
para o Teatro Porto Seguro, na primeira vez em que a vi, sabedor do que poderia
esperar e encontrar e, o mais importante, tendo plena consciência da proposta
da direção. Talvez, para alguns saudosistas e/ou pessoas que não se
informam, antes de ir ao Teatro, a expectativa não seja alcançada,
exatamente porque a atual montagem está na outra margem do largo rio que
separa esta da primeira. Ao final do espetáculo, porém, a reação do
público é muito boa e, durante os 100 minutos de duração da comédia,
todos riem e ouvem-se bastantes gargalhadas, por força do humor contido no texto;
dos “cacos” colocados pelos atores, com a aquiescência da direção,
quero crer; e pelas soluções criadas pelo diretor.
FARJALLA
é um diretor/encenador consagrado e premiado e vem mantendo a qualidade
dos seus trabalhos ao longo dos últimos anos.
Não
há muito a ser dito sobre LUÍS MIRANDA e MATEUS SOLANO, cujos
talentos são mais que reconhecidos, principalmente por suas aparições na
telinha, embora sejam grandes atores de TEATRO (Já assisti a ótimas peças
em que eles atuavam.), que é o que mais importa, já que é no TEATRO -vivo repetindo isso -, com raras
exceções, que o ator se revela um bom profissional do ofício de
representar, sem recursos tecnológicos, contando, apenas, com sua intuição e
seu talento inato. Não me lembro de tê-los visto dividindo o palco, antes, mas
a impressão que dá é a de que a dupla já “bateu bola em outros gramados”,
tamanhos são o entrosamento, a química, a cumplicidade entre os dois, que - me parece - se divertem muito em cena. Ambos, talentosos e
carismáticos, conquistam a plateia, logo na primeira aparição, e não permitem
que ninguém se disperse ou perca o interesse pelo espetáculo. Não há
protagonistas; ambos o são.
A
equipe de criação foi muito bem escolhida, e o somatório de todas as
contribuições converge para um resultado final positivo, a começar pelo cenário,
de MARCO LIMA, inspirado no filme “Pague para Entrar, reze para Sair”: “...um
trem fantasma, com o carrinho utilizado de forma manual, artesanal e mecânica.
Tudo construído com madeira, ferro e materiais simples”. Essa é a tal
parte fixa a que já me referi. Entra em cena, mais para o final da peça,
um sarcófago, que fica numa das laterais do palco. Nota-se um perfeito acabamento
na cenografia e detalhes interessantes, que a valorizam, na construção do
universo de terror, exigido pelo texto. Todo o palco fica à mostra,
incluindo o fundo e as coxias, a despeito da grande dimensão do cenário,
cuja movimentação cabe aos quatro “vodus contrarregras”. “A caixa
cênica, sem bambolinas, sem rotundas, revelando o maquinário do Teatro e não
escondendo nada”, detalha o cenógrafo.
Em função das
várias, e rapidíssimas, trocas de roupa, os figurinos, nesta peça,
se revestem de uma importância capital, pois, antes de tudo, precisam ser
práticos, para facilitar as referidas trocas, e, também, obedecendo à estética
da época em que se passa trama e à proposta de “deboche” desta montagem.
As perucas e adereços se destacam, no visagismo, e são elementos
hilários. É KAREN BRUSTTOLIN quem assina todos os modelos, “tudo
todo feito à mão, por uma equipe composta por sapateiro, chapeleiro,
costureira, bordadeira, ‘designer’ de adereços e envelhecimento. O tecido
utilizado foi o ‘jeans’, para dar um ar contemporâneo”. Ainda retirado
do “release”: “São 7 trocas de roupa, referências e universos
diferentes, que transitam desde a era medieval até David Bowie” (Não sei por que 7. Baseado em quê? Eu vi muito mais que esse número.). Como
as trocas de figurinos precisam ser muito rápidas, a figurinista
não enxergou outra maneira de criá-los, que não fosse a técnica de fazê-los “em
camadas”, sobre uma roupa “base”, como bonecos de vodu.
