segunda-feira, 18 de setembro de 2023

 

“OUTRA REVOLUÇÃO DOS BICHOS”

ou

(“EU NÃO TINHA NEM ROUPA PARA ASSISTIR A ESTA PEÇA”.)

 



         “Eu não tinha nem roupa para assistir a esta peça” e me senti um “mendigo”, trajando andrajos, sentado numa plateia, dentro de uma caixa preta do Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, na noite do último dia 13, diante da suntuosidade “ostentatória”, dentro da simplicidade (Espero que entendam.), exibida por DANIELA PEREIRA DE CARVALHO (dramaturga), BRUCE GOMLEVSKY (diretor) e GUSTAVO DAMASCENO (ator).



         Quem, como eu, se encantou, em 2022, ao assistir a “UMA REVOLUÇÃO DOS BICHOS”, que merecia ter recebido “muitos” prêmios de TEATRO, também com texto de DANIELA e dirigida pelo mesmo BRUCE, encenada por 20 atores da “Cia. Teatro Esplendor”, tem que preparar o coração para conhecer uma das melhores “performances” a que já assisti em toda a minha vida de mais de 50 anos de “rato de TEATRO”. Vai perder o fôlego. Vai se beliscar, para ter a certeza de que não está sonhando. Vai sentir muito orgulho dos artistas brasileiros. Se reagir como eu, vai sair pelo mundo, aconselhando aos amigos – e aos inimigos também (Piadinha mais desgastada e sem-graça!) - que corram ao CCBB - RJ, para também se emocionar e se arrepiar diante de tanto talento, de tanto saber teatral. Este espetáculo, em todos os setores, principalmente nas categorias “espetáculo”, “dramaturgia”, “direção” e “interpretação”, também está credenciado a figurar entre os favoritos, nas listas de todos os prêmios de TEATRO do Rio de Janeiro, ao final da temporada de 2023, com total chance de premiação.



         Com a última frase do parágrafo anterior, eu poderia encerrar esta crítica, entretanto a vontade de expressar o meu profundo contentamento pelo que vi é tão imensa, que vou continuar discorrendo sobre o espetáculo, cujo texto é mais uma demonstração da competência de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO, numa adaptação dramatúrgica do clássico de GEORGE ORWELL, agora no formato de um solo, no qual o magnífico ator GUSTAVO DAMASCENO interpreta todos os personagens da fábula. Aproveito para deixar aqui o “link” da crítica que escrevi sobre “A REVOLUÇÃO DOS BICHOS”, chamando-lhes a atenção para o fato de que muito, ou quase tudo, do que lá escrevi pode ser aplicado à montagem em tela.

         http://oteatromerepresenta.blogspot.com/2022/10/umarevolucao-dos-bichos-oiviva-o.html


George Orwell.




SINOPSE:

Numa fazenda, os animais, cansados da exploração em que vivem, organizam um movimento, expulsam os humanos e acabam por tomar o controle do espaço.

Com o sucesso da missão, surge o “Animalismo”, regime em que todos os animais seriam iguais em direitos.

“Duas patas? Inimigo! Quatro patas? Amigo!”

Porém, uma vez implementado o novo sistema, sem a presença de humanos e com a liderança dos Porcos, aos poucos, começam a emergir a sede de poder e a tolerância à corrupção. 

 




