MUSICAL
CARTOLA – O MUNDO É UM MOINHO
(UMA LIÇÃO DE COMO
SE FAZER
UM MUSICAL.)
Nos últimos anos,
temos assistido a uma invasão de musicais
e pseudomusicais, no cenário teatral
brasileiro. Por conta dos excelentes acertos de alguns, muitos acham que sabem
o que é e como se faz um musical. Tenho
pena desses equivocados. Sugiro, então, aos aprendizes, que se julgam mestres,
que assistam a “MUSICAL CARTOLA – O
MUNDO É UM MOINHO”, para terem uma aula magna de COMO SE FAZER UM MUSICAL, já que considero esta montagem um exemplo
do que deve ser feito, quando se pretende levar à cena tal gênero.
A peça está em cartaz no Teatro
Carlos Gomes (Ver SERVIÇO.) e é parada obrigatória para os que apreciam um TEATRO de verdade, em forma de musical.
Tive
a gratíssima oportunidade de assistir a ele, no dia 31 de outubro de 2016, em São
Paulo, onde fez uma longa e vitoriosa temporada, sucesso absoluto de
público e de crítica, no Teatro Sérgio
Cardoso, que é bem grande e contou, quase todos os dias, com a lotação
esgotada.
Voltei
a ele, aqui, no Rio de Janeiro, no sábado, 18 de março de 2017. Se já
havia me encantado, na primeira vez, agora apreciei muito mais essa maravilha de espetáculo.
(Foto: Vânia Toledo.)
“AINDA É CEDO, AMOR.
MAL COMEÇASTE A CONHECER A VIDA,
JÁ ANUNCIAS A HORA DE PARTIDA,
SEM SABER MESMO O RUMO QUE IRÁS TOMAR.”
SINOPSE:
A trama se desenha em meio a um universo
familiar para CARTOLA: dentro de uma
escola de samba.
A dramaturgia
retrata a quadra da escola em processo criativo, para o desenvolvimento de um
desfile de carnaval.
O carnavalesco da escola desenvolve o
tema, para os componentes da agremiação, explica-lhes, principalmente ao
patrono da escola, sobre o enredo.
Assim, ele inicia a história, que
permeia fatos importantes da vida de CARTOLA,
em meio a conflitos cotidianos por que passa uma agremiação carnavalesca,
pautados pelas canções do homenageado.
A partir daí, inicia-se uma deliciosa e
rica história.
Naturalmente, o musical também mergulha
fundo no coração do sambista, ao falar da paixão de CARTOLA pela Mangueira e
pelo amor à sua eterna companheira, DONA
ZICA, com quem foi casado e dividiu sua vida por 26 anos.
No elenco, 18 atores, 8 músicos e 100 profissionais envolvidos
diretamente no projeto. O espetáculo conta, ainda, com a participação de
artistas de relevância no universo proposto. São diferentes cantores,
convidados, que, inseridos na trama, se apresentam a cada sessão.
UM POUCO DA VIDA DE CARTOLA:
Angenor de Oliveira, mais
conhecido como CARTOLA (Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1908 - Rio de Janeiro, 30 de
novembro de 1980), nasceu no bairro
do Catete, mas passou a
infância em Laranjeiras.
Tomou gosto pela música e pelo samba ainda menino e aprendeu, com o pai, a
tocar cavaquinho e violão.
Dificuldades financeiras obrigaram a
família, numerosa, a se mudar para o Morro da Mangueira, onde, então, começava a
despontar uma favela.
Lá, logo conheceu, fazendo uma amizade
para a vida inteira, Carlos
Cachaça, personagem importante
na peça, seis anos mais velho, e outros bambas,
e se iniciaria no mundo da boêmia, da malandragem e do samba.
Com 15 anos, após a morte de sua mãe, abandonou os estudos, tendo
terminado apenas o antigo curso primário. Arranjou
emprego de servente de obra (pedreiro) e passou a usar um chapéu-coco, para se proteger do cimento que caía de cima. Por usar esse
chapéu, ganhou, dos colegas de trabalho, o apelido
de CARTOLA.
