AQUELE QUE NASCEU
(E FOI MUITO BEM-NASCIDO!!!
ou
“ATUAR É ESCREVER COM O
CORPO, E ESCREVER É ATUAR COM LÁPIS”.)
ou
“UMA ODE À VIDA”!)
Fazer TEATRO é fácil; só não é para qualquer
um. Fazer TEATRO todo mundo pode
fazer, mas não bem feito. Fazer TEATRO
parece ser uma brincadeira; só que não o é. Que o diga PEDRO UCHOA, um jovem de trinta anos, com aparência de menos, que,
desde pequeno, demonstrou que o TEATRO
era a sua grande paixão e que, um dia, “chegaria lá”. E parece – para mim, ficou claríssimo – que esse
dia chegou.
PEDRO, à custa de muito sacrifício,
dedicação e ajuda de alguns amigos, conseguiu estrear, na última 3ª feira, seu
primeiro espetáculo solo, “AQUELE QUE
NASCEU”, na minúscula sala do Cine-Teatro
Espaço SESC, em Copacabana, que,
infelizmente, só pode abrigar cerca de 50
pessoas. E que espetáculo, que ele também escreveu e é dirigido
por ADRIANO BASEGIO!!!
Pedro Uchoa.
Trata-se de
uma daquelas surpresas agradabilíssimas, que surgem, nos palcos, vez por outra,
e vai ganhando corpo e se fazendo conhecida e popular, a ponto de requisitar
espaços maiores e longas temporadas, para atender a uma grande demanda, a qual,
certamente, virá, a julgar pela reação da plateia, no dia da estreia, e por
conversas que venho tendo, desde então, nos últimos dias, com pessoas do meio
artístico, as quais reagem com muito curiosidade e desejo de conferir o trabalho
do rapaz. Todos estão se programando para ver o espetáculo, que, infelizmente,
só é apresentado no horário alternativo, das 3ªs e 4s feira às 20h,
como já disse, para um público restrito, mas que merece, por todos os seus
méritos, que não são poucos, outras temporadas em espaços mais nobres, em
termos de capacidade de público e horário.
Multifaces.
Além de sua
excelente “performance”, como ator, PEDRO revelou-e um ótimo dramaturgo. Aproveito, aqui, para
transcrever o texto que ele preparou
para o belíssimo programa da peça, cuja arte,
uma das mais bonitas que já vi, nos últimos anos, é obra de DANIEL DE JESUS, sobre fotos de ELISA MENDES: “‘...a inspiração e a criação me
proporcionam momentos sublimes. Enquanto escrevo, sinto-me bem!’. Talvez, sem
saber, nesse trecho, de ‘A Gaivota”, eu tenha me reconhecido. E segui a
leitura: ‘Aquela nuvem parece um piano. Será que, um dia, devo mencionar, num
conto meu, que uma nuvem em formato de piano já passou por mim’?
Dias
depois, gravando um curta-metragem, queimamos café, para fazer fumaça
cenográfica. Na volta para casa, no metrô, depois de girar a roleta, SEVERINO
desabrochou, entre garranchos de um caderno, para a sua vida eterna, De lá para
cá, o tudo. Posso te ler uma cena? E assim ‘AQUELE QUE NASCEU’, sem saber,
nascia.
Sete
anos depois, aqueles rabiscos, que me fizeram ir até o final da linha e voltar,
me proporcionaram um dos momentos mais sublimes e felizes da minha existência.
Uma gratidão colossal ecoa por todo o meu ser. Enquanto eu escrevo, me sinto
bem e, enquanto atuo, mais ainda.
Atuar
é escrever com o corpo e escrever é atuar com lápis. Ser ator e dramaturgo é
poder viver, numa mesma vida, inúmeras vidas. É ser parceiro de Deus, por ser
igualmente criador de várias criaturas. É provocar a existência de quem não
existiria, se não fosse você, seu lápis e seu corpo.
‘AQUELE
QUE NASCEU’ é uma ode à vida. Só deixa de viver quem, um dia, viveu. Isso é
incontestável. Mas, no TEATRO, em sua volúpia paradoxal, nada é irrefutável,
porque dizem que o ator e o dramaturgo não morrem; eles mudam de papel.”
De onde vem a felicidade?
Eu a mereço?
SINOPSE:
Sem julgamentos de credo ou causa, “AQUELE QUE NASCEU” dá voz a personagens que narram, a partir de
naturezas dramatúrgicas distintas, como suas vidas vieram de encontro à morte,
como se o óbito trouxesse o privilégio da liberdade de expressão sem
condenação.
O espetáculo sublinha a relação
efêmera entre todos nós: eu, você, ela, ele, severinos, romeus, aquele que
gira a roleta, aquele cujo nome você não sabe, aquele que
nunca foi à praia, aquele que estava no lugar errado, aquele que
nasceu no corpo errado, aquele que, simplesmente, nasceu, todos os aqueles e
aquilo que já teve vida.
