sexta-feira, 10 de junho de 2016


AQUELE QUE NASCEU

 

 

(E FOI MUITO BEM-NASCIDO!!!

ou

“ATUAR É ESCREVER COM O CORPO, E ESCREVER É ATUAR COM LÁPIS”.)

ou

“UMA ODE À VIDA”!)

 



 

 

 

 

Fazer TEATRO é fácil; só não é para qualquer um. Fazer TEATRO todo mundo pode fazer, mas não bem feito. Fazer TEATRO parece ser uma brincadeira; só que não o é. Que o diga PEDRO UCHOA, um jovem de trinta anos, com aparência de menos, que, desde pequeno, demonstrou que o TEATRO era a sua grande paixão e que, um dia, “chegaria lá”. E parece – para mim, ficou claríssimo – que esse dia chegou.

 

PEDRO, à custa de muito sacrifício, dedicação e ajuda de alguns amigos, conseguiu estrear, na última 3ª feira, seu primeiro espetáculo solo, “AQUELE QUE NASCEU”, na minúscula sala do Cine-Teatro Espaço SESC, em Copacabana, que, infelizmente, só pode abrigar cerca de 50 pessoas. E que espetáculo, que ele também escreveu e é dirigido por ADRIANO BASEGIO!!!

 




 

Pedro Uchoa.

 

 

Trata-se de uma daquelas surpresas agradabilíssimas, que surgem, nos palcos, vez por outra, e vai ganhando corpo e se fazendo conhecida e popular, a ponto de requisitar espaços maiores e longas temporadas, para atender a uma grande demanda, a qual, certamente, virá, a julgar pela reação da plateia, no dia da estreia, e por conversas que venho tendo, desde então, nos últimos dias, com pessoas do meio artístico, as quais reagem com muito curiosidade e desejo de conferir o trabalho do rapaz. Todos estão se programando para ver o espetáculo, que, infelizmente, só é apresentado no horário alternativo, das 3ªs e 4s feira às 20h, como já disse, para um público restrito, mas que merece, por todos os seus méritos, que não são poucos, outras temporadas em espaços mais nobres, em termos de capacidade de público e horário.

 

 



 

Multifaces.

 

 

Além de sua excelente “performance”, como ator, PEDRO revelou-e um ótimo dramaturgo. Aproveito, aqui, para transcrever o texto que ele preparou para o belíssimo programa da peça, cuja arte, uma das mais bonitas que já vi, nos últimos anos, é obra de DANIEL DE JESUS, sobre fotos de ELISA MENDES: “‘...a inspiração e a criação me proporcionam momentos sublimes. Enquanto escrevo, sinto-me bem!’. Talvez, sem saber, nesse trecho, de ‘A Gaivota”, eu tenha me reconhecido. E segui a leitura: ‘Aquela nuvem parece um piano. Será que, um dia, devo mencionar, num conto meu, que uma nuvem em formato de piano já passou por mim’?

 

Dias depois, gravando um curta-metragem, queimamos café, para fazer fumaça cenográfica. Na volta para casa, no metrô, depois de girar a roleta, SEVERINO desabrochou, entre garranchos de um caderno, para a sua vida eterna, De lá para cá, o tudo. Posso te ler uma cena? E assim ‘AQUELE QUE NASCEU’, sem saber, nascia.

 




 


 

Sete anos depois, aqueles rabiscos, que me fizeram ir até o final da linha e voltar, me proporcionaram um dos momentos mais sublimes e felizes da minha existência. Uma gratidão colossal ecoa por todo o meu ser. Enquanto eu escrevo, me sinto bem e, enquanto atuo, mais ainda.

 

Atuar é escrever com o corpo e escrever é atuar com lápis. Ser ator e dramaturgo é poder viver, numa mesma vida, inúmeras vidas. É ser parceiro de Deus, por ser igualmente criador de várias criaturas. É provocar a existência de quem não existiria, se não fosse você, seu lápis e seu corpo.

 

‘AQUELE QUE NASCEU’ é uma ode à vida. Só deixa de viver quem, um dia, viveu. Isso é incontestável. Mas, no TEATRO, em sua volúpia paradoxal, nada é irrefutável, porque dizem que o ator e o dramaturgo não morrem; eles mudam de papel.”

 

 



 

De onde vem a felicidade?

Eu a mereço?

 

 

 

 
SINOPSE:
 
Sem julgamentos de credo ou causa, “AQUELE QUE NASCEU” dá voz a personagens que narram, a partir de naturezas dramatúrgicas distintas, como suas vidas vieram de encontro à morte, como se o óbito trouxesse o privilégio da liberdade de expressão sem condenação.
 
