“GUASU”
ou
(UMA BELA FICÇÃO
INSPIRADA NA REALIDADE.)
Nem
sempre consigo escrever sobre uma peça teatral que me agradou tão logo tenha
assistido a ela – condição “sine qua non”, para eu me decidir a fazer meus comentários críticos – por falta de tempo,
entretanto, se me agradou, de verdade, procuro escrever sobre ela, até mesmo se
a temporada já tiver sido encerrada ou em sua fase final, como é o caso de “GUASU”, um musical autoral,
brasileiro, ao qual assisti na semana passada e que está em sua última semana
em cartaz (VER SERVIÇO.) O espetáculo foi idealizado e escrito por BRUCE DE ARAÚJO, que também faz parte
do elenco, e é dirigido por VILMA MELO.
SINOPSE:
“GUASU” é um musical que
conta a história de cinco soldados brasileiros, durante a “Guerra do Paraguai”,
especificamente na “Retirada da Laguna”, os quais, depois de um ataque, se perdem
da tropa e têm que, juntos, voltar ao Brasil pela fronteira do Mato
Grosso do Sul.
Em consequência disso, eles passam a viver suas
próprias aventuras, ao fugir daquela cruel realidade, no desejo de retornar,
por conta própria, à sua pátria.
Dentre os desdobramentos, neste caminho de volta,
surgem situações como uma inédita igualdade de condições entre três etnias que
formaram o Brasil e estavam unidas por um mesmo objetivo naquele cenário,
trazendo a dúvida sobre como se davam os conflitos raciais e culturais naquele
contexto.
E ainda sobra espaço para um romance “gay” entre dois soldados, com a intenção de evidenciar pessoas LGBTQIAPN+ como agentes da história do Brasil.
Sou um grande admirador de musicais e
me sinto, de uma forma especial, bastante tocado, quando me vejo diante de uma
montagem autoral, de um brasileiro, o que, em nosso país ainda está em fase de “engatinhar”,
porém já apresentando bons frutos. “GUASU”
é um deles, certamente. Considero uma ótima ideia, de BRUCE DE ARAÚJO, o apoio num episódio real, estudado nos bancos
escolares, para criar uma obra de ficção com um excelente texto – e aqui
considero também as canções, cujas letras ajudam a contar a história –
produzida de forma simples, sem "pirotecnias", mas muito bem cuidada.
O idealizador do projeto e autor do
texto, BRUCE DE ARAÚJO, disse que
sua motivação para escrever a peça veio de seu interesse em conhecer, mais
profundamente, o episódio da “Guerra do Paraguai”, o que o levou
à leitura do livro “A Retirada da Laguna”, do Visconde de Taunay, no qual,
realmente, há o registro de casos de soldados se perdendo, além de deserções. A
partir da realidade, o dramaturgo passou a exercitar a criatividade e a
imaginação: “E se cinco soldados brasileiros tivessem se perdido da tropa e
tivessem que voltar sozinhos até o Brasil?”. Percebeu ele que, “quando
a gente estuda o tema, normalmente só os generais e Imperadores são
mencionados. Senti necessidade de saber quem eram aqueles soldados, o que eles
pensavam, sonhavam, temiam. Quais eram as esperanças daqueles brasileiros?”.
E partiu para voos imaginativos e criativos, até ser construída toda a
narrativa, na qual inseriu ingredientes que considerou importantes, como: 1) uma
inédita igualdade de condições naquele cenário, trazendo a dúvida sobre como se
davam os conflitos raciais e culturais num contexto em que as três etnias que
formaram o Brasil estavam unidas por um mesmo objetivo; 2) um romance “gay” entre dois soldados, com a intenção de evidenciar pessoas LGBTQIAPN+ como agentes da história do Brasil; 3) e uma grávida que
tenta se manter viva, em meio a tantos conflitos brutais, dentre outras
situações.