Outro
elemento, importantíssimo, para a criação da ambientação macabra, exigida pelo texto,
é a iluminação, aqui muito variada e variante, com muitas lâmpadas piscando, freneticamente, sob a responsabilidade de CÉSAR
PIVETTI. São, ao todo, 300 movimentos de luz, criando efeitos fantásticos e
fantasmagóricos. Ainda relacionada à iluminação, há a utilização de máquinas de
fumaça, criando um pântano.
Mais uma vez,
o filme “Pague para Entrar, Reze para Sair” serviu de inspiração para um dos
profissionais de criação do espetáculo. Falo da trilha musical “quase
cinematográfica”, a qual pontua, com muita propriedade, as cenas e as ações
dos atores, com canções e sons incidentais (sonoplastia). Ao mesmo tempo que atua de forma caricatural, para formação do
ambiente de terror, também carrega consigo um toque de humor. Todo esse trabalho
de criação se deve ao diretor musical, GILSON FUKUSHIMA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Charles Ludlam
Tradução: Simone Zucato
Direção, Encenação e Dramaturgia: Jorge
Farjalla
Assistente de Direção: Raphaela
Tafuri.
Elenco: Luís Miranda, Mateus
Solano, Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes
Cenografia: Marco Lima
Iluminação: Cesar Pivetti
Figurinos: Karen Brustolin
Direção Musical: Gilson Fukushima
Direção Musical: Gilson Fukushima
Direção de Produção: Priscila Prade
e Marco Griesi
Produção Executiva: Daniella Griesi
e Fernando Trauer
Fotografia: Priscila Prade (oficiais) e Ricardo Brajterman (gentilmente cedidas)
Comunicação Visual: Kelson Spalato
e Murilo Lima
Redes Sociais: Tiago Cunha e Felipe
Gonçalves
Mídia: Caio de Jesus
Assessoria Jurídica: Francez e
Alonso Advogados
Produção de Elenco: Marcela Altberg
Realização: BricaBraque e TeTo
Cultura
SERVIÇO:
Temporada: De 20 de junho a 28 de
julho de 2019.
Local: Teatro Oi Casa Grande.
Endereço: Avenida Afrânio de Melo
Franco, 290 – Leblon (Shopping Leblon) – Rio de Janeiro.
Estacionamento no Shopping Leblon.
Telefone: (210 2511-0800.
Dias e Horários: De 5ª feira a
sábado, às 20h; domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: 5ªs e 6ªs
feiras: Plateia Vip/Camarote: R$130,00; Plateia Setor 1: R$100,00; Plateia Setor
2: R$90,00; Plateia Setor 3: R$70,00
Sábados e domingos: Plateia
Vip/Camarote: R$150,00; Plateia Setor 1: R$120,00; Plateia Setor 2: R$90,00;
Plateia Setor 3: R$70,00.
(Meia entrada para todos os casos
previstos por lei.).
Classificação Etária: 12 anos.
Duração: 100 minutos.
Gênero: Comédia.
“O
MISTÉRIO DE IRMA VAP” é, sem dúvida, uma comédia engraçadíssima,
montada com muito cuidado e dedicação, “digestiva”, que só tem o propósito de
divertir, com bom gosto, inteligência, criatividade e acrescentando alguns toques
de críticas, as mais variadas.
Recomendo
o espetáculo, que pede um chopinho, depois, para que a diversão proporcionada
pela peça seja esticada.
E VAMOS AO
TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO
BRASILEIRO!!!
(FOTOS: PRISCILA PRADE - OFICIAIS -
e
RICARDO BRAJTERMAN - GENTILMENTE CEDIDAS.)
(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS FEITAS NO TEATRO PORTO SEGURO.)
Com Luís Miranda e Mateus Solano (entre uma sessão e outra).
Com os atores e o diretor, Jorge Farjalla (idem).
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