Quais seriam as primeiras
palavras de ROMEU, quando chegasse
ao paraíso e descobrisse que JULIETA
tinha tomado sonífero e que sua morte teria sido em vão? Qual seria o ponto de
vista de um dos heróis mais conhecidos da dramaturgia universal, diante da sua
própria tragédia?
ELA surgiu
através das ações. Uma encomenda de um texto para a voz feminina. Usar de bom
humor e leveza, para contar uma história tão solitária e sem precedentes. Ação
que desencadeia ação, que desenha a história, que, com um pulo...
SEVERINO veio como fogo se espalhando no álcool. Santo profano.
Arquétipo da literatura de cordel. Contador de causos que se pode encontrar em
cada esquina, no nosso tão rico e gigantesco nordeste solar.
ELE nunca fora à praia. Aquele trocador, a quem você não dá “bom
dia”, pode nunca ter visto a praia. E, um dia, ele pode entrar no mar e você
nem perceber, porque, hoje, a catraca gira sozinha.
São quatro
histórias e um prólogo. Neste, o ator se apresenta ao público, como numa
conversa, misturando ator/personagem, e dá pistas dos tipos criados por ele,
que virão em seguida.
Na primeira
história, “ROMEU MORREU”, PEDRO já nos dá uma ideia de seu
talento criativo, mostrando uma visão do personagem de Shakespeare, com relação a seu sacrifício de morte, por fidelidade
a Julieta, “que não o merecia”, chegando
à conclusão de eu fora lesado na trama. Humor inteligente, hilário e muito bem
escrito.
Na segunda
história, “ELA”, o que poderia ser
um clichê, o da mulher feia, solitária e “encalhada”, se traduz numa narrativa
humana e que provoca, através, do riso, profundas reflexões acerca dos valores
humanos, em relação a seus semelhantes.
A terceira
história, “A VEZ DE SEVERNO”, é uma
delícia, pois, por meio dela, PEDRO
nos leva a uma viagem ao sertão nordestino, com base na literatura de cordel, e
põe em destaque fatos e costumes tão distantes dos centros urbanos, mas que
exibem estreitas relações com o que vivemos nos grandes cidades, em menor escala,
é claro, mas não menos importantes e perigosas.
O patético,
aquilo que provoca compaixão, o Mais sério do espetáculo fica reservado para a
última história, “O ABRAÇO DO MAR”, com
texto em “off” e ações sugeridas, muito bem evidenciadas pelos efeitos de
iluminação. Texto emocionante!
Segundo o “release” do espetáculo, enviado por RENATA CAMPOS, responsável pela direção de produção, a peça foi montada
sobre um “texto de estreia de PEDRO UCHOA, que desenvolve o conceito do
‘dramaturgo em cena’, uma síntese sobre a relação do ator como criador das suas
próprias palavras. (...) Sob o encargo do ator, está o manuseio do tempo e do
espaço; o corpo dele é o princípio de tudo. Nele e dele nasce o primeiro e o
último sopro que abraça a vida e dela se despede; a respiração, a ideia do
bardo, as intersecções de ações e o espectro como fonte para revelar uma imagem
distorcida de um mesmo objeto. Diferentes corpos, mesmas ações, diferentes
ações, mesmos corpos. O espectador é convidado a perceber as relações entre uma
história e outra, suas semelhanças, diferenças e aquilo que parece que já foi
visto, como um ‘déjà vu’, para que ator, diretor, dramaturgo e público possam
construir, juntos, uma narrativa que contemple este passeio de impressões e
imagens.
Com tão
pouca idade, poder-se dizer que PEDRO
UCHOA sabe tudo de palco. Ou quase, já que sabemos que, em qualquer
profissão, deve-se sempre estar em contato com o aprendizado, com novos
desafios, em busca da perfeição, sempre desejada e jamais atingida. Mas PEDRO é aplicado e ousado, no melhor
sentido da palavra, e se aproxima dela, a passos largos. Encarar um espetáculo
solo, independentemente da idade e da vivência profissional de um ator, já é,
por si, um grande desafio, um gesto de extrema coragem. Quando se trata de
viver vários e diferentes personagens, mais ainda. E o rapaz faz isso com muita
naturalidade e competência, prendendo a atenção da plateia, do início ao fim
dos 55 minutos de ação. Pura ação!
PEDRO
UCHOA
revela-se um ator versátil e que não precisa do recurso de diferentes
figurinos, para dar vida a seus personagens. Sua voz e seu corpo se encarregam
disso.
