quinta-feira, 24 de novembro de 2022

 “O SOM E A FÚRIA DE

LADY MACBETH”

ou

(COMO É BOM VER

O TALENTO DE

UMA DISCÍPULA

DE ABU, 

NUM PALCO!)

 

 

 

   Devido a alguma dificuldade de locomoção, surgida em decorrência de três intervenções cirúrgicas, decidi, com muito pesar, que não mais irei aos Teatros, todos os dias, como fazia, antes do início da pandemia de COVID-19, limitando-me a sair de casa, para esse fim, apenas de 5ª feira a domingo, o que já me custa bastante, mas consigo superar, porque a paixão de pelo TEATRO é superior a qualquer sacrifício.



        Sendo assim, relutei um pouco em aceitar o convite para assistir ao solo que motivou esta crítica, entretanto, depois de tantos comentários favoráveis, vindos de gente em cujo conhecimento técnico de TEATRO, além do bom gosto pessoal, eu confio, e, também, considerando que a peça só é apresentada às segundas-feiras, não consegui resistir e lá fui eu ao Teatro Glaucio Gill, nesta semana, abrindo uma exceção, no penúltimo dia de apresentação. A propósito, não sei nem o que dizer sobre o ABSURDO de uma equipe de TEATRO ensaiar um espetáculo por um, dois ou mais meses, com o maior sacrifício, para realizar uma “microtemporada”, que merece assim ser chamada, de apenas quatro apresentações. Ainda mais quando a montagem, a despeito de ser bastante “franciscana” – porém inserida na teoria de “menos é mais”, aqui, pelas contingências da produção – é de ótima qualidade, o que faz com que merecesse uma longa temporada, para que um número maior de pessoas pudesse ter acesso a ela. Resta-nos – e que os DEUSES DO TEATRO digam “amém” – aguardar possíveis outras apresentações, até porque é um espetáculo que eu não pensaria duas vezes para assistir de novo.



Creio que somente o que já escrevi, até aqui, bastaria, para que entendessem, sem que eu precisasse dizer, que recomendo muito a peça. E por quê? Porque montar um bom espetáculo com muito recurso financeiro é bem mais fácil do que quando não se tem dinheiro nem se pode contar com patrocínios. Então, é agradecer aos poucos apoios que a produção recebe e a um grupo de “malucos abnegados” que resolve “partir para a luta” e “entrar de sola”; fazer com o que se tem à mão.



E o que se tem à mão? Em primeiro lugar, um excelente texto, que pode “enganar” – surpreender positivamente – quem vai ao Teatro e acha que encontrará a personagem LADY MACBETH à sua frente. Uma palavra, da SINOPSE abaixo – “inspirado” – faz toda diferença. O espectador não verá encenada a história da esposa do protagonista de um texto shakespeariano, o nobre escocês Macbeth, que o convenceu a matar o rei Duncan e se tornar, o casal Macbeth, rei e rainha da Escócia, usurpadores do trono, sendo que a mentora do crime acaba, severamente, atormentada pela culpa, morrendo, na parte final da obra, aparentemente por suicídio. Na encenação em tela, o remorso, a culpa são, tão-somente, “combustíveis” para uma série de reflexões, que vão de acusações a lamentos, de hipóteses a teses, de dúvidas a constatações...



 

SINOPSE:

O espetáculo é inspirado na famosa personagem de Shakespeare, LADY MACBETH, de uma de suas mais famosas e encenadas tragédias: “MACBETH”.

O monólogo, inédito e escrito em tom de paródia, aborda, com humor sarcástico e debochado, questões essenciais da nossa condição humana, como poder, abuso de poder, ambição desmedida e maldade.

Na sua verborragia e barroquice, LADY MACBETH escancara suas verdades e dialoga com seus fantasmas, confrontando-nos e devolvendo-nos ao nosso “buraco de ambiguidades”.

“O belo é podre e o podre é belo”. (Shakespeare.)

Sua vilã cômica atravessa os séculos e aporta, antropofagicamente, no Brasil contemporâneo.

 

 



     O texto, de extrema qualidade, foi escrito por CRISTINA MAYRINK, o primeiro, praticamente, de muitos que espero vir por aí, visto que CRIS estreou, na dramaturgia, com o pé direito, embora já tivesse roteirizado “alguma coisa”, sem, contudo, a grande importância desta obra. O processo de “gestação” da dramaturgia é muito interessante. CRIS sempre teve uma ligação forte com a literatura, no sentido de ler e, também, de escrever “coisas”, como ela própria me disse, numa rápida entrevista, via “zap”. Também havia, de sua parte, a intenção de levar, para a cena, trabalhos autorais, nos quais pudesse se envolver, de uma forma nova, com o texto. Já havia feito alguns ensaios, anteriormente, em adaptações, para o palco, de uma literatura não dramática.