Aos 17 anos, o pai deixou o Morro da Mangueira e abandonou o filho,
legando-lhe, como “herança”, apenas um cavaquinho, desaparecendo no mundo, sem
que, antes, o desclassificasse, chamando-o de “vagabundo”. CARTOLA era
muito mulherengo e descuidado com sua vida sexual.
Com
o abandono do pai, passa a ser “cuidado” por DEOLINDA, uma mulher casada, que trata de suas doenças venéreas e passa
a manter, com ele, um romance clandestino, até que o marido descobre. Isso se
dá no final dos anos 20. DEOLINDA
morreu do coração, dentro de um cinema, e CARTOLA
não se conforma por não estar ao lado dela, que tanto o ajudou (A cena é muito bonita e emocionante.),
valorizada pela atuação de FLÁVIO
BAURAQUI.
DONÁRIA
(LU FOGAÇA) foi o segundo amor de CARTOLA.
Com ela, ele deixou o Morro e foram
morar no Caju, bairro da zona
portuária do Rio de Janeiro. Parece
que ela, que não era de “bons bofes”, não aguentou viver com ele e desapareceu
no mundo.
É aí, depois de alguns anos, que
surge, na vida dele, seu grande amor, EUZÉBIA,
a famosa DONA ZICA, que o procura,
no Caju, por indicação de CARLOS CACHAÇA; ela, que tivera, na
adolescência, um ligeiro chamego com o nosso protagonista.
Junto com um grupo de amigos sambistas
do Morro da Mangueira, CARTOLA criou o Bloco dos Arengueiros, nome dado ao
cordão, pois só viviam se metendo em brigas e confusões (arengas). Foi o núcleo
para a fundação da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em 1928.
Como os blocos viviam em desavenças, CARTOLA
queria a paz entre eles, vendo, então, na junção de todos os blocos da Mangueira numa só agremiação, a
resolução do problema.
Ele compôs, também, o primeiro samba-enredo
para a escola, "Chega
de Demanda". Nos anos seguintes, compôs outros, para os
desfiles. Os sambas de CARTOLA se
popularizaram na década de 1930, em vozes ilustres como Araci de
Almeida, Carmen
Miranda, Francisco
Alves, Mário Reis e Sílvio Caldas.
Naquela época, era comum uma prática,
no mínimo, imoral, que era a compra e venda de sambas. Não só o nosso herói,
mas também outros grandes sambistas venderam muitos sambas, que se tornaram
grandes sucessos, para cantores e compositores famosos. No caso de CARTOLA, compraram seus sambas Mário Reis e Francisco Alves, entre outros. Mário
chegava a subir o Morro, para fazer
as negociações (“Que Imperfeita Sorte” foi
o primeiro), sempre intermediadas
por CARLOS CACHAÇA, ao valor médio
de trezentos mil réis.
Francisco
Alves foi o primeiro a gravar uma composição de CARTOLA, que levava a sua assinatura: “Divina Dama”. Foi na Rádio
Mayrink Veiga, uma das líderes de audiência da época, o que tornou o
compositor famoso.
Na Feira Internacional de Amostras, em 1937, CARTOLA venceu
o concurso de melhor compositor e
ganhou uma medalha, que, posteriormente, seria “colocada no prego” (empenhada), por necessidade de dinheiro. CARTOLA não conseguia gravar um disco.
Quando Noel Rosa morreu, precocemente, aos 26 anos, CARTOLA, em sua homenagem, compôs um belíssimo samba, “A Vila Emudeceu”, que é uma das mais
belas cenas do espetáculo.
Em 1961, em parceria com CARLOS
CACHAÇA, CARTOLA participou do
concurso para a escolha do samba-enredo da Mangueira,
ficando em 3º lugar. O fato o
magoou, abalou o compositor de uma
tal maneira, que ele jurou nunca mais compor um samba-enredo para a escola,
jura que cumpriu. A cena de desolação, pela perda, chega a ser patética, de tão
triste. Foi como uma punhalada recebida no peito verde e rosa.
