“A JORNADA
DE UM HERÓI”
ou
(FALTAM
RECUR$O$
E SOBRA
TALENTO.)
ou
(A “SOFISTICAÇÃO”
DE UMA SIMPLICIDADE NO PALCO.)
Venho,
nos últimos anos, mais especificamente nos dois anteriores, me aborrecendo,
profundamente, com os critérios que vêm sendo empregados no julgamentos e
premiações referentes a espetáculos de TEATRO. Não aceito, de jeito nenhum, que se privilegie e valorize
este ou aquele artista, este ou aquele grupo, por questões de raça, gênero, orientação
sexual, condição socioeconômica, região de origem e “otras cositas más”. Acho
tudo isso deplorável!!! Quando sou apresentado a uma produção teatral, só
tenho olhos para o TALENTO dos envolvidos no projeto e a QUALIDADE do que me
oferecem. Não me interessa se o elenco é branco, preto, amarelo, azul, laranja,
cor de rosa... Se os atores são indígenas ou não; se Fulano(a) é homem, mulher
ou se apresenta como LGBTQIA+ e o resto do alfabeto; se nasceu em berço de ouro
e anda de carro próprio ou se mora numa favela e enfrenta o horror do transporte
público. E quem não aceitar a minha opinião, que coma menos! Não estou a fim de
alimentar discussões, porque não mudarei de opinião. Cada um que fique com a sua!.
Feito o “desabafo” supra, passo a
escrever, com muito prazer e a certeza de dever cumprido,
sobre um espetáculo que, há dois anos, vem sendo apresentado, em várias
temporadas ou apresentações avulsas, em locais os mais diversos possíveis,
inclusive fora do Rio de Janeiro, mas que só agora, no último sábado (18 de maio de 2024), pude conhecer e que me impactou tremendamente.
Justifico o fato de não ter assistido, até dias atrás, a esse excepcional
espetáculo pelo fato de ele ter sido encenado em locais de difícil
acesso, para mim, e/ou por falta de sintonia entre as nossas agendas.
Mas o que importa é que vi, gostaria de rever e já vou logo RECOMENDANDO. Falo de “A JORNADA DE UM HERÓI”, um monólogo escrito e interpretado
por MATEUS AMORIM, um
talentosíssimo artista, de apenas 22 anos, que precisa, urgentemente,
ser descoberto para o grande público. Seu trabalho de artista, como dramaturgo
e, principalmente, como ator, merece ser conhecido por quem aprecia o bom
TEATRO. O solo conta com a primorosa direção de ALEXANDRE O. GOMES, responsável pela “Escola Fábrica de
Atores” - ou "dos" - de Nova Iguaçu, município da Baixada
Fluminense.
SINOPSE:
Após ter sido demitido de uma fábrica de carvão, ao
questionar a diminuição do seu tempo de almoço, que passa de dez para cinco
minutos, José (MATEUS AMORIM) vai atrás do seu Fundo de Proteção e Garantia ao
Trabalhador Desempregado, como única opção de sustento de sua família.
Tal como os heróis de Homero, José enfrenta monstros e diversos outros perigos ressignificados nas dificuldades cotidianas de um homem negro, pobre, semianalfabeto e desempregado, marcando uma verdadeira epopeia urbana, em que os percalços de um ônibus cheio, uma fila quilométrica e um esnobe gerente de banco, escancaram, na resistência de José, o seu heroísmo.
O espetáculo narra o cotidiano de um operário, um homem negro, pobre, periférico e analfabeto, vítima de exploração, por meio de um trabalho análogo ao regime de escravidão, insalubre, numa fábrica de carvão. Após sua demissão, José embarca numa épica jornada, para chegar ao banco e alcançar o seu objetivo: conseguir o Fundo de Proteção e Garantia ao Trabalhador Desempregado, um direito seu, que lhe é dificultado, de todas as formas; o que lhe é devido e que se torna tão distante. Surgiu de um esquete, vencedor do “FESTU” (“Festival de Teatro Universitário”), nas categorias Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Texto Original, Melhor Cenografia, Melhor Iluminação e Melhor Esquete. 6 prêmios e um total de 9 indicações.
