2ª
MARATONA TEATRAL
EM
SÃO PAULO - 2016
(PARTE I)
RAINHAS DO ORINOCO
(A POESIA EM CORES VIVAS
ou
UMA ODE AO “NAÏF” E AO
ARTISTA POPULAR.)
TEATRO, no fundo, no fundo, é uma coisa
muito simples. Melhor dizendo, o bom
TEATRO se resume numa combinação, às vezes, difícil de ser encontrada, porém,
quando reunidos determinados elementos, não há como não dar certo.
Ingredientes
para a receita de um excelente
espetáculo de TEATRO: Pegue um bom texto
(fundamental, como farinha, para um
bolo), ponha-o na mão de um grande “chef” (o maestro tem de ser dos mais
respeitados e competentes), convoque um elenco que honre a profissão e
cerque-se de bons profissionais técnicos... Faltam os três últimos
ingredientes: amor à arte, dedicação à profissão e respeito ao público.
Feito isso,
podem surgir vários resultados, todos positivos, em maior ou menor escala. O
que me leva a escrever neste momento é o espetáculo “RAINHAS DO ORINOCO”, uma dessas maravilhas, em maior escala, que está em cartaz no lindo Teatro VIVO, em São Paulo.
Como crítico
de TEATRO e jurado de prêmios, no
Rio de Janeiro, tenho o hábito de ir, quatro ou cinco vezes, por ano, à capital
paulista, para assistir aos espetáculos que, por informações de terceiros, não
virão para o Rio. Pela segunda vez, neste ano, consegui assistir a seis peças
em quatro dias. Faz parte da magia do TEATRO,
que tanto me contagia, e da minha obstinação (ou obsessão?) por ele.
Quando comecei
a elaborar a relação do que gostaria de ver, deparei-me com a propaganda de “RAINHAS DO ORINOCO” e decidi,
imediatamente, que aquele seria um espetáculo que não poderia deixar de ver,
que não poderia faltar na minha “cesta básica paulista”. E por quê? Porque a sinopse me interessou e porque dois
nomes se destacavam na ficha técnica:
o de GABRIEL VILELLA, um dos mais
criativos diretores brasileiros, dos
que mais admiro e do qual não perco um trabalho, e WALDEREZ DE BARROS, que, para mim, faz parte daquele time seleto,
que merece o cerimonioso tratamento de “DONA”,
antes do nome, uma justa reverência, quase equivalente, para mim, ao título de “Sir”. É assim que me refiro às grandes
damas do TEATRO BRASILEIRO, de cuja
galeria DONA WALDEREZ faz parte,
pelo que ela representa para o nosso TEATRO.
Não pensei em
fazer contato com possíveis amigos da produção, para ir como convidado, na
condição de crítico e jurado de prêmios, no Rio de Janeiro. Nem prestei atenção aos outros nomes que compunham a ficha técnica. Apressei-me a
comprar meu ingresso e fiquei muito feliz por ter conseguido a primeira fila: A2, como gosto.
Passei o dia 2 de junho (2016) numa expectativa
muito grande, o relógio trabalhando de bandido, contra mim, como já escrevera Carlos Drummond de Andrade, em sua
crônica “Mocinho”.
Finalmente, chegou
a hora da sessão e lá estava eu, como criança, aguardando o início da peça. Era
expectativa em excesso. Algumas vezes, já me dei mal, por conta disso, já que é
frustrante, quando um espetáculo fica aquém do que esperávamos dele. Entretanto
o contrário é muito gratificante: esperar algo num nível “X” e receber muitas vezes “X”
não tem preço, como diz aquela propaganda de cartão de crédito. Tinha certeza
da profusão de “X” que eu encontraria
no palco.
(Da esquerda para a direita) Luciana
Carnieli,
Dagoberto Feliz e Walderez de Barros.
SINOPSE:
MINA (WALDEREZ DE BARROS) e FIFI
(LUCIANA CARNIELI) são duas atrizes de teatro musical, duas vedetes
decadentes, que ganham a vida com “shows” pela América Latina.