CRIS estava passando por um momento difícil, em família, casos de doença, e com o advento da pandemia de COVID-19, viu, no confinamento e na falta de liberdade por que passamos, todos, a possibilidade de escrever uma peça de TEATRO, como uma válvula de escape para tanta pressão emocional. Percebeu que boa parte da sua, podemos dizer, angústia também encontrava "robustez" no péssimo momento político e social que atingia o mundo inteiro e, principalmente, estava à nossa volta. A toda hora, dava-se conta de que tanta maldade, perversidade, supervalorização do poder espúrio e usurpação desse mesmo poder estavam nos sufocando. Tão logo pôde voltar a dar suas caminhadas na praia, chegavam-lhe, à mente, frases que tinham a ver com tudo aquilo, as quais ela foi registrando, armazeando, no seu aparelho celular, levando-as, posteriormente, para mostrar à sua analista. Esta gostou do que lia e incentivou-a a transformar tudo aquilo numa peça de TEATRO.



Mostrou, a outras pessoas, amigos e gente de TEATRO, não o texto final de “O SOM E A FÚRIA DE LADY MACBETH”, o qual foi aprimorando, aos poucos, mas algo já bem parecido com o que pode ser visto no palco. Uma dessas pessoas foi o ator DIOGO CAMARGOS, seu velho companheiro de palco, na época de “Cia. Os Fodidos Privilegiados”, consagrado grupo teatral sobre o qual falarei adiante. Não só DIOGO gostou muito do texto como também se ofereceu para dirigir uma sua possível montagem, ainda que a ideia inicial não fosse escrever um monólogo, mas criar outros personagens, um dos quais seria dedicado ao ator. Marcaram uma leitura, que aconteceu às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e ficou estabelecido que seria um solo e que DIOGO entraria, no projeto da montagem, como seu diretor. Mas tudo precisou ser interrompido durante um pouco de tempo, por conta de um momento “de pico” nos problemas domésticos em que CRIS estava envolvida e ficou combinado que seria postergado para o segundo semestre de 2022.



Para escrever o texto, CRIS se valeu de muita leitura e um profundo processo de pesquisa; pensar sobre a maldade, a crueldade, mas com muito sarcasmo e deboche. Durante o trabalho de escrita, chegava-lhe à cabeça a ideia de promover uma "catarse no palco", baseada na sua afirmativa, inclusive dita em cena, de que “o mal que não se leva para a cena envenena e apodrece o corpo”, sempre firme à sua teoria de que “a arte, principalmente o TEATRO, é o lugar onde as pessoas se renovam, se libertam e transformam as coisas”.



Achei ótima a escolha do viés que a autora seguiu, na escrita de sua obra, ou seja, explorando o formato e o estilo da paródia, abordando temas sérios com uma dosada e muito bem selecionada porção de humor sarcástico e debochado, como já mencionado na SINOPSE acima. Por utilizar uma linguagem bem simples e, portanto, acessível a pessoas de várias idades e formação intelectual, com o emprego de gírias e expressões do nosso quotidiano, a autora consegue estabelecer um elo muito forte com o público, contando com a sua total cumplicidade. Não acredito que alguém deixe de “comprar” a brilhante ideia da dramaturga, que, também, é a idealizadora do projeto, além de atuar.



Em busca de um sucesso, de público e de crítica, a opinião desta muito menos importante do que a aceitação popular, já temos um texto que merece ser encenado. Era preciso que “entrasse na dança” um bom diretor, aqui representado por DIOGO CAMARGOS, também ator, cujo trabalho, neste campo, eu já conhecia e o qual sempre aplaudi. Cheguei até DIOGO, ou ele até mim, em 2013, quando o ator foi uma das grandes promessas, hoje tornada realidade, do TEATRO BRASILEIRO, subindo ao palco com um espetáculo, também um monólogo, “Big Jato”, adaptação, para os palcos, de um recém-lançado livro, à época, do escritor Xico Sá, campeão de vendas. Nessa montagem, DIOGO interpretava treze personagens, na história de um menino e sua percepção do mundo, obtida de dentro da boleia de um caminhão de seu pai, um “limpa-fossas”, chamado “Big Jato”. O enredo se passava no interior do Ceará, mais propriamente, no Vale do Cariri, narrando a passagem da criança para a vida adulta, de uma maneira lúdica e bem humorada, com uma linguagem bastante peculiar a um menino. De lá para cá, tive a oportunidade de vê-lo em outros trabalhos, porém nunca à frente de uma direção. Esta sua primeira, a que eu tenho acesso – não sei se já assinou outras -, serviu para que o jovem diretor abrisse a porta que pode consagrá-lo, futuramente, na função de “maestro”, numa montagem teatral. Agradou-me muito a estética de seu trabalho. Quando não há dinheiro, a compensação só pode vir no rastro de muita criatividade, simplicidade e bom gosto, ingredientes que, aqui, DIOGO trouxe para a cena, com ótimas marcações e ideias, para a resolução de tudo o que é enfocado. Confidenciou-me CRISTINA MAYRINK que DIOGO, muito empolgado com o trabalho, à medida que lia o texto, com ela, já ia falando de várias ótimas ideias, para a encenação, todas postas em prática.


