“32º FESTIVAL DE
CURITIBA”
“LECI BRANDÃO
–
NA PALMA DA
MÃO”
ou
(AMOR E
RELIGIOSIDADE
RESUMEM TUDO.)
Enquanto
houver o “Festival de Curitiba”, não perco a esperança de poder assistir
a algum espetáculo pelo qual me interessei e, por algum motivo, sempre
independente da minha vontade, deixei de ver, enquanto estava em cartaz. Tive
algumas oportunidades para conferir o musical “LECI BRANDÃO – NA PALMA DA MÃO”, que fez algumas temporadas no Rio
de Janeiro, todas de sucesso, entretanto sempre algum óbice me impedia
de ir ao Teatro em que a peça estava sendo encenada. Até que chegou o
dia 1º
de abril de 2024 – não era mentira –e fui ao SESC
da Esquina, em Curitiba, já sabendo que iria
encontrar um ótimo espetáculo de TEATRO musical, mas não tão bonito,
agradável e emocionante, feito por gente muito competente. A minha expectativa
era grande, mas saí do Teatro gostando muito mais do
espetáculo do que poderia imaginar.
“LECI BRANDÃO – NA PALMA DA MÃO” é uma
justa e merecida homenagem a uma grande artista, nascida Leci Brandão da Silva, no
Rio
de Janeiro, em 12 de setembro de 1944, bem próxima,
portanto, de se tornar uma octogenária, cantora e compositora, como
atividades laborais principais, também com destacada presença na política,
tendo sido, uma vez reeleita, em 2022, a primeira mulher negra a
cumprir quatro mandatos consecutivos na história da Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo (ALESP). É, sem dúvida, um dos maiores nomes de destaque da Música
Popular Brasileira, principalmente no universo do samba, embora tenha
composto canções românticas também. Como parlamentar,
dedica-se, primordialmente, à promoção da igualdade racial, ao respeito às
religiões de matriz africana e à cultura brasileira, ainda que, da mesma forma,
defenda a questão das populações indígena e quilombola, da juventude, das
mulheres e do segmento LGBTQIA+.
SINOPSE:
A trajetória de uma das maiores artistas
brasileiras, LECI BRANDÃO (TAY O’HANNA), é contada em um musical,
a partir das histórias de seus orixás, Ogum e Iansã, e por meio do doce
olhar de sua mãe, Dona Lecy (COM “Y”) (VERÔNICA
BONFIM) e um de seus grandes aliados nessa trajetória, Zé do Caroço (SÉRGIO
KAUFFMANN).
O caminho trilhado pela artista, da ala de
compositores da Mangueira à Assembleia Legislativa de São Paulo,
é mostrado em cena, ao som de sucessos, como “Isso É Fundo De Quintal”
e “Zé
do Caroço”, além de 15 outros.
LECI (COM
“I”) começou sua carreira no início da década de 1970, tornando-se a
primeira mulher a participar da ala de compositores da Escola de Samba Estação
Primeira de Mangueira, rompendo uma bolha, até então, impenetrável, de onde nunca saiu. Gravou muitos discos, com
sucesso, teve composições de sua lavra gravadas por grandes cantores da MPB
e participou de um festival de música. Além disso, arriscou-se, uma única vez,
como atriz, tendo atuado numa telenovela. Atualmente, dedica-se à carreira
musical e ao parlamento paulista. Paralelamente à carreira artística, ou
aproveitando-se dela para garantir vez e voz, sempre foi uma grande ativista
nas questões que dizem respeito aos menos favorecidos ou que sofrem
preconceitos, tendo sido a primeira cantora famosa brasileira a se pronunciar
como uma mulher lésbica, em 1978.
Fico muito feliz sempre que vejo homenagens
feitas a quem as merece, quando ainda em vida. Não foi diferente desta vez. É
bem verdade que, infelizmente, existem homenagens e “homenagens (?)”. Com
relação a estas, tenho certeza de que o “homenageado” ia preferir o ostracismo.
É muito constrangedor isso. Mas não é, absolutamente, o caso da grande
artista lembrada, de forma carinhosa, merecida e competente, neste musical.
