“A LÍNGUA MÃE”
ou
(UMA SAUDÁVEL
E HILÁRIA “SUBVERSÃO”
DA ORDEM
– MENOS A ALFABÉTICA.)
Como
professor de língua portuguesa, há 54 anos, com 47 vividos, da manhã até
a noite, em sala de aula, agora aposentado, tão logo recebi o convite, enviado
por STELLA STEPHANY (assessoria
de imprensa), para assistir a um monólogo, intitulado “A LÍNGUA MÃE”, fiquei bastante curioso
por conhecer o trabalho, muito interessado nele. Como assim? A língua
portuguesa, como tema, seria capaz de inspirar a realização de um espetáculo
teatral? Quero ver isso! Infelizmente, por receber mais de um convite,
diariamente, para assistir a espetáculos teatrais, na condição de crítico, e
querendo aceitar a todos, só pude agendar minha ida ao simpático e aconchegante
Espaço
Abu, em Copacabana, para ontem, penúltimo dia da meteórica temporada do
solo, escrito pelo escritor espanhol JUAN
JOSÉ MILLÁS, dirigido por ANDRÉ PAES
LEME e interpretado por MÔNICA BIEL.
Gostei muito do espetáculo – tanto que me propus a escrever sobre ele –
e aproveito o “gancho” para, mais uma vez, lamentar que montagens de
qualidade, como esta, só consigam cumprir temporadas muito curtas, por excesso
de peças à procura de um espaço para serem apresentadas, enquanto outras,
verdadeiros “equívocos” (Um eufemismo é sempre bem-vindo e “nos
salva”, quando o desejo é dizer/escrever outra coisa.), conseguem
pautas longas em alguns dos principais teatros do Rio de Janeiro. “C’est la vie!” Que fazer? Também já
aproveito para dizer que, para mim, um deslocamento do Recreio dos Bandeirantes
até Copacabana
(32
quilômetros) é assaz problemático, "bem puxado", em função de uma
dificuldade de locomoção com a qual passei a conviver, depois de três
cirurgias, entretanto, quando vale a pena, mesmo para assistir a um espetáculo
que dura apenas 50 minutos – menos do que o tempo do meu deslocamento –
volto para casa feliz e recompensado.
Uma
palestrante se apresenta ao público para fazer uma defesa da gramática e da
ordem alfabética.
Com
firmeza e elegância, desenvolve seu discurso.
Mas,
ao longo da explanação, vai mergulhando em suas próprias memórias, entrando num
terreno de subjetividade e, como num fluxo do inconsciente, começa a fazer conexões
entre o poder da palavra e os rumos da história.
Tudo isso temperado com muito bom humor e ironia.
Nem
sempre uma SINOPSE, ainda que sintetize
o teor de uma peça teatral, é suficiente para atrair público a um espetáculo de
TEATRO. Talvez seja o caso aqui,
todavia aconselho-os a assistir à peça, caso ela volte ao cartaz –
espero que sim -, na certeza de que não se arrependerão.
JUAN JOSÉ MILLÁS é um consagrado e
premiado autor espanhol, jornalista, cronista
do jornal El País, com obras
traduzidas para diversas línguas. Podemos considerar esta peça como “uma homenagem à palavra”, abordando, com muito humor e ironia fina, o poder
que o verbo, o discurso, tem na
construção das (in)verdades, numa era marcada pela
metamorfose acelerada da comunicação.
O primeiro mérito a ser considerado
nesta peça recai sobre o texto,
que não foi, originariamente, escrito para o TEATRO. Trata-se de um dos premiados livros de MILLÁS, que recebeu uma adaptação,
para as tábuas, feita por MÔNICA BIEL,
após ter traduzido a obra.
Uma dupla função, que vai se juntar a uma terceira, a de intérprete do solo, executadas, as três, com total maestria.
Traduzir um livro, de uma língua para outra, convenhamos, nem é uma tarefa das
mais difíceis, para quem domina os dois idiomas, todavia adaptar uma obra em
prosa para um texto de TEATRO,
trabalhar uma dramaturgia,
mantendo a excepcional essência do livro, não é para qualquer um. MÔNICA BIEL se saiu muito bem nesses
dois trabalhos, assim como na sua atuação.
