quarta-feira, 27 de setembro de 2023

 “PORMENOR

DE AUSÊNCIA”

ou

(UM CONSIDERÁVEL TRIBUTO A UMA CONSIDERÁVEL

AUSÊNCIA.)


 






Há, exatamente, um ano, tive o gratíssimo prazer de assistir, no último ou penúltimo dia de uma linda, porém curta, temporada, no acanhado Teatro Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim), a um belíssimo espetáculo: “PORMENOR DE AUSÊNCIA”, um solo, com texto de LÍVIA BAIÃO, dirigido por ERNESTO PICCOLO e brilhantemente interpretado por GIUSEPPE ORISTANIO.



Adorei o espetáculo! Dona Fernanda Montenegro, que também assistiu à peça, sentada do meu lado, na primeira fila, também. Gostou tanto, que, ao final, fez questão de, numa linda, demorada e emocionante fala, com a voz bem embargada, saudar e o colega de ofício e dar-lhe os parabéns por sua “performance”.



Senti que a montagem merecia uma das minhas humildes críticas, pois é sabido que só escrevo sobre um espetáculo, quando ele me agrada, me toca, mas não vi sentido em fazê-lo, já que minha modesta apreciação crítica só poderia ser publicada depois que a peça já tivesse cumprido aquela temporada. Prometi, então, ao talentosíssimo GIUSEPPE, que, se o monólogo voltasse ao cartaz, eu escreveria sobre ele, o que faço agora, com muita alegria e prazer.



Revi o solo, no Teatro Dulcina, no último sábado, dia 23 de setembro (2023) e tive a oportunidade de saborear melhor alguns detalhes que eu pudesse ter deixado passar, quando da primeira vez. Não bastasse ser um espetáculo lindo, poético, mais aplausos dedico à montagem, pelo fato de sua concretização ter acontecido graças à garra e determinação de GIUSEPPE ORISTANIO e alguns amigos que o cercam, neste projeto, o qual não contou com nenhum patrocínio ou apoio e também não teve aporte financeiro de terceiros, nem para pagar por uma assessoria de imprensa. As pessoas iam ao Teatro porque o “boca a boca” funciona mesmo, tanto quando a peça é boa como quando é um “desastre”. Assim também está acontecendo agora, nesta segunda temporada, a despeito de já haver um profissional, CARLOS PINHO, à frente de uma divulgação.

 





 

 SINOPSE:

O monólogo retrata os últimos anos de vida do grande escritor JOÃO GUIMARÃES ROSA.

Novembro de 1967, ROSA está às voltas com problemas de saúde e se preparando para a sua, tão adiada posse (4 anos de postergação.) na Academia Brasileira de Letras.

É nesse contexto que são evocados os últimos anos de vida do escritor, em “PORMENOR DE AUSÊNCIA”.

ROSA era consciente de sua genialidade e obcecado pelo tema da morte e os desejos, quase insuportáveis, da imortalidade da Academia Brasileira de Letras.

         O público passa a conhecer um pouco da intimidade do escritor, médico e diplomata, até mesmo suas “excentricidades”, manias e crendices.

Toda a história é contada, com muita poesia e um pouco de bom humor, pelo narrador-personagem (GIUSEPE ORISTANIO).

 

 


 




Confesso que, desde a primeira vez que assisti à peça, antes mesmo de ir ao Teatro Rogério Cardoso, fiquei me questionando sobre o seu título. Por que “PORMENOR DE AUSÊNCIA”? Por que “PORMENOR”? No léxico da língua portuguesa, com a qual ROSA “flertou e brincou”, à farta, como um menino levado, “PORMENOR” é um substantivo masculino plural, significando um elemento mínimo que compõe algo; particularidade, detalhe, minúcia”. Não sei qual tenha sido o motivo que levou a dramaturga a atribuir tal título à sua obra. “Particularidade” é um dos seus sinônimos, aquele que penso mais estar relacionado ao consagrado autor, pelo fato de ele ter sido único, ímpar. Para mim, o maior escritor da língua portuguesa, depois de MACHADO DE ASSIS, que considero “HORS CONCOURS”. Não me canso de propagar minha profunda paixão por esses dois GÊNIOS” da literatura brasileira e universal.