Por ser biográfico, é evidente que a construção da dramaturgia precisaria se
pautar numa profunda pesquisa sobre a vida e a obra do(a) protagonista, como se
deu em “LECI BRANDÃO – NA PALMA DA MÃO”.
Tudo o que de mais importante marcou, e ainda marca, a vida de LECI está bem registrado no texto. E
não é nada desprezível o seu legado.
LEONARDO
BRUNO, jornalista ligado ao universo do samba, comentarista de carnaval,
escritor, roteirista e dramaturgo, autor da pesquisa para a peça, garimpou
muito material acerca de LECI, como
artista e cidadã, e ele, LORENA
LIMA, LUIZ ANTONIO PILAR e LUIZA LOROZA, responsáveis
pela adaptação
dramatúrgica, fincaram pé em dois esteios, para exaltar a homenageada:
o amor
e a religiosidade,
não, necessariamente, nessa ordem. E também optaram por não mostrar a
personagem apenas como artista, jogando bastante luz na figura da mulher, a
cidadã LECI, na sua condição de
negra e lésbica, que mais pesa, ainda, pelo fato de ser uma mulher, num país
ainda machista, como o nosso. A figura frágil de LECI contrasta com a imensa carga de amor e afetividade que ela
carrega e demonstra pelos que lhe estão (estavam) próximos, principalmente por
sua mãe, Dona Lecy de Assumpção Brandão, falecida, aos 96
anos de idade, em 2019. No que tange à religiosidade,
jamais isso poderia ter ficado de fora do roteiro desta peça, visto que o Candomblé, religião de matriz
africana que LECI escolheu para professar,
sempre desempenhou um papel de vital importância na sua vida particular. Um dos
grandes acertos do texto reside no fato de o dramaturgo ter escolhido
exatamente Dona Lecy para contar a história da querida e ilustre filha, da
forma mais real e afetiva possível.
Não é comum um espetáculo de TEATRO, já no seu início,
na primeira cena, “pegar de jeito” o espectador, para mantê-lo “sob
suas rédeas” durante todo o desenrolar da peça. No caso, este musical é
uma dessas raridades, já que, dado o terceiro sinal, o espectador começa a se
sentir fisgado pela beleza da luz projetada sobre a cenografia, que abraçam a bela
e exuberante figura do ator SÉRGIO KAUFFMANN, cantando, com uma
voz possante e agradável aos ouvidos, um ponto religioso em louvor a um orixá
do Candomblé,
Exu,
no caso, o “orixá dos caminhos”. Durante o espetáculo, os “santos
de cabeça” de LECI BRANDÃO, Ogum e
Iansã,
e outras entidades também aparecem em letras de canções da trilha
sonora. Já ali, naquele primeiro momento da peça, sentimos que “não
perdemos a viagem”. E o melhor ainda estava por vir.
Na entrevista que concedeu aos profissionais que
cobriam o “32º Festival de Curitiba”, na manhã do dia da primeira
apresentação da peça, o premiado diretor do espetáculo, LUIZ ANTONIO PILAR, discorreu, em
detalhes, sobre o processo de construção da encenação, falando de sua estreita
relação com a família de LECI, destacando
o fato de que o musical só existe em função de um pedido da irmã da homenageada,
Iara,
feito a ele, antes de falecer, em 2022: que a história da irmã chegasse
ao grande público via TEATRO, e pelas mãos daquele encenador. Mais uma
prova da presença do amor no espetáculo. Pedido feito, pedido atendido. Dali,
foi só “azeitar a máquina” e “colocar a mão na massa”.
LEONARDO BRUNO foi muito feliz na seleção daquilo que julgou mais importante chegar ao conhecimento dos fãs e admiradores de LECI ou, simplesmente, dos que apreciam um bom TEATRO musical. A dramaturgia mescla trechos narrativos, diálogos e 17 canções, a maioria das quais compostas pela própria LECI, como “A Filha da Dona Lecy”, “Ombro Amigo”, “Gente Negra”, “Preferência”, “Isso É Fundo de Quintal” e “Zé do Caroço”, as duas últimas, talvez, seus dois maiores sucessos, as quais ou fazem alusão a alguma passagem da vida da artista, ou ajudam a contar a história, fazendo parte do corpo da narrativa.
