sábado, 9 de agosto de 2014


A DAMA DO MAR
 
 
 
(UM MERGULHO PROFUNDO NUM MAR REVOLTO.)
 
 
 
 
Está em cartaz, até o dia 24 de agosto, no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, um dos clássicos do TEATRO universal, A DAMA DO MAR (FRUEN FRA HAVET), do norueguês HENRIK IBSEN, escrita e publicada em 1888 e encenada, pela primeira vez, em 1889, agora numa adaptação de MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA, com direção do premiado diretor PAULO DE MORAES.
A peça é considerada, pela crítica, como a primeira obra simbolista de IBSEN, e uma das mais poéticas.  Os diálogos, de sentido duplo, fazem com que as palavras e frases se revistam de bastante ambiguidade, ora empregadas com valor denotativo, sentido realista, ora conotativamente, de forma simbólica, de cunho metafórico, propositalmente forçando o espectador a mergulhar num universo, por vezes, bastante místico e misterioso.
Os amantes e conhecedores de TEATRO sabem que esta peça foi escrita em cinco atos, convertidos em apenas um, na montagem aqui comentada, com a duração de pouco mais de uma hora.  A primeira impressão que se pode ter é de que o texto foi “mutilado”, a ponto de se tornar “uma outra peça”.  Era o que eu temia ver, porém  equivocam-se, redondamente, os que assim pensarem.  E aí está um dos méritos da adaptação de MAURÍCIO: manter, no palco, os elementos principais da trama, entrelaçando todos os pontos capitais do enredo, o que é, definitivamente, essencial, para que ele possa ser compreendido, sem desqualificar, em nada, o texto ibseniano.
O que pode ser mais caro ao ser humano para a sua vida?  Entenda-se, aqui, o adjetivo “caro” como “precioso” ou “aquilo que custa muito, pelo que se paga um preço elevado, para que se consiga uma conquista”.  É a liberdade, é claro, em todas as suas nuanças.  E é disso que a peça trata, da luta, dura e despudorada, de uma mulher, em busca da liberdade, da felicidade, de um amor que a complete, em todos os sentidos, de uma razão para viver e ser, realmente, feliz.  Creio já ser isto motivo para atrair alguém a ver a peça.
 
 
Tânia Pires, Zeca Cenovicz e João Vitti: triângulo “amoroso”?
 
 
Os três vértices do “triângulo”?
 
 
 
ELLIDA WANGEL, personagem interpretada por TÂNIA PIRES, vive, refém de seus medos, incertezas e desejos, numa pequena estação balneária, na costa setentrional da Noruega, à margem de um fiorde, e a trama tem a duração de um verão, começando no dia do aniversário da protagonista.
A história mostra a difícil luta entre o determinismo, a sugestão passional e o livre arbítrio,[] relatando o debate da protagonista, entre a resignação da vida doméstica, burguesa, num casamento infeliz, ao lado de um obscuro e machista médico de aldeia, bem mais velho que ela e que tem duas filhas do primeiro casamento, e a aventura com um navegador estrangeiro, desconhecido, que surge do nada, como um agente libertário para aquela mulher cheia de desejos, mas com poucos horizontes.  O rapaz acena-lhe com a possibilidade de recomeçar a própria vida ou de dar início a uma verdadeira vida, à qual ela ainda não tivera acesso.
ELLIDA guarda um misterioso segredo de seu passado e vive em constante estado de inquietude, apenas conseguindo se “acalmar” sempre que volta de seus frequentes mergulhos no mar, o que explica o título da peça, que nada mais é do que o epíteto a ela reservado: ELLIDA é A DAMA DO MAR.  Estranhamente, é no mar que ela consegue “respirar” melhor.  
Na verdade, ninguém quer continuar ali, naquele pedaço esquecido de mundo, que oferece como horizonte apenas aquele, ao pé da letra, que se divisa da praia, inalcançável.  Até mesmo as enteadas de ELLIDA sonham se casar com homens ricos, que as levem para outro lugar, que lhes ofereçam perspectivas de felicidade, distante daquele marasmo.  De uma certa forma, pode-se dizer que tal desejo lhes é incentivado, ou, pelo menos, despertado pela madrasta.
No final, mediante a transformação da liberdade de escolha, a protagonista se decide por permanecer ao lado do marido, com o triunfo do livre arbítrio sobre o determinismo, o que divide as opiniões da plateia.  São bem interessantes os comentários que ouvi, à saída do espetáculo, acerca da escolha da personagem, se certa ou errada.  Sugiro que, após cada sessão, fossem abertos pequenos debates sobre essa questão.
 
 
 
Discutindo a relação?
 
 
Tânia Pires e Joelson Medeiros.
 
