“O ADMIRÁVEL SERTÃO
DE ZÉ RAMALHO”
ou
(NEM MELHOR,
NEM PIOR;
APENAS UM MUSICAL
DIFERENTE.)
Nem
melhor nem pior; apenas um musical diferente. Com esse
subtítulo, inicio esta crítica, parafraseando algum fanático salgueirense – há
controvérsias sobre a origem e “paternidade” da frase – sobre a Escola
de Samba Acadêmicos do Salgueiro: “Nem melhor, nem pior. Apenas uma Escola
diferente”. Explicarei isso adiante. Penso, porém, que o advérbio de
intensidade “apenas” possa sugerir que eu não tenha gostado do espetáculo,
mas, se assim fosse, eu não estaria dedicando muitas horas do meu preciosíssimo
tempo, para escrever sobre o musical, ainda que ele já tenha saído de cartaz (Não
havia escrito antes por total falta de tempo.), visto ser essa uma condição
“sine
qua non” para um espetáculo merecer uma crítica escrita por mim. Gostei,
sim.
ZÉ RAMALHO e Djavan são dois artistas que, como
compositores, letristas, mais especificamente, a meu juízo, precisariam "ser
estudados". Eu também. Eles, por escreverem poemas belíssimos, que são
musicados, e, também, letras de canções totalmente fora de qualquer possibilidade
de compreensão. Não seria o caso de linguagem poética, não; é questão mesmo de “absurdos
indecifráveis”. Poderia eu dar dezenas de exemplos de versos, ou letras
inteiras, mas não vejo necessidade disso agora.
E eu? Por que motivo este
que vos escreve também daria um “prato cheio” para “estudos
científicos”? Simplesmente pelo fato de aplaudir essas canções de letras
ininteligíveis, abstrusas, inescrutáveis, e, pior ainda, cantá-las. Ontem mesmo,
comprei um ingresso para um “show” do Djavan, para o dia 3 de
dezembro próximo, no Rio de Janeiro, e "será o mesmo filme":
cantarei todas e canções, junto com o cantor, e até chegarei às lágrimas,
durante algumas. Mas por que chorar com “Açaí, guardiã. Um zum de besouro, um ímã.
Branca é a tez da manhã.”? Ou com ZÉ
RAMALHO, em “E pior do que planeta quando perde o girassol”? E ainda o ZÉ: “Quanto ao pano dos confetes, já
passou meu carnaval e isso explica porque o sexo é assunto popular”? Mas
eu choro... Que fazer?! Por oportuno, já adianto que, nos próximos dias,
estreará, em São Paulo, mais precisamente, no dia 11 de novembro, um musical com canções de Djavan, dirigido pela querida Regina Miranda. E com o mesmo
produtor da peça aqui analisada, EDUARDO
BARATA. Djavan
em alta. Que bom!
O espetáculo coloca
em cena recortes da trajetória do compositor e cantor ZÉ RAMALHO, desde sua infância, até ele se tornar conhecido,
nacionalmente, com o lançamento do “hit” "Admirável Gado Novo".
Quem conhece e quem não muito o artista pode observar as músicas e ser tocado por essas experiências que ele viveu.
Não perderei meu tempo em
comparações entre “O ADMIRÁVEL SERTÃO DE
ZÉ RAMALHO” e outros musicais, para chegar à conclusão de que é melhor ou
pior que este ou aquele. Isso, absolutamente, não me interessa. E é aqui que
entra a “paráfrase” alusiva ao Salgueiro: “Nem
melhor nem pior; apenas um musical diferente”. Não podemos nos
afastar da classificação de um musical biográfico, que não agrada a
muita gente – a mim também, em alguns
casos –, quando seu formato é "clichê". Aqui, estamos diante de um musical
que presta uma justa homenagem a um grande compositor e intérprete (Não
cantor, a meu ver.) brasileiro, contando a sua história de vida, porém
de uma forma singular. Ainda que ZÉ
RAMALHO apareça como personagem, interpretado por mais de um
ator / atriz, ele só existe somente nos números musicais, nos quais a força
artística do Nordeste, com qualidade em sua realização e enorme potência
criativa, pulsa.