É o primeiro trabalho
que conheço feito por gente oriunda da “Escola Fábrica de Atores e
Materiais Artísticos” (“FAMA”), ou, simplesmente, “Escola Fábrica dos Atores”,
como é mais conhecida, uma iniciativa que nasceu em 2001, em Nova
Iguaçu, oferecendo aulas de TEATRO para a comunidade, sobrevivendo
a partir de doações e editais, sem nenhum patrocínio, sob a
orientação de ALEXANDRE O. GOMES,
ator, diretor e um dos fundadores da companhia, o qual, no ano passado, se sagrou
vencedor, na categoria “Melhor Iluminação”, por este espetáculo, num famoso
prêmio de TEATRO, do Rio de Janeiro. É cobrado um valor
simbólico aos alunos, pelas mensalidades, entretanto os que não tiverem
condições de pagar são acolhidos da mesma forma e com a mesma atenção. O maior
objetivo da “Escola” é contribuir para a formação de atores e cidadãos
conscientes, promovendo, assim, uma transformação social por meio da ARTE.
“A
‘Escola Fábrica dos Atores’ é um exemplo inspirador de resiliência e
compromisso social, e merece todo o apoio e reconhecimento pela sua
contribuição à cultura e à comunidade.”. Li a frase em algum lugar,
concordo com quem a escreveu e, por isso mesmo, despudoradamente, dela aqui me
aproprio.
Segundo o escritor e mitologista norte-americano Joseph
Campbell (1904 / 1987), “A Jornada do Herói”, ou monomito, é um conceito de jornada cíclica presente em mitos. “Como conceito de narratologia e mitologia comparada, é o modelo
comum de histórias que envolvem um herói, que parte
em uma aventura, é vitorioso, em uma crise decisiva e retorna à casa mudado ou
transformado.”. O mito é um herói. Ou não seria bem assim? O conceito
popular e genérico que se tem sobre o que se pode considerar um “mito”,
a meu juízo, nunca ficou muito claro e definido entre os homens, tornando-se
totalmente desgastado e muito longe de seu significado real nos últimos anos,
entre nós, brasileiros, com o surgimento de uma nefasta liderança política
neofacista, de extrema direita, negacionista, incompetente e perversa, que
promoveu e o caos, no Brasil, levando o país a um retrocesso de décadas.
E sobre o herói? Quem é o verdadeiro herói, ou pode ser
assim considerado. É outro vocábulo que perdeu seu real sentido, hodiernamente,
a ponto de um apresentador de TV, num programa de extremo apelo popular, se
referir aos competidores do “reality show”, chamando-os de “heróis”.
Herói de quê? Por quê? Quem são os verdadeiros heróis? São os milhões de "josés",
representados pelo protagonista da peça aqui comentada. É aquele que “tem
que matar não um leão por dia, mas uma alcateia deles”, para garantir a
sua sobrevivência e a daqueles que lhe são caros, com um mínimo de dignidade. É
o “josé”
que sofre todo tipo de preconceito e perseguição; que é explorado; que não tem
direito a uma educação digna, a uma saúde compatível com o que merece um ser
humano; é aquele de quem é, covardemente, roubado o direito de estudar, para
garantir um futuro melhor...
É por isso que “A
JORNADA DE UM HERÓI” faz tanto sucesso. Porque trata de um assunto tão
comum e “batido”, que, porém, jamais deve ser ignorado e discutido. E,
também, por ser uma forma de denunciar as injustiças praticadas por uma
sociedade apática, quando deveria ser empática, uma sociedade
indiferente, fechada, fria, que não se permite ser tocada pelo
sentimento alheio. É claro que isso é em termos gerais; há, felizmente, as
exceções. E MATEUS AMORIM faz isso de forma simples, direta e dinâmica, por
meio da vertente do humor. Sobre tal utilização, pode parecer que não combine
tratar um tema tão árido e triste com pinceladas que provocam risos, contudo é
sempre bom lembrar que todo humor é crítico e que “o que dá pra rir dá pra chorar,
questão só de peso e medida”, como já dizia o poeta e compositor Billy
Blanco, na canção “Canto Chorado”. Sobre a questão do
humor no espetáculo, diz ALEXANDRE O.
GOMES, o “maestro da orquestra”: “Nada é tão inclusivo como uma boa comédia,
porque o riso atrai as pessoas, desarma a todos e provoca a reflexão. É uma
comédia política, que busca, através desse gênero, se comunicar com todas as
classes sociais, principalmente as menos favorecidas”. E que bom que ele
atinge os “josés” e os “não-josés” empáticos!