Alguém, cuja identidade não me ocorre no momento, e que não vem ao caso, disse: “Quer conhecer uma pessoa? Dê poder a ela!”. Isso parece ser uma verdade e está bem explicito na peça. Penso que a leitura do livro de ORWELL é obrigatória e faz muito mais sentido hoje, depois de termos atravessado um período de quatro anos de trevas no país. Por algum motivo, do qual não consigo me lembrar, com muita vergonha, confessei, quando escrevi a outra crítica, não ter lido a obra, até então, entretanto, na semana seguinte àquela em que assisti à peça, encontrei, na minha estante, um exemplar dela (“Animal Farm”, título original para “A Revolução dos Bichos”, um dos livros mais lidos no mundo.) e devorei-o em pouco tempo. Dessa forma, afianço que a dramaturga não deixou escapar nenhum detalhe importante da trama e traduziu, fielmente, por meio de diálogos, colocados na boca dos bichos e dos poucos personagens “humanos”, tudo o que pretendia ORWELL, só que numa linguagem mais realista e de acordo com os tempos hodiernos, além de acrescentar pitadas de brasileirismo. Sendo uma temática atemporal e universal, DANIELA construiu um texto que permite ao espectador transportar uma fazenda inglesa para qualquer parte do rincão brasileiro. A fazenda é uma alegoria do que seja o Brasil. A carpintaria do texto é excelente.


Daniela Pereira de Carvalho.



         Para conceber esta encenação, BRUCE GOMLEKSKY, como, aliás, em todos os seus anteriores trabalhos, bebeu muito na fonte do chamado “Dogma 95”, um movimento cinematográfico internacional, lançado a partir de um manifesto publicado em 13 de março de 1995, em Copenhague, na Dinamarca, o qual preconiza, por meio de regras, como deveria ser feito o cinema mais realista e menos comercial. Esse manifesto tem cunho técnico, apresentando uma série de restrições, quanto ao uso de técnicas e tecnologias nos filmes, e ético, com princípios quanto ao conteúdo dos filmes. Assim como se aplicava no cinema, regido pelo manifesto, o TEATRO de BRUCE procura se ver livre de artifícios, focado na história, no desempenho dos atores e na autonomia criativa do diretor”. Assim, durante muitos meses, foi construída este “OUTRA REVOLUÇÃO DOS BICHOS”, num processo trabalhoso, desgastante, extremamente criativo, “gestação” que deu origem a um filhote ímpar.



BRUCE GOMLEVSKY, um artista extremamente qualificado, quer como diretor, quer como ator, com mais de 30 anos de carreira, coleciona prêmios, sucessos e elogios. Como, aqui, sua participação se dá na condição de diretor, faço-lhes lembrar alguns de seus magníficos trabalhos em direção, alguns premiados: “Uma Ilíada”, “O homem Travesseiro”, “Festa de Família”, “A Volta ao Lar”, “Demônios”, “Os Sete Gatinhos”, “O Diário de Anne Frank”, “Timon de Atenas”, “Um Tartufo”, “Funeral”, “Sangue”, “A Revolução dos Bichos” e “Diário de um Louco”, entre outros. Haja talento!!! As características principais dos trabalhos da companhia que ele fundou – a “CIA. TEATRO ESPLENDOR” - são a excelência dramatúrgica, atrelada a uma pesquisa interpretativa, fruto do estudo aprofundado do método das ações físicas de Constantin Stanislavsky.


Bruce Gomlevsky.



Tal método de trabalho, proposto pelo atordiretorpedagogoescritorteórico e pensador russo, de grande destaque entre os séculos XIX e XX, é de meu total agrado, uma vez que tal metodologia reflete sobre as técnicas de treinamento, preparação e procedimentos de ensaio, o que demanda um trabalho longo, até que a peça seja consideradamadura”, para ser entregue ao público, e exige muito dos atores. Trabalho extremamente exaustivo, que demanda uma dedicação plena do intérprete. Não seria diferente aqui. É preciso muita disciplina e resistência física, por parte do ator, para suportar, por mais de uma horaposições físicas muito desconfortáveis, tendo que se movimentar, na maior parte do tempo, andando de quatro.