O texto
é extremamente divertido e mordaz, centrado na importância e complexidade da
palavra, uma ferramenta
fundamental, indispensável para que o ser humano possa entender o mundo. Com
humor fino e inteligente, sem qualquer tipo de apelação e/ou mau gosto, e pleno
de ironia, “o texto parte de uma defesa da
gramática e da ordem alfabética, para desembocar num questionamento sobre a
própria existência e os rumos do ser humano no caos do mundo
contemporâneo”. Segundo o “release” da peça, “O
texto é um convite bem-humorado à reflexão sobre as mudanças provocadas pelas crises da comunicação e da sociedade capitalista nos novos tempos, e de que forma estas
mudanças contribuem para esvaziar, enganar, banalizar conceitos e influenciar
nossas vidas. A peça aponta a
importância da palavra na manipulação que leva à desinformação e à atual
negligência para a qual a sociedade caminha.”. Aborda um tema universal
e atemporal, visto que isso se dá, “desde quando o mundo é mundo”, até
hoje, cada vez mais, em ritmo acelerado, e em todas as línguas, em qualquer
parte do universo.
Quando, em 1969,
iniciei minha carreira no magistério e lecionava em vários lugares, como é o
dia a dia dos professores brasileiros, para garantir sua sobrevivência e de suas famílias, lembro-me bem de que deveria estar
sempre atento no que eu dizia, e como o dizia, para alunos do Leblon
e de Campo
Grande, por exemplo, distantes, uns dos outros, em cerca de 55
quilômetros, já que os de cá não eram familiarizados com o que se dizia
lá, e vice-versa. Hoje em dia, essa preocupação não deve mais existir,
entretanto o que digo hoje pode não ter o menor sentido amanhã, para os dois,
ou ter sofrido mudança de significado, comprometendo a comunicação.
No “release”
anteriormente citado, MÔNICA BIEL
diz: “Tenho uma enorme admiração por quem sabe
usar as palavras, por quem entende a importância que a comunicação tem para
todos nós, por quem tem uma cabeça e um espírito livres e nos ajuda a ver o
mundo de forma leve e amorosa.” Também comungo desse pensamento. E prossegue: “O texto nos propõe isso, entender que somos diferentes, que todos
somos interessantes e que, com bom humor, tudo fica mais fácil.”.
Não podemos negar que,
em pleno século XXI, estamos imersos numa grande contradição, no que se
refere à comunicação humana, por mais que tentemos nos apoiar na teoria –
e aceitá-la - do consagrado canadense Herbert Marshall McLuhan (educador,
intelectual, filósofo e teórico da comunicação), conhecido por vislumbrar a Internet quase
trinta anos antes de ser inventada, quando dizia que, em pouco tempo, o planeta
Terra
estaria sendo transformado numa “grande aldeia global”, no sentido
de que a tecnologia e o desenvolvimento da inteligência humana, ambos caminhando
lado a lado, seriam responsáveis por aproximar os povos, pelo poder da
comunicação. Ledo engano! De certo, a comunicação entre os homens evoluiu
bastante, porém nenhum grande desenvolvimento tecnológico, por mais sofisticado e expressivo que seja, será capaz de competir com a “força persuasiva da palavra”, o “poder
da palavra”, a qual se metamorfoseia no dia a dia, em formas e
significados para um mesmo significante, em todas as línguas.
Depois de ter assistido ao
espetáculo, deixei o Espaço Abu querendo ter acesso, o
mais rápido possível, ao livro de JUAN JOSÉ MILLÁS, para “saboreá-lo”,
como imagino que seja a sua leitura, e creio ter sido o desejo daquelas cerca de 30
pessoas (lotação máxima do espaço) que me fizeram companhia na plateia
e que, como eu, se divertiram muito. Procurando, na Internet, onde poderia
adquirir um exemplar do livro, deparei-me com duas frases, num dos “sites”
de venda, a título de propaganda da obra: “O leitor deste romance será cúmplice do
caos mais divertido e mais inteligente alguma vez passado ao papel. E nunca,
nunca mais, voltará a ver o mundo com os mesmos olhos.”. A segunda
sentença, a meu juízo, soa como um certo exagero, no entanto, é verdade, a
julgar pela peça, que muita coisa deve mudar, na nossa percepção de mundo, após
um contato mais íntimo com a publicação.