PEDRO
KOSOVSKI escreveu um boa dramaturgia,
com simplicidade e, ao mesmo tempo, cheia de poesia e de elementos que provocam
reflexões, focada em personagens e referências encontrados na obra do
homenageado, como os retirantes, a seca, o vilão, os palhaços... A estrutura
dramatúrgica é composta de cinco compartimentos, ou módulos, com princípio,
meio e fim, cada um deles voltado para o que aconteceu de mais relevante na
vida e na carreira de ZÉ RAMALHO.
Assim, pela ordem, temos: 1) BREJO DA
CRUZ (Seria o mesmo local cantado por Chico Buarque? Acho
que sim: “A novidade / Que tem no Brejo da Cruz
/ É a criançada / Se alimentar de luz.”), que apresenta as origens do artista. 2) CAMPINA GRANDE, na Paraíba – No início de sua carreira,
o artista era chamado de “Zé Ramalho da Paraíba”. –, a cidade
onde começou o interesse de ZÉ RAMALHO
pela música, quando “engatinhou e deu os primeiros passos musicais”. JOÃO PESSOA, que retrata o momento “lisérgico”
da vida do músico, quando ele começou, realmente, a compor. A propósito, levei
muito tempo para entender o que significa o vocábulo “Avohai”,
título de um dos maiores sucesso do homenageado nesta peça, até saber, depois
de uma pesquisa, que se trata de um neologismo, criado pelo próprio ZÉ RAMALHO, por meio de um processo de
formação de palavras chamado de composição por aglutinação,
utilizando as palavras “avô” e “pai”. Seria, portanto, uma homenagem a dois de seus antepassados.
“De
acordo com
a história divulgada na biografia do artista – “Zé Ramalho: o Poeta dos Abismos”,
escrita por Henri Koliver –, essa palavra teria surgido durante uma experiência
com drogas alucinógenas. 4) RIO
DE JANEIRO, que apresenta a batalha por um lugar ao sol, passando pela fome
a, até mesmo, a prostituição (“Baby / Dê-me seu dinheiro / Que eu quero viver / Dê-me
seu relógio / Que eu quero saber /
Quanto tempo falta / Para eu lhe esquecer
/ Quanto vale um homem / Para amar você”). 5) POPSTAR,
que representa o sucesso e a consagração do autor de clássicos, como “Admirável
Gado Novo”, “Garoto de Aluguel”, “Pedra do Ingá” e “Chão
de Giz”, entre outros, canções cujas letras revelam momentos da vida
desse grande artista, tudo carregado de bastantes simbolismos e metáforas; às
vezes, “em excesso” (Momento “eufemismo”.).
Se eu tivesse que apontar o que há de melhor
neste espetáculo, não pestanejaria na resposta: o elenco. Formado por quase
uma dezena de atores – ADRIANA LESSA, CEIÇA MORENO, CESAR WERNECK, DUDA BARATA, MARCELLO MELO, MUATO, NIZAJ, PÁSSARO, TIAGO HERZ e GENILDA MARIA (atriz “stand-in”), sendo que alguns são músicos e atuam também
dessa forma, nesta montagem, o elenco se apresenta de forma harmoniosa e
correta, com alguns destaques: ADRIANA,
CEIÇA, MUATO e TIAGO. Cumpre
dizer que ADRANA LESSA merece um
aplauso especial, pelo fato de ter sido incorporada ao grupo depois de o elenco
já formado, porque houve necessidade de uma substituição para DONA
LÉA GARCIA, em função da lamentável morte desta, uma missão assaz
difícil e desafiadora, convenhamos. Não conhecia o trabalho de CEIÇA MORENO, que, nesta peça, é muito
mais de uma exímia sanfoneira do que de atriz, a meu juízo, no entanto, em
ambas as posições, aplaudo a sua atuação. MUATO
é um artista visceral, com uma forte e marcante presença cênica. TIAGO HERZ, a cada trabalho novo, mais
nos revela seu potencial artístico, seja atuando, seja cantando e tocando
instrumentos musicais.
