domingo, 16 de junho de 2019


NORMAL

(UMA LINHA TÊNUE DIVIDE
O QUE SEJA "NORMAL" DE "ANORMAL".)




            O espetáculo “NORMAL”, em cartaz do Teatro Rogério Cardoso, em horário alternativo (VER SERVIÇO), é uma daquelas surpresas agradáveis, que só o TEATRO pode nos proporcionar. Tendo ido pela paixão que me move, quando se trata de TEATRO, e por dever profissional, como crítico e jurado de dois prêmios teatrais, não imaginava que seria surpreendido com uma montagem franciscana, sem patrocínio, muito modesta mesmo, entretanto de bom nível, por causa da dedicação e do talento de todos os bons profissionais envolvidos no projeto.

       O texto, muito bom, por sinal, inédito, no Brasil, da autoria do dramaturgo escocês ANTHONY NEILSON, com tradução de ALEXANDRE AMORIM, é inspirado em fatos reais, retratando os últimos dias de um dos mais famigerados “serial killers” de que temos conhecimento, o alemão PETER KÜRTEN, que ficou conhecido como “o Vampiro de Düsseldorf”. Vale, também, o texto, para provocar uma reflexão acerca do que deve ser considerado “normal” e quem, o que, determina essa definição: cada um indivíduo ou seria aquilo que a sociedade rotulou e instituiu como isto ou aquilo. Nesse caso, os idealizadores desta montagem, RICARDO SOARES e FIFO BENICASA, questionam: “Toleramos monstros ou os criamos?”.







SINOPSE:

O jovem advogado JUSTUS WEHNER (FIFO BENICASA), partindo de suas investigações sobre PETER KÜRTEN (RICARDO SOARES), um “serial killer”, pretende provar, ao júri, que os assassinatos provocados por KÜRTEN são consequência de um desajuste social.

As descobertas sobre a família, totalmente disfuncional, de PETER, sua mulher, FRAU KÜRTEN (NARA MONTEIRO), uma ex-prostituta, e suas vítimas montam um quebra-cabeça, que leva o espectador a repensar o ser humano em sociedade.







            KÜRTEN destruiu a vida de dezenas de vítimas, entre fevereiro e novembro de 1929, na cidade de Düseldorf, na Alemanha. Praticou uma série de crimes bárbaros, entre assaltos, assassinatos brutais e abuso sexual, contra adultos e crianças. Sua sentença de morte, por decapitação, foi executada em 2 de julho de 1931. Sua cabeça, conservada para estudos. Posteriormente, foi dissecada e mumificada, e faz parte do acervo do museu "Ripley's Believe It or Not!", na cidade de Wisconsin Dells, nos Estados Unidos. Uma exibição macabra.

            Não se trata de uma peça para distrair, para divertir, servir como motivo para sair de casa, à procura de cultura e divertimento. É um espetáculo denso, exigindo, do espectador, muita atenção, que será a base para as reflexões que o texto propõe. É, forte, agressivo, por vezes; profundo e, acima de tudo, muito instigante, além de estar, ainda que as ações se passem no início da década de 1930, diretamente, muito relacionado ao momento presente, “quando a sociedade julga determinados tipos de comportamento, sem se aprofundar em suas causas e sem perceber as consequências que os julgamentos precipitados ocasionam”, como está escrito no “release” que me foi enviado por JULIE DUARTE (ASSESSORIA DE IMPRENSA).




E segue o “release”: “NORMAL” é uma das primeiras peças do autor escocês ANTHONY NEILSON, reconhecido por questionar conceitos não convencionais da sociedade. Um espetáculo inspirado em fatos reais, que apresenta uma exploração sombria e cômica dos últimos dias de vida de um dos mais famosos ‘serial killers’ do século XX: PETER KÜRTEN, mais conhecido como “o Vampiro de Düsseldorf”. (...) levanta questões sobre o desajuste mental, a violência e suas origens.”.

Depois de assistir à peça, chegamos à conclusão de que os meios não justificam os fins, absolutamente, contudo os explicam. Segundo o diretor do espetáculo, (O texto) é um reflexo da nossa sociedade atual” e, certamente, nos leva a uma reflexão sobre o papel e a importância da família na formação de um ser humano, o que moldará seu caráter e o seguirá por toda a sua vida. É óbvio que não darei nenhum “spoiler”, porém, tomando conhecimento do convívio familiar do estripador e de todas as adversidades e barbaridades pelas quais ele passou, somos levados a concordar com o advogado, o qual sabe que, dificilmente, não poderia salvar o cliente da pena de morte, mas, pelo menos, e acima de tudo, queria provar que suas ações criminosas sempre foram uma forma de “retribuir”, à sociedade, tudo aquilo de mal que lhe ofereceram, ao longo de sua infância e juventude.




