JAZZ
DO CORAÇÃO
(POUCO PARA SE ENTENDER; TUDO
PARA SE SENTIR.)
Poesia
é bom de se ler, ótimo de se ouvir, melhor ainda de se ouvir interpretada;
ainda melhor, se for bem interpretada.
Se
é isso o que você procura, vá à Sala
Rogério Cardoso, na Casa de Cultura
Laura Alvim, para assistir à mais nova produção de Barata Comunicação: JAZZ DO
CORAÇÃO, um espetáculo sobre a obra da poeta ANA CRISTINA CESAR, com dramaturgia
e direção de DELSON ANTUNES, tendo FRANÇOISE
FORTON e ALINE PEIXOTO no
elenco.
Françoise Forton, Delson Antunes e Aline Peixoto.
Todos
aprendemos que o feminino de “poeta”
é “poetisa”, entretanto, não raro,
hoje, faz-se o emprego uniforme do substantivo. Reza a lenda que a primeira vez em que o feminino “poetisa” foi trocado por “a poeta” partiu de Manuel Bandeira, que, além de grande
poeta, era um bem conceituado crítico literário e, num “acesso de machismo”, ao
ser questionado sobre a qualidade da obra poética de Cecília Meireles, teria respondido algo parecido com isto: “Ela escreve tão bem, que não merece ser
chamada, como qualquer mulher que faz verso, de ‘poetisa’; ela é uma poeta”. Machismos à parte, ANA CRISTINA CESAR é uma poeta.
EXTRAÍDO (e adaptado) DA WIKIPÉDIA:
Ana Cristina Cruz Cesar, nascida em 1952 e falecida, muito
precocemente, em 1983,
aos 31 anos de idade, foi uma poeta e tradutora brasileira, conhecida como ANA CRISTINA CESAR (ou ANA
C.). É considerada um dos principais
nomes da geração mimeógrafo, da década
de 70, e tem o seu nome, muitas vezes, vinculado ao movimento da Poesia Marginal.
Ana Cristina Cesar.
A título de informação, principalmente para os
mais jovens, um pouco da geração mimeógrafo:
“A geração mimeógrafo (ou movimento Alissara) foi um movimento, ou fenômeno
sociocultural Tropicália,
durante a década de 70, em função da censura imposta
pela ditadura militar , que levou intelectuais, professores
universitários, poetas
e artistas em
geral, em todo o país, a buscar meios alternativos de difusão cultural,
notadamente o mimeógrafo, tecnologia
mais acessível na época. Da tecnologia
mais usada, vem o seu nome. brasileiro,
que ocorreu imediatamente após a
Por estar à margem do circuito editorial
estabelecido, sua poesia foi denominada poesia marginal. A produção artística desta geração, igualmente,
não circulava em tradicionais galerias. A geração mimeógrafo também se expressou
através da música,
do cinema e da dramaturgia,
sendo a sua produção poética a mais lembrada, possivelmente por ser aquela
produção mais adequada às restrições de suporte impostas pela página mimeografada.
Através dela, os poetas da geração mimeografada
queriam se expressar livremente, em pleno regime da ditadura militar, bem como revelar novas
vozes poéticas. Além de ANA CRISTINA, ficaram célebres, como
representantes desse movimento, nomes como os de Rodrigo Lisboa, Carlos Saldanha,
Cacaso (Antônio Carlos de Brito), Torquato Neto, José Carlos Capinam (os três últimos excelentes letristas da MPB), Antônio Carlos Sechin, Geraldo Carneiro, Waly Salomão, Isabel Câmara,
Chacal, Bernardo Vilhena e outros.
