A
DAMA DO MAR
(UM
MERGULHO PROFUNDO NUM MAR REVOLTO.)
Está em
cartaz, até o dia 24 de agosto, no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim,
um dos clássicos do TEATRO
universal, A DAMA DO MAR (FRUEN FRA HAVET), do norueguês HENRIK IBSEN, escrita e publicada em
1888 e encenada, pela primeira vez, em 1889, agora numa adaptação de MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA, com direção
do premiado diretor PAULO DE MORAES.
A peça é
considerada, pela crítica, como a primeira obra simbolista de IBSEN, e uma das mais poéticas. Os diálogos, de sentido duplo, fazem com que
as palavras e frases se revistam de bastante ambiguidade, ora empregadas com
valor denotativo, sentido realista, ora conotativamente, de forma simbólica, de
cunho metafórico, propositalmente forçando o espectador a mergulhar num
universo, por vezes, bastante místico e misterioso.
Os amantes e
conhecedores de TEATRO sabem que
esta peça foi escrita em cinco atos, convertidos em apenas um, na montagem aqui
comentada, com a duração de pouco mais de uma hora. A primeira impressão que se pode ter é de que
o texto foi “mutilado”, a ponto de se tornar “uma outra peça”. Era o que eu temia ver, porém equivocam-se, redondamente, os que assim
pensarem. E aí está um dos méritos da
adaptação de MAURÍCIO: manter, no
palco, os elementos principais da trama, entrelaçando todos os pontos capitais
do enredo, o que é, definitivamente, essencial, para que ele possa ser
compreendido, sem desqualificar, em nada, o texto ibseniano.
O que pode ser
mais caro ao ser humano para a sua vida?
Entenda-se, aqui, o adjetivo “caro”
como “precioso” ou “aquilo que custa muito, pelo que se paga um preço elevado,
para que se consiga uma conquista”. É a liberdade, é claro, em todas as suas
nuanças. E é disso que a peça trata, da
luta, dura e despudorada, de uma mulher, em busca da liberdade, da felicidade,
de um amor que a complete, em todos os sentidos, de uma razão para viver e ser,
realmente, feliz. Creio já ser isto
motivo para atrair alguém a ver a peça.
Tânia
Pires, Zeca Cenovicz e João Vitti: triângulo “amoroso”?
Os
três vértices do “triângulo”?
ELLIDA WANGEL, personagem interpretada
por TÂNIA PIRES, vive, refém de seus
medos, incertezas e desejos, numa
pequena estação balneária, na costa setentrional da Noruega,
à margem de um fiorde,
e a trama tem a duração de um verão, começando no dia do aniversário da
protagonista.
A história mostra a difícil luta entre o determinismo,
a sugestão passional e o livre arbítrio,burguesa, num casamento infeliz, ao lado de um obscuro e
machista médico de aldeia, bem mais velho que ela e que tem duas filhas do
primeiro casamento, e a aventura com um navegador estrangeiro, desconhecido,
que surge do nada, como um agente libertário para aquela mulher cheia de
desejos, mas com poucos horizontes. O
rapaz acena-lhe com a possibilidade de recomeçar a própria vida ou de dar
início a uma verdadeira vida, à qual ela ainda não tivera acesso. relatando o debate da protagonista, entre a
resignação da vida doméstica,
ELLIDA guarda um
misterioso segredo de seu passado e vive em constante estado de inquietude, apenas
conseguindo se “acalmar” sempre que volta de seus frequentes mergulhos no mar,
o que explica o título da peça, que nada mais é do que o epíteto a ela
reservado: ELLIDA é A DAMA DO MAR. Estranhamente, é no mar que ela consegue
“respirar” melhor.
Na verdade,
ninguém quer continuar ali, naquele pedaço esquecido de mundo, que oferece como
horizonte apenas aquele, ao pé da letra, que se divisa da praia,
inalcançável. Até mesmo as enteadas de ELLIDA sonham se casar com homens ricos,
que as levem para outro lugar, que lhes ofereçam perspectivas de felicidade,
distante daquele marasmo. De uma certa
forma, pode-se dizer que tal desejo lhes é incentivado, ou, pelo menos,
despertado pela madrasta.
No final, mediante a transformação da liberdade de
escolha, a protagonista se decide por permanecer ao lado do marido, com o
triunfo do livre arbítrio sobre o determinismo, o que divide as opiniões da
plateia. São bem interessantes os comentários
que ouvi, à saída do espetáculo, acerca da escolha da personagem, se certa ou
errada. Sugiro que, após cada sessão,
fossem abertos pequenos debates sobre essa questão.
Discutindo
a relação?
Tânia
Pires e Joelson Medeiros.