“Abordar a vida de um ‘serial killer’, que, até hoje, tem sua cabeça exposta no museu ‘Ripley’s Believe it or Not’, nos leva a refletir se a externalização da violência é nata (sic) ou socialmente construída. A monstruosidade de um assassino é um desajuste mental ou a falta de perspectivas familiares, sociais são os condutores para este tipo de comportamento?”, questiona RICARDO SOARES, provocando-nos a examinar, criteriosamente, as ações do criminoso, atribuindo-lhes pesos e contrapesos.

“Para o dramaturgo, aquilo que o fascinou, no estripador de Düsseldorf, não foi tanto o fato de que ele era um assassino, mas a maneira como seu caráter foi predeterminado na infância.”. É para esse aspecto que ele nos chama a atenção, e é, exatamente, nisso que reside a provocação que o texto, muito bem traduzido, propõe.




A cada nova cena, uma surpresa, um choque maior o texto nos reserva. Ele nos tira de nossa zona de conforto e vai nos envolvendo num clima de medo, pena, dor, ódio, descrença na humanidade; enfim, servem-nos um coquetel de emoções e sensações dos mais diferentes sabores.

Ainda que montado, com a exigência de muito esforço e dedicação, sem patrocínios e fazendo uso de poucos recursos próprios, o projeto conta com nomes, uns mais, outros menos, conhecidos no universo teatral, mas que deram o melhor de si, a fim de que a montagem mereça ser vista e recomendada, como o faço agora.




Tudo é simples, porém criativo e feito com bom gosto e cuidado. A direção optou, muito acertadamente, a meu juízo, por um clima “noir”, revelado pelo interessante e prático cenário, de JOSÉ DIAS, diretor de arte; o, figurino, sóbrio e requintado, de PATRÍCIA TENIUS; a interessante trilha sonora original, de JOÃO SCHMID; e a boa iluminação, de ROGÉRIO MEDEIROS, tudo contribuindo para criar o já citado clima.

O elenco atua harmoniosamente, com garra e demonstrando bastante intimidade com o ofício de representar; destaque para os dois atores. FIFO BENINCASA consegue passar toda a sua angústia e tenacidade do personagem, lutando, para conseguir o que ele não imaginava, creio eu, ser tão impossível, porém aconteceu. RICARDO SOARES compõe, brilhantemente, seu personagem, com naturalidade, expressando o que quase chega a ser um cinismo, debochado, sem demonstrar o menor arrependimento por seus atos ignóbeis. Ainda agora, posso me lembrar de seu olhar macabro e, ao mesmo tempo, de um ser frágil, a quem, ao que parece, o amor, em todas as suas formas, o verdadeiro, jamais tenha sido apresentado. NARA MONTEIRO também marca presença nas cenas, em número menor, de que participa.




A trilha sonora, um dos pontos altos da montagem, foi composta especialmente para a peça. “...são músicas instrumentais, com atmosfera densa; toda ruidagem foi pensada e produzida, com o intuito de trazer mais força e dramaticidade para as cenas; algumas texturas transportam o público para um local ou situação especifica, como, por exemplo  um parque de diversões e um abate cruel de porcos”, conta JOÃO SCHMID. “Os elementos suspense, terror, loucura, nojo e repulsa, muitas vezes, se misturam com beleza e naturalidade, costurando as cenas e formando todo o desenho sonoro”, finaliza. Um trabalho, realmente, muito interessante e indispensável, na peça.







FICHA TÉCNICA:

Texto: Anthony Neilson
Tradução: Alexandre Amorim
Direção: Luiz Furlanetto

Elenco: Fifo Benicasa, Ricardo Soares e Nara Monteiro

Direção de Arte: José Dias
Figurinos: Patrícia Tenius
Iluminação: Rogério Medeiros
Trilha Sonora Original: João Schmid
Direção de Movimento: Stefano Giglietta
Bonecas: Sônia Maria Vicente Soares
Programação Visual: Welton Moraes
Redes Sociais: Julie Duarte
Fotos: Pedro Murad
Direção de Produção: CultConsult / Elaine Moreira + Cris Rocha
Realização: Fifo Benicasa e Ricardo Soares
Assessoria de Imprensa - Julie Duarte










SERVIÇO:

Temporada: De 04 a 26 de junho de 2019.
Local: Casa de Cultura Laura Alvim- Espaço Rogério Cardoso.
Endereço: Avenida Vieira Souto, 176, Ipanema – Rio de Janeiro. 
Telefone: (21) 2332-2016.
Dias e Horários: Às 3ªs e 4ªs feiras, às 19h. 
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) / R$20,00 (meia entrada).
Lotação: 53 lugares. 
Classificação Indicativa: 14 anos.
Duração: 90 minutos.
Gênero: Drama.







        Para quem gosta de TEATRO, é uma boa recomendação; para quem aprecia o gênero dramático, idem; para os que se permitem questionar o papel do ser humano, na sociedade, também.

              Em resumo, uma peça a que se deve assistir.




E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

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O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!





(FOTOS: PEDRO MURAD.)



































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