NADA
(GOTAS DE TCHEKHOV PARA ALIMENTAR A ALMA.)
Um
casamento perfeito: TCHEKHOV, GILBERTO GAWRONSKI, ANALU
PRESTES, CLARISSE DERZIÉ LUZ e RENATO KRUEGER. Poligamia
consentida. Isso é o que pode ser encontrado no espaço cênico do simpático Teatro
Poeira, às 3ªs e 4ªs feiras, às 21 horas, até o dia 26 de abril (2017).
Uma feliz ideia, desse grupo de
talentosos artistas, para nos pôr em contato, mais uma vez com a obra de um dos
maiores dramaturgos de todos os tempos, o russo Anton Pavlovitch TCHEKHOV (1860 — 1904).
TECHEKHOV foi médico,
dramaturgo e escritor russo,
considerado um dos maiores contistas de todos os tempos.
Como autor de TEATRO, além de
outras peças, escreveu quatro grandes clássicos: “A Gaivota”, “As Três Irmãs”,
“O Jardim das Cerejeiras” e “Tio Vânia”. Como contista, é considerado um dos melhores de todos os tempos. Costumava,
modesta ou ironicamente, dizer que "A medicina é a minha legítima esposa;
a literatura é apenas minha amante”.
Montar TECHEKHOV sempre foi um grande desafio,
para diretores e atores, uma vez que ele escreveu seus textos, mergulhado numa originalidade,
mais tarde, imitada por outros consagrados autores, que é a chamada técnica do “fluxo de consciência”, “em que se procura transcrever o complexo
processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com
impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de ideias”.
“NADA” consiste num trabalho
de recorte e colagem, com alinhavos, de
trechos de peças do dramaturgo russo. Como diz o diretor do espetáculo e responsável pela dramaturgia, GILBERTO
GAWRONSNKI, “É uma colagem. Usei trechos de peças de TCHEKHOV
das quais nós três (GILBERTO, ANALU e CLARISSE) participamos, mas tendo como
base “O Canto Do Cisne” e “Malefícios Do Tabaco”. ANALU estava na montagem de
‘As Três Irmãs’, direção de José Celso Martinez Correa, 1972. Clarisse fez ‘O Jardim
Das Cerejeiras’, direção de Paulo Mamede, em 1989. Eu participei de ‘A
Gaivota’, direção de Enrique Diaz, em 2006. E coloquei, ainda, um pedacinho de
‘Rei Lear’, de Shakespeare, direção de Ron Daniels, com Raul Cortez, onde eu
interpretava o Bobo, 2000” .
SINOPSE:
A
peça começa com um velho ator, VASSIL VASSÍLITCH (ANALU PRESTES), fazendo, pela última vez, o monólogo “Malefícios do Tabaco”. Ele não quer ir
para casa, o que não lhe causa o menor prazer, porque não tem ninguém a
esperá-lo, e fica no camarim, contracenando com o Ponto (NIKÍTUCHKA (CLASISSE DERZIÉ LUZ), que mora no teatro.
Eles
confabulam sobre reminiscências, trocando desabafos, bebendo vodca, e
atravessam a madrugada, interpretando personagens de TCHEKHOV, principalmente.
O
texto é sobre fazer TEATRO, sobre a
vida e sobre o tempo.
Algo que acontece, no fim de um
espetáculo, inverte a situação e faz o público enxergar um teatro vazio,
fechado e sem gente. O teatro é uma casa que vive de movimento.
O foco da peça desloca-se da
“situação cômica”, de alguém que dá uma conferência sobre um tema sobre o qual
não entende nada, para se centrar na tragicomédia da existência de um homem.
Segundo o “release” da
peça, enviado pela assessoria de imprensa (LUIZA MARTINS),
observa-se, no espetáculo, que “A atualidade de um autor que mudou a
dramaturgia mundial ganha encenação inusitada, que transita pela ambiguidade de
gêneros”,
isso porque duas atrizes interpretam papéis masculinos, os quais, por sua vez,
dentro de uma metalinguagem, vivem personagens femininas, “em atmosferas revestidas de sutilezas”. São dois “homens”,
que interpretam duas “mulheres”, mas que, no final, são apenas dois seres humanos.
O título
da peça se explica pelo fato de ela
ter surgido do “nada”. Melhor
dizendo, ANALU e CLARISSE procuraram GAWRONSKI, apenas com a vontade da
realização de um trabalho juntas, dirigidas por ele. Não sabiam o que queriam,
não tinham um texto em mente, até
que surgiu, via GILBERTO, do “nada”, a ideia deste espetáculo, logo
aceita pela dupla de atrizes e grandes amigas.