 
Tânia Pires, Leonardo Hinckel e Joelson Medeiros.
 
 
Para qualquer diretor, é sempre um grande desafio encenar um clássico da dramaturgia universal, como A DAMA DO MAR, escrito por um dos ícones da tradicional e clássica literatura dramática, como IBSEN.  Isso, porém, não é um grande obstáculo para um encenador como PAULO DE MORAES, que, em suas vencedoras montagens à frente do Armazém Companhia de Teatro, já imprimiu sua marca, como diretor, e se apresenta, a cada trabalho, se não mais arrojado em sua proposta, pelo menos, tão instigante quanto à anterior. 
Para não fugir à sua linha, esta leitura de A DAMA DO MAR se caracteriza pela utilização de uma linguagem cênica arrojada, de vanguarda, completamente diferente de tudo que já se fez, ou que, pelo menos, eu tenha visto, até hoje, em montagens desse texto.  Cabe, aqui, chamar a atenção para um detalhe, considerado ponto alto desta encenação, que é a cena em que ELLIDA e o ESTRANGEIRO mergulham num enorme aquário, ao fundo do palco, com capacidade para dois mil litros de água, e encenam uma belíssima cena de sedução, com direito a nudez explícita, perfeitamente inserida no contexto, que, às vezes, pode sugerir que o homem tenta afogar a mulher, já que as imersões são sucessivas e os dois atores se mantêm, por muito tempo, submersos, até o limite de seus fôlegos.  Do ponto de vista da plasticidade, trata-se de uma das mais belas cenas que já presenciei num palco.  A propósito, o gigantesco aquário foi uma pedra no sapato da produção, pois vinha apresentando problemas técnicos, o que inviabilizava a sua utilização na cena, a qual teve de sofrer modificações, perdendo em qualidade, mas, felizmente, já está perfeitamente recuperado e em uso.  Tive o privilégio de aplaudir a cena na sua completa tradução.
 
 
Nem precisa de legenda.
 
 
Idem.
 
 
Ibidem.
 
 
Apenas por curiosidade e a título de exercitar a lembrança, é bom falar que a exploração do elemento água, como parte integrante das encenações de PAULO DE MORAES, também esteve presente, de forma brilhante, num dos seus mais recentes espetáculos, A Marca da Água, montagem do Armazém, com uma piscina e peixes cenográficos em cena.
No elenco, coeso e totalmente mergulhado no universo do autor do texto e da proposta da direção, destacam-se os nomes de TÂNIA PIRES, como a protagonista, ELLIDA, muitas vezes tão eloquente até mesmo nos hiatos entre uma fala e outra; JOÃO VITTI, como o ESTRANGEIRO (anônimo, porque o que ele poderia representar na vida daquela mulher está acima de qualquer outro detalhe, como um simples nome), muito competente nas atitudes que lhe favorecem preservar o mistério de seu personagem; JOELSON MEDEIROS, PROFESSOR ARNHOLM; RENATA GUIDA, BOLETTE, uma das filhas, linda presença feminina no palco, favorecida pelas muitas possibilidades de se expressar corporalmente, exibindo uma bela plástica, associada ao sotaque exageradamente paulista, expresso na sensualidade de sua voz, pelo timbre e pelas entonações. 
 
 
Leonardo Hinckel e Renata Guida.
 
 
Leonardo e Renata.
 
 
Renata Guida e Joelson Medeiros.
 
 
Renata Guida, “contracenando” com um outro grande aquário, com peixes (de verdade), na ponta extrema do palco, em relação ao aquário gigante do fundo.
 
 
Completam, ainda, o ótimo elenco, também com atuações corretas, porém de menor contundência, ZECA CENOVICZ, DR. WANGEL; LEONARDO HINCKEL, LYNGSTRAND; e ANDRESSA LAMEU, HILDA, a outra filha.  Nesta versão, foi descartado um outro personagem: BALLESTED.
 
 
 
Andressa Lameu e Leonardo Hinckel.
 
 
 
Para encerrar os comentários sobre a ficha técnica, além dos já citados nomes de HENRIK IBSEN, autor do texto, MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA, responsável pela versão e adaptação da obra, e de PAULO DE MORAES, na direção, o qual também assina a simples e bela cenografia, acrescentem-se a excelente iluminação de MANECO QUINDERÉ, os sóbrios e belos figurinos de CAROL LOBATO e a interessante trilha sonora de RICCO VIANA.
O espetáculo ficará em temporada até o dia 24 de agosto, na Casa de Cultura Laura Alvim (Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema), no Rio de Janeiro.  As apresentações são de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h. O ingresso custa R$ 30,00.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(FOTOS: LÉO AVERSA)

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