ROMEU
&
JULIETA
(O AMOR QUE BROTOU DO ÓDIO, INFELIZMENTE, TARDE
DEMAIS.
ou
DE COMO UMA VIAGEM POR MAIS
DE QUATRO SÉCULOS TERMINA EM SUCESSO.)
Há
temas que nunca sairão da moda, que existem desde que o Homem é Homem e continuarão
a existir por toda a eternidade. Merecem, por isso mesmo, ser cantados,
louvados, soprados aos quatro cantos do vento, principalmente se esse tema é o AMOR, já tão decantado pelos maiores
escritores, compositores, artistas, em geral, em prosa, em verso e em todas as
mídias. Junto com ele, infelizmente, vêm sempre as suas mazelas, o preço altíssimo
que ele, muitas vezes, cobra, para vencer seus inimigos e obstáculos. Amar é
muito bom, mas não é fácil. Mantê-lo vivo é mais difícil ainda.
Talvez,
com 99,99999...% de chance de
acertar, a mais linda, triste e conhecida história de AMOR, o sentimento mais nobre que a Humanidade conhece, date de mais
de quatro séculos (não se sabe,
exatamente, quando foi escrita, mas calcula-se que tenha sido concebida entre 1591
e 1595), surgida do inquestionável gênio da poesia e da dramaturgia universal, WILLIAM SHAKESPEARE, o BARDO inglês.
Minhas
críticas costumam ser bem extensas, porém esta, na medida do possível (não garanto), não terá, proporcionalmente,
a extensão dessa comovente história de amor e, menos ainda, a magnitude desta
brilhante montagem, uma produção de nos deixar orgulhosos do
nosso TEATRO, mormente o MUSICAL.
Não há nenhuma razão especial para tentar ser breve, a não ser que estou
precisando exercitar o meu poder de síntese, prometendo, entretanto, não omitir
uma vírgula de elogios que o espetáculo mereça e não garanto que vá conseguir conter as
minhas emoções.
Pensei
até em omitir a sinopse da peça,
pois é, praticamente, impossível imaginar alguém que não conheça este clássico
da literatura dramática universal,
contudo, para não fugir à estrutura que utilizo nos meus escritos, aqui vai
ela, a mais condensada possível (Não riam; não é piada.):
SINOPSE:
ROMEU (TIAGO MACHADO) E JULIETA (BÁRBARA SUT) são os protagonistas dessa história de amor,
que se passa na encantadora cidade de Verona,
na Itália, no século XVI.
Dois jovens adolescentes
se apaixonam profundamente, mas não sabem quem são; um e outro pertencem a famílias
arquirrivais, com um longo histórico de lutas, por conquistas, as mais diversas,
e muito ódio recíproco de seus ascendentes. Mas o fato é que os dois se
enamoram.
ROMEU, que pertencia à família dos MONTECHIO, pretendia se casar com a jovem Rosalina, que não aparece, fisicamente, na história, a quem jurava
amor eterno, entretanto o destino cuidou de mudar o rumo das coisas, quando o
rapaz conhece JULIETA, a única e
formosa filha do casal CAPULETO,
mudando, imediatamente, de ideia, com relação a desposar Rosalina. Amor fulminante (Ou
seria paixão juvenil?), de adolescentes, tão logo se “conhecem”, decidem se
casar.
O encontro do jovem casal
ocorreu num baile de máscaras, na casa dos Capuleto,
o último lugar do mundo em que ROMEU
seria bem-vindo, tanto que penetrara no baile de forma clandestina, mascarado,
como pedia a indumentária.
Mal sabiam os dois que “o amor e o ódio se irmanam na fogueira das
paixões” (Tunai).
Vendo, naquela relação,
que parecia a mais sincera possível, o único caminho para terminar com a guerra
entre as duas famílias, para que a paz voltasse a imperar em Verona, FREI LOURENÇO (CLÁUDIO GALVAN), grande amigo e confidente de ROMEU, no dia seguinte, celebra,
secretamente, o casamento dos dois apaixonados, após uma combinação, que contou
com a participação da AMA (STELLA MARIA
RODRIGUES) de JULIETA, sua
confidente e “alcoviteira”.
Tudo poderia ter seguido às mil maravilhas, mesmo com uma
posterior possível, e esperada, reação de desaprovação e indignação de ambas as
famílias, o que de nada adiantaria, visto que o casamento já teria acontecido,
não fosse um duelo, ocorrido, na praça central da cidade, entre TEOBALDO (PEDRO CAETANO), primo de JULIETA, MERCUCCIO (ÍCARO SILVA), amigo de ROMEU, e este próprio, o qual tentava, a todo custo, apartar a
briga.
O resultado dessa contenda
foi o tombamento de MERCUCCIO,
ferido de morte por TEOBALDO, e
este, em represália, também morto, por ROMEU,
que se desespera, diante daquele duplo homicídio.
Surge, então, o PRÍNCIPE
DE VERONA (KADU VEIGA) e, como castigo, decreta o exílio de ROMEU. Este, contrariando as ordens do PRÍNCIPE, à noite, escala todos os
muros dos jardins da residência de JULIETA,
para um encontro furtivo, que durou toda a noite, durante o qual, o casamento,
propriamente, se consumou. Foi uma linda e feliz noite de amor, antes de o
rapaz ir para Mântua, seguindo os
planos de FREI LOURENÇO.
Como era próprio da época, havia os casamentos “de
arranjo” e JULIETA já estava
prometida ao jovem PÁRIS (DIEGO LURI),
um nobre, jovem de boa cepa e, ainda por cima, amigo do PRÍNCIPE.
O pai queria que a
cerimônia se realizasse o mais rápido possível, mas a filha, já casada, ainda
que na clandestinidade, com ROMEU,
tentava, de todas as formas, “adiar o casamento indesejado”, sem ser
bem-sucedida.
Sem saber como sair
daquela enrascada, a moça resolve procurar FREI
LOURENÇO, para que ele a ajude a resolver o problema. O sacerdote oferece-lhe
uma bebida, uma espécie de elixir do sono, que, supostamente, quando ingerida,
iria fazer com que ela parecesse morta, “ressuscitando”, após um tempo. Assim a
família sepultaria a “falecida” no jazigo dos CAPULETTO.
Ato contínuo, o FREI enviou um emissário a ROMEU, com uma carta, na qual revelava
o que estava acontecendo, o seu plano. Assim, o rapaz voltaria e poderia viver,
fora de Verona, com sua amada.
Ocorre, porém, que o
portador da missiva não consegue entregá-la ao seu destinatário e ROMEU fica sabendo, por intermédio de
um criado, que sua jovem e adorada
esposa estava “morta”.
Desesperado, o infortunado
procura um boticário e compra um veneno mortal, para dar cabo à própria vida e
se encontrar com o seu amor na eternidade.
De posse da droga letal, ROMEU, dirige-se à cripta da família CAPULETO, e, lá, encontra JULIETA
“morta”, ou seja, ainda sob o efeito do sonífero. Também estava no local PÁRIS. Os dois postulantes ao amor de JULIETA lutam e ROMEU o mata. (A cena foi cortada da peça, de forma bastante
acertada, já que nada acrescentaria à história.)
Para dar fim ao seu sofrimento, o atormentado “viúvo” bebe todo o veneno, até a última gota,
e, obviamente, morre