Caindo no ostracismo, ele
vivia bêbado e foi trabalhar de lavador de carros, em Ipanema, onde, num bar,
foi reconhecido pelo jornalista Sérgio
Porto, o Stanislaw Ponte Preta, considerado,
por CARTOLA, um “anjo” em sua vida, pois foi quem o introduziu no mundo do
profissionalismo. Sérgio era
sobrinho de Lúcio Rangel, um dos
maiores críticos de música popular, o qual deu a cartola o apelido de “Divino”.
Em 1974, aos 66 anos, CARTOLA gravou o primeiro de seus
quatro discos-solo e sua carreira tomou impulso, de novo,
com clássicos instantâneos, como "As
Rosas Não Falam", "O Mundo é um Moinho", "Acontece", "O Sol Nascerá" (com Elton
Medeiros), "Quem
Me Vê Sorrindo" (com Carlos
Cachaça), "Cordas de Aço", "Alvorada" e "Alegria". Teve outros
parceiros, menos conhecidos, mas de grande talento, como Dalmo Castello (“Amiga Oculta”, “Corra e Olha o Céu”, Covardia”, “Disfarça
e Chora”, “Motivação”, Passarada” e outras.).
Tornou-se “cult”, como também aconteceu com Dona Ivone Lara, Clementina
de Jesus e outros talentos equivalentes, que só foram descobertos já idosos.
No final da década de 1970, mudou-se da Mangueira para uma casan em Jacarepaguá,
onde morou até a morte, em 1980.
“PRESTE ATENÇÃO, QUERIDA!
EMBORA EU SAIBA QUE ESTÁS RESOLVIDA,
EM CADA ESQUINA, CAI UM POUCO A TUA VIDA,
EM POUCO TEMPO, NÃO SERÁS MAIS O QUE ÉS.”
O
grande diferencial deste musical é
que parece ser biográfico, e o é, sem que o seja. Confuso?
Explico: O texto, ótimo, por sinal,
foge, completamente, à estrutura dos musicais
biográficos, uma vez que a proposta do dramaturgo,
ARTUR XEXÉO, é contar a história de
um dos nomes mais representativos da Música
Popular Brasileira, considerado, por muita gente importante do mundo da
música, como “o maior sambista
brasileiro de todos os tempos”, porém inserida num enredo de uma escola de
samba.
É aí que
reside a originalidade do texto. Um
carnavalesco, LUIZINHO (HUGO GERMANO)
se propõe a apresentar, à comunidade de uma escola de samba, a sua proposta para
o próximo enredo, que é, exatamente, uma homenagem a CARTOLA. A escola de samba, no caso, é a Arengueiros de Curicica, afilhada da Mangueira, esta uma das grandes paixões de CARTOLA.
Não
tenho o menor problema em dizer que nunca gostei de um musical escrito por XEXÉO, autoral, embora já tenha
apreciado bastante algumas de suas versões de textos estrangeiros para o nosso
idioma. Acho que, durante todo esse tempo, XEXÉO
observou bastante, aprendeu e chegou à perfeição no texto de “...CARTOLA...”.
Todas as situações criadas são muito boas e o resultado final da dramaturgia é excelente. Nada como uma
boa pesquisa e a vontade de acertar. Deu certo mesmo!
XEXÉO não se limita a contar a vida de CARTOLA, pura e simplesmente, mas o faz
inserida num contexto muito interessante, que é traduzido pelos bastidores da
preparação de uma escola de samba, para um desfile oficial. Todas as mazelas
das quais costumamos ouvir falar, todas as dificuldades e sacrifícios, às
vezes, revelados, para se pôr uma escola na Avenida estão presentes nesta peça.
Os
diálogos são muito bem construídos, a
exploração dos detalhes que marcaram a vida do consagrado compositor - mais que
cantor – foi devidamente valorizada e é ótima a escolha das canções e a
precisão com que foram inseridas nas cenas.
XEXÉO acertou em tudo, entretanto
gostaria de pôr em evidência alguns detalhes que me chamaram a atenção e que
julgo excelentes no roteiro.