ANA CRISTINA CESAR nasceu em uma família culta e protestante,
de classe
média, era extremamente inteligente e sagaz, tanto que, antes mesmo de ser alfabetizada, aos seis anos de idade, já ditava poemas para sua mãe. Em 1969, ANA viajou à Inglaterra,
em intercâmbio, e passou um período em Londres, onde
travou contato com a literatura em língua
inglesa. Quando regressou ao Brasil,
com livros de Emily
Dickinson, Sylvia
Plath e Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se a
escrever e a traduzir, entrando para a Faculdade de Letras da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), aos dezenove anos.
Ana Cristina Cesar em versos.
Começou a publicar poemas e textos de prosa poética (cartas
reais ou ficcionais), na década de 70, em coletâneas, revistas e jornais
alternativos. A partir de então, as
atividades de ANA CRISTINA não
pararam: pesquisa literária, mestrado em comunicação
pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), outra temporada na Inglaterra, para um mestrado em tradução
literária (na Universidade de Essex), em 1980, e a volta ao
Rio. Em suas obras, ela mantém uma fina linha entre
o ficcional
e o autobiográfico.
Em sua escrita forte, marcante
e bem feminina, retratava suas inquietudes, suas dúvidas, seus medos, suas
contestações, seus questionamentos íntimos; registrava seus amores (muitos), alguns mais, outros menos
intensos; desabafava sentimentos, sem nenhum pudor ou censura. Com o enorme e incessante desejo de partir, de descobrir,
desbravar, realizou diversas viagens, que marcaram seus poemas, suas
cartas e sua vida.
Cometeu suicídio,
aos trinta e um anos, atirando-se pela janela do apartamento
dos pais, no oitavo andar de um edifício da rua Tonelero, em Copacabana.
Armando Freitas Filho, também poeta, foi o melhor amigo de ANA CRISTINA CESAR, a quem ela
deixou a responsabilidade de cuidar, postumamente, das suas publicações. O acervo pessoal da autora está sob tutela do Instituto Moreira Salles. A família fez a doação, mediante a promessa de
os escritos ficarem no Rio de Janeiro.
Sabe-se, contudo, que muitas cartas dela foram censuradas pela família,
principalmente as recebidas do escritor Caio Fernando Abreu, segundo o qual, em
1982, “Ana C. concede ao leitor aquele delicioso prazer meio proibido de
espiar a intimidade alheia pelo buraco da fechadura. Uma das escritoras mais originais, talentosas,
envolventes e inteligentes, surgidas, ultimamente, na literatura brasileira”.
Mais Ana C.
Vamos
a uma modesta e breve análise do espetáculo, já que não é necessário dizer
muito sobre ele; ele fala por si:
As “duas” Ana Cristina Cesar.
Durante
setenta minutos, a plateia, de pouquíssimos lugares, é tomada por profunda
emoção, logo nos primeiros versos e trechos de cartas de ANA C., de tão lindos que são e pela forma visceral como são
interpretados pela dupla de atrizes, FRANÇOISE
e ALINE, ambas ANA CRISTINA, porém num belíssimo e interessante contraponto de
duas mulheres numa só, sem marcas de diferentes faixas etárias: uma de ar
angelical, mais emoção, e outra visivelmente perturbada, mais razão, no sentido
do comprometimento com a realidade. O
ideal versus o real. Ambas, porém, de
uma personalidade marcante, forte, que prende a atenção do espectador,
provocando-lhe uma viagem pelos meandros do coração.
As atrizes também cantam e tocam instrumentos musicais.
O
projeto, que saiu da cabeça de FRANÇOISE
FORTON (principal mentora) e DELSON ANTUNES, ficou incubado, por
cinco anos, à espera do momento de eclodir, o que só pôde se tornar uma realidade
agora, com muito sacrifício e empenho de muitos amigos, uma vez que o
espetáculo não conta com patrocínios, o que lhe acrescenta méritos. Fazer um bom espetáculo com dinheiro e
patrocínio é fácil; difícil é tirar leite de pedra.
Momento de descontração.
