“PORMENOR
DE AUSÊNCIA”
ou
(UM CONSIDERÁVEL TRIBUTO A UMA CONSIDERÁVEL
AUSÊNCIA.)
Há,
exatamente, um ano, tive o gratíssimo prazer de assistir, no último ou
penúltimo dia de uma linda, porém curta, temporada, no acanhado Teatro
Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim), a um belíssimo
espetáculo: “PORMENOR DE AUSÊNCIA”,
um solo, com texto de LÍVIA BAIÃO,
dirigido por ERNESTO PICCOLO e
brilhantemente interpretado por GIUSEPPE
ORISTANIO.
Adorei o
espetáculo! Dona Fernanda Montenegro, que também assistiu à peça, sentada
do meu lado, na primeira fila, também. Gostou tanto, que, ao final, fez questão
de, numa linda, demorada e emocionante fala, com a voz bem embargada, saudar e o
colega de ofício e dar-lhe os parabéns por sua “performance”.
Senti que
a montagem merecia uma das minhas humildes críticas, pois é sabido que só
escrevo sobre um espetáculo, quando ele me agrada, me toca, mas não vi sentido
em fazê-lo, já que minha modesta apreciação crítica só poderia ser publicada
depois que a peça já tivesse cumprido aquela temporada. Prometi, então, ao
talentosíssimo GIUSEPPE, que, se o
monólogo voltasse ao cartaz, eu escreveria sobre ele, o que faço agora, com
muita alegria e prazer.
Revi o
solo, no Teatro Dulcina, no último sábado, dia 23 de setembro (2023) e
tive a oportunidade de saborear melhor alguns detalhes que eu pudesse ter deixado
passar, quando da primeira vez. Não bastasse ser um espetáculo lindo, poético,
mais aplausos dedico à montagem, pelo fato de sua concretização ter acontecido
graças à garra e determinação de GIUSEPPE
ORISTANIO e alguns amigos que o cercam, neste projeto, o qual não contou
com nenhum patrocínio ou apoio e também não teve aporte financeiro de terceiros, nem para
pagar por uma assessoria de imprensa. As pessoas iam ao Teatro porque o “boca
a boca” funciona mesmo, tanto quando a peça é boa como quando é um “desastre”.
Assim também está acontecendo agora, nesta segunda temporada, a despeito de já
haver um profissional, CARLOS PINHO,
à frente de uma divulgação.
SINOPSE:
O monólogo retrata os últimos anos de
vida do grande escritor JOÃO GUIMARÃES
ROSA.
Novembro de 1967, ROSA está às voltas com problemas de
saúde e se preparando para a sua, tão adiada posse (4 anos de postergação.)
na Academia
Brasileira de Letras.
É nesse contexto que são evocados os
últimos anos de vida do escritor, em “PORMENOR
DE AUSÊNCIA”.
ROSA era consciente
de sua genialidade e obcecado pelo tema da morte e os desejos, quase
insuportáveis, da imortalidade da Academia Brasileira de Letras.
O
público passa a conhecer um pouco da intimidade do escritor, médico e
diplomata, até mesmo suas “excentricidades”, manias e
crendices.
Toda a história é contada, com muita
poesia e um pouco de bom humor, pelo narrador-personagem (GIUSEPE ORISTANIO).
Confesso
que, desde a primeira vez que assisti à peça, antes mesmo de ir ao Teatro
Rogério Cardoso, fiquei me questionando sobre o seu título. Por que “PORMENOR DE AUSÊNCIA”? Por que “PORMENOR”? No léxico da língua portuguesa,
com a qual ROSA “flertou e brincou”, à
farta, como um menino levado, “PORMENOR”
é um substantivo
masculino plural, significando um “elemento mínimo que compõe algo;
particularidade, detalhe, minúcia”. Não sei qual tenha sido o motivo que levou a dramaturga a atribuir tal
título à sua obra. “Particularidade” é um dos seus sinônimos, aquele que penso
mais estar relacionado ao consagrado autor, pelo fato de ele ter sido único,
ímpar.