Tânia
Pires, Leonardo Hinckel e Joelson Medeiros.
Para qualquer diretor, é sempre um grande desafio encenar
um clássico da dramaturgia universal, como A
DAMA DO MAR, escrito por um dos ícones da tradicional e clássica
literatura dramática, como IBSEN. Isso, porém, não é um grande obstáculo para
um encenador como PAULO DE MORAES,
que, em suas vencedoras montagens à frente do Armazém Companhia de Teatro, já imprimiu sua marca, como diretor, e
se apresenta, a cada trabalho, se não mais arrojado em sua proposta, pelo
menos, tão instigante quanto à anterior.
Para não fugir à sua linha, esta leitura de A DAMA DO MAR se caracteriza pela
utilização de uma linguagem cênica arrojada, de vanguarda, completamente
diferente de tudo que já se fez, ou que, pelo menos, eu tenha visto, até hoje,
em montagens desse texto. Cabe, aqui,
chamar a atenção para um detalhe, considerado ponto alto desta encenação, que é
a cena em que ELLIDA e o ESTRANGEIRO mergulham num enorme aquário,
ao fundo do palco, com capacidade para dois mil litros de água, e encenam uma
belíssima cena de sedução, com direito a nudez explícita, perfeitamente
inserida no contexto, que, às vezes, pode sugerir que o homem tenta afogar a
mulher, já que as imersões são sucessivas e os dois atores se mantêm, por muito
tempo, submersos, até o limite de seus fôlegos.
Do ponto de vista da plasticidade, trata-se de uma das mais belas cenas
que já presenciei num palco. A propósito,
o gigantesco aquário foi uma pedra no sapato da produção, pois vinha
apresentando problemas técnicos, o que inviabilizava a sua utilização na cena,
a qual teve de sofrer modificações, perdendo em qualidade, mas, felizmente, já
está perfeitamente recuperado e em uso. Tive
o privilégio de aplaudir a cena na sua completa tradução.
Nem
precisa de legenda.
Idem.
Ibidem.
Apenas por
curiosidade e a título de exercitar a lembrança, é bom falar que a exploração
do elemento água, como parte integrante das encenações de PAULO DE MORAES, também esteve presente, de forma brilhante, num
dos seus mais recentes espetáculos, A
Marca da Água, montagem do Armazém,
com uma piscina e peixes cenográficos em cena.
No elenco, coeso
e totalmente mergulhado no universo do autor do texto e da proposta da direção,
destacam-se os nomes de TÂNIA PIRES,
como a protagonista, ELLIDA, muitas
vezes tão eloquente até mesmo nos hiatos entre uma fala e outra; JOÃO VITTI, como o ESTRANGEIRO (anônimo, porque o que ele poderia representar na vida
daquela mulher está acima de qualquer outro detalhe, como um simples nome),
muito competente nas atitudes que lhe favorecem preservar o mistério de seu
personagem; JOELSON MEDEIROS, PROFESSOR ARNHOLM; RENATA GUIDA, BOLETTE,
uma das filhas, linda presença feminina no palco, favorecida pelas muitas
possibilidades de se expressar corporalmente, exibindo uma bela plástica,
associada ao sotaque exageradamente paulista, expresso na sensualidade de sua
voz, pelo timbre e pelas entonações.
Leonardo
Hinckel e Renata Guida.
Leonardo
e Renata.
Renata
Guida e Joelson Medeiros.
Renata Guida, “contracenando” com um outro
grande aquário, com peixes (de verdade), na ponta extrema do palco, em relação ao
aquário gigante do fundo.
Completam,
ainda, o ótimo elenco, também com atuações corretas, porém de menor contundência,
ZECA CENOVICZ, DR. WANGEL; LEONARDO HINCKEL,
LYNGSTRAND; e ANDRESSA LAMEU, HILDA, a outra filha. Nesta
versão, foi descartado um outro personagem: BALLESTED.
Andressa
Lameu e Leonardo Hinckel.
Para encerrar os comentários sobre a ficha técnica, além dos já citados
nomes de HENRIK IBSEN, autor do texto, MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA, responsável pela versão e adaptação da
obra, e de PAULO DE MORAES, na direção, o qual também assina a simples
e bela cenografia, acrescentem-se a
excelente iluminação de MANECO QUINDERÉ, os sóbrios e belos figurinos de CAROL LOBATO e a interessante trilha
sonora de RICCO VIANA.
O espetáculo ficará em
temporada até o dia 24 de agosto, na
Casa de Cultura Laura Alvim (Av.
Vieira Souto, 176 – Ipanema), no Rio de
Janeiro. As apresentações são de
quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h. O ingresso custa R$ 30,00.
(FOTOS: LÉO AVERSA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário