sábado, 23 de agosto de 2014


JAZZ DO CORAÇÃO

 

 

 

(POUCO PARA SE ENTENDER; TUDO PARA SE SENTIR.)

 

 

 

 

 

jazz_do_coracao

 

 

 

            Poesia é bom de se ler, ótimo de se ouvir, melhor ainda de se ouvir interpretada; ainda melhor, se for bem interpretada.

            Se é isso o que você procura, vá à Sala Rogério Cardoso, na Casa de Cultura Laura Alvim, para assistir à mais nova produção de Barata Comunicação: JAZZ DO CORAÇÃO, um espetáculo sobre a obra da poeta ANA CRISTINA CESAR, com dramaturgia e direção de DELSON ANTUNES, tendo FRANÇOISE FORTON e ALINE PEIXOTO no elenco.

 

 


Françoise Forton, Delson Antunes e Aline Peixoto.

 

 

            Todos aprendemos que o feminino de “poeta” é “poetisa”, entretanto, não raro, hoje, faz-se o emprego uniforme do substantivo.  Reza a lenda que a primeira vez em que o feminino “poetisa” foi trocado por “a poeta” partiu de Manuel Bandeira, que, além de grande poeta, era um bem conceituado crítico literário e, num “acesso de machismo”, ao ser questionado sobre a qualidade da obra poética de Cecília Meireles, teria respondido algo parecido com isto: “Ela escreve tão bem, que não merece ser chamada, como qualquer mulher que faz verso, de ‘poetisa’; ela é uma poeta”.  Machismos à parte, ANA CRISTINA CESAR é uma poeta.

 

EXTRAÍDO (e adaptado) DA WIKIPÉDIA:

 

Ana Cristina Cruz Cesar, nascida em 1952 e falecida, muito precocemente, em 1983, aos 31 anos de idade, foi uma poeta e tradutora brasileira, conhecida como ANA CRISTINA CESAR (ou ANA C.).  É considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo, da década de 70, e tem o seu nome, muitas vezes, vinculado ao movimento da Poesia Marginal.

 


Ana Cristina Cesar.

 

A título de informação, principalmente para os mais jovens, um pouco da geração mimeógrafo:


“A geração mimeógrafo (ou movimento Alissara) foi um movimento, ou fenômeno sociocultural []brasileiro, que ocorreu imediatamente após a Tropicália, durante a década de 70, em função da censura imposta pela ditadura militar[], que levou intelectuais, professores universitários, poetas e artistas em geral, em todo o país, a buscar meios alternativos de difusão cultural, notadamente o mimeógrafo, tecnologia mais acessível na época.  Da tecnologia mais usada, vem o seu nome.

Por estar à margem do circuito editorial estabelecido, sua poesia foi denominada poesia marginal.  A produção artística desta geração, igualmente, não circulava em tradicionais galerias.  A geração mimeógrafo também se expressou através da música, do cinema e da dramaturgia, sendo a sua produção poética a mais lembrada, possivelmente por ser aquela produção mais adequada às restrições de suporte impostas pela página mimeografada. []

Através dela, os poetas da geração mimeografada queriam se expressar livremente, em pleno regime da ditadura militar, bem como revelar novas vozes poéticas.  Além de ANA CRISTINA, ficaram célebres, como representantes desse movimento, nomes como os de Rodrigo Lisboa, Carlos Saldanha, Cacaso (Antônio Carlos de Brito), Torquato Neto, José Carlos Capinam (os três últimos excelentes letristas da MPB), Antônio Carlos Sechin, Geraldo Carneiro, Waly Salomão, Isabel Câmara, Chacal, Bernardo Vilhena e outros.