Cristina Mayrink e Diogo Camargos.

(Foto: autoria desconhecida.)


O espaço cênico do Teatro Glaucio Gill só não é totalmente nu, porque há dois ou três objetos, pequenos, que são utilizados em algumas cenas, e por dois “banners” que a atriz pega, no espaço que seria destinado às coxias, e os expõe, com dois ótimos “textos-protesto”. Aqui, o cenário, realmente, não faz a menor falta. O figurino, assinado por LETÍCIA BIROLLI é bem simples e interessante, considerados os parcos recursos para a sua execução, e um elemento que se destaca bastante, nesta montagem, é o desenho de luz, criado por DIOGO CAMARGOS, que “dialoga” muito bem com a atriz. DIOGO também é responsável pelo desenho de som e por uma trilha sonora totalmente adequada às cenas em que a música divide o protagonismo com a atriz. Divide? Não! Está presente, com a atriz, a qual demonstra de verdade, “ser do ramo”. Também é o mínimo que se espera de uma discípula de Antônio Abujamra, fundador da, já citada, “Cia. Os Fodidos Privilegiados”, que, durante muitos anos, foi uma das melhores referências, no TEATRO BRASILEIRO, e que, até hoje, vez por outra, ainda nos apresenta um trabalho novo ou um “revival”. Abujamra, o velho e bom Abu, presente no subtítulo desta crítica, foi mestre de tanta gente de talento, como CRISTINA MAYRINK. Ele é citado, na peça, e homenageado, como bem o merece, assim como outros grandes nomes do TEATRO BRASILEIRO. É excelente o trabalho da atriz!



Formada pela CAL – CASA DAS ARTES DE LARANJEIRAS, em 1991, integrou a “Cia. Os Fodidos Privilegiados”, por 20 anos, tendo marcado presença em diversos e importantes espetáculos, como “Édipo Unplugged”, “Escravas do Amor” e “Comédia Russa”. Criou a “Mayrink Produções”, a partir do desejo de produzir e realizar projetos artísticos autorais no TEATRO e no cinema.

 


 

FICHA TÉCNICA:

Idealização, dramaturgia e atuação: Cristina Mayrink

Direção: Diogo Camargos

 

Figurino: Letícia Birolli

Desenho de Luz e de Som: Diogo Camargos

Operação de Som: Camila Camargos

Operação de Luz: Pedro Domingos

Assessoria de Imprensa: Maria Fernanda Gurgel

Fotos: Nando Machado

 

 



SERVIÇO:

Temporada: De 07 a 28 de novembro de 2022.

Local: Teatro Glaucio Gill.

Endereço: Praça Cardeal Arcoverde s/nº - Copacabana (Ao lado da estação Arcoverde, do metrô.).

Telefone: (21)2332-7904.

Dias e Horários: Sempre às segundas-feiras, às 20h.

Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).

Lotação: 150 lugares.

Classificação Etária: 14 anos.

Duração: 60 minutos.

Gênero: Monólogo Cômico.

 



    Vivo repetindo que ir a um Teatro, com uma determinada expectativa, e encontrar aquilo que espera ver é bom. Ir a um Teatro, com uma expectativa, e sair dele frustrado e arrependido de ter ido, perdido o seu tempo, é muito triste e desagradável. Ir a um Teatro, com uma expectativa, e os responsáveis pelo projeto lhe entregarem algo muito além do que se esperava é muitíssimo bom. Mais do isso, é ótimo, como aconteceu comigo, ao deixar o Teatro Glaucio Gill, numa noite de segunda-feira, depois de ter assistido ao solo “O SOM E A FÚRIA DE LADY MACBETH”.

 

 





 

 

FOTOS: NANDO MACHADO

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTO: SANDRA NEY)

 

 


Com Cristina Mayrink, Diogo Camargos 
e Wagner Corrêa de Araújo.

 

 

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