quinta-feira, 28 de agosto de 2014


MARATONA

 

 

 

(UMA FORMIDÁVEL METÁFORA DA VIDA REAL.)

 

 

 

 


 

 

A Sede das Cias é uma das melhores coisas surgidas no universo do TEATRO nos últimos tempos, no Rio de Janeiro. 

A partir de agosto do ano passado, ocupa, fisicamente, um ótimo espaço no primeiro patamar da Escadaria Selarón, um dos mais badalados “points” da Lapa.  O local onde funcionava a Cia. dos Atores, há um ano, vem abrigando uma reunião de três companhias, a própria Cia. dos Atores, Os Dezequilibrados e a Pangeia Cia. de Teatro.  

A administração do espaço está a cargo da Nevaxca Produções e da Cia. Os Dezequilibrados, sob direção artística de Ivan Sugahara. 

Além de espetáculos teatrais, também oferece oficinas gratuitas das companhias residentes e de outros coletivos.  A programação, com curadoria do próprio Ivan, de Os Dezequilibrados, e de Diego de Angeli, da Pangeia Cia. de Teatro, e direção de produção de Tárik Puggina, é intensiva, com espetáculos de segunda a segunda, sempre com ingressos a preços populares.

            Não me arrependo de 99% do que assisti lá e, dentre tantos espetáculos de extrema qualidade, destaco MARATONA, que cumpriu temporada, naquele espaço, em junho e na primeira semana de julho, e que, agora, volta ao cartaz, por apenas três semanas, em outro espaço, o ESPAÇO CULTURAL MUNICIPAL SÉRGIO PORTO, que eu prefiro chamar apenas de TEATRO SÉRGIO PORTO, no Humaitá.

 

A temporada irá da próxima amanhã, dia 29 de agosto até o dia 14 de setembro, de 6ª feira a domingo, sempre às 20h.

 

 

SEDE DAS CIAS

Fachada da Sede das Cias.

 

2014 está sendo um ano feliz para a Pangeia Cia. de Teatro, que comemora sete anos do grupo e um ano como residente da Sede das Cias.  Para festejar o evento, juntou-se às parceiras Outra Cia. e Teatro Catapulta e desenvolveram um magnífico espetáculo: MARATONA.

A peça tem livre inspiração no livro “MAS NÃO SE MATA CAVALO?”, de Horace McCoy, um romance que retrata as maratonas americanas de dança, realizadas após a crise de 1929, quando a fome levou milhares de pessoas à participação em competições de dança, que podiam durar até quatro meses.  

Considerando o contexto brasileiro, os grupos se perguntaram, ao longo do processo, que tipo de fome ou interesse levaria competidores à maratona realizada no ficcional Clube Oásis, na, também ficcional – mas não tanto - cidade Quase-Maravilhosa.

Com bastante e bom humor, a competição de dança revela personagens em busca do sonho de ganhar o Grande Prêmio Final e, aos poucos, vai mostrando uma jornada nada animadora aos participantes, uma vez que a realidade é bem mais dura do que aparenta ser e a vida não se resume a uma pista de danças.

Há um ano, as três companhias se reuniram para pesquisar o argumento do espetáculo e abriram os ensaios ao público, criando maratonas abertas.  O espectador se inscrevia como competidor ou júri da maratona, que teve cinco edições no Rio de Janeiro e uma em São Paulo e ajudava a criar a dramaturgia, inspirando alguns dos personagens retratados na peça. 

O texto falado (porque há o que dispensa palavras), embora seja bom, é o que menos interessa no espetáculo, no qual comportamentos e movimentos ganham destaque, vem assinado por DIEGO DE ANGELI, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, JÚLIA ARIANI e LISA DIAS BORGES, contando, ainda, com a colaboração do elenco, o que pode ser traduzido por uma “criação coletiva”.

Quando apresentado na Sede das Cias, o espetáculo tinha início na Escadaria Selarón, onde se misturavam espectadores, transeuntes (a maioria, turistas) e os atores/competidores, os quais, “para poderem participar da maratona de danças”, teriam que, antes, dar uma "prova de resistência”, subindo e descendo, correndo, os 215 degraus daquela Escadaria.

 

Foto: Apetecer.com

Escadaria Selarón: um dos cartões-postais do Rio de Janeiro.

 

Retornando ao local de onde fora dada a partida para a corrida, iniciava-se, então, não propriamente uma itinerância, ao contrário de outros espetáculos que vêm sendo encenados ultimamente (nada contra eles), mas apenas um único deslocamento, da porta da Sede para o seu interior, onde as pessoas se instalavam, sentadas, numa grande sala, e apreciavam, durante duas horas, a extenuante competição de quatro casais, dançando, como se estivessem num “reality show”, comandado por um apresentador “silviossantiano” e sua assistente de palco, JUAN MONTOYA e MARA, que funcionam como anfitriões do espetáculo e condutores do público, dois personagens hilários, vividos, respectivamente, por PEDRO FLORIM e NARA PAROLINI, os quais se encarregam de “pôr pilha” na competição e interagir com o público, o que faz os 120 minutos correrem sem que a assistência disso se dê conta.  Ele, histriônico, exagerado, um tanto déspota, caricato; ela, por vezes, submissa e, em algumas ocasiões, oportunista, tentando roubar o brilho da estrela do espetáculo.  O casal de atores está excelente em seus papéis.