         É a segunda vez, este ano, que assisto a uma peça teatral que homenageia o grande escritor mineiro, de Codisburgo (“Cordis”, do latim “Cor, Cordis”, que significa “Coração”, + “Burgo”, do alemão “Burg”, significando “cidade”). A primeira, tão linda quanto esta, foi “Um Tal Guimarães”, que não se trata de uma de suas obras, adaptada para o palco, mas, como o de “PORMENOR DE AUSÊNCIA”, de um texto original, uma forma de reverenciar o grande artista literato, o estupendo “fazedor de palavras”. GUIMARÃES ROSA foi e é – e acho que nunca surgirá outro como ele – o maior neologista da língua portuguesa. Sua contribuição para o enriquecimento do vocabulário do nosso idioma é incomensurável. Um criador de palavras “com sabores”, o pai dos “vocábulos mágicos”.





         Como o outro solo, a que aludi no parágrafo anterior, “PORMENOR DE AUSÊNCIA” é um espetáculo poético, vibrante, lírico, engraçado, palpável, volátil... Escrito em “linguagem de dia comum”, com pinceladas de “falares de feriado”. O texto “nos desce fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”, dito, com muita propriedade e com total entrega, por GIUSEPPE ORISTANIO, o qual, com este espetáculo, comemora 50 anos de carreira, nos oferecendo, como um presente, uma linda aula de interpretação teatral. É muito comovente seu trabalho como intérprete. O ator, "despudoradamente", abre seu coração, escancarando-o totalmente, quando interpreta o personagem ou quando fala dele. Emociona-se com tudo o que diz e transfere para o público seus sentimentos. GIUSEPPE nos contagia até o mais profundo de nossas almas.


Giuseppe Oristanio

(Foto: fonte desconhecida.)



Gosto bastante do texto, de LIVIA BAIÃO, escrito em primeira pessoa, dissolvendo fronteiras entre biografia, ficção e ensaio historiográfico. Para escrevê-lo, nota-se que a dramaturga mergulhou, profundamente, no universo “rosiano”, por meio de uma minuciosa pesquisa, em seus acervos pessoais e nas obras do autor. Acho muito interessante e extremamente válido mostrar o outro lado de uma “celebridade”, seja ela quem for, o seu “lado B”, como um ser humano, como outro qualquer, com o propósito de mostrar uma figura próxima ao público, a sua “humanidade”, alguém com todas as fraquezas e emoções de um “mortal” que sonhava com a “imortalidade”. Muitas vezes, criamos uma impressão, e exigimos que sejam cumpridas expectativas nossas, em relação uma figura pública, julgando-a, inclusive, sem nos darmos conta de que, por trás daquele “ídolo”, existe um ser humano como qualquer outro, como se expressou ORISTANIO, no “release” da peça, chegado às minhas mãos via CARLOSA PINHO (assessoria de imprensa).



         Num balanço, meio geral, da encenação, por total falta de tempo para escrever muito sobre ela, quero crer que a montagem me “ganhou”, e a todos os que assistem ao solo, pela sua beleza e simplicidade. Pareceu-me que nenhum dos artistas de criação envolvidos no projeto se preocupou em se destacar, em relação aos demais, e todas as peças necessárias para se erguer um espetáculo teatral se juntaram, harmoniosamente, como num quebra-cabeça, até a excelente concepção final: da descomplicada direção de ERNESTO PICCOLO, o “NECO”, para os amigos, passando pela simples e correta cenografia, concebida por JOSÉ DIAS, e o discreto e elegante figurino, uma criação de SUELY GERHARDT, elementos que chegam ao público, com seus pequenos e interessantes detalhes, graça à simples, também, porém ajustada, iluminação, assinada, a quatro mãos, por VILMAR OLOS e CELMA ÚNGARO. Algumas momentos se revestem de especial beleza, com o acréscimo de uma delicada trilha sonora, a cargo de RODRIGO PENNA.