Para mim, o maior escritor da língua portuguesa,
depois de MACHADO
DE ASSIS, que considero “HORS CONCOURS”. Não me canso de propagar minha profunda
paixão por esses dois “GÊNIOS” da literatura brasileira e universal.
É
a segunda vez, este ano, que assisto a uma peça teatral que homenageia o grande
escritor mineiro, de Codisburgo (“Cordis”, do latim “Cor, Cordis”,
que significa “Coração”, + “Burgo”,
do alemão “Burg”, significando “cidade”).
A primeira, tão linda quanto esta, foi “Um Tal Guimarães”, que não se trata de uma de
suas obras, adaptada para o palco, mas, como o de “PORMENOR DE AUSÊNCIA”, de um texto original, uma forma de reverenciar
o grande artista literato, o estupendo “fazedor de palavras”.
GUIMARÃES ROSA foi e é – e acho
que nunca surgirá outro como ele – o maior neologista
da língua portuguesa. Sua contribuição para o enriquecimento do
vocabulário do nosso idioma é incomensurável. Um criador de palavras “com
sabores”, o pai dos “vocábulos mágicos”.
Como
o outro solo, a que aludi no parágrafo anterior, “PORMENOR DE AUSÊNCIA” é um espetáculo poético, vibrante, lírico,
engraçado, palpável, volátil... Escrito em “linguagem de dia comum”,
com pinceladas de “falares de feriado”. O texto “nos
desce fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”,
dito, com muita propriedade e com total entrega, por GIUSEPPE ORISTANIO,
o qual, com este espetáculo, comemora 50 anos de carreira, nos oferecendo,
como um presente, uma linda aula de interpretação teatral. É muito comovente
seu trabalho como intérprete. O ator, "despudoradamente",
abre seu coração, escancarando-o totalmente, quando interpreta o personagem ou
quando fala dele. Emociona-se com tudo o que diz e transfere para o público
seus sentimentos. GIUSEPPE nos contagia até o mais profundo de
nossas almas.
Giuseppe Oristanio
(Foto: fonte desconhecida.)
Gosto bastante do texto, de LIVIA BAIÃO, escrito em primeira pessoa, dissolvendo fronteiras
entre biografia, ficção e ensaio historiográfico. Para escrevê-lo, nota-se que
a dramaturga mergulhou, profundamente, no universo “rosiano”, por meio de
uma minuciosa pesquisa, em seus acervos pessoais e nas obras do autor. Acho
muito interessante e extremamente válido mostrar o outro lado de uma “celebridade”,
seja ela quem for, o seu “lado B”, como um ser humano, como
outro qualquer, com o propósito de mostrar uma figura próxima ao público, a sua “humanidade”,
alguém com todas as fraquezas e emoções de um “mortal” que sonhava com
a “imortalidade”.
Muitas vezes, criamos uma impressão, e exigimos que sejam cumpridas expectativas
nossas, em relação uma figura pública, julgando-a, inclusive, sem nos darmos
conta de que, por trás daquele “ídolo”, existe um ser humano como
qualquer outro, como se expressou ORISTANIO,
no “release”
da peça, chegado às minhas mãos via CARLOSA
PINHO (assessoria de imprensa).
Num
balanço, meio geral, da encenação, por total falta de tempo para escrever muito
sobre ela, quero crer que a montagem me “ganhou”, e a todos os que assistem ao
solo, pela sua beleza e simplicidade. Pareceu-me que nenhum dos artistas de
criação envolvidos no projeto se preocupou em se destacar, em relação aos
demais, e todas as peças necessárias para se erguer um espetáculo teatral se
juntaram, harmoniosamente, como num quebra-cabeça, até a excelente concepção
final: da descomplicada direção de ERNESTO PICCOLO, o “NECO”,
para os amigos, passando pela simples e correta cenografia, concebida por JOSÉ DIAS, e o discreto e
elegante figurino, uma criação
de SUELY GERHARDT, elementos que chegam ao público, com seus pequenos e
interessantes detalhes, graça à simples, também, porém ajustada, iluminação, assinada, a quatro mãos,
por VILMAR OLOS e CELMA ÚNGARO. Algumas momentos se revestem de
especial beleza, com o acréscimo de uma delicada trilha sonora, a cargo de RODRIGO PENNA.