 


Pedro Florim.

 

Foto: Apetecer.com

Pedro Florim e Nara Parolini.

 


Izadora Mosso Schettert, Daniel Kristensen, Pedro Florim (à frente), Thiago Ristow (encoberto) e Gabriela Carneiro da Cunha.

 

A mistura do público aos atores, antes e depois da corrida, e a aproximação entre ambos, já na sala do “Clube Oásis”, a pequena distância que os separa, criam uma perfeita e indispensável cumplicidade entre ambos, o que concede à montagem uma característica muito especial: pode-se dizer que se trata de um espetáculo interativo, sendo que, pouquíssimas vezes, os atores se dirigem diretamente à plateia, solicitando-lhe uma participação.  Esta se dá, de forma indireta, mas espontânea e muito ativa. 

O público não se limita a ser um mero espectador.  Confesso que também “bailei” com aqueles quatro pares, ora com um(a), ora com outro(a) “partner”, e, como eles, fui chegando a exaustão, não física, é óbvio, mas psicológica.  O espectador é alguém que não só acompanha uma competição de dança, mas também a vive, e, praticamente, chega ao seu limite, junto com os dançarinos.

 

Foto: Apetecer.com

Gabriela Carneiro da Cunha e Thiago Ristow.

 

Percebe-se, nos competidores, uma fome de vencer, para o que, mesmo diante da iminência de não suportar prosseguir naquela insana disputa, cada um vai buscar forças no infinito.  Como na vida, ninguém aceita perder, ninguém aceita ser derrotado, ninguém aceita entregar os pontos, morrer na praia. 

É a própria metáfora da luta pela sobrevivência, pela vida, uma luta que enfrentamos todos os dias, duelando contra os mais diversos, mais que adversários, inimigos, tendo de matar um leão a cada dia.

Vez por outra, tem-se a impressão de que a disputa é meramente para erguer um troféu ou ganhar um prêmio em dinheiro, pelo simples prazer de vencer, contudo, a ser considerado o baixo valor material da premiação, chega-se à conclusão de que algo muito mais forte e importante move cada uma daquelas pessoas a ser declarado o vencedor.  Da maratona?  Não; da vida!  Um sobrevivente!!!

São inúmeros dias seguidos de competição, com mínimos intervalos, e as horas, em números absurdos e surrealistas, vão sendo computadas e exibidas num cartaz, que ocupa o fundo do interessante cenário de JOANA PASSI, cafona, como não poderia deixar de ser, para os nossos dias, entretanto perfeitamente incorporado ao espírito da peça.  Quem, como eu, já foi a alguns salões de dança do Rio de Janeiro, numa época em que as pessoas saíam de suas casas para dançar nas gafieiras, há de reconhecer, no ótimo cenário, alguns dos célebres endereços onde se praticava o lazer por meio da dança.

Durante o processo de escritura do roteiro e de ensaios, além da transformação do espaço da Sede das Cias em Clube Oásis, a companhia trabalhou na própria Escadaria Selarón, interagindo com os transeuntes e não abrindo mão de suas intervenções.  Acho fantástica essa ideia e o resultado, excelente, está lá, nas sessões do espetáculo.

 


Ramon de Angeli e Gabriel Salabert.


Ramon e Gabriel (em primeiro plano) e João Marcelo Iglesias e Diana Behrens (ao lado e ao fundo).

 

A direção, brilhante, da peça é assinada a quatro mãos, por DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA.

No elenco, todos os atores apresentam um excelente nível de interpretação (e de resistência física também), não sendo possível destacar algum nome.  Não seria justo.  Além de PEDRO FLORIM, que faz o apresentador, e de NARA PAROLINI, sua assistente, formam os casais de dançarinos, RAMON DE ANGELI (travesti ou mulher?) e GABRIEL SALABERT; DANIEL KRISTENSEN e IZADORA MOSSO SCHETTERT; THIAGO RISTOW e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA; JOÃO MARCELO IGLESIAS e DIANA BEHRENS.

 

O espectador vai, aos poucos, nem tanto pelo texto, mas pelo comportamento dos personagens, identificando as características de cada um e, até mesmo, se identificando com alguns.  Brilhante trabalho de todos!

 

Dois detalhes de suma importância para um espetáculo deste tipo, e de impecável aplicação, dizem respeito à direção de movimento, de MAÍRA MANESCHY, e à preparação corporal, de DIANA BEHRENS e RAMON DE ANGELI.

 

Também é muito importante, na peça, e igualmente de excelente execução, a iluminação, da dupla JOÃO GIOIA e WAGNER AZEVEDO.

 

Outro ponto alto da peça são os figurinos, de TARSILA TAKAHASHI, assim como a ótima consultoria de visagismo, de DIEGO NARDES.

 

 

 


Daniel Kristensen e Izadora Mosso Schettert.

 

 


Diana Behrens e João Marcelo Iglesias.