Viajando em um barco cargueiro, Stella
Maris (Estrela do Mar), pelo rio Orinoco,
cantam e representam seus amores e seus sonhos, em uma aventura repleta de
lirismo, canções, drama e bom humor, enquanto ensaiam para um espetáculo, para
o qual haviam sido contratadas. Fariam um “show” num cabaré, num campo de
petróleo, chamado “El Provenir”, contratadas por um homem muito mau e
inescrupuloso, um verdadeiro gângster - não sei se compreendi bem o seu nome:
Rico da Porta (?).
No meio da viagem, numa manhã, que parecia tão normal e tediosa quanto
as outras, as duas constatam que a tripulação, de oito homens, havia
desaparecido, misteriosamente. Com elas, na embarcação, restou apenas um
homem, paixão de FIFI, que fora
esfaqueado e estava caído na cabine do capitão.
Mesmo assim, as duas,
sozinhas, seguem o seu destino, até que MINA
revela um segredo a FIFI. Na
verdade, o contrato não seria para exibições artísticas num cabaré, por força do
já fraco e decadente talento das duas para as artes, e sim para “prestar serviços” a
vários homens, ávidos de sexo, num “puteiro”.
Daí, surgem situações
conflituosas, já que MINA se
conforma com a situação, enquanto FIFI
se rebela contra ela, e tudo vai desaguar num final não muito previsível.
Mina.
O texto, lindo e divertido, é de EMILIO
CARBALLIDO, um dos mais reconhecidos dramaturgos mexicanos de sua época,
falecido em 2008, aos 83 anos, tendo deixado uma grande bagagem dramatúrgica,
cuja obra em questão, no original, “ORINOCO”,
é uma de suas maiores representantes. A presença do mar é uma constante em suas
peças. Nesta, porém, a água salgada cedeu espaço à doce.
É
público e notório - o diretor não
esconde - que o texto sofreu várias
adaptações, com o objetivo de atingir o público brasileiro, com a incorporação
de detalhes que não fazem parte do original, mas que falam, de perto, da nossa
cultura e à nossa alma, não deixando, porém, de fazer parte da latinidade
original do texto, proposta por seu autor.
HUGO
DE VILLAVICENZIO tratou de traduzir muito bem a obra, mantendo a arquitetura
dramática original, dando ênfase à dinâmica e a citações mais familiares ao
público brasileiro. O texto
concentra muitos palavrões, que poderão desagradar ao público mais conservador,
porém creio que nunca vi, em TEATRO,
tantos palavrões bem colocados num texto
e ditos de uma forma tão especial e natural por duas grandes atrizes. Não
existe, para quem conhece TEATRO, a
menor possibilidade de não considerar todos os “termos chulos” (em homenagem
aos pudicos) indispensáveis às cenas e proferidos com a maior classe e propriedade,
sem chocar, sem parecer gratuitos.
Falar do trabalho de direção de GABRIEL VILELLA é ser sempre repetitivo, por mais diferente que
seja o texto que lhe chegue às mãos,
porque ele tem algumas características próprias de direção, uma visão estético-dramática que jamais o traem e que
sempre resultam em excelentes montagens. Ainda guardo, por exemplo, as
indeléveis lembranças de “A Tempestade”,
que assisti no ano passado, numa das minhas maratonas paulistas, para ver TEATRO, e cuja crítica, já escrita, por
motivos alheios à minha vontade, não foi ainda publicada. Mas o será, em breve.
GABRIEL tem o seu estilo próprio,
incomparável e inconfundível, de valorizar o elemento plástico, entretanto,
como não poderia deixar de ser, importa-se em como inserir o potencial do ator
nesse universo, seja trabalhando com um elenco numeroso, como o de “A Tempestade”, por exemplo, ou com
apenas três, como em “RAINHAS DO ORINOCO”.
Seu trabalho de extrair do ator a sua carga máxima de representação atinge a
perfeição e parece não abrir mão do conceito de uma representação o mais
naturalista possível, embora, nesta peça, por exigência do texto, em alguns momentos, haja um exagero, que faz parte do
perfil do(a) personagem, e que funciona muito bem, não soando como falso ou
canastrice.