PEDRO, além de saber utilizar o seu
potencial vocal, dividindo-se em tons e modulações de voz, de acordo com as
exigências de cada personagem, demonstra um perfeito domínio de corpo, que
imagino seja fruto de seu próprio trabalho de pesquisa, uma vez que não
encontrei, na ficha técnica, o nome
de algum profissional que o tivesse orientado na chamada direção de movimento.
O conjunto voz/corpo, ferramentas fundamentais no
ofício de representar, não parece ser grandes obstáculos para o ator, a
despeito de não sabermos quanto tempo de ensaios e pesquisas ele levou, até
atingir o excelente trabalho que nos proporciona e que nos faz sair do teatro
com aquela sensação de “quero mais”,
o desejo de rever o espetáculo e de querer que todos os amigos, as pessoas a
quem queremos bem, possam, também, compartilhar, conosco, o prazer e o
privilégio de ver PEDRO UCHOA em
cena.
O trabalho
conta com a direção de ADRIANO BASEGIO, excelente, diga-se de
passagem, “que propõe, ao espetáculo, uma poética calcada na investigação de
ações físicas e a exploração da arquitetura do espaço, como caminho de
linguagem e narrativa”. ADRIANO
parece que, de forma inteligente e bastante profissional, demonstrou uma
generosidade incomensurável, ao permitir que o próprio ator fosse encontrando confortabilidade
em cena. Além de diretor, ADRIANO é considerado, por seus
discípulos, um grande professor de TEATRO,
e essa sensibilidade deve ter enxergado o potencial artístico de PEDRO, deixando-o um tanto livre, na construção
dos personagens. São excelentes, não se pode negar, algumas soluções cênicas,
da cabeça do diretor, para fazer a ligação
entre as histórias, assim como algumas marcações muito interessantes, no decorrer
da encenação.
O DNA não
perdoa. Filha de um dos maiores profissionais de iluminação (Aurédio de
Simoni), ANA LUZIA DE SIMONI é responsável
por uma bela iluminação, que começa
sem grandes novidades e vai evoluindo, com passagens lindas, variações precisas
para a fixação de algumas cenas, na mente do espectador, colaborando, também,
para a beleza plástica que algumas passagens requerem. ANA divide seu trabalho com JOÃO
GIOIA.
O figurino, de RENATA MOTA, é bastante simples, porém confortável e funcional,
para o ator, que realiza manobras corporais que exigem aquele tipo de traje: uma
calça larga e bem flexível, duas camisetas de manga longa, de malha leve,
sobrepostas uma à outra, e um tênis.
JOÃO
RIBEIRO
assina uma boa trilha sonora, bem
adequada às cenas.
Sempre que tenho a
oportunidade de me ver diante de um belíssimo trabalho de programação visual, que pode ser simples, mas tem de ser de bom
gosto, não poupo elogios a seu criador. Aqui, os créditos vão para duas
pessoas: o criador da programação visual,
propriamente dita, DANIEL DE JESUS,
apoiado em belíssimas fotos de ELISA
MENDES.
É extremamente gratificante
assistir a um espetáculo de tão excelente qualidade, levado à cena a custo de
muito sangue e suor (sem querer ser melodramático, apenas utilizando uma
metáfora), que merece ser prestigiado e aplaudido por todos os que amam a
divina arte do TEATRO e sabem
valorizar o trabalho de um artista. No caso, aqui, de um artista em dobro: PEDRO UCHOA.
FICHA
TÉCNICA:
Texto e
Atuação: Pedro Uchoa
Direção:
Adriano Basegio
Luz: Ana Luzia de Simoni e João Gioia
Figurino: Renata Mota
Trilha Sonora: João Ribeiro
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotografia: Elisa Mendes
Maquiagem: Ana Karenina Riehl
Luz: Ana Luzia de Simoni e João Gioia
Figurino: Renata Mota
Trilha Sonora: João Ribeiro
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotografia: Elisa Mendes
Maquiagem: Ana Karenina Riehl
Costureira:
Vera Costa
Operador de Som:
João Ribeiro
Operador de Luz:
Pedro Meirelles
Voz em Off de
Julieta: Juliana Fernandes
Direção de
Produção: Renata Campos
SERVIÇO:
Temporada: De 07 a
29 de junho (2016).
Local: Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana - Cine Teatro.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
Informações: (21) 2547-0156
Dias e Horários: Às 3ªs e 4ªs feiras, às 20h.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: Aberta de 3ª feira a domingo,
das 15h às 21h.
Valor do Ingresso: R$5,00 (associado do Sesc), R$10,00 (meia-entrada),
R$20,00 (inteira).
Classificação Indicativa: 10 anos.
Duração: 55min.
Lotação: 50 lugares.
(FOTOS:
ELISA MENDES)
(FOTOS
DE ESTÚDIO)
Com Pedro Uchoa (foto particular.)
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