Giuseppe Oristanio e Ernesto Piccolo.
(Foto: fonte desconhecida.)
FICHA TÉCNICA:
Texto: Lívia Baião
Direção: Ernesto Piccolo
Assistência de Direção:
Rafael Queiroz
Atuação: Giuseppe
Oristanio
Cenografia: José Dias
Figurino e Adereço:
Suely Gerhardt
Iluminação: Wilmar Olos
e Celma Úngaro
Trilha Sonora: Rodrigo
Penna
Fotografia: Daniel Ratto
Produção: Quequé Peixoto
Assessoria de Imprensa:
Carlos Pinho
Instagram: @pormenor_de_ausencia
Contato: (21)99557-4372
SERVIÇO:
Temporada:
De 08 de setembro a 01 de outubro de 2023.
Local:
Teatro Dulcina.
Endereço: Rua
Alcindo Guanabara, nº 17 – Cinelândia - Centro, Rio de Janeiro.
Dias e
Horários: Sexta-feira e sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Valor dos
Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada).
Vendas e
mais informações: https://www.sympla.com.br/.../pormenor-de.../2135731
Classificação:
Livre.
Gênero: Monólogo.
Este
ano, comecei a reler toda a obra do grande Rosa, à qual fui
apresentado, por uma excelente professora de literatura, Dona Marizu Brito, quando
eu ainda era muito jovem, lá pelos meus 16 ou 17 anos, o que me
levou a conquistar o honroso 2º lugar, num concurso estadual sobre
a vida e a obra de Guimarães Rosa, pelo que recebi, como
prêmio (E que prêmio!) das mãos de Dona
Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, a obra completa de seu pai e
um exemplar do livro que ela escrevera – Dona Vilma herdou o ofício
paterno -, publicado em 1968, “Em Memória de João
Guimarães Rosa”, republicado em 1983, com o novo título
de “Relembramentos: João Guimarães
Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)", leitura obrigatória para os que desejam entender o
conjunto da obra de Rosa. Infelizmente, Dona
Vilma faleceu no ano passado, aos 90 anos.
GUIMARÃES
ROSA cunhou muitas frases que
se tornaram icônicas, como “As
pessoas não morrem, ficam encantadas.”. Parecia que estava “escrevendo em causa própria”.
Sim, querido Rosa, “As coisas mudam no devagar
depressa dos tempos.” e “Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”. “Viver é muito perigoso”. Eu sei
e concordo com isso. “Quase
que nada sei, mas desconfio de muita coisa.” E é preciso mesmo jamais parar de desconfiar,
porque “Viver é plural”.
Para
terminar, um detalhe muito curioso e poético: Guimarães Rosa,
que morreu, no dia 19 de novembro de 1967, vítima de um enfarte,
aos 59 anos de idade, três dias após ter tomado posse da
cadeira nº 02, na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Álvares
de Azevedo, pediu, à família, para ser enterrado de óculos, no que foi
atendido, segundo consta, porque era míope e queria enxergar melhor sabe-se lá
o quê. No texto de “PORMENOR DE
AUSÊNCIA”, o ator diz que ROSA “queria
ver a pele de Deus”, entretanto conheço outra versão, com a qual me
identifico mais: ele queria estar de óculos, quando chegasse à presença de Deus,
porque lhe disseram que “Deus é a verdade” e ele queria
conhecer a “verdade” em toda a sua plenitude. Isso é irrelevante, se é uma
ou outra ou até, quiçá, uma terceira. Ambas as versões são tão lindas e um bom
exemplo de quão excêntrico foi o “imortal” (Ou
seria “É”!?).
O fato
de eu ter gostado do espetáculo talvez não tenha tanta importância e pouco
representaria, para outrem, um incentivo para que fossem conferir a veracidade
do que escrevi sobre a peça, todavia quem ousaria discordar da opinião da
grande “DAMA DO TEATRO BRASILEIRO”, DONA FERNANDA MONTENEGRO?!
FOTOS: DANIEL RATTO
GALERIA PARTICULAR
(Foto: Guilherme de
Rose).
Com Giuseppe Oristanio.
Idem.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO BRASILEIRO!
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