Segundo o “release” da peça, “A encenação foi construída a partir da
estética do circo–teatro, tal qual ele existiu no Brasil, até meados dos anos
60, que teve seu auge com Vicente Celestino, Gilda de Abreu, Tonico e Tinoco,
José Fortuna, Circo Arethusa, Dercy Gonçalves, Grande Otelo, Oscarito, com os
grandes circos e grandes melodramas. (...”) “CARBALLIDO teve a
sabedoria de fazer uma grande comédia. A peça é um depoimento humanista de
alguém que enxerga, através da comédia e do melodrama, a existência de dois
seres humanos desprotegidos na carne e nos grotões da America Latina - comenta
o diretor GABRIEL VILLELA.
Fifi e Mina.
Podemos, facilmente, perceber que “RAINHAS DO ORINOCO” nos faz entender a
peça como uma grande alegoria em
que, por meio de uma metáfora, o
barco, que fica à deriva, nada mais é do que a vida de cada um de nós e que
todos, de uma forma ou de outra, por este ou aquele viés, podemos escolher se
somos MINA ou FIFI.
O espetáculo se aproxima muito de um
tom “naïf”, que o diretor consegue extrair do seu
excelente trio de atores e assina uma direção
que mostra um TEATRO vivo, que
provoca saudade, no espectador mais velho, do TEATRO que se fazia em temos passados, paradoxalmente, com elementos
da modernidade.
Acho fascinantes as marcações e as
soluções criativas e simbólicas que a direção
põe em cena, como fitinhas, para sugerir o rio, por exemplo, e objetos, para
fazer o papel do barco, navegando sobre a fitinha, assim como a genial cena do
ensaio para um futuro possível “strip-tease”, que não detalharei, para não roubar,
ao futuro espectador, a surpresa da cena. É muito interessante, e engraçado, o que
é feito para cobrir as partes “pudendas” (palavra horrível e fora de moda), que
deveriam ficar à mostra, para satisfazer o prazer dos futuros espectadores
sedentos de sexo. Há outros exemplos, além desses.
Assistir
a um espetáculo com a assinatura de GABRIEL
VILELLA já suscita muita surpresa e a certeza de um belíssimo trabalho, do
ponto de vista estético e plástico. Ao adentrar o teatro, o espectador já é,
positivamente, surpreendido com o que está exposto no palco, como se estivesse
entrando em um sala de exposição de obras de artes plásticas. O cenário é de uma beleza ímpar, ao mesmo
tempo em que de uma simplicidade, coroada de muita criatividade e elementos da
cultura brasileira, obra de um grande artista: WILLIAM PEREIRA. Ao fundo, um telão, pintado, representando um rio (Orinoco), este obra de JUVENAL IRENE. No centro do palco, um
barco, onde se lê seu nome de batismo, STELLA
MARIS, que apresenta um duplo sentido com relação às duas figuras
principais que o ocupam, as Estrelas Do
Mar (no caso, aqui, do rio). Emoldurando o palco, uma belíssima pintura,
representando a Floresta Amazônica,
com árvores, animais e um casal de índios, trabalho requintado de pintura. Essa
boca de cena é chamada de “Arte Naïf
Equatorial” e é da autoria de SHICÓ
DO MAMULENGO. A ribalta é um detalhe dos mais apreciados, pois, cobrindo as
lâmpadas, há arranjos de dezenas, ou mais de uma centena, de flores
multicoloridas. Aliás, o que não falta é uma paleta variadíssima de cores e
matizes, em tudo o que se vê em cena, formando um conjunto de indescritível beleza.
Detalhes do
cenário.
Os figurinos, também de GABRIEL
VILELLA, são de uma beleza e de um requinte merecedores de prêmios e de um
espaço num museu de figurinos, que
deveria ser, urgentemente criado, para guardar a memória desses grandes
momentos do TEATRO BRASILEIRO. GABRIEL, certamente, ocuparia grande
parte daquele espaço. Além de lindos, criativos e funcionais, todos, sem
exceção, são ricos em detalhes de bordados e aplicações em alto-relevo, de
deixar o público encantado. São imagens que nos transportam a um mundo de
fantasia e que ficam guardadas, para sempre na memória. Sem falar que esse
trabalho representa a mais pura obra de arte dos artesãos brasileiros.