Aqui, reservo-me o direito de dizer, com relação ao “ingrediente” número 2, que ele bem que poderia ter ficado de fora desta “receita”. Poderia não haver a abordagem do tema, nesta obra, uma vez que a julgo totalmente desnecessária, não agregando, a meu juízo, o menor valor à trama e à justa causa LGBTQIAPN+. O envolvimento homoafetivo entre os dois soldados é abordado de forma bem suave e poética, sem qualquer apelação, entretanto penso que, se retirado do corpo da peça, não causaria a menor diferença, a não ser encurtar o tempo de duração do espetáculo. Assim mesmo não seria algo considerável, já que a cena é bem curta e, penso eu, tão superficial, que não causa nenhum impacto ou interesse maior, talvez nem para a comunidade afeta a ela. Quero, porém, deixar bem claro que sua presença, na dramaturgia, se nada acrescenta, a meu ver, também não a desabona nem um pouco; é apenas “uma gordura”, na minha opinião.
Com relação ao título da peça, “GUASU” (lê-se “guaçu”) este foi
escolhido por um motivo especial, conforme explicação, extraída do “release”
da peça, que recebi de BRUNO MORAIS (Marrom
Glacê – Assessoria de Imprensa): “A peça é um manifesto pacifista não
panfletário. O nome ‘Guerra do Paraguai’ é só aqui, no Brasil. Na Argentina e
no Uruguai, é chamada de ‘Guerra da Tríplice Aliança’. E, no Paraguai, que
ficou em ruínas, diante de uma guerra longa e sanguinária, eles chamam de ‘A
Grande Guerra’. ‘Guasu’ significa ‘grande’. “Guerra Guasu’,
assim eles a chamam. Daí a escolha.”, pontua BRUCE.
Como se trata de um musical, a peça é
pontuada por muitas belas canções. Com relação a estas, quase todas as letras
foram escritas por BRUCE, o qual
também, segundo pude apurar, compôs a “base bruta” das melodias, as quais
receberam um “tratamento final” de FRED
DEMARCA, que também atua no espetáculo, e MUATO, os quais assinam a correta direção musical da
montagem. Um solo da personagem vivida por LUÍSA
VIANNA tem letra dela e de BRUCE
e melodia de FRED. Na trilha
sonora, toda original, há uma saudável mistura de vários ritmos e
tendências musicais, tais como rap, trap, samba,
sertão,
ladainha,
“funk”,
atabaque
e violão”.
A parte musical serve para “transcender os estados emocionais dos
personagens, os sonhos, os anseios, as questões dos soldados”, algumas;
“outras
trazem mais poesia e brasilidade à história; e também abrem janelas sobre a
guerra, através de relatos das batalhas mais importantes”.
O elenco atua com total equilíbrio.
Percebi que todos se atiram a seus personagens com total entrega. Fazem parte
dele, em ordem alfabética: BRUCE DE
ARAÚJO, FRED DEMARCA, HIGOR
CAMPAGNARO, LUCAS SAMPAIO, LUÍSA VIANNA, MATHEUS
DIAS, TOM KARABACHIAN e YUMO APURINÃ. Pelo
fato de o Mezanino do SESC Copacabana ser bastante
pequeno, fazendo com que o público fique bem perto dos atores, num ambiente bem
intimista, e, mais ainda, porque fiquei acomodado na primeira fila, como gosto,
pude notar detalhes na interpretação do grupo. Isso me possibilitou identificar
melhor um excelente trabalho, que se destaca dos demais, de quatro atores: BRUCE, HIGOR, LUÍSA e YUMO, este de etnia indígena. As
atuações de HIGHOR e LUÍSA, que formam um casal paraguaio,
na trama, foram as que mais me encantaram.
No decorrer da narrativa, os atores executam
coreografias desenhadas por RODRIGO
NUNES, com um toque genuíno de brasilidade, já que os números de dança reportam
à cultura de raiz dos terreiros de candomblé, catimbó,
jurema
e jongo,
“onde
o popular e o ancestral servem como fonte para a criação”.
A cenografia da peça, criada por CACHALOTE MATTOS, engloba um linóleo que
imita terra, forrando e delimitando todo o espeço cênico, sobre o qual há
muitas pétalas vermelhas espalhadas; árvores estilizadas, secas, feitas com
armações de ferro; e peças de um acampamento; tudo bem de acordo com a proposta
do texto.