A direção comporta-se de forma simples,
objetiva e com bastante inventividade e bom gosto. LUIZ ANTONIO PILAR cercou-se de excelentes artistas de criação, para
atingir seu objetivo - e o conseguiu -, como LORENA
LIMA, que assina uma cenografia tão simples quanto bela e
repleta de muita significação, na qual se destacam uma árvore, mangueira,
fazendo alusão à escola de samba de coração de LECI, algumas plantas e o piso totalmente coberto por muitas folhas da referida
árvore (“Quando eu piso em folhas secas / Caídas de uma mangueira, / Penso na
minha escola / E nos poetas da minha Estação Primeira.” – “Folhas
Secas”, autores: Nelson Cavaquinho, Nelson Antônio da Silva e Guilherme de Brito.).
Responde pelos figurinos, muito acertados e pertinentes a cada personagem, RUTE ALVES. Toda a beleza plástica da
montagem talvez não fosse tão notada, se não ampliada pelo belíssimo desenho
de luz, de DANIELA SANCHEZ.
Merecem créditos, ainda, ARIFAN JÚNIOR, o diretor musical do espetáculo, bem
como os músicos que acompanham os atores/cantores ao vivo: MATHEUS CAMARÁ, THAINARA
CASTRO, PEDRO IVO e RODRIGO PIRIKITO.
Do ponto de vista técnico, o protagonismo do
espetáculo gira em torna de LECI BANDÃO,
a personagem, todavia, considerando-se o nível de atuação dos três atores, VERÔNICA BONFIM, SÉRGIO KAUFFMANN e TAY
O’HANNA, totalmente nivelados no topo, em talento e rendimento cênico, não
titubeio em dividir, entre o trio, o protagonismo da peça. Todos interpretam,
cantam, e dançam, quando requisitados a isso, de forma brilhante, empolgando a
plateia, a qual, após todos os números musicais, se manifesta na forma de
prolongados aplausos, que só perdem para a derradeira ovação, ao final do
espetáculo.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Pesquisa: Leonardo
Bruno
Adaptação Dramatúrgica:
Lorena Lima, Luiz Antonio Pilar e Luiza Loroza
Direção: Luiz Antonio
Pilar
Direção Musical: Arifan
Júnior
Elenco: Verônica Bonfim,
Sérgio Kauffmann e Tay O’Hanna
Banda: Matheus Camará
(violão, clarinete e agogô), Pedro Ivo (cuíca, tantan, surdo, caixa, tamborim,
congas e efeitos), Rodrigo Pirikito (violão, cavaquinho e xequerê) e Thainara Castro (pandeiro,
atabaque, congas, repique de anel, repinique e efeitos)
Assistência de Direção:
Lorena Lima
Direção de Movimento:
Luiza Loroza
Cenografia: Lorena Lima
Figurinos: Rute Alves
Iluminação: Daniela
Sanchez
Preparação Vocal: Pedro
Lima
Assistência de Direção
Musical: Rômulo dos Anjos
Assistência de Cenografia:
Tarso Tabu
Assistência de Figurino:
Diogo Jesus
Cenotécnico: Vicente Mota
Direção de Produção: Bruno
Mariozz
Identidade Visual:
Patricia Clarkson e Rafael Prevot
Comunicação: Natasha
Arsenio
Fotos: Maringas Maciel (Fotógrafo Oficial do "32º Festival de Curitiba")
Produção Executiva:
Angélica Lessa
Produção: Palavra Z
Produções Culturais
Idealização e Realização:
Lapilar Produções Artísticas.
“LECI BRANDÃO – NA
PALMA DA MÃO” é um musical que foge ao padrão daqueles que consomem altos
custos, contudo é um belo espetáculo, que não dá margem a comentários críticos
negativos e que merece ser visto e aplaudido sempre que voltar ao cartaz. Se
isso vier a acontecer, certamente, estarei, outra vez, na plateia.
LecI & Dona LecY.
FOTOS: MARINGAS MACIEL
(Fotógrafo Oficial do "32º Festival de Curitiba".)
GALERIA
PARTICULAR:
(Fotos: Gilberto Bartholo.)
(Foto:Annelize Tozetto)
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