A iluminação, de CAETANO
VILELA, não apresenta detalhes dignos de maiores comentários, além do fato
de ser bonita, bem feita, sem muitas variações, porém destacando alguns
detalhes importantes para a percepção de algumas cenas.
O espetáculo não deve, a meu juízo,
ser considerado um musical, nem é vendido como tal, embora seja embalado por
canções latinas, cantadas pelo elenco, do qual, além de DONA WALDEREZ e LUCIANA,
faz parte DAGOBERTO FELIZ, responsável
por acompanhar as canções, tocando vários instrumentos musicais, além de ser autor
dos ótimos arranjos musicais. Também
assina a trilha sonora, juntamente
com BABAYA, que é responsável pela direção musical.
Como
se trata de um espetáculo que prima belo bom gosto estético, pela beleza do
visual, não podem ser esquecidos os nomes de SHICÓ DO MAMULENGO, que assina os adereços e objetos de arte, assim como o de GIOVANNA VILELA, responsável por todos os ricos e encantadores bordados. Tudo de indiscutível beleza!
Também devem ser louvados os nomes de IVAN
ANDRADE e DANIEL MAZZAROLO, na assistência de direção; CLAUDINEI HIDALGO, na corretíssima maquiagem; e de CLAUDIO FONTANA, na direção
de produção.
“Last,
but not least”, e muito pelo contrário, aliás, falemos do trabalho dos atores.
A direção foi felicíssima na escalação do elenco. As duas personagens femininas, ambas protagonistas e muito
interessantes, são defendidas por duas grandes atrizes. MINA (WALDEREZ DE BARROS) é a mais velha das duas, por volta dos 50
anos, cônscia de suas atuais condições físicas e artísticas, desgastada pelas
exigências da profissão e pela vida que leva, afastada das esperanças por um
futuro melhor e uma velhice mais tranquila, digna e confortável, não alimenta a
menor ilusão por dias melhores e se acomoda, esperando o que está por vir,
ainda que saiba o quanto de ruim isso lhe trará. A atriz, cuja trajetória, em TEATRO, acompanho e admiro muito,
parece-me estar num de seus melhores papéis, de difícil interpretação, pois,
por trás de um falso humor, às vezes negro, tem de passar, ao público, o seu
verdadeiro sentimento, o seu interior, que não é nada divertido, mas de
acomodação, de aceitação ao “imponderável” e ao “destino”, ao que está escrito
e do que não se pode fugir. DONA
WALDEREZ DE BARROS arrebata a plateia, desde sua primeira aparição em cena,
ratifica seu grande talento, durante a peça, e é merecedora de aplausos em cena
aberta.
Dona Walderez de Barros
ou Mina.
Para mim, a grande surpresa do espetáculo,
e por cujo trabalho estou profundamente encantado, é a atriz LUCIANA CARNIELI, que eu só conhecia da
peça “Lampião e Lancelote” (não me
lembro de outras), na qual sua personagem não lhe dava a oportunidade de
demonstrar seu talento, como o que está sendo analisado em “RAINHAS DO ORINOCO”. Sua personagem, FIFI, é bem mais jovem que MINA,
motivo pelo qual, transmite muita alegria e agitação em cena, pois ainda vê
muitos motivos para crer num futuro promissor na carreira. É ela quem mais se
empolga pelo trabalho da dupla, propõe ensaios e novos números e tece sonhos,
em busca de um sucesso que, ingenuamente, acredita estar num próximo porto
seguro. Seu modo de falar erradamente também arranca boas gargalhadas da plateia,
assim como DONA WALDEREZ.
Luciana Carnieli
ou Fifi.