Sobre o embrião da peça, tudo teve início em 2020, durante a pandemia
de COVID-19,
quando os estudantes do Laboratório de Estudo e Criação do Movimento,
terceiro módulo da Escola Fábrica dos Atores, desenvolveram cenas curtas, para
serem apresentadas, no mês de junho, no formato “on-line”, para uma
mostra chamada “Solos Reflexivos”. Uma delas era “A JORNADA DE UM HERÓI”, que foi gravada, em vídeo, no Teatro
Ipanema, e veiculada, pelo Youtube, dentro do já citado “FESTU”,
o que deu mais capilaridade ao trabalho. Tratava-se de uma competição, em nível
nacional, vencida pelo grupo, o que lhe rendeu um prêmio no valor de R$ 30.000,
para que o esquete fosse transformado numa peça de TEATRO, para ser montada
e exibida ao público, tão logo os Teatros fossem reabertos. O processo
transcorreu em dois anos, de 2020 a 2022. Foi o início de uma promissora carreira de sucesso,
mais que merecido.
O texto é muito bem escrito, do ponto de vista dramatúrgico. A direção soube criar as cenas da forma mais dinâmica e criativa possível, contando com a participação de uma competente equipe de profissionais, cada um no seu ofício, o que, evidentemente, agregou mais qualidade à montagem. Falo do cenário, tão simples quanto criativo, engenhoso e significativo, obra de ALESSANDRA FERNANDES, que também assina o figurino da peça, totalmente acorde com a proposta do espetáculo e o personagem. O próprio diretor ocupou-se da linda iluminação, que, como já dito, lhe rendeu uma premiação. ALEXANDRE também responde pela direção de movimento, que explora, ao máximo o talento de MATEUS AMORIM, para mim, a grande revelação de ator dos últimos tempos. Além de estar sempre atenta ao seu trabalho de contrarregragem, importantíssimo na encenação, KAREN MENEZES, também aluna da “Escola”, participa, como atriz, em algumas cenas, num correto apoio coadjuvante.
(Foto: Gilberto Bartholo.)
FICHA TÉCNICA:
Texto: Mateus Amorim
Direção: Alexandre O. Gomes
Atuação: Mateus Amorim
Cenário: Alessandra
Fernandes
Figurino: Alessandra
Fernandes
Iluminação: Alexandre O. Gomes
Direção Musical: Adilson
Muniz
Direção de Movimento: Alexandre O. Gomes
Contrarregra: Karen Menezes
Cenotécnico: Carlos
Elias
Desenhos: Jean Carvalho
Preparação Vocal: Jane Celeste
Preparação Musical: Adilson Muniz
Trilha Sonora Original: Mateus Amorim
“Design” Gráfico: Fernando Alax
@casa136laranjeiras
Assessoria de Imprensa: Monteiro Assessoria – Laís MonteiroMídias Digitais: Amanda
Sibanto
Fotos: Sérgio Danilo
Direção de Produção: Fernando Alax @casa136laranjeiras
Produtora Executiva:
Alessandra Fernandes
Realização: Escola
Fábrica dos Atores
SERVIÇO:
Temporada: De 02 de maio
a 01 de junho de 2024.
Local: Teatro Léa Garcia
(antigo Teatro
dos Correios).
Endereço: Rua Visconde
de Itaboraí, nº 20, Centro, Rio de Janeiro – RJ
Dias e Horários: De quinta-feira
a domingo, sempre às 19h.
Valor do Ingressos: R$
40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
Duração: 70 minutos.
Classificação Etária
Indicativa: 12 anos.
Gênero: COMÉDIA
Dramática.
“A JORNADA DE UM HERÓI” não é, como pode, a princípio, até parecer, uma peça para divertir; também o é, porém, antes de qualquer coisa, deve ser encarada como um espetáculo que convida, e consegue levar, o público a refletir sobre questões da sociedade contemporânea, como o racismo estrutural, as relações de trabalho abusivas e desigualdades sociais, de uma forma geral, por meio de uma linguagem popular, de fácil assimilação. Merece os mais calorosos aplausos e todo o respeito a “Escola Fábrica dos Atores”, que se dedica a oferecer novas perspectivas aos jovens da comunidade de Nova Iguaçu e arredores, além de já ter formado diversos artistas que, no momento, atuam profissionalmente, como apurei. E, a julgar pelo trabalho de MATEUS AMORIM, afirmo, categoricamente, que a “Escola” merece mesmo ter esse vocábulo em seu título. Só espero que, depois de ler estas considerações sobre a peça, o maior número possível de apreciadores da ARTE CÊNICA trate de assistir logo ao espetáculo, em sua reta final de temporada. E que venham outras! Serão sempre muito bem-vindas!
FOTOS: SÉRGIO DANILO
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: Produção do espetáculo.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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