 

ANA CRISTINA CESAR nasceu em uma família culta e protestante, de classe média, era extremamente inteligente e sagaz, tanto que, antes mesmo de ser alfabetizada, aos seis anos de idade, já ditava poemas para sua mãe.  Em 1969, ANA viajou à Inglaterra, em intercâmbio, e passou um período em Londres, onde travou contato com a literatura em língua inglesa.  Quando regressou ao Brasil, com livros de Emily Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se a escrever e a traduzir, entrando para a Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), aos dezenove anos.


 


Ana Cristina Cesar em versos.

 


Começou a publicar poemas e textos de prosa poética (cartas reais ou ficcionais), na década de 70, em coletâneas, revistas e jornais alternativos.  A partir de então, as atividades de ANA CRISTINA não pararam: pesquisa literária, mestrado em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outra temporada na Inglaterra, para um mestrado em tradução literária (na Universidade de Essex), em 1980, e a volta ao Rio.   Em suas obras, ela mantém uma fina linha entre o ficcional e o autobiográfico.

Em sua escrita forte, mar­cante e bem femi­nina, retra­tava suas inqui­e­tu­des, suas dúvidas, seus medos, suas contestações, seus questionamentos íntimos; regis­trava seus amo­res (muitos), alguns mais, outros menos intensos; desa­ba­fava sen­ti­men­tos, sem nenhum pudor ou censura.  Com o enorme e inces­sante desejo de par­tir, de des­co­brir, des­bra­var, rea­li­zou diver­sas via­gens, que mar­ca­ram seus poe­mas, suas cartas e sua vida.

Cometeu suicídio, aos trinta e um anos, atirando-se pela janela do apartamento dos pais, no oitavo andar de um edifício da rua Tonelero, em Copacabana.

Armando Freitas Filho, também poeta, foi o melhor amigo de ANA CRISTINA CESAR, a quem ela deixou a responsabilidade de cuidar, postumamente, das suas publicações.  O acervo pessoal da autora está sob tutela do Instituto Moreira Salles.  A família fez a doação, mediante a promessa de os escritos ficarem no Rio de Janeiro.  Sabe-se, contudo, que muitas cartas dela foram censuradas pela família, principalmente as recebidas do escritor Caio Fernando Abreu, segundo o qual, em 1982, “Ana C. concede ao leitor aquele delicioso prazer meio proibido de espiar a intimidade alheia pelo buraco da fechadura.  Uma das escritoras mais originais, talentosas, envolventes e inteligentes, surgidas, ultimamente, na literatura brasileira”.


 


Mais Ana C.

 

 

            Vamos a uma modesta e breve análise do espetáculo, já que não é necessário dizer muito sobre ele; ele fala por si:

 

 


As “duas” Ana Cristina Cesar.

 

 

            Durante setenta minutos, a plateia, de pouquíssimos lugares, é tomada por profunda emoção, logo nos primeiros versos e trechos de cartas de ANA C., de tão lindos que são e pela forma visceral como são interpretados pela dupla de atrizes, FRANÇOISE e ALINE, ambas ANA CRISTINA, porém num belíssimo e interessante contraponto de duas mulheres numa só, sem marcas de diferentes faixas etárias: uma de ar angelical, mais emoção, e outra visivelmente perturbada, mais razão, no sentido do comprometimento com a realidade.  O ideal versus o real.  Ambas, porém, de uma personalidade marcante, forte, que prende a atenção do espectador, provocando-lhe uma viagem pelos meandros do coração.

 

 

 


As atrizes também cantam e tocam instrumentos musicais.

 

 

            O projeto, que saiu da cabeça de FRANÇOISE FORTON (principal mentora) e DELSON ANTUNES, ficou incubado, por cinco anos, à espera do momento de eclodir, o que só pôde se tornar uma realidade agora, com muito sacrifício e empenho de muitos amigos, uma vez que o espetáculo não conta com patrocínios, o que lhe acrescenta méritos.  Fazer um bom espetáculo com dinheiro e patrocínio é fácil; difícil é tirar leite de pedra.

 

 


Momento de descontração.