Em primeiro lugar, gosto da ideia de o
carnavalesco iniciar a encenação, dirigindo-se à plateia, para explicar o que
se vai ver em cena. Não que fosse necessário, mas é um detalhe que, em termos
de compreensão do espetáculo, nivela todos da plateia, uma vez que lá,
diariamente, estão dezenas de pessoas de pouca cultura teatral e que merecem tal
consideração, por unca terem ido a um teatro.
Outro
aspecto interessante é a criação do elemento “suspense”, tanto com relação ao momento da revelação sobre o
verdadeiro nome de CARTOLA (ANGENOR ou
AGENOR) e quanto ao(à) convidado(a) do dia, que, na trama, é uma
personalidade do SAMBA, que visitará
a quadra, a convite da agremiação, para provar a feijoada de SONINHA (ADRIANA LESSA).
Isso faz parte
da proposta e, a cada sessão, o musical apresenta um(a) convidado(a). Em
São Paulo, tive o prazer de ver e
ouvir PÉRICLES, cantando “O Sol Nascerá” e “AS Rosas Não Falam”. No Rio,
foram duas convidadas: VIRGÍNIA ROSA,
descaracterizada da personagem, e GRAZZI
BRASIL (idem). Esta interpretou “As Rosas
Não Falam”, seguida de um coral de cerca de 600 pessoas.
Também
merece destaque, na arquitetura do texto, o fato de o carnavalesco se utilizar dos
momentos e experiências da vida do homenageado, para criar alas e alegorias a
eles relacionadas.
Não
poderia deixar de mencionar os excelentes toques de bom humor, que o autor
incorporou ao texto, tornando-o
leve, principalmente pela boca do personagem LUIZINHO (HUGO GERMANO), o carnavalesco, de AURÉLIA PITANGAS (o nome já desperta risos), uma das fundadoras da Arengueiros, personagem da hilária “drag queen” SILVETTY MONTILLA, e do
próprio CARTOLA. Com este, o humor
vem, principalmente, do seu mau humor,
mormente quando lhe perguntam a origem do apelido, que ele já não aguentava mais
explicar, além de outras situações.
Uma outra “sacada”
igualmente interessante é a crítica que o autor faz aos quilométricos títulos
dos enredos das escolas de samba nos últimos tempos. Aproveito, aqui, para
acrescentar uma outra crítica, minha, a algo que me incomoda bastante, que é
ver a autoria desses sambas dividida por um verdadeiro time de futebol. Acho um
absurdo que tenham de se reunir, se é que o fazem, cinco, seis, sete, oito
pessoas, para compor um samba-enredo. Não sei o que está por trás disso, mas
não me parece nada louvável.
O
musical foi idealizado pelo ator e produtor JÔ
SANTANA, contando com a já tão decantada dramaturgia de ARTUR
XEXÉO, com direção e encenação
de ROBERTO
LAGE. Para desenvolver o texto, XEXÉO levou em consideração a rica
pesquisa de NILCEMAR
NOGUEIRA, neta
de CARTOLA.
Segundo
as palavras de JÔ SANTANA, extraídas
do belo programa do espetáculo, “Muito
mais que contar uma história, estamos evidenciando a fundamental importância da
história da cultura do nosso país. CARTOLA e sua genialidade se torna
contemporâneo, quando percebemos que o SAMBA, reconhecido como PATRIMÔNIO
IMATERIAL, comemorou, no ano de 2016, seu centenário. O SAMBA, criado pelos
Mestres CARTOLA, Nélson Sargento, Donga, Dona Ivone Lara, Martinho a Vila,
entre tantos, está, sim, na veia da Música Popular Brasileira, como dizia Nara
Leão”.
O
espetáculo aporta no Rio de Janeiro vitorioso, uma vez que recebeu indicações a cinco prêmios, em São Paulo:
Melhor Visagismo - Prêmio Arte Qualidade
Brasil; Melhor Ator: Flávio Bauraqui
- Prêmio Aplauso Brasil; Melhor
Espetáculo Musical - Prêmio Aplauso Brasil; Melhor Ator: Flávio Bauraqui - Prêmio APCA; Melhor Ator: Flávio Bauraqui - Prêmio Revista Quem. No Rio, certamente, não será diferente. Espero!!!