O título original do
livro, “A Ordem Alfabética”, gerou um dos momentos mais interessantes
e instigantes da peça, quando a atriz questiona o porquê de ninguém, até hoje,
em nenhum lugar do planeta, ter se preocupado em, pelo menos tentar, alterar a ordem
alfabética. Todas as “ordens” (social, política, cultural,
econômica etc.) podem sofrer reestruturações – e sofrem –, mas por que ninguém
pensou na justificativa para se iniciar o alfabeto pela letra “A”
ou por que ninguém tentou, sequer, “subverter” a ordem, propondo, por
exemplo, que o “N” passasse a vir antes do “M”, pelo simples fato de aquele ter
apenas “duas perninhas” e este, três, cabendo aí, “mais
logicamente”, uma “ordem crescente”. A última
especulação não está presente na peça e já é fruto da mexida que a minha cabeça
sofreu, na noite de ontem, quando deixei o teatro, mal comparando como quando
me deram tequila, para beber, num bar em Cancún, México, e, em seguida, me
sacudiram a cabeça (Momento descontração!).
Tudo o que faz parte
do texto é de uma inteligência incomparável e fica muito mais interessante
quando sai da boca de uma excelente atriz, como MÔNICA BIEL, muito segura, na personagem da palestrante, a qual se
utiliza também de recursos não verbais para defender suas ideias e “vender
o seu peixe”, que pode, e deve, ser comprado por todos, “por
estar fresquinho”. Seu trabalho de atriz é ótimo, sob uma direção idem,
de ANDRÉ PAES LEME.
Os demais acertos, nesta
montagem, devem ser creditados ao interessante cenário, criado por SÉRGIO MARIMBA, com poucos elementos,
todos muito bem aproveitados e explorados pela direção; ao sóbrio figurino,
elegante e bem talhado, assinado por LUCIANA
CARDOSO; à magnífica iluminação, obra do mestre AURÉLIO DE SIMONI; e à trilha
sonora original, a cargo do talento e da sensibilidade de MARCELLO H. Tudo isso, junto e
misturado, faz desta peça uma agradável surpresa, ao quase apagar das luzes do
ano teatral de 2023.
Texto:
Juan José Millás
Tradução
e Adaptação: Monica Biel
Direção:
André Paes Leme
Assistência
de Direção: Anderson Aragón
Atuação:
Monica Biel
Cenário:
Sérgio Marimba
Figurino:
Luciana Cardoso
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Trilha
Sonora Original: Marcello H
Programação
Visual: Joana Bielschowsky
Realização:
BB Produções Artísticas
Fotos:
Nil Caniné
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
Temporada: De 09 de
novembro a 01 de dezembro de 2023).
Local: Espaço Abu.
Endereço:
Avenida Nossa Senhora de Copacabana, nº 249, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21)2137-4184.
Dias
e Horários: 09, 10, 11, 12 (5ª feira a
dom), 25, 26 (sábado e domingo) de novembro e 30 de novembro e 01 de dezembro
(5ª e 6ª feira), sempre às 20h.
Valor
dos Ingressos: R$50,009 (inteira) e R$25,00 (meia-entrada).
Vendas “on-line”: www,sympla.com.br
Vendas presenciais na bilheteria do teatro.
Horário de funcionamento da bilheteria: De 2ª a 6ª feira, a
partir das 13h30min, e sábado e domingo, a partir das 15h.
Classificação
Etária: 12 anos.
Duração:
50 minutos.
Capacidade:
30 espectadores.
Acessibilidade:
Sim, na plateia e nos banheiros.
Gênero:
COMÉDIA
Se
não der para assistir hoje, última apresentação desta temporada, fiquem atentos
para garantir seus lugares numa próxima. Recomendo muito o espetáculo.
FOTOS: NIL CANINÉ
VAMOS
AO TEATRO!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!
A
ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS
SEMPRE MAIS!
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NO TEATRO BRASILEIRO.
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