sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

 

“A LÍNGUA MÃE”

ou

(UMA SAUDÁVEL 

E HILÁRIA “SUBVERSÃO” 

DA ORDEM

– MENOS A ALFABÉTICA.)




         Como professor de língua portuguesa, há 54 anos, com 47 vividos, da manhã até a noite, em sala de aula, agora aposentado, tão logo recebi o convite, enviado por STELLA STEPHANY (assessoria de imprensa), para assistir a um monólogo, intitulado “A LÍNGUA MÃE”, fiquei bastante curioso por conhecer o trabalho, muito interessado nele. Como assim? A língua portuguesa, como tema, seria capaz de inspirar a realização de um espetáculo teatral? Quero ver isso! Infelizmente, por receber mais de um convite, diariamente, para assistir a espetáculos teatrais, na condição de crítico, e querendo aceitar a todos, só pude agendar minha ida ao simpático e aconchegante Espaço Abu, em Copacabana, para ontem, penúltimo dia da meteórica temporada do solo, escrito pelo escritor espanhol JUAN JOSÉ MILLÁS, dirigido por ANDRÉ PAES LEME e interpretado por MÔNICA BIEL. Gostei muito do espetáculo – tanto que me propus a escrever sobre ele – e aproveito o “gancho” para, mais uma vez, lamentar que montagens de qualidade, como esta, só consigam cumprir temporadas muito curtas, por excesso de peças à procura de um espaço para serem apresentadas, enquanto outras, verdadeiros “equívocos” (Um eufemismo é sempre bem-vindo e “nos salva”, quando o desejo é dizer/escrever outra coisa.), conseguem pautas longas em alguns dos principais teatros do Rio de Janeiro. “C’est la vie!” Que fazer? Também já aproveito para dizer que, para mim, um deslocamento do Recreio dos Bandeirantes até Copacabana (32 quilômetros) é assaz problemático, "bem puxado", em função de uma dificuldade de locomoção com a qual passei a conviver, depois de três cirurgias, entretanto, quando vale a pena, mesmo para assistir a um espetáculo que dura apenas 50 minutos – menos do que o tempo do meu deslocamento – volto para casa feliz e recompensado.

 

 

 


 SINOPSE: 

Uma palestrante se apresenta ao público para fazer uma defesa da gramática e da ordem alfabética.

Com firmeza e elegância, desenvolve seu discurso.

Mas, ao longo da explanação, vai mergulhando em suas próprias memórias, entrando num terreno de subjetividade e, como num fluxo do inconsciente, começa a fazer conexões entre o poder da palavra e os rumos da história.

Tudo isso temperado com muito bom humor e ironia. 

 


 


         Nem sempre uma SINOPSE, ainda que sintetize o teor de uma peça teatral, é suficiente para atrair público a um espetáculo de TEATRO. Talvez seja o caso aqui, todavia aconselho-os a assistir à peça, caso ela volte ao cartaz – espero que sim -, na certeza de que não se arrependerão.



         JUAN JOSÉ MILLÁS é um consagrado e premiado autor espanhol, jornalista, cronista do jornal El País, com obras traduzidas para diversas línguas. Podemos considerar esta peça como “uma homenagem à palavra”, abordando, com muito humor e ironia fina, o poder que o verbo, o discurso, tem na construção das (in)verdades, numa era marcada pela metamorfose acelerada da comunicação.



         O primeiro mérito a ser considerado nesta peça recai sobre o texto, que não foi, originariamente, escrito para o TEATRO. Trata-se de um dos premiados livros de MILLÁS, que recebeu uma adaptação, para as tábuas, feita por MÔNICA BIEL, após ter traduzido a obra. Uma dupla função, que vai se juntar a uma terceira, a de intérprete do solo, executadas, as três, com total maestria. Traduzir um livro, de uma língua para outra, convenhamos, nem é uma tarefa das mais difíceis, para quem domina os dois idiomas, todavia adaptar uma obra em prosa para um texto de TEATRO, trabalhar uma dramaturgia, mantendo a excepcional essência do livro, não é para qualquer um. MÔNICA BIEL se saiu muito bem nesses dois trabalhos, assim como na sua atuação.



