“SELVAGEM”
ou
(NÓS É QUE VIVIVEMOS
NUMA “SELVA”.)
ou
(SAIR DO ARMÁRIO
É DIFÍCIL;
MANTER-SE FORA DELE PARECE SER
PIOR AINDA.)
Quando
um espetáculo de TEATRO é bom, tem uma ótima qualidade, de sobra, ainda
que fruto de uma produção franciscana, não precisa de um grande esquema de
divulgação para fazer sucesso. Ainda o velho e bom sistema da propaganda “boca
a boca” se encarrega de atrair o público e encher as salas em que a
peça esteja sendo apresentada. Assim foi com a primeira temporada de “SELVAGEM”,
na Sala Preta do “Centro Cultural Municipal Sérgio Porto”,
recentemente, e continua acontecendo, agora, no “Teatro Glaucio Gill”
(Ver SERVIÇO.). A peça é um solo, idealizado, escrito e interpretado por
FELIPE HAIUT, dirigido por DEBORA LAMM.
SINOPSE:
Através de uma narrativa sensível e envolvente, por meio de uma
abordagem poética e subjetiva, "SELVAGEM" convida o público a
uma imersão nas memórias e sensações do artista, trazendo à tona uma reflexão
sobre a formação da identidade de gênero, que molda a masculinidade, e a
importância do acolhimento, do respeito e da diversidade na construção de uma
sociedade mais consciente e inclusiva.
O espetáculo aborda a infância invisibilizada da criança “queer”
e suas consequências na vida adulta.
A peça mergulha em memórias pessoais e no imaginário da indústria “pop”
cultural da década de 90, para produzir uma reflexão sobre como
enfrentamos questões do presente e apontar para um futuro mais inclusivo e
diverso.
O espetáculo também dialoga com a arte contemporânea e a “performance”, para produzir novas formas de representação da identidade e da experiência “queer”.
(Foto: GB.)
A SINOPSE,
embora simplificada, é completa e traduz, exatamente, a proposta do espetáculo.
Nela, está escrito que há um “convite”, que, como tal, pode ser
aceito, ou não, pelo espectador, entretanto duvido de que, tão logo começam a
ser ditas as primeiras frases do texto, todos não se interessem pelo que o ator
está falando, e ainda o fará por mais cerca de 50 minutos, que vão
passar como num piscar de olhos. É sinal de que o convite está aceito.
Ao término da peça, ficamos com aquele gostinho de “quero mais” e
com a certeza de que o monólogo funciona como um serviço de utilidade pública,
para os menos informados.
Assisti
ao espetáculo na última semana em cartaz, mais propriamente, no antepenúltimo
dia da primeira temporada, num espaço muito acanhado, que comporta, com razoável
conforto, 30 pessoas, mas que, naquele dia, devia ter acomodado umas 50,
as quais – as que excediam a lotação normal - se espalhavam pelo chão, depois
de todas as cadeiras ocupadas. Aquilo me deixou bastante intrigado. “Será
que esse espetáculo é isso tudo mesmo?” Confesso, sem o menor
constrangimento, que, a despeito de conhecer o trabalho de ator de FELIPE HAIUT,
e admirá-lo, fui com bastante ceticismo, muito mais para atender ao gentil
convite de uma querida amiga, LUCIANA DUQUE, uma das produtoras desta
montagem. E, logo nos primeiros cinco minutos de peça, senti que havia valido a
pena um deslocamento de mais de 30 quilômetros, da minha casa até o Teatro,
para assistir à peça, enfrentando o infernal e caótico trânsito carioca de
início de noite.
Tão
logo terminou a sessão, depois de, rapidamente, cumprimentar FELIPE e DEBORAH,
pedi à querida LUCIANA que, se houvesse uma segunda temporada (Espero
que ainda venham muitas outras. Acabei de saber que, para a sessão de hoje, TODOS
OS INGRESSOS ESTÃO ESGOTADOS.), eu fazia questão de rever a peça na estreia,
para poder escrever sobre ela, o que se deu, no dia 5 próximo passado,
mas só agora tive condições de terminar esta crítica, por motivos totalmente
alheios à minha vontade.
(ADORO ESTA PLAQUINHA!!!)