         Os preceitos do “Dogma 95” são facilmente reconhecidos nesta montagem: nenhuma parafernália tecnológica, nenhum “excesso”, “zero gordura”. Apenas uma caixa preta, um grande praticável, funcionando como palco, tudo na cor preta. Um ator, que aguarda o público, sentado nesse praticável, cumprimentando um a um, estabelecendo uma sintonia entre artista/plateia. Elementos cenográficos inexistentes. Como figurino, uma calça e uma camisa de manga comprida, também pretas. O ator está descalço. E a magia do TEATRO se faz, com a valorização de um texto, de uma direção e de um trabalho de interpretação.



         Sobre seu trabalho, como “regente” desta peça, diz BRUCE: “Toda a teatralidade e potência cênica se revela no corpo-voz do ator, ao mesmo tempo em que abro mão, como encenador, da maquiagem/caracterização, da música pré-gravada, de efeitos de luz complexos e mesmo de um cenário construído, transformando, assim, a falta de recursos em criatividade e poder de síntese.”.




         Sobre o texto, já teci os devidos comentários e a respeito dos elementos de criaçãocenário (BRUCE GOMLEVSKY), figurino (BRUCE GOMLEVSKY) e iluminação (ELISA TANDETA) -, não farei nenhuma outra consideração, além de que tudo funciona perfeitamente, sem deixar, porém, de chamar a atenção para os excelentes efeitos de luz, criados por ELISA.. No que concerne à direção, ressalto que BRUCE é um dos maiores encenadores deste país, dotado de extrema inteligência, sensibilidade, bom gosto e criatividade, dotes presentes nesta produção. É um obstinado e procura, ao máximo, atingir a perfeição. E consegue. O foco mais intenso desta crítica não poderia recair sobre nada mais além do trabalho de ator de GUSTAVO DAMASCENO, um gigante em cena. Assim como eu “não tinha nem roupa para assistir a esta peça”, também me faltam palavras que consigam traduzir a minha admiração por sua estupenda “performance”. Vou dispensar os epítetos e tentar descrever os prodígios que ele consegue realizar em cena.



         Sozinho, GUSTAVO se lança com total visceralidade, em sua interpretação, prende a atração da plateia de tal forma, que jamais correrão, lado a lado, ali, os tempos cronológico e psicológico. Cronologicamente, a peça tem a duração de 80 minutos, contudo estes são sentidos como se fossem 15; talvez nem tanto. Ninguém consegue desviar o olhar do ator e o tempo flui numa velocidade estonteante. DAMASCENO vive o protagonista, o Porco Napoleão, o grande “herói” / VILÃO” da história, e mais todos os outros personagens, humanos (dois) e animais (muitos). Para isso, ele e BRUCE, juntos, num processo de construção e desconstrução, encontraram excelentes vozes diferentes, para cada personagem, acompanhadas de gestos personificados, um trabalho de mímica que, poucas vezes, registrei num palco, como nesta. Ou nenhuma. Além disso, o ator criou incríveis onomatopeias, com destaque para grunhidos, urros, balidos e outras vozes de animais. Sons guturais abundantes, difíceis de serem produzidos por um falante do idioma português, os quais forçam muito as cordas vocais de qualquer ser humano não acostumado a eles, como são os árabes, por exemplo. A passagem de um personagem a outro se dá, na quase totalidade das vezes, com um rolar de corpo pelo chão e, ao se erguer ou se colocar numa nova posição de um quadrúpede, já se sente a presença de outro ser actante. O ator explora seu imenso potencial de expressão corporal, assim como domina a emissão de sons e controla sua respiração com uma técnica que penso jamais ter visto alguém fazer sobre as tábuas. Todos os meus mais efusivos aplausos, DE PÉ, acompanhados de gritos de “BRAVO!”, eu os direciono a GUSTAVO DAMANSCENO, neste espetáculo.



          “A pesquisa cênica se concentra na descoberta de uma expressão corporal e vocal para a composição dos personagens-bicho, aprofundando, assim, a pesquisa da “CIA. TEATRO ESPLENDOR” sobre o afastamento do naturalismo interpretativo”. (Informação extraída do “release” da peça, enviado por STELLA STEPHANY, assessora de imprensa, que achei importante agregar às minhas palavras.)