O texto é extremamente divertido e mordaz, centrado na importância e complexidade da palavra, uma ferramenta fundamental, indispensável para que o ser humano possa entender o mundo. Com humor fino e inteligente, sem qualquer tipo de apelação e/ou mau gosto, e pleno de ironia, “o texto parte de uma defesa da gramática e da ordem alfabética, para desembocar num questionamento sobre a própria existência e os rumos do ser humano no caos do mundo contemporâneo”. Segundo o “release” da peça, “O texto é um convite bem-humorado à reflexão sobre as mudanças provocadas pelas crises da comunicação e da sociedade capitalista nos novos tempos, e de que forma estas mudanças contribuem para esvaziar, enganar, banalizar conceitos e influenciar nossas vidas. A peça aponta a importância da palavra na manipulação que leva à desinformação e à atual negligência para a qual a sociedade caminha.”. Aborda um tema universal e atemporal, visto que isso se dá, “desde quando o mundo é mundo”, até hoje, cada vez mais, em ritmo acelerado, e em todas as línguas, em qualquer parte do universo.



Quando, em 1969, iniciei minha carreira no magistério e lecionava em vários lugares, como é o dia a dia dos professores brasileiros, para garantir sua sobrevivência e de suas famílias, lembro-me bem de que deveria estar sempre atento no que eu dizia, e como o dizia, para alunos do Leblon e de Campo Grande, por exemplo, distantes, uns dos outros, em cerca de 55 quilômetros, já que os de cá não eram familiarizados com o que se dizia lá, e vice-versa. Hoje em dia, essa preocupação não deve mais existir, entretanto o que digo hoje pode não ter o menor sentido amanhã, para os dois, ou ter sofrido mudança de significado, comprometendo a comunicação.



No “release” anteriormente citado, MÔNICA BIEL diz: Tenho uma enorme admiração por quem sabe usar as palavras, por quem entende a importância que a comunicação tem para todos nós, por quem tem uma cabeça e um espírito livres e nos ajuda a ver o mundo de forma leve e amorosa.” Também comungo desse pensamento. E prossegue: “O texto nos propõe isso, entender que somos diferentes, que todos somos interessantes e que, com bom humor, tudo fica mais fácil.”.



Não podemos negar que, em pleno século XXI, estamos imersos numa grande contradição, no que se refere à comunicação humana, por mais que tentemos nos apoiar na teoria – e aceitá-la - do consagrado canadense Herbert Marshall McLuhan (educador, intelectual, filósofo e teórico da comunicação), conhecido por vislumbrar a Internet quase trinta anos antes de ser inventada, quando dizia que, em pouco tempo, o planeta Terra estaria sendo transformado numa “grande aldeia global”, no sentido de que a tecnologia e o desenvolvimento da inteligência humana, ambos caminhando lado a lado, seriam responsáveis por aproximar os povos, pelo poder da comunicação. Ledo engano! De certo, a comunicação entre os homens evoluiu bastante, porém nenhum grande desenvolvimento tecnológico, por mais sofisticado e expressivo que seja, será capaz de competir com a “força persuasiva da palavra”, o “poder da palavra”, a qual se metamorfoseia no dia a dia, em formas e significados para um mesmo significante, em todas as línguas.



Depois de ter assistido ao espetáculo, deixei o Espaço Abu querendo ter acesso, o mais rápido possível, ao livro de JUAN JOSÉ MILLÁS, para “saboreá-lo”, como imagino que seja a sua leitura, e creio ter sido o desejo daquelas cerca de 30 pessoas (lotação máxima do espaço) que me fizeram companhia na plateia e que, como eu, se divertiram muito. Procurando, na Internet, onde poderia adquirir um exemplar do livro, deparei-me com duas frases, num dos “sites” de venda, a título de propaganda da obra: “O leitor deste romance será cúmplice do caos mais divertido e mais inteligente alguma vez passado ao papel. E nunca, nunca mais, voltará a ver o mundo com os mesmos olhos.”. A segunda sentença, a meu juízo, soa como um certo exagero, no entanto, é verdade, a julgar pela peça, que muita coisa deve mudar, na nossa percepção de mundo, após um contato mais íntimo com a publicação.