O espetáculo sublinha a relação efêmera entre todos nós: eu, você, ela, ele, severinos, romeus, aquele que gira a roleta, aquele cujo nome você não sabe, aquele que nunca foi à praia, aquele que estava no lugar errado, aquele que nasceu no corpo errado, aquele que, simplesmente, nasceu, todos os aqueles e aquilo que já teve vida.
 
Quais seriam as primeiras palavras de ROMEU, quando chegasse ao paraíso e descobrisse que JULIETA tinha tomado sonífero e que sua morte teria sido em vão? Qual seria o ponto de vista de um dos heróis mais conhecidos da dramaturgia universal, diante da sua própria tragédia?
 
ELA surgiu através das ações. Uma encomenda de um texto para a voz feminina. Usar de bom humor e leveza, para contar uma história tão solitária e sem precedentes. Ação que desencadeia ação, que desenha a história, que, com um pulo...
 
SEVERINO veio como fogo se espalhando no álcool. Santo profano. Arquétipo da literatura de cordel. Contador de causos que se pode encontrar em cada esquina, no nosso tão rico e gigantesco nordeste solar.
 
ELE nunca fora à praia. Aquele trocador, a quem você não dá “bom dia”, pode nunca ter visto a praia. E, um dia, ele pode entrar no mar e você nem perceber, porque, hoje, a catraca gira sozinha.
 

 

 

            São quatro histórias e um prólogo. Neste, o ator se apresenta ao público, como numa conversa, misturando ator/personagem, e dá pistas dos tipos criados por ele, que virão em seguida.

 

            Na primeira história, “ROMEU MORREU”, PEDRO já nos dá uma ideia de seu talento criativo, mostrando uma visão do personagem de Shakespeare, com relação a seu sacrifício de morte, por fidelidade a Julieta, “que não o merecia”, chegando à conclusão de eu fora lesado na trama. Humor inteligente, hilário e muito bem escrito.

 

            Na segunda história, “ELA”, o que poderia ser um clichê, o da mulher feia, solitária e “encalhada”, se traduz numa narrativa humana e que provoca, através, do riso, profundas reflexões acerca dos valores humanos, em relação a seus semelhantes.

 

            A terceira história, “A VEZ DE SEVERNO”, é uma delícia, pois, por meio dela, PEDRO nos leva a uma viagem ao sertão nordestino, com base na literatura de cordel, e põe em destaque fatos e costumes tão distantes dos centros urbanos, mas que exibem estreitas relações com o que vivemos nos grandes cidades, em menor escala, é claro, mas não menos importantes e perigosas.

 

            O patético, aquilo que provoca compaixão, o Mais sério do espetáculo fica reservado para a última história, “O ABRAÇO DO MAR”, com texto em “off” e ações sugeridas, muito bem evidenciadas pelos efeitos de iluminação. Texto emocionante!

 

 



 

 


            Segundo o “release” do espetáculo, enviado por RENATA CAMPOS, responsável pela direção de produção, a peça foi montada sobre um “texto de estreia de PEDRO UCHOA, que desenvolve o conceito do ‘dramaturgo em cena’, uma síntese sobre a relação do ator como criador das suas próprias palavras. (...) Sob o encargo do ator, está o manuseio do tempo e do espaço; o corpo dele é o princípio de tudo. Nele e dele nasce o primeiro e o último sopro que abraça a vida e dela se despede; a respiração, a ideia do bardo, as intersecções de ações e o espectro como fonte para revelar uma imagem distorcida de um mesmo objeto. Diferentes corpos, mesmas ações, diferentes ações, mesmos corpos. O espectador é convidado a perceber as relações entre uma história e outra, suas semelhanças, diferenças e aquilo que parece que já foi visto, como um ‘déjà vu’, para que ator, diretor, dramaturgo e público possam construir, juntos, uma narrativa que contemple este passeio de impressões e imagens.

 

            Com tão pouca idade, poder-se dizer que PEDRO UCHOA sabe tudo de palco. Ou quase, já que sabemos que, em qualquer profissão, deve-se sempre estar em contato com o aprendizado, com novos desafios, em busca da perfeição, sempre desejada e jamais atingida. Mas PEDRO é aplicado e ousado, no melhor sentido da palavra, e se aproxima dela, a passos largos. Encarar um espetáculo solo, independentemente da idade e da vivência profissional de um ator, já é, por si, um grande desafio, um gesto de extrema coragem. Quando se trata de viver vários e diferentes personagens, mais ainda. E o rapaz faz isso com muita naturalidade e competência, prendendo a atenção da plateia, do início ao fim dos 55 minutos de ação. Pura ação!

 

PEDRO UCHOA revela-se um ator versátil e que não precisa do recurso de diferentes figurinos, para dar vida a seus personagens. Sua voz e seu corpo se encarregam disso.

