GRITO
(UMA GRANDE LIÇÃO DE CORAGEM,
SEM FALSO MORALISMO.)
Gosto
muito dos textos de DARIO FO e FRANCA RAME, sua esposa, companheira e
musa, também atriz, falecida no ano passado (Mistério Buffo, A Morte
Acidental de um Anarquista, Brincando
em cima Daquilo, Sexo em Paz, A Descoberta das Américas...) e, muito
mais por conta disto do que por qualquer outra motivação, fui assistir, no
último domingo, no Parque das Ruínas,
aquele aprazível lugar de Santa Teresa, ainda que de dificílimo acesso, a um
espetáculo baseado no MONOLOGO DELLA
PUTTTANA IN MANICOMIO, da dupla italiana, numa tradução de ALESSANDRA
VANUCCI e DAVI PESSOA, com adaptação de ANTÔNIO GUEDES, LUÍSA PITTA
e MARIANA GUIMARÃES NICOLAS, com direção e atuação desta.
“TEATRO” é pouco e não é bem o nome que
deve ser atribuído ao espetáculo, e sim “performance”,
já que se trata de um solo de uma atriz, que une dança e artes plásticas a um
texto.
Segundo
o lindo programa do espetáculo, “A peça narra a história de uma prostituta, presa em um
manicômio penitenciário, por ter ateado fogo ao escritório de um grande
empresário. A personagem conta sua
trajetória de vida, revelando que tem plena consciência de seu estado e que,
mesmo reconhecendo-se como marginal, encontra forças para reagir diante dos que
considera seus opressores – os homens.”
Mariana Guimarães Nicolas
Mariana Guimarães Nicolas
Jamais
levantei qualquer bandeira em defesa das prostitutas e recuso-me a considerar
tal atividade uma “profissão”, apesar de reconhecer que muitas famílias vivam
dela. Mas não cabe a mim julgar quem se
utiliza dessa forma de vida para viver ou sobreviver. Não vou entrar no mérito da questão, até
porque, acho que o que mais pesa, no espetáculo, não é uma mera discussão sobre
a prostituição, em si; o personagem poderia ser um “gay”, um negro, um índio...
qualquer representante de uma minoria. O
que está em jogo é a dignidade do ser humano, aqui representado por uma
personagem que reúne, infelizmente, dois “estigmas”, como símbolos de
fragilidade e marginalidade, respectivamente: mulher e prostituta.
A personagem
não tem nome, ou seja, não tem uma identidade própria e pode representar
qualquer pária que contribui para a “putrefação” de uma sociedade, dominada,
desde o sempre, pelo falo do macho.
Embora
de 1977, não ficaria nem um pouco surpreso, se
me dissessem que o texto havia sido escrito hoje, tão grande é o seu grau de contemporaneidade,
uma vez que discorre sobre o lugar e o papel da mulher na sociedade, social e
culturalmente, um lugar que compreende a fêmea como objeto, submissa e
desvalorizada, a não ser na cama, quando, em tais condições, satisfaz os
desejos da carne. Aqui, transfiro para a
boca dos homens o que diz uma personagem da grande obra Ópera do Malandro, de Chico
Buarque (lá, é uma prostituta se dirigindo a um cliente): “Mas, na manhã seguinte, não conte até
vinte, se afasta de mim / Pois já não vales nada, és página virada, descartada,
no meu folhetim”.
Evolução do desespero 1.
Evolução do desespero 2.
Evolução do desespero 3.
A
personagem é cruel e barbaramente assediada, na fábrica em que trabalha,
completamente desrespeitada, como mulher e como ser humano, e, segundo ela, em
seu comovente depoimento, isso é o que a leva ao estágio da loucura.
A prostituta, louca e encarcerada, levanta
questionamentos sobre os direitos da mulher, numa sociedade predominantemente
machista, apesar dos poucos avanços que, à custa de muito suor e sangue, elas
vêm conquistando nas últimas décadas.
O espetáculo serve, ainda, para fazer uma denúncia muito
séria, que diz respeito ao fato de a violência contra as mulheres ser muito
mais constante e em proporções acima das exibidas na mídia, do que se pode ter
ideia, começando dentro de suas próprias casas, expandindo-se para os seus
locais de trabalho e projetando-se para as ruas, lugares públicos ou privados;
enfim, por aí...