 

 

            Nas palavras do próprio diretor e um dos idealizadores do projeto, além do responsável pelo minucioso trabalho de costurar e ligar textos completos e trechos da obra da poeta, “O espetáculo não é biográfico e não é linear.  Ele tem um clima quase confessional, fala sobre as relações, expectativas, do lado afetivo, dos amigos e muito da solidão, da carência, do amor.  Fiz um recorte, olhando mais esses aspectos da personalidade dela”.

De acordo com FRANÇOISE, “O espetáculo, que busca retratar a delicadeza, a força e a humanidade das palavras da ANA CRISTINA CÉSAR, resultou num processo de criação artesanal.”

Além do excelente trabalho de interpretação, as duas atrizes tocam, em cena, violão, clarinete, pandeiro e instrumentos de percussão, de MPB a “blues”, interpretando sete poemas de ANA C., musicados pelo músico e compositor PEDRO LUÍS, nesse drama poético-musical.

 

 


Toca, que eu canto (ou Canta, que eu toco).

 

 

            O resultado obtido na parte musical deve-se ao bom trabalho de SUELY MESQUITA, na direção musical e preparação vocal.

            Assina o cenário, bastante satisfatório, considerados os parcos recursos empregados na produção e o minúsculo espaço da Sala Rogério Cardoso, a artista plástica JEANE TERRA, com destaque para três painéis móveis, com detalhes em tela transparente e sobre os quais estão pintados envelopes de cartas; uma estante, com vários objetos, que são utilizados em cena, com destaque para um metrônomo, acionado em algumas cenas; duas malas, que se transformam em móveis, como cadeiras, bancos, mesas; uma mesa sobre a qual se sobressaem, em revezamento, uma máquina de escrever portátil e um mimeógrafo.

 

 


Passeio na chuva.

 

 

            Os figurinos, de CAROL LOBATO também se incorporam à realidade do projeto.  Simples e mais do que adequados à personagem.

            É boa a iluminação de LUIZ PAULO NENÉM, embora (não sei se de propósito), em algumas cenas em que se deslocam mais para perto do público, as atrizes fiquem fora do foco de luz, meio encobertas.

            Completam a ficha técnica:

            Direção de Movimento: ADRIANA BONFATTI.

            Visagismo: CRISTIANE REGIS e HÉLIO DIAS.

            Assistente de Direção: MARCÉU PIERROTTI.

Stand-in: LUÍSA VIOTTI.

Fotos de cena: GUGA MELGAR.

Fotos de Programação Visual: MARCELO FAUSTINI.

Produção e assessoria de imprensa: BARATA COMUNICAÇÃO.  

 

            Fui assistir ao espetáculo com uma expectativa, que foi superada e me deixou muito feliz.  Recomendo a peça, simples, bem modesta, mas de uma delicadeza e um altíssimo astral e feita com muita garra e amor, graças à determinação de FRANÇOISE FORTON, que, em momento algum, desistiu de sua luta, para levar ao palco um de seus sonhos.

            Como disse FRANÇOISE, durante os agradecimentos, “Não é um espetáculo para se entender, mas para se sentir”.  Concordo, plenamente, com ela.

            E, para finalizar, permito-me reproduzir as palavras do poeta e pesquisador, maior amigo de ANA CRISTINA CESAR, Armando Freitas Filho, sobre ela, em 1985: “Ela não foi - ela fica - como uma fera”.

 

 


Aplausos!  Bravo!!!

 

 

 

 

SERVIÇO:

CASA DE CULTURA LAURA ALVIM
AVENIDA VIEIRA SOUTO, 176, IPANEMA  
(021) 2332-2016

INGRESSO: R$ 30.


DE 15/08/2014 ATÉ 08/10/2014
TERÇA-FEIRA: 21h
QUARTA-FEIRA: 21h

 


(FOTOS – de cena, na estreia: ANDRÉ MUZELL)



 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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