 

 




 

 

            PEDRO, além de saber utilizar o seu potencial vocal, dividindo-se em tons e modulações de voz, de acordo com as exigências de cada personagem, demonstra um perfeito domínio de corpo, que imagino seja fruto de seu próprio trabalho de pesquisa, uma vez que não encontrei, na ficha técnica, o nome de algum profissional que o tivesse orientado na chamada direção de movimento.

 

            O conjunto voz/corpo, ferramentas fundamentais no ofício de representar, não parece ser grandes obstáculos para o ator, a despeito de não sabermos quanto tempo de ensaios e pesquisas ele levou, até atingir o excelente trabalho que nos proporciona e que nos faz sair do teatro com aquela sensação de “quero mais”, o desejo de rever o espetáculo e de querer que todos os amigos, as pessoas a quem queremos bem, possam, também, compartilhar, conosco, o prazer e o privilégio de ver PEDRO UCHOA em cena.

 

            O trabalho conta com a direção de ADRIANO BASEGIO, excelente, diga-se de passagem, “que propõe, ao espetáculo, uma poética calcada na investigação de ações físicas e a exploração da arquitetura do espaço, como caminho de linguagem e narrativa”ADRIANO parece que, de forma inteligente e bastante profissional, demonstrou uma generosidade incomensurável, ao permitir que o próprio ator fosse encontrando confortabilidade em cena. Além de diretor, ADRIANO é considerado, por seus discípulos, um grande professor de TEATRO, e essa sensibilidade deve ter enxergado o potencial artístico de PEDRO, deixando-o um tanto livre, na construção dos personagens. São excelentes, não se pode negar, algumas soluções cênicas, da cabeça do diretor, para fazer a ligação entre as histórias, assim como algumas marcações muito interessantes, no decorrer da encenação.

 

 



 

 


            O DNA não perdoa. Filha de um dos maiores profissionais de iluminação (Aurédio de Simoni), ANA LUZIA DE SIMONI é responsável por uma bela iluminação, que começa sem grandes novidades e vai evoluindo, com passagens lindas, variações precisas para a fixação de algumas cenas, na mente do espectador, colaborando, também, para a beleza plástica que algumas passagens requerem. ANA divide seu trabalho com JOÃO GIOIA.

 

            O figurino, de RENATA MOTA, é bastante simples, porém confortável e funcional, para o ator, que realiza manobras corporais que exigem aquele tipo de traje: uma calça larga e bem flexível, duas camisetas de manga longa, de malha leve, sobrepostas uma à outra, e um tênis.

 

JOÃO RIBEIRO assina uma boa trilha sonora, bem adequada às cenas.

 

Sempre que tenho a oportunidade de me ver diante de um belíssimo trabalho de programação visual, que pode ser simples, mas tem de ser de bom gosto, não poupo elogios a seu criador. Aqui, os créditos vão para duas pessoas: o criador da programação visual, propriamente dita, DANIEL DE JESUS, apoiado em belíssimas fotos de ELISA MENDES.

 

É extremamente gratificante assistir a um espetáculo de tão excelente qualidade, levado à cena a custo de muito sangue e suor (sem querer ser melodramático, apenas utilizando uma metáfora), que merece ser prestigiado e aplaudido por todos os que amam a divina arte do TEATRO e sabem valorizar o trabalho de um artista. No caso, aqui, de um artista em dobro: PEDRO UCHOA.

 


           


 

 





FICHA TÉCNICA:
 
Texto e Atuação: Pedro Uchoa

Direção: Adriano Basegio
Luz: Ana Luzia de Simoni e João Gioia
Figurino: Renata Mota
Trilha Sonora: João Ribeiro
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotografia: Elisa Mendes
Maquiagem: Ana Karenina Riehl
Costureira: Vera Costa
Operador de Som: João Ribeiro
Operador de Luz: Pedro Meirelles
Voz em Off de Julieta: Juliana Fernandes
Direção de Produção: Renata Campos
 

 

 


 


 

 


 

 
SERVIÇO:

Temporada: De 07 a 29 de junho (2016).
Local: Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana - Cine Teatro.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
Informações: (21) 2547-0156
Dias e Horários: Às 3ªs e 4ªs feiras, às 20h.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: Aberta de 3ª feira a domingo, das 15h às 21h.
Valor do Ingresso: R$5,00 (associado do Sesc), R$10,00 (meia-entrada), R$20,00 (inteira).
Classificação Indicativa: 10 anos.
Duração: 55min.
Lotação: 50 lugares.
 

 

 




 

 

 

(FOTOS: ELISA MENDES)

 

 

 

 

 
(FOTOS DE ESTÚDIO)
 
 
 
 

 

 


 


 

Com Pedro Uchoa (foto particular.)

 

 

 

 

 

 

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