Segundo o “release” da peça, enviado pela assessoria de imprensa (VINÍCIUS – KASSU ASSESSORIA), “Trata-se
de um espetáculo que é um marco muito importante para os artistas negros do
Brasil. Vejamos o que, sobre isso, diz o idealizador do projeto e produtor, JÔ
SANTANA: ‘O espetáculo ganhou proporções maiores do que apenas uma peça teatral,
tornando-se uma grande ação de empoderamento dos artistas negros deste país,
além de revelar novos talentos (atores e atrizes) negros’.”.
Isso é um fato
marcante e duplamente importantíssimo, num universo em que predominam artistas
brancos e já conhecidos. É evidente que a ARTE
NÃO TEM COR NEM RAÇA, mas é
muito importante poder ver, em cena, tantos artistas negros, de indiscutível
valor, muitos dos quais desconhecidos do grande público, brilhando em seus
trabalhos. Não vejam, aqui, nenhuma ação de levantar bandeiras a favor de
igualdade entre raças, mas não se pode fugir ao que é evidente. É preciso que,
cada vez mais, sejam dadas oportunidades a esses atores de mostrar quão
talentosos são. Confiram isso,
assistindo à peça!!!
Os únicos
atores convidados para o espetáculo foram FLÁVIO
BAURAQUI e VIRGÍNIA ROSA. Os
demais se submeteram a testes, em audições. Foram 3000 inscrições; mais de 400 audições; foram
selecionados 16 candidatos. Isso é uma prova cabal da importância, hoje, do
TEATRO MUSICAL BRASILEIRO e da
magnitude deste projeto.
Não há muito o
que falar da corretíssima direção,
de ROBERTO LAGE; seria uma sucessão
de redundâncias.
O elenco deve ter sido mesmo o suco do
que passou pelas audições. Os selecionadores devem ter escolhido, de verdade, o
melhor material humano, para dar vida aos personagens. Acertaram em cheio!!! Dos personagens mais importantes aos de menor
relevância, na trama, cada um defende, com garra e perfeição, sua participação
na peça.
É claro que
todos os destaques vão para o protagonista, FLÁVIO BAURAQUI, entretanto, depois, tecerei alguns comentários,
que julgo pertinentes, sobre outros do elenco.
FLÁVIO, que sempre considerei um bom
ator, surpreendeu-me, confesso, na composição do personagem. Diria que é um
fortíssimo candidato a prêmios de Melhor
Ator, referente à temporada carioca. Seu trabalho é comovente, digno de
todos os aplausos e gritos de “BRAVO!”,
como os que partiram de mim, nas duas vezes em que vi o musical.
Não percebi um
senão no admirável trabalho do ator, daqueles que entram para os anais do TEATRO e se tornam inesquecíveis. Da
fase jovem do personagem até a última cena, que, felizmente, não retrata a sua
morte (O espetáculo começa com uma cena
triste – o abandono do pai -, mas é alegre e termina bem “para cima”, num
desfile apoteótico, com CARTOLA e DONA ZICA no alto de um carro alegórico,
durante o desfile da escola de samba), o ator se comporta com uma invejável
perfeição, reproduzindo gestos, posturas e, até mesmo, a voz do personagem.
Além de um
excelente ator, FLÁVIO se mostra um
bom cantor e emociona a plateia, em todos os seus solos, plateia esta que o
acompanha, em coro, como, também, em, praticamente, todos os números musicais.
CARTOLA procurava enfatizar os “erres”, e FLÁVIO o repete em cena, parecendo querer evidenciar uma das marcas
registradas do personagem.
O ator sabe
dosar as emoções e nos proporciona uma interpretação digna do mais profundo e
sincero reconhecimento.
“OUÇA-ME BEM, AMOR,
PRESTE ATENÇÃO, O MUNDO É UM MOINHO.
VAI TRITURAR TEUS SONHOS, TÃO MESQUINHO,
VAI REDUZIR AS ILUSÕES A PÓ.”