Antes
de ir ao Teatro, eu não sabia muita coisa sobre o solo, a não ser
que ele se propunha a falar de como age e reage uma criança “queer”,
ou, como o próprio FELIPE repete, várias vezes, e com a maior
naturalidade, uma criança “viada”, nas suas relações pessoais, vivendo
numa sociedade completamente despreparada para compreender, aceitar e acolher o
próximo da maneira como ele é, principalmente quando a coisa se concentra no
comportamento sexual do indivíduo. Não me lembro de ninguém que tenha tido essa
ideia antes; no TEATRO, pelo menos. Sempre que se aborda o tema da
homossexualidade, o objeto das atenções é o indivíduo adulto. Mas como teria
sido a vida de uma criança que não se alinhava com as características físicas do
gênero como veio ao mundo, até atingir a idade adulta? Pois não é que HAIUT,
num gesto de coragem e, de certa forma, até de altruísmo (Por que não?!),
resolveu abrir o jogo, partindo de suas próprias vivências.
(Foto: GB.)
Mas
não pensem que o autor/ator se vitimiza ou trata o tema com dureza, amargura ou
algo parecido. Ao contrário, como uma pessoa totalmente resolvida, com relação
á sua sexualidade, FELIPE conta como foi sua infância, tendo que “aprender
a ser homem”, cobrado pelos que impõem padrões de comportamento para
cada gênero. Sentar com as pernas cruzadas? De jeito nenhum! “Isso não é
coisa de homem!” Usar uma roupa mais colorida ou, principalmente,
alguma peça do vestuário na cor rosa? Nem pensar! “Isso é coisa de veado!”
(Deviam falar “viado”.) E como fica o menino que gostava de andar
no meio das meninas e que preferia uma boneca “Barbie” a uma bola
de futebol? E como se sentia o menino “afeminado/efeminado”,
sofrendo “bullying” constante, por parte dos “machinhos de
plantão”?
(Foto: GB)
Tudo
isso FELIPE HAIUT puxa, do fundo do seu “baú de memórias”,
assim como o seu dia a dia com a família, a qual tudo o que desejava, como
todas, era um filho “normal”. A sua relação conturbada com o pai,
resgatada já na idade adulta, e a “cumplicidade”, pode-se dizer,
de sua mãe, após ter-se assumido “gay” (Aqui, chamo a atenção
para uma peça, um outro monólogo, que recomendo muito, de autoria de Márcio
Azevedo, dirigida pelo próprio e estrelada por Rosane Gofman,
“Eu Sempre Soube”. As mães, creio eu, sempre sabem.), também
estão presentes na peça, em relatos que transitam do sério ao cômico, muito
mais a balança pendendo para este lado. Sim, o público dá boas gargalhadas,
durante toda a peça, pelo fato de o ator não ter vergonha de contar nada, não
esconder nada, muito menos se esconder.
O
diálogo entre FELIPE e DEBORA LAMM, que dirige o espetáculo, é o
mais transparente possível. O entrosamento entre a dupla é tão grande, que se
reflete no palco. DEBORA, que é uma ótima atriz, já se arriscou,
anteriormente, em outros trabalhos de direção - poucos, é verdade -, mas, com
este, consigo enxergá-la, também, como uma diretora de TEATRO. Creio que deixou o ator um pouco livre, no palco, embora haja algumas marcações que,
certamente, foram ótimas escolhas da direção. LAMM contou, no caso da
circulação de FELIPE pelo espaço cênico, com a preciosa colaboração de DENISZE
STUTZ, que assina a direção de movimento.
Felipe Haiut e Debora Lamm (Foto: Fonte desconhecida.)
Não só
o texto, a direção e a interpretação do ator me agradaram,
nesta encenação. Dois elementos de criação, que dão um magnífico suporte à montagem,
a cenografia e a luz, me chamaram muito a atenção, o que me leva
a aplaudir bastante seus criadores (Ver FICHA TÉCNICA.). Aquela mostra
um palco nu, com apenas uma cadeira, entretanto, ao fundo e em parte das laterais,
vê-se uma quantidade infindável de fios coloridos, num grande emaranhado, que
julgo representar - posso ter “viajado” nessa – o interior do
cérebro de uma criança “queer”, perdida, à procura de se achar. Alguns
aparelhos de televisão completam o cenário e mostram, em determinadas cenas, algumas
projeções muito interessantes e importantíssimas, na peça, principalmente,
quase ao final do espetáculo, um vídeo em que aparecem FELIPE e seu pai (Mais
não devo falar, para não dar “spoiler”.).
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
Com relação
ao desenho de luz, outro FELIPE, o LOURENÇO, contando com
poucos recursos, detalhe compensado por seu talento e bom gosto, o que mais
valoriza seu trabalho, nos apresenta uma iluminação que chama a tenção de todos
(Ouvi alguns comentários favoráveis a ela.), bastante variada, com cortes
setoriais que evidenciam as cenas, criando belas imagens de excelente
plasticidade. É frenética, em muitas vezes, como a nos convidar para uma "balada".