Como o repertório de ZÉ RAMALHO é extenso, assim como a lista de seus sucessos, dever
ter sido uma tarefa muito árdua, para RICARDO
KOSOVSKI e MARCO ANDRÉ NUNES, principalmente
para o primeiro, o dramaturgo, relacionar as canções que deveriam entrar no
espetáculo, o que será, sempre, motivo de cobranças: “Por que não colocou esta ou
aquela música?”. “Ah!!! Faltou a música tal!”. Quero,
todavia, dar o meu “pitaco”, em tom de cobrança e “repreensão”, caso o
espetáculo venha a fazer nova(s) temporada(s), o que eu gostaria de que
acontecesse. Não conhecia, confesso, a canção “Sinônimos”, a qual, vim
a saber depois, é executada na abertura da novela “Terra e Paixão”,
atualmente na grade da TV Globo. Trata-se de uma belíssima
composição a qual não fazia parte da trilha sonora da peça e que, na noite em
que assisti ao musical, foi adicionada, numa linda interpretação do elenco, com
solo de TIAGO HERZ. A cena foi
aplaudidíssima pela plateia que lotava o Teatro Prudential, onde o espetáculo
estava em cartaz, mas, não sei por qual motivo nem por decisão de quem, parece que,
logo no dia seguinte, ela foi retirada do “set list”. Acho essa decisão lamentável,
não só porque a canção merecia estar lá, mas porque enriqueceu a peça. #voltasinonimos #prontofalei
Como os tempos estão, cada vez mais “bicudos”
para os produtores de TEATRO, que vivem
lutando por fomentos e patrocínios, esta montagem é bastante simples, em termos
de elementos de apoio, sempre muito importantes: cenários, figurinos
e iluminação.
Mas isso não tira o brilho do espetáculo. MARCO
ANDRÉ NUNES, o diretor, optou por um palco nu, com pouquíssimos elementos
cênicos, assinados por ele e por UIRÁ,
que se sucedem em cada cena, entrando e saindo do espaço cênico, manipulados
pelos atores. Essa condição do palco permite que o elenco transite livremente,
em cena, construindo um espetáculo bastante dinâmico, com a colaboração de CAROLINE MONLLEO, que se encarregou da direção
de movimento.
O premiado figurinista WANDERLEY GOMES é o responsável por
belos figurinos da peça, não tão exuberantes, como outros criados por
ele, porém muito criativos e plenos de detalhes da cultura nordestina,
representada, principalmente, por delicados bordados.
Não há nenhum detalhe que chame mais a atenção
na iluminação,
criada por DANI SANCHEZ. A “designer”
de luz ajustou cores e intensidades às cenas, obedecendo ao que cada uma delas
pede, e considero o resultado final como correto e bonito.
Também merecem um crédito positivo JÚNIOR BRASIL, que responde pelo desenho
de som, e FERNANDO OCAZIONE,
que assina o visagismo.
Idealização e Produção Artística:
Eduardo Barata
Texto: Pedro Kosovski
Direção: Marco André Nunes
Assistente de Direção: Diego
Ávila
Elenco (por ordem alfabética):
Adriana Lessa, Ceiça Moreno, Cesar Werneck, Duda Barata, Marcello Melo, Muato,
Nizaj, Pássaro, Tiago Herz e Genilda Maria (atriz “stand-in”)
Direção Musical: Plínio
Profeta e Muato
Direção de Movimento: Caroline
Monlleo
Cenografia: Marco André Nunes
e Uirá
Figurinos: Wanderley Gomes
Iluminação: Dani Sanchez
Desenho de Som: Júnior Brasil
Visagismo: Fernando Ocazione
Programação Visual: Felipe
Braga
Fotos: Cristina Granato
Assessoria de imprensa: Barata
Comunicação e Dobbs Scarpa
Direção de Produção: Elaine
Moreira
Produção Executiva: Tom Pires
Produção: Barata Produções
Em resumo, aprovo
o espetáculo e, mais que isso, ficaria muito feliz, se ele conseguisse novas
temporadas, a fim de que um maior número de pessoas, fãs de ZÉ RAMALHO ou amantes do TEATRO MUISICAL, pudesse ter acesso a
esta montagem. Um dos méritos desta peça é trazer e apresentar “O ADMIRÁVEL SERTÃO DE ZÉ RAMALHO” ao
homem urbano, de uma forma simples, poética e muito “honesta”.
FOTOS: CRISTINA GRANATO
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