O que move a cena, o que prende a
atenção do espectador, além das duas magníficas interpretações, é o contraste
entre as duas personagens e a reação distinta, de cada uma, diante da inevitável
situação de um barco à deriva, uma metáfora do destino das duas. Enquanto MINA se conforma com o inevitável, não
esboça qualquer reação de luta pela sobrevivência, pessoal e artística, aguardando,
passivamente, a consolidação de um destino cruel e, por que não dizer, injusto,
FIFI não esmoreja, não entrega o
jogo e luta até a prorrogação da partida, não descansa, em busca de soluções
para evitar a tragédia, depois de ter ouvido a revelação, por parte de MINA, de qual seria, realmente, o
triste destino das duas. LUCIANA é
uma atriz completa, de grandes possibilidades, cantando muito bem,
interpretando, divinamente, e utilizando o corpo num trabalho de difícil
execução, além de ter descoberto uma voz, para a personagem, que funciona
perfeitamente na sua composição. Também mereceu os aplausos em cena, algumas
vezes, puxados por mim, eu que também fui o responsável pelo primeiro “Bravo!”, ao final daquela sessão.
Quanto a DAGOBERTO FELIZ, só tenho a dizer que sempre admirei o trabalho
deste ator/diretor/miltimusicista, que, nesta montagem, funciona,
excelentemente, com um grande coadjuvante de luxo. Além de pequenas
participações no texto, serve de “escada”, no melhor sentido do termo
utilizado em TEATRO, ao trabalho das
duas protagonistas, toca vários instrumentos musicais e ainda canta. No início
da peça, juntamente com LUCIANA, faz
parte de um prólogo, onde ambos
dizem, alternadamente, um belíssimo texto, “A
Flor do Linho”, que não sei se é de autoria do próprio dramaturgo ou se foi
incorporado à montagem. Afirmo, porém, que está muito bem empregado, da mesma
forma como é interpretado pela dupla e cujo teor, lindo, diga-se de passagem,
faço questão de transcrever, pelo que, metaforicamente, antecipa de tudo o
quanto será visto durante a peça:
Dagoberto Feliz.
“O linho estava florido. Suas
doze flores agradeciam ao sol e à chuva, contentes com tudo. Suas doze flores
eram lindíssimas. E, de repente, apareceram umas tesouras, fazendo um barulho
horrível, 'cric, crac, cric, cruc, crac'. E falavam: ‘acabou, acabou, acabou’.
E cortaram e jogaram fora as doze flores. Mas
as flores falavam: ‘não acabou não, ainda falta o melhor!’
E foram jogadas num... tanque, num... já não
me lembro direito. E elas foram moídas, pobrezinhas, e viraram fibras. E foram
tecidas! E viraram um pano lindo, de vários metros, que tava estendido ao sol,
e era regado e dobrado com muito cuidado. E, de repente, voltaram as tesouras e
cortaram o pano em pedaços, 'cric, crac, cric, cruc, crac'; ‘acabou, acabou,
acabou.’
E os pedaços do tecido falavam: ‘não
acabou não, ainda falta o melhor!’
Chegou, então, uma agulha e furou
todos eles. E tinha uma linha por trás, naturalmente. E furou, furou, furou. E,
de repente, eram doze camisas! Doze lindas camisas de linho! E quem vestia
essas camisas era um senhor, que ia com elas às festas e sempre manchava de
vinho e deixava cair umas comidas deliciosas. Logo, elas eram lavadas e ficavam
penduradas sob o sol quente e a chuva fresca...
E as tesouras? Porque ali em
volta deve estar cheio de tesouras. Agora não foram elas, foi o uso.
Agora foi o tempo. Foram gastando, rasgando, puindo. E o lixeiro levou embora,
dizendo: 'cric, crac, cric, cruc, crac'; 'acabou, acabou, acabou.’
Mas elas, lá no saco, falavam: ‘não
acabou não, ainda falta o melhor.’
E foram levadas pra uma tina
enorme, e lá ficaram jogadas com outros trapos. E viraram polpa. E a polpa foi
amassada nuns rolos de compressão. E virou papel! E dali nasceram doze folhas
do mais fino papel de linho, que logo foram compradas por um escritor, um poeta
maravilhoso, que dizia tudo o que é mais bonito e tudo o que é certo e tudo o
que é bom. E dizia muito bem. E lá ficou escrito, nas doze folhas de linho. Que
foram pra uma gráfica e foram copiadas e foram lidas pelo mundo inteiro. As
doze folhas ficaram famosas!