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
FELIPE
HAIUT se apresenta com um tênis, vestindo apenas um “short”
e uma camiseta, “roupa de ficar em casa”, o que considero um
grande acerto da figurinista TICIANA PASSOS. Não havia necessidade de
mais nada. Ele está ali para receber seus convidados, “na sua casa”,
da forma mais simples e descontraída possível.
Ainda
há espaço para mencionar uma agradável e ajustada trilha sonora, criada
por ARTHUR BRAGANTI.
(Foto:GB)
Por
oportuno, por julgar uma ótima iniciativa de FELIPE HAIUT, transcrevo um
trecho do “release” que me chegou às mãos: “As pautas que
guiam o solo de FELIPE HAIUT se desdobram em outros projetos, propondo ser uma
plataforma, que pretende se estender além do espetáculo, para promover o
diálogo e dar voz e visibilidade àqueles que são marginalizados ou
invisibilizados pela sociedade. Mais que um espetáculo, é uma intervenção
política e cultural, que busca combater a violência e a discriminação contra
pessoas LGBTQIA+, no Brasil. Através da arte e da cultura, é possível abrir
espaços para a informação, conscientização e o engajamento em questões sociais
urgentes.”.
(Foto: GB.)
Não
menos importantes são estas palavras de HAIUT: “Meu desejo é que as crianças ‘selvagens’, viadas, possam
ter uma infância mais saudável e amorosa do que a minha. Que esses adultos que
venham assistir, eles possam sair da peça entendendo a solidão de uma criança ‘queer’,
neste mundo, e como impacta uma vida inteira. Trazer o debate da sexualização
da criança, trazer a reflexão da criança liberta, livre para dançar, brincar,
ser criança. Tá na hora de o Homem também olhar a sua própria masculinidade,
olhar o que é ser homem, neste mundo, e repensar a sua própria masculinidade.
Que o homem pode ser frágil e sensível.”.
(Foto: GB.)
FICHA TÉCNICA:
Texto: Felipe Haiut
Direção: Debora Lamm
Direção de Movimento: Denise Stutz
Atuação: Felipe Haiut
Cenografia: Breno Bl e Guilherme Larrosa
Videoinstalação Cênica: Breno Bl e Daniel Wierman
Figurino: Ticiana Passos
Iluminação: Felipe Lourenço
Trilha Sonora: Arthur Braganti
Música-tema: “Coco Melado”: Billy Crocanty, Felipe
Haiut e Luiza Yabrudi
Vozes: Kelson Succi, Amália Lima, David Lamm, Thiago
Menezes, Daniel Wierman e Debora Lamm
“Visualizer”: Vida Fodona
Relações Públicas: Nova Comunicações
Fotos: Roberto Carneiro
Arte Gráfica: Paula Cosentino
Direção de Produção e Produção Executiva: Luciana
Duque e Thiago Menezes
Realização: Felipe Haiut
(Foto: GB.)
SERVIÇO:
Temporada: De 05 a 26 de julho de 2023.
Local: Teatro Glaucio Gill
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana
– Rio de Janeiro
Dias e Horários: Às quartas-feiras, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00
(meia-entrada)
Vendas na bilheteria do Teatro ou pelo “site” da
FUNARJ - https://funarj.eleventickets.com/#!/home
Lotação:
101 lugares.
Duração:
50 minutos.
Indicação
Etária: 16 anos.
Gênero: Monólogo
Cômico-Dramático.
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
Para
concluir esta crítica, já recomendando o espetáculo, escolhi estas palavras da diretora, DEBORA
LAMM: “Todo esse binarismo do mundo
é sufocante. Do ‘isso pode’, ‘isso não pode’, ‘isso é coisa de menina’ ou ‘isso
é coisa de menino’, isso, na infância, não faz sentido, pois a infância é
experimentação. Fazer um exercício empático das relações, do amor.”.
(Foto: GB.)
Para os que possam
estranhar o título da peça, FELIPE diz que é como ele se sentia, um “selvagem”,
dentro de uma “civilização evoluída”, com um sentimento de não
pertencimento, um “peixe fora d’água”.
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
(Foto: GB.)
FOTOS: ROBERTO CARNEIRO (Oficiais)
e
GILBERTO BARTHOLO (GB).
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO
BRASILEIRO!
Querido, você é maravilhoso, tem uma visão perfeita do teatro. Amei ler a tua crítica
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