 



Giuseppe Oristanio e Ernesto Piccolo.

(Foto: fonte desconhecida.)




 FICHA TÉCNICA:

Texto: Lívia Baião

Direção: Ernesto Piccolo

Assistência de Direção: Rafael Queiroz  


Atuação: Giuseppe Oristanio  

 

Cenografia: José Dias

Figurino e Adereço: Suely Gerhardt  

Iluminação: Wilmar Olos e Celma Úngaro  

Trilha Sonora: Rodrigo Penna  

Fotografia: Daniel Ratto  

Produção: Quequé Peixoto  

Assessoria de Imprensa: Carlos Pinho

Instagram: @pormenor_de_ausencia

Contato: (21)99557-4372

 

 

 



 

 

 

 SERVIÇO: 

Temporada: De 08 de setembro a 01 de outubro de 2023.

Local: Teatro Dulcina.

Endereço: Rua Alcindo Guanabara, nº 17 – Cinelândia - Centro, Rio de Janeiro.

Dias e Horários: Sexta-feira e sábado, às 19h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada).

Vendas e mais informações: https://www.sympla.com.br/.../pormenor-de.../2135731

Classificação: Livre.

Gênero: Monólogo.

 

 

 




         Este ano, comecei a reler toda a obra do grande Rosa, à qual fui apresentado, por uma excelente professora de literatura, Dona Marizu Brito, quando eu ainda era muito jovem, lá pelos meus 16 ou 17 anos, o que me levou a conquistar o honroso 2º lugar, num concurso estadual sobre a vida e a obra de Guimarães Rosa, pelo que recebi, como prêmio (E que prêmio!) das mãos de Dona Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, a obra completa de seu pai e um exemplar do livro que ela escrevera – Dona Vilma herdou o ofício paterno -, publicado em 1968“Em Memória de João Guimarães Rosa”, republicado em 1983, com o novo título de “Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)", leitura obrigatória para os que desejam entender o conjunto da obra de Rosa. Infelizmente, Dona Vilma faleceu no ano passado, aos 90 anos.







GUIMARÃES ROSA cunhou muitas frases que se tornaram icônicas, como As pessoas não morrem, ficam encantadas.”. Parecia que estava “escrevendo em causa própria”. Sim, querido Rosa“As coisas mudam no devagar depressa dos tempos.” e Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”“Viver é muito perigoso”. Eu sei e concordo com isso. Quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa.” E é preciso mesmo jamais parar de desconfiar, porque Viver é plural”.



Para terminar, um detalhe muito curioso e poético: Guimarães Rosa, que morreu, no dia 19 de novembro de 1967, vítima de um enfarte, aos 59 anos de idadetrês dias após ter tomado posse da cadeira nº 02, na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Álvares de Azevedo, pediu, à família, para ser enterrado de óculos, no que foi atendido, segundo consta, porque era míope e queria enxergar melhor sabe-se lá o quê. No texto de “PORMENOR DE AUSÊNCIA”, o ator diz que ROSA “queria ver a pele de Deus”, entretanto conheço outra versão, com a qual me identifico mais: ele queria estar de óculos, quando chegasse à presença de Deus, porque lhe disseram que “Deus é a verdade” e ele queria conhecer a “verdade” em toda a sua plenitude. Isso é irrelevante, se é uma ou outra ou até, quiçá, uma terceira. Ambas as versões são tão lindas e um bom exemplo de quão excêntrico foi o “imortal” (Ou seria “É”!?).



O fato de eu ter gostado do espetáculo talvez não tenha tanta importância e pouco representaria, para outrem, um incentivo para que fossem conferir a veracidade do que escrevi sobre a peça, todavia quem ousaria discordar da opinião da grande DAMA DO TEATRO BRASILEIRO”, DONA FERNANDA MONTENEGRO?!









FOTOS: DANIEL RATTO

 

 

 

GALERIA PARTICULAR

(Foto: Guilherme de Rose).


Com Giuseppe Oristanio.


Idem.

 

 

 

 

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