Voltaram pra casa, como sempre, cheias de
letras belíssimas, mas, também, cheias de... manchas de tinta e de gordura...
Ficaram num canto. Um cantinho
especial da biblioteca. E, então, vieram os ratos e os cupins. Acabaram com o
manuscrito. De dar pena...
Uma noite, teve que ser jogado no
fogo. E as chamas falavam...'Cric, crac, cric, cruc, crac'; 'acabou, acabou,
acabou.’
Mas ali, em cima do carvão,
sobraram doze fagulhas. Que subiram num impulso de ar quente, pelo buraco
escuro e sujo daquela chaminé, e caíram na noite, num torvelinho.
Eram doze fagulhinhas vermelhas,
que deixaram a fumaça pra trás e começaram a confundir-se com as estrelas.
E as doze falavam: 'não acabou
não. ainda falta o melhor’!"
Ainda
que o espetáculo seja razoavelmente curto, no sentido de não comportar dois
atos, a direção optou por esta orientação,
visto que há necessidade de uma pequena mudança de cenário, que é uma surpresa,
para o espectador, e, por tal motivo, não deveria mesmo ser feita à vista da
plateia, enquanto, por exemplo, se executassem alguns números musicais.
Algumas cenas
se destacam, na peça, como os números musicais, o já citado ensaio para um “strip-tease”, bem como a da leitura de
um diário de bordo, encontrado pelas duas protagonistas, a cena da constatação
de que o barco está à deriva, como a, também já citada, da situação metafórica
do desconhecido destino das duas, e mais a cena final, que, também, para não
roubar, a quem for assistir ao espetáculo, uma emoção certeira, prefiro omitir.
Saí
do teatro profundamente alegre e emocionado com o que vi, triste, porém, por
não ter a oportunidade de revê-lo, na certeza de que não viria para o Rio.
Agora, termino estes comentários muito feliz, por saber que “RAINHAS DO ORINOCO” já está com
estreia prevista para agosto, num teatro carioca, a ser confirmado. Garanto que
vou rever, com muita alegria e já faço, aqui, a minha recomendação: NÃO PERCAM!
E,
para terminar, fui dormir, naquela noite, após ter visto a peça, fazendo uma
comparação entre a situação das duas passageiras de um barco à deriva com o
personagem enigmático que o gênio de Guimarães
Rosa criou, num dos seus mais belos contos, um dos meus preferidos: “A Terceira Margem do Rio”. Aproveitem e
leiam-no também, antes de ver a peça!
Adivinhem o que é isto!!!
E isto!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto: Emilio Carballido
Tradução: Hugo de Villavicenzio
Direção: Gabriel Villela
Assistentes
de Direção: Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo
Elenco: Walderez de Barros, Luciana Carnieli e
Dagoberto Feliz
Figurinos: Gabriel Villela
Cenografia: William Pereira
Arranjos Instrumentais: Dagoberto Feliz
Direção Musical: Babaya
Trilha Sonora: Babaya e Dagoberto
Feliz
Iluminação: Caetano Vilela
Adereços
e Objetos de Arte: Shicó do Mamuulengo
Bordados:
Giovana Vilela
Maquiagem:
Claudinei Hidalgo
Fotografia:
João Caldas
Produção Executiva: Luiz Alex Tasso
Direção de Produção: Claudio Fontana
Patrocínio: Vivo e 2S Inovações Tecnológicas
SERVIÇO:
Temporada: De 13 de maio a 3 de
julho.
Local: Teatro VIVO.
Endereço: Avenida Dr. Chucri
Zaidan, 2460 – Morumbi – São Paulo – SP.
Telefone: (11) 97420-1529.
Dias e Horários: 6ªs feiras, às
21h30min; sábados, às 21h; domingos, às 18h.
Valor
dos Ingressos: R$50,00 (6ª feira) e R$80,00 (sábados e domingos) - 50% de desconto para Cliente Vivo Valoriza e um
acompanhante.
Gênero: Comédia.
Duração: 90min.
Classificação Etária: 14 anos.
(FOTOS: JOÃO CALDAS.)
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