O título original do livro, “A Ordem Alfabética”, gerou um dos momentos mais interessantes e instigantes da peça, quando a atriz questiona o porquê de ninguém, até hoje, em nenhum lugar do planeta, ter se preocupado em, pelo menos tentar, alterar a ordem alfabética. Todas as “ordens” (social, política, cultural, econômica etc.) podem sofrer reestruturações – e sofrem –, mas por que ninguém pensou na justificativa para se iniciar o alfabeto pela letra “A” ou por que ninguém tentou, sequer, “subverter” a ordem, propondo, por exemplo, que o “N” passasse a vir antes do “M”, pelo simples fato de aquele ter apenas “duas perninhas” e este, três, cabendo aí, “mais logicamente”, uma “ordem crescente”. A última especulação não está presente na peça e já é fruto da mexida que a minha cabeça sofreu, na noite de ontem, quando deixei o teatro, mal comparando como quando me deram tequila, para beber, num bar em Cancún, México, e, em seguida, me sacudiram a cabeça (Momento descontração!).



Tudo o que faz parte do texto é de uma inteligência incomparável e fica muito mais interessante quando sai da boca de uma excelente atriz, como MÔNICA BIEL, muito segura, na personagem da palestrante, a qual se utiliza também de recursos não verbais para defender suas ideias e “vender o seu peixe”, que pode, e deve, ser comprado por todos, “por estar fresquinho”. Seu trabalho de atriz é ótimo, sob uma direção idem, de ANDRÉ PAES LEME.



Os demais acertos, nesta montagem, devem ser creditados ao interessante cenário, criado por SÉRGIO MARIMBA, com poucos elementos, todos muito bem aproveitados e explorados pela direção; ao sóbrio figurino, elegante e bem talhado, assinado por LUCIANA CARDOSO; à magnífica iluminação, obra do mestre AURÉLIO DE SIMONI; e à trilha sonora original, a cargo do talento e da sensibilidade de MARCELLO H. Tudo isso, junto e misturado, faz desta peça uma agradável surpresa, ao quase apagar das luzes do ano teatral de 2023.

 



 FICHA TÉCNICA:

Texto: Juan José Millás

Tradução e Adaptação: Monica Biel

Direção: André Paes Leme

Assistência de Direção: Anderson Aragón

 

Atuação: Monica Biel

 

Cenário: Sérgio Marimba

Figurino: Luciana Cardoso

Iluminação: Aurélio de Simoni

Trilha Sonora Original: Marcello H

Programação Visual: Joana Bielschowsky

Realização: BB Produções Artísticas

Fotos: Nil Caniné

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

 

 

 

 


 SERVIÇO:

Temporada: De 09 de novembro a 01 de dezembro de 2023).

Local: Espaço Abu.

Endereço: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, nº 249, Copacabana – Rio de Janeiro.  

Telefone: (21)2137-4184.

Dias e Horários: 09, 10, 11, 12 (5ª feira a dom), 25, 26 (sábado e domingo) de novembro e 30 de novembro e 01 de dezembro (5ª e 6ª feira), sempre às 20h.

Valor dos Ingressos: R$50,009 (inteira) e R$25,00 (meia-entrada).

Vendas “on-line”: www,sympla.com.br

Vendas presenciais na bilheteria do teatro.

Horário de funcionamento da bilheteria: De 2ª a 6ª feira, a partir das 13h30min, e sábado e domingo, a partir das 15h.

Classificação Etária: 12 anos.

Duração: 50 minutos.

Capacidade: 30 espectadores.

Acessibilidade: Sim, na plateia e nos banheiros.

Gênero: COMÉDIA 

 


        

 

         Se não der para assistir hoje, última apresentação desta temporada, fiquem atentos para garantir seus lugares numa próxima. Recomendo muito o espetáculo.

 


FOTOS: NIL CANINÉ

 

 

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