ROBERTO LAGE imprimiu um excelente ritmo ao espetáculo, foi muito feliz nas marcações e deve ter pesquisado bastante o universo referente à preparação de um desfile de escola de samba, para levá-lo ao palco. Fez um ótimo trabalho de direção!
Já
feitos comentários sobre o texto e a
direção da peça, cabe-me considerar
os outros elementos do espetáculo.
Admiro, profundamente, o trabalho de todo o
elenco e já, até, falei do protagonista.
VIRGÍNIA ROSA tem o tamanho de DONA ZICA. Não estou me referindo à
estatura, mas ao nível de interpretação. Consegue passar aquilo que a
personagem parecia ser, na realidade: delicada, suave, romântica, companheira...
A atriz faz um excelente trabalho e nos honra com a abertura do espetáculo,
numa primorosa interpretação de “O Mundo
é um Moinho”. Boa atriz e cantora.
Acho excelente a ideia da direção de
colocar a personagem de VIRGÍNIA fora
de cena, observando algumas passagens, antes de ter entrado na vida de CARTOLA. É muito interessante a postura
da atriz, nessas cenas. Acertou a direção
no convite à VIRGÍNIA; acertou esta,
mais ainda, na composição da personagem.
HUGO GERMANO é, como dizia a minha avó,
“um azougue”, em cena. Para quem não
sabe - e nem tem a obrigação de saber, principalmente os mais jovens -, “azougue significa mercúrio, o metal líquido; por extensão, diz-se, pelo processo de
conotação, da pessoa de muita vivacidade
e inquietude”. Excelente ator e
cantor, ele não consegue parar um minuto, em cena, concedendo, a esta, um
ritmo agitado, como reflexo de seu entusiasmo pela árdua tarefa de dar vida ao
personagem do carnavalesco.
Participa como um mestre de cerimônias
e narrador do enredo. Provocativo,
inventivo, instigante, alegre, mesmo quando tem de aparar as arestas, o ator,
muito carismático, consegue uma total comunicação com o público, o que é
retribuído por muitos e merecidos aplausos.
ADRIANA LESSA se desdobra na
temperamental chefe da ala das cozinheiras (SONINHA)
e DEOLINDA, a primeira companheira
de Cartola. A atriz veste bem as duas fantasias.
Uma atração à
parte, nesta montagem, é a ótima participação da “drag queen” SILVETY MONTILLA, já citada, que interpreta a
engraçadíssima e meio enigmática AURÉLIA
PITANGAS, uma sócia-fundadora da escola de samba em questão. Com uma veia
cômica nata e um excelente poder de comunicação e improviso, é responsável por provocar
boas gargalhadas na plateia.
O veterano AUGUSTO POMPÊO faz um bom SEBASTIÃO, pai de CARTOLA.
O fiel amigo CARLOS CACHAÇA recebe um bom
tratamento, por parte do ator EDUARDO
SILVA.
RENATA VILELA é SUELLEN, de uma burrice abissal, porém do tipo “gostosa”, “protegida”,
para usar um eufemismo, de CAPITÃO,
o patrono da escola, feito por IVAN DE
ALMEIDA. SUELLEN é uma negra “alourada”,
que, por desejo de seu “protetor”, estava destinada a ser DONA ZICA, no desfile, para desespero do carnavalesco LUIZINHO.
LARISSA NOEL (GIGI) e GABRIEL VICENTE (CHIQUINHO) formam um
casal e são, respectivamente, a porta-bandeira
e o mestre-sala da escola. Eles se
desentendem, querem se separar e, consequentemente, desfazer a dupla de
dançarinos, o que é mais um problema para LUIZINHO
administrar.
Em papéis
secundários, porém com boas atuações, ainda relacionamos ANDRÉA CAVALHEIRO (VALDIRENE),
GRAZZI BRASIL (GIOVANNA), FLÁVIA
SAOLLI (VEVETE), PAULO AMÉRICO (BOLA
7), RODRIGO FERNANDO (BARÃO) E ANDRÉ MUATO (DEDÉ). Alguns fazem mais de um
personagem.