Nas
palavras do próprio diretor e um dos
idealizadores do projeto, além do responsável pelo minucioso trabalho de
costurar e ligar textos completos e trechos da obra da poeta, “O espetáculo não é biográfico e não é
linear. Ele tem um clima quase
confessional, fala sobre as relações, expectativas, do lado afetivo, dos amigos
e muito da solidão, da carência, do amor. Fiz um recorte, olhando mais esses aspectos da
personalidade dela”.
De acordo com FRANÇOISE, “O espetáculo, que busca retratar a delicadeza, a força e a humanidade
das palavras da ANA CRISTINA CÉSAR, resultou num processo de criação artesanal.”
Além do
excelente trabalho de interpretação, as duas atrizes tocam, em cena, violão,
clarinete, pandeiro e instrumentos de percussão, de MPB a “blues”,
interpretando sete poemas de ANA C., musicados pelo músico e compositor PEDRO LUÍS,
nesse drama poético-musical.
Toca, que eu canto (ou Canta, que eu toco).
O
resultado obtido na parte musical deve-se ao bom trabalho de SUELY MESQUITA, na direção musical e preparação
vocal.
Assina
o cenário, bastante satisfatório,
considerados os parcos recursos empregados na produção e o minúsculo espaço da Sala Rogério Cardoso, a artista plástica
JEANE TERRA, com destaque para três painéis
móveis, com detalhes em tela transparente e sobre os quais estão pintados
envelopes de cartas; uma estante, com vários objetos, que são utilizados em
cena, com destaque para um metrônomo, acionado em algumas cenas; duas malas, que se
transformam em móveis, como cadeiras, bancos, mesas; uma mesa sobre a qual se sobressaem, em revezamento, uma máquina de escrever portátil e um mimeógrafo.
Passeio na chuva.
Os
figurinos, de CAROL LOBATO também se incorporam à realidade do projeto. Simples e mais do que adequados à personagem.
É
boa a iluminação de LUIZ PAULO NENÉM, embora (não sei se de
propósito), em algumas cenas em que se deslocam mais para perto do público, as
atrizes fiquem fora do foco de luz, meio encobertas.
Completam
a ficha técnica:
Direção de Movimento: ADRIANA BONFATTI.
Visagismo: CRISTIANE REGIS
e HÉLIO DIAS.
Assistente de Direção:
MARCÉU PIERROTTI.
Stand-in: LUÍSA VIOTTI.
Fotos de cena: GUGA MELGAR.
Fotos de Programação Visual: MARCELO
FAUSTINI.
Produção e assessoria de imprensa: BARATA
COMUNICAÇÃO.
Fui
assistir ao espetáculo com uma expectativa, que foi superada e me deixou muito
feliz. Recomendo a peça, simples, bem
modesta, mas de uma delicadeza e um altíssimo astral e feita com muita garra e
amor, graças à determinação de FRANÇOISE
FORTON, que, em momento algum, desistiu de sua luta, para levar ao palco um de seus sonhos.
Como
disse FRANÇOISE, durante os
agradecimentos, “Não é um espetáculo para se entender, mas para se sentir”. Concordo, plenamente, com ela.
E,
para finalizar, permito-me reproduzir as palavras do poeta e pesquisador, maior
amigo de ANA CRISTINA CESAR, Armando Freitas Filho, sobre ela, em
1985: “Ela não foi - ela fica - como uma fera”.
Aplausos! Bravo!!!
SERVIÇO:
CASA DE CULTURA LAURA ALVIM
AVENIDA VIEIRA SOUTO, 176, IPANEMA
(021) 2332-2016
AVENIDA VIEIRA SOUTO, 176, IPANEMA
(021) 2332-2016
INGRESSO: R$
30.
DE 15/08/2014 ATÉ 08/10/2014
TERÇA-FEIRA: 21h
QUARTA-FEIRA: 21h
TERÇA-FEIRA: 21h
QUARTA-FEIRA: 21h
(FOTOS – de cena, na estreia: ANDRÉ MUZELL)
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