“NADA” também pode remeter a um estado
de consciência do ser humano, sob determinadas pressões e/ou situações. Pode
ser, ainda, a resposta para um drama existencial: O que somos? “NADA”?
GILBERTO
GAWRONSKI assina uma ótima direção, deixando ANALU e CLARISSE quase livres, para criar e dar vazão ao potencial
interpretativo, que não é pequeno, da dupla de grandes atrizes do TEATRO BRASILEIRO. A elas, junta-se RENATO KRUEGER, que, além de ser
responsável pelas criação da imagens
projetadas e pela operação de as tornar visíveis à plateia, faz uma
pequena, porém, marcante, participação como ator.
Para GILBERTO,
a dramaturgia que está em cena usa a
própria vivência dos “performers”. “Isso
me inspira e me sensibiliza. Meu trabalho foi muito intuitivo, mas agrega 40
anos fazendo teatro. Tem horas que me pergunto: qual é o gênero dessa peça? É
comedia, drama? Tem até um pouco de musical. Acredito muito nela como um evento
teatral. TCHEKHOV sempre brinca com o lúdico e o poético que está nessa casa
que a gente habita em comum, o teatro”.
Com temos verificado, ultimamente, em muitas
e grandes montagens teatrais, a utilização de projeções, quer para ajudar a compor o cenário, quer para fazer intervenções nas cenas, tem sido uma
constante, felizmente, na maioria da vezes, empregadas da melhor forma
possível. Aqui, também, devemos destacar tal elemento, muito bem utilizado, sob
a responsabilidade de RENATO KRUEGER,
tanto no trabalho de produzir o material como o de projetá-lo.
O cenário procura deixar à mostra, no
espaço cênico, poucos elementos, suficientes para sugerir ora um camarim, ora
um palquinho. A concepção cenográfica,
assim como a iluminação, também são
obra de GILBERTO GRAWONSKI e
funcionam muito bem.
O figurino,
segundo o diretor da peça, “é
muito especial e tem um valor afetivo”, uma vez que “Marília
Pêra me doou o seu acervo com uma frase muito bonita: ‘Queria que isso não
virasse museu, que servisse para vestir outros personagens’”.
FICHA TÉCNICA:
Textos:
Anton Tchekov
Dramaturgia
e Encenação: Gilberto Gawronski
Elenco:
Analu Prestes, Clarisse Derzié Luz e Renato Krueger
Concepção
Cênica: Gilberto Gawronski
Iluminação:
Gilberto Gawronski
Fotos e
Projeções: Renato Krueger
Direção
de Produção: Jessica Leite
SERVIÇO:
Temporada:
De14/03/ a 26 de abril.
Local:
Teatro Poeira.
Endereço:
Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio
de Janeiro .
Telefone: (21) 2537-8053.
Dias e
Horários: às 3ªs e 4ªs feira, às 21h.
Valor do
Ingresso: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).
Duração:
70 minutos.
Indicação Etária: 12
anos.
Achei
oportuno, para facilitar a compreensão do universo tchekhoviano e
estimular a ida ao TEATRO, para assistir a esta excelente peça, a
transcrição de algumas frases da autoria de TCHEKHOV:
Sobre o AMOR: “Aquilo que provamos,
quando estamos apaixonados, talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra, ao homem, como é que ele
deveria ser sempre”.
Sobre a AUTOESTIMA: “Valoriza-te para mais: os
outros se ocuparão em baixar o preço”.
Sobre a HONESTIDADE: “Todos nós sabemos o que é
uma ação desonesta, mas o que é a honestidade,
isso, ninguém sabe”.
Sobre a ARTE: “As obras de arte dividem-se em duas categorias: as de que gosto e as de que não
gosto. Não conheço outro critério”.
Sobre a CONFIANÇA: “Confia no teu cão até o último
momento, mas, na tua mulher, ou no teu marido, apenas até a primeira ocasião”.
Sobre a LIBERDADE: “Não tenhas medo de parecer
palerma; antes de tudo é preciso ter o espírito livre; só quem não teme
escrever palermices tem o espírito livre”.
Sobre o CASAMENTO:
“Se tens medo da solidão, não te cases”.
Sobre a PALAVRA: “Não permitais
à língua ultrapassar o pensamento”.
Os
assuntos que motivaram as frases acima, e outros, estão presentes na peça, como
gotas de uma poção medicamentosa, que nos faz muito bem ao espírito. Em pouco
mais de uma hora, o público se delicia com o belo trabalho que lhe é mostrado,
motivo pelo qual recomendo o espetáculo.
(FOTOS: RENATO KRUEGER.)
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