FERNANDA GARCIA e PRISCILA PIRES criaram os figurinos da peça, um dos grandes
destaques do espetáculo, para mim. São peças bem rudimentares, em cores frias,
confeccionadas em tecidos rústicos, de diversas texturas, trabalhadas na
aparência de velhas e surradas.
Tão fantástica quanto o figurino é a iluminação,
a cargo de ANDERSON RATTO. Não
saberia descrevê-la em detalhes, porém consigo dizer que é um dos melhores desenhos
de luz que vi, neste ano. Para criar um clima de suspense, de
densidade, RATTO não usou uma luz
exuberante, preferindo trabalhar mais com sombras e matizes deslumbrantes.
Quão belo e competente é o trabalho de direção
de VILMA MELO! O tema da peça é delicado
e requer muita atenção, de quem o dirige, para que não tome algum rumo
indesejável. VILMA, com sua grande
experiência, como atriz e em direções anteriores, sempre com total acerto, e enorme
dose de sensibilidade, soube extrair o melhor rendimento possível de cada um do
seu elenco e fez com que a história fosse contada de forma a que o público não
perdesse o interesse por ela em nem um minuto. O espetáculo é dinâmico, na
medida certa. Na noite em que assisti ao musical, VILMA estava presente, na plateia, e, vez por outra, meu olhar a
procurava e eu via uma pessoa totalmente “dentro da encenação”, vibrando, como uma oitava
pessoa em cena. A diretora, como todos da plateia, saboreava, palavra a palavra,
gesto a gesto, tudo o que o excelente elenco tinha para nos mostrar, sob o comando
dela.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Letras: Bruce de
Araujo
Direção: Vilma Melo
Assistência de Direção:
Fernanda Dias
Elenco (em ordem
alfabética): Bruce Araújo, Fred Demarca, Higor Campagnaro, Lucas Sampaio, Luísa
Vianna, Matheus Dias, Tom Karabachian e Yumo Apurinã
Direção Musical: Fred Demarca e Muato
Cenário: Cachalote
Mattos
Figurino: Fernanda
Garcia e Priscila Pires
Iluminação: Anderson
Ratto
Coreografia: Rodrigo
Nunes
Preparação Vocal:
Guilherme Borges
Arte Gráfica: Giulia
Santos
Vídeo e Projeção: Caco
Chagas
Assessoria de Imprensa:
Marrom Glacê Comunicação
Fotos: Renato Mangolin
Direção de Produção:
Bruce de Araujo
Assistência de Produção:
Pedro Barroso
Realização: HBAW;
Ayráújo Produções
Supervisão de Produção: Kawaida Cultural - Aliny Ulbricht e Raíssa Imani
SERVIÇO:
Temporada: De 12 de
outubro a 05 de novembro de 2023.
Local: Sesc Copacabana
(Mezanino).
Endereço: Rua Domingos
Ferreira, nº 160 - Copacabana - Rio de Janeiro.
Informações: (21)2547-0156.
Dias e Horários: De
quinta-feira a domingo, às 20h30min.
Valor do Ingresso:
R$7,50 (associado do Sesc), R$15,00 (meia-entrada) e R$30,00 (inteira).
Horário de Funcionamento
da Bilheteria – De terça a sexta-feira, das 9h às 20h; sábados, domingos e
feriados, das 14h às 20h.
Classificação
Indicativa: 14 anos.
Duração: 90 minutos.
Gênero: Musical
Conseguir
uma pauta, em algum espaço pronto a receber uma peça de TEATRO, hoje, no Rio de Janeiro, está se tornando um
gigantesco desafio para os produtores e os artistas, em geral. Sobra gente querendo
mostrar seu trabalho, sua ARTE, e faltam espaços para atender
à alta demanda. Se a produção de “GUASU” só conseguiu o acanhado espaço
do Mezanino
do SESC
Copacabana, menos mal, pois, pelo menos, o espetáculo pode ser mostrado
a um pequeno número de espectadores, entretanto, por sua qualidade, o
espetáculo merecia um espaço maios nobre, como, por exemplo, a Arena
do mesmo SESC Copacabana, ou outro semelhante.
Quem
me lê tem mais quatro oportunidades para conferir as minhas palavras.
FOTOS: RENATO MANGOLIN
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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JUNTOS, POSSAAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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