 

 FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Daniela Pereira de Carvalho

Encenação – Bruce Gomlevsky

 

Intérprete: Gustavo Damasceno

 

Cenografia - Bruce Gomlevsky

Figurino: Bruce Gomlevsky

Iluminação: Elisa Tandeta

Fotos: Michel Langer e Guga Melgar

Projeto Gráfico: Redson Pereira

Operação de Luz: Bruno Primo

Direção de Produção: Gabriel Garcia

Realização: Banco do Brasil e Cia Teatro Esplendor

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

 





SERVIÇO:


Temporada: De 08 de setembro a 01 de outubro de 2023.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) RJ - Teatro III.

Endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Candelária – Centro – Rio de Janeiro.

Telefone: (21) 3008-2020.

Dias e Horários: De 4ª feira a 2ª feira, às 19h, à exceção do domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$30,00 e R$15,00 (meia-entrada), na bilheteria do CCBB ou no site: bb.com.br/cultu

Duração:80 minutos.

Indicação Etária: 14 anos.

Gênero: Drama.


      Se, antes de morrer, o personagem MAJOR, mentor da “revolução”, via, nesta, o único caminho que poderia levar os demais bichos a uma vida harmoniosa, longe do jugo de um “humano”, não sabia o Porco que, entre eles, havia “quem” achasse que “alguns são mais ‘iguais’ que outros” e que não levaria muito tempo, para tomar conta da situação, pôr em prática a sua esperteza e repetir o comportamento dos “humanos”.



Não é à toa que, no meio de tantos animais da fazenda, para representar esse “traidor da causa”, tenha sido escolhido logo o PorcoNAPOLEÃO, animal que nasceu para chafurdar na lama e sentir prazer nisso. O personagem, a princípio, tomou as rédeas de tudo, com a justificativa, estúpida e mentirosa, de que aquela comunidade carecia de uma liderança, que lutaria pelo bem de todos, tendo sua irmã, Bola de Neve como “cúmplice”, a qual será, também, traída por ele, mais tarde, no momento em que o poder lhe sobe ao topo da cabeça e ele sente que só havia espaço para si, como “líder”, na verdade um “novo tirano usurpador”. Esse tipo de “gente” só se alia a outrem, quando essa aliança lhe é favorável. Quando se sente contrariado ou percebe que sua “idolatria e força de poder” perde robustez e “seus dias de tirano estão contados”, não pensa duas vezes, para pisar no seu “opositor”“Esse filme parece estrar sempre em cartaz”; no momento atual, nem se fala...  



     Em geral, nas críticas, não é costume se fazer alusão a quem trabalha na produção executiva, e aqui apresento "mea culpa" e me incluo no rol dos críticos que agem assim. Raramente, eu o faço. É preciso, porém, lembrar que um batalhão de artistas se empenha, para construir um espetáculo teatral, todavia, durante sua temporada, quem opera a produção é de vital importância, a fim de deixar tudo à mão e na hora exata, e da maneira como deve ser, para que a sessão possa acontecer sem nenhum contratempo. Nesse sentido, acho muito justo citar o nome de GABRIEL GARCIA, responsável pela direção de produção. 



         “OUTRA REVOLUÇÃO DOS BICHOS”, com total certeza, é um dos melhores espetáculos a que assisti, até agora, no Rio de Janeiro, na temporada 2023. Queiram os DEUSES DO TEATRO que haja outras temporadas da peça e que eu consiga revê-la, como tenho o hábito de fazer, quando sinto que vale a pena sair de casa, enfrentando os maiores empecilhos, para assistir a uma OBRA-PRIMA do TEATRO.



 

 

FOTOS: MICHEL LANGER 

e

GUGA MELGAR

 

 

GALERIA PARTICULAR:


Com Gustavo Damasceno.

 

 

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