Na parte de criação, além do idealizador do projeto, JÔ
SANTANA; do diretor e encenador,
ROBERTO LAGE; do dramaturgo, ARTUR XEXÉO; e da pesquisadora,
NILCEMAR NOGUEIRA, todos já citados,
devemos destacar o ótimo trabalho de direção
musical, feito por RILDO HORA,
um veterano e competente produtor de discos de sambistas; a boa coreografia, de ALEX MORENNO;
o trabalho de diretor musical assistente
e preparador vocal e regente, de GUILHERME TERRA; JOANAH ROSA, como diretora
assistente; RICARDO GAMBA, como diretor residente e produtor de elenco; LUCIANO FERRARI, figurinista; PAULA DE PAOLI,
cenografia; RAFEL PORAZZA, comunicação
visual; FRAN BARROS, iluminação, RENATO ARAÚJO, diretor de
produção; DANI CORREIA, diretora financeira; e SIMONE GALIANO, diretora de comunicação.
Dois elementos
importantes, da parte técnica,
merecem destaque: a cenografia e os figurinos.
O cenário reproduz, com bastante
fidelidade, uma quadra de ensaios de uma escola de samba, com predominância,
quase na totalidade, das cores verde e rosa, com variações de matizes. O espaço
lembra muito o Palácio do Samba,
como é conhecida a quadra da Mangueira.
Para quebrar um pouco a predominância das cores da Estação Primeira, as mesas e cadeiras, distribuídas pela quadra, são
de cores diversas, em tom pastel, o que forma um conjunto muito alegre, bonito
e harmonioso. O espaço da quadra é livre, para as evoluções dos sambistas. Vez por
outra, entram alguns elementos cênicos, para a composição de algum ambientes,
como o quarto de CARTOLA, por
exemplo, que se projeta do fundo do palco, além de outros detalhes cênicos.
O figurinista foi muito feliz no desenho
e confecção dos figurinos, todos de
muito bom gosto e acabamento e inseridos na proposta do espetáculo.
FRAN BARROS é responsável por uma bonita luz, colorida e variada, que valoriza cada cena.
FRAN BARROS é responsável por uma bonita luz, colorida e variada, que valoriza cada cena.
Não havia feito,
ainda, uma menção ao excelente trabalho de visagismo,
de ELISEU CABRAL, ganhador de prêmio,
principalmente no que se refere a transformar FLÁVIO BAURAQUI em CARTOLA
e VIRGÍNIA ROSA em DONA ZICA.
Seria injusto
não citar os músicos, que ficam no
alto, ao fundo da “quadra”: GUILHERME
TERRA (piano e regência), MÁRCIO MELO (piano “stand inn”), MARCUS
THADEU (bateria), OMAR CAVALHEIRO (baixo), HENRIQUE CAZÉS (cavaquinho), MÁRCIO GUIMARÃES e RODRIGO
SANCHEZ (percussão), LUCAS BRITO (sopro) e BRUNO VIEIRA (violão de 7 cordas).
Não sei se foi
o mesmo naipe de músicos que atuou no Rio,
mas foi com esses que assisti ao espetáculo em SÃO PAULO. Pode ser que tenha havido uma ou outra substituição, por
músicos locais. De qualquer forma, todos
são excelentes.
É importante,
num musical - todos sabemos - que o som seja projetado de forma clara e
cristalina, para que o público não perca nenhum detalhe do texto e das letras
das canções. BRUNO PINHO faz um
correto trabalho de desenho de som e não nos deixa correr tal risco.
É muito bom o
momento em que o autor do texto
relembra o “Zicartola”, restaurante
do qual o casal ZICA e CARTOLA foi proprietário, no Centro do Rio de Janeiro (Rua da Carioca,
53), por menos de dois anos, mas que foi palco de apresentações de grandes
nomes da MPB, além do proprietário.
Por lá, passaram, por exemplo, Zé Keti,
Élton Medeiros, Nélson Cavaquinho e Nara Leão.
Foi lá que CARTOLA pediu a mão de DONA ZICA, em casamento, depois de dez
anos de convivência, e lá, também, se casaram.