 

 


Detalhe da ótima iluminação.

 

 

Não se pode conceber um espetáculo como MARATONA sem uma boa trilha sonora.  A pesquisa para a excelente, variada, versátil e exótica trilha foi feita por LETTO e a trilha sonora, propriamente, e a direção musical são de DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA. 

 

Ao longo do espetáculo, a plateia se delicia, ao som de vários “hits” de épocas distintas e dos mais variados ritmos, passeando dos mais calmos aos mais frenéticos, indo do samba ao “rock”, passando por chorinhos, boleros, mambos, “blues”, baladas, melodias suaves e românticas, do tipo “mela-cueca’, como se dizia no meu tempo, até mesmo música erudita.

 

Podem ser ouvidos, além de outros, sucessos como:

Na Cadência do Samba (Luiz Antônio);

Tu Vuò Fa’ L’americano (Renato Carosone);

Naquela Mesa (Jacob do Bandolim);

Djobi  Djoba (Gipsy Kings);

Estúpido Cupido (de Fred Jorge, na doce voz de Celly Campello – Ah!  Meus tempos!);

Datemi Um Martello (na voz personalíssima de Rita Pavone);

Meu Sangue Ferve por Você (na voz fervente de Sidney Magal);

La Bamba (Ritchie Valens); 

Maniac (Michael Sembello);

Kung Fu Fighting (Carl Douglas);

Who Run The World (Beyonce);

Rock Around The Clock (Bill Haley & His Comets – Voltei à adolescência.);

My Way (Frank Sinatra – Aí, eu choro.);

Love me Tender – instrumental (Elvis Presley – Para cortar os pulsos.);

Dos Gardenias (Buena Vista Social Club – Quase perco o fôlego.);

Réquiem (Mozart);

Ne Me Quitte Pas (Na inigualável interpretação de Maysa, que só não é melhor que a da Piaf – Serviu para provar que meu coração não está negando fogo.);

The End (The Doors); 

Twist and Shout (The Beatles – Esta é para derrubar, de vez, o eterno jovem que, em mim, habita.);

Monólogo ao Pé do Ouvido (Nação Zumbi);

Un Bel di Vedremo (Giacomo Puccini). 

 

Que cardápio musical de bom gosto e excelência, não acham?

 

Nesta nova temporada, estou curioso para ver as novidades, uma vez que, por necessidade de adaptação ao novo espaço, o espetáculo sofrerá algumas alterações, entretanto tenho certeza de que jamais será para torná-lo menos excelente do que já é.  Vou revê-lo, na certeza de que, mais uma vez, vou aplaudi-lo de pé, ao som de “Bravos”, motivo pelo qual o recomendo, de coração.

 

 

 


Dançando, para não “dançar”.

 

 


Prossegue a competição.

 

 

 


Enfim, o “grand finale”!!!

 

 

 

 

SERVIÇO:

 

ESPAÇO CULTURAL MUNICIPAL SÉRGIO PORTO (TEATRO SÉRGIO PORTO)

 

Dias e horários: 6ªs, sábados e domingos, às 20h.

Duração: 120 minutos.

Temporada: De 29/08/2014 até 14/09/2014.

Classificação: 14 anos - menores somente acompanhados dos pais.

Gêneros: Comédia / Drama

 

 

FICHA TÉCNICA:

DIREÇÃO: DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA

DRAMATURGIA: DIEGO DE ANGELI, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, JULIA ARIANI, LISA DIAS BORGES, em colaboração com o elenco.

ELENCO (por ordem alfabética): DANIEL KRISTENSEN, DIANA BEHRENS, GABRIEL SALABERT, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, IZADORA MOSSO SCHETTERT, JOÃO MARCELO IGLESIAS, NARA PAROLINI, PEDRO FLORIM, RAMON DE ANGELI e THIAGO RISTOW.

DIREÇÃO DE MOVIMENTO: MAÍRA MANESCHY

PREPARAÇÃO CORPORAL: DIANA BEHRENS E RAMON DE ANGELI

OFICINA DE DANÇA DE SALÃO: ANTÔNIO ALBERTO JÚNIOR

ILUMINAÇÃO: JOÃO GIOIA E WAGNER AZEVEDO

CENÁRIO: JOANA PASSI

FIGURINO: TARSILA TAKAHASHI

CONSULTORIA DE VISAGISMO: DIEGO NARDES

PESQUISA MUSICAL: LETTO

DIREÇÃO MUSICAL: DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA

OPERAÇÃO DE LUZ: PABLO CARDOSO

PROGRAMAÇÃO VISUAL: THIAGO RISTOW

REGISTROS DO PROCESSO: CLAYTON LEITE, SÔNIA BASCH E TOMÁS FAGE

PRODUÇÃO EXECUTIVA: PANGEIA CIA. DETEATRO

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: GABRIEL SALABERT

REALIZAÇÃO: PANGEIA CIA. DETEATRO, OUTRA CIA. E TEATRO CATAPULTA

 

 

(FOTOS: CLAYTON LEITE, SÔNIA BASCH, TOMÁS FAGE, PAULA MELLO, ALINE MACEDO e DIANA ALMEIDA.)

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