De acordo com o
programa da peça, “A ameaça, o medo e a impunidade são utilizados para excluir
as mulheres do espaço público e colocá-las em seu “devido lugar”. O silêncio
agrava esse quadro. GRITO é um
manifesto contra essa injustiça.”
Na adaptação para os palcos brasileiros, um detalhe
chama a atenção e, com certeza, atribui ao espetáculo um colorido
especial. No original, a personagem
conta sua história a uma médica psiquiatra, que presta assistência às internas
de um manicômio judicial; aqui, quase todo tempo sentada, nua, numa cadeira de
rodas, a uma mínima distância do público, a atriz se dirige diretamente às
pessoas, trazendo-as para perto de si, fazendo-as participantes de seu
problema, confidentes dos seus dramas e segredos. Cada um dos espectadores é um esteio ao qual
ela procura se apoiar, para poder fazer desfilar seus infortúnios, na tentativa
de se livrar um pouco dos fantasmas, do passado, que aterrorizam o seu
presente. Confesso que, apesar de me
considerar muito mais HOMEM do que
me macho (“Ser macho, hoje é bem fácil; o difícil é achar HOMEM” – Mariozinho Rocha),
senti-me envergonhado do grupo a que pertenço, inferiorizado, diante daquele
ser, tão frágil, fisicamente, mas tão forte na sua essência.
Presa, mas não derrotada.
Engano seu: EU NÃO ME RENDO!
Trata-se de um espetáculo que faz pensar, que provoca
uma catarse, se apreciado não meramente como um momento de lazer; aliás, muito
se fasta deste propósito.
Dignos de todos os elogios são o brilhante trabalho
de MARIANA GUIMARÃES NICOLAS, como “performer” e diretora, e sua coragem de se despir, denotativa e conotativamente
falando, diante de um público, e defender, com unhas e dentes, a sua condição
de fêmea e, mais no fundo, de ser humano.
MARIANA se revela boa atriz e
de um fantástico domínio de seu corpo.
Fala pela boca, pela máscara facial e pela excelente expressão
corporal. Como não a conhecia ainda, foi
uma bela surpresa para mim.
A “performance” se dá sob
a supervisão cênica de ANTÔNIO GUEDES; direção de movimento de
LUÍSA PITTA; direção musical de PEDRO PORTELLA; iluminação do grande AURÉLIO
DE SIMONI; figurinos de PÂMELA CÔTO; cenografia de MARIANA GUIMARÃES
NICOLAS e RÔMULO BANDEIRA; programação visual de DUPLA FENDA DESIGN, por RÔMULO BANDEIRA; visagismo de ARY LAGE; fotos de FRED PICANÇO e LUÍSA PITTA;
direção de produção de MARIANA GUIMARÃES NICOLAS e PÂMELA CÔTO; confecção e customização de figurinos de RUTH GUIMARÃES ATELIER; os técnicos de luz são BRUNO ARAGÃO e FELIPE
ANTELLO; produção de L7 EMPREENDIMENTOS CULTURAIS; co-produção de URBANA PRODUÇÕES; realização
de GRUPO L7 DE TEATRO.
Eu é que te acuso!!!
Destacam-se, na ficha técnica, o que, lá, é chamado de “live painting”: NANDO
PONTES e RÔMULO BANDEIRA. Os dois, durante toda a duração do
espetáculo, vão fazendo intervenções no cenário, pintando novas imagens sobre
as já lá existentes. Assim, a cada dia,
o público se depara com um “cenário novo”.
Muito interessante a ideia e muito bem executada pela dupla de artistas
plásticos.
Cenário (em processo).
Esperando... (não
Godot; o público)
Sugiro
que confiram esta ótima proposta, diferente e ousada, até o dia 7 de setembro.
SERVIÇO:
Temporada de
16 de agosto a 07 de setembro de 2014.
Sempre aos sábados e domingos.
Às 17h30min.
Sempre aos sábados e domingos.
Às 17h30min.
Na Sala de Exposições do Parque das Ruínas.
Rua Murtinho Nobre, 169 Santa Tereza /// (21) 2215-0621 e (21) 2224-3922
Duração do
espetáculo: 50 minutos
Indicação: 18 anos
Indicação: 18 anos
Ingresso: R$ 30,00 (inteira)
(FOTOS DE FRED PICANÇO E
LUÍSA PITTA)
Oba♥ vou chegar a tempo de assistir♥ Amei a resenha♥
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