Para o
casamento, DONA ZICA conseguiu levar
SEBASTÃO, seu sogro, e promover a
reconciliação entre pai e filho, o que constitui a penúltima cena do espetáculo
– linda, por sinal -, quando o pai também faz uma comovente interpretação de “O Mundo é um Moinho”.
Para o “desfile
da escola”, ARLINDO CRUZ, em
parceria com IGOR
LEGAL, compôs,
com exclusividade, o samba-enredo “Mestre
Cartola”, que
encerra o espetáculo.
O “MUSICAL CARTOLA – O MUNDO É UM MOINHO”
chegou ao Rio de Janeiro, berço do
samba, no Brasil, para ficar. Agrada a todos que assistem ao espetáculo e, certamente,
fornecerá algumas indicações de nomes a prêmios, por sua inquestionável qualidade,
no gênero de TEATRO MUSICAL.
Recomendo, com
muito empenho e entusiasmo, a peça e ainda pretendo assistir a ela pela terceira
vez.
VIVA CARTOLA!!!
VIVA O TEATRO MUSICAL BRASILEIRO!!!
“PRESTE ATENÇÃO, QUERIDA,
DE CADA AMOR, TU HERDARÁS SÓ O CINISMO.
QUANDO NOTARES, ESTÁS À BEIRA DO ABISMO,
ABISMO QUE CAVASTE COM OS TEUS PÉS.”
FICHA TÉCNICA:
Idealização:
Jô Santana
Dramaturgia:
Artur Xexéo
Direção
e Encenação: Roberto Lage
Diretora
Assistente: Joanah Rosa
Diretor
Residente: Ricardo Gambá
Pesquisa:
Nilcemar Nogueira
Direção
Musical: Rildo Hora
Direção
Musical Assistente: Guilherme Terra
Elenco: Flávio Bauraqui, Vírgínia Rosa, Hugo
Germano, Adriana Lessa, Silvetty Montilla, Augusto Pompêo, Edu Silva, Renata
Vilela, Ivan de Almeida, Larissa Noel, Lu Fogaça, Andéa Cavalheiro, Grazzi
Brasil, Flávia Saolli, Paulo Américo, Gabriel Vicente , Rodrigo Fernando
e André Muato.
Coreografia:
Alex Morenno
Preparação Vocal: Guilherme
Terra
Arranjos: Rildo Hora
Arranjos
Vocais e Música Incidental: Guilherme Terra
Composição Original:
Arlindo Cruz e Igor Leal
“Designer”
de Som: Bruno Pinho
Piano
e Regência: Guilherme Terra
Figurino: Luciano Ferrari
Cenografia: Paula de Paoli
Diretor
de Palco: Ricardo Santana
Iluminação: Fran Barros
Visagismo: Eliseu Cabral
Comunicação: Simone Galiano
Marketing Cultural: Ghéu Tibério
Comunicação
Visual: Rafael Porazza
Assessoria
de Imprensa: Kassu Comunicação
Assessoria
Jurídica: Mario Mafra
Coordenação
de Produção: Renato Araújo
Produção
de Elenco: Ricardo Gamba
Fotografia
Artística Estúdio: Vânia Toledo
Fotografia
Cena: Lenise Pinheiro
Direção Financeira: Dani Correia
Gestão
de Leis de Incentivo: Correia Cultural
Realização: Fato Marketing & Produções
SERVIÇO:
Temporada: De 16 de março até
28 de Maio de 2017.
Local: Teatro Carlos Gomes (Praça Tiradentes, s/nº -
Centro, Rio de Janeiro – RJ.
Capacidade:
644 lugares.
Dias
e Horários: De 5ª feira a sábado, às
19h; domingo, às 17h.
Censura: 12 anos.
Duração: 150 minutos.
Valor
dos Ingressos: 5ªs e 6ªs feiras, R$70,00; sábados e
domingos, R$80,00. Direito a meia entrada a quem fizer jus ao benefício,
previsto em lei.
Vendas: ticketmais.com.br
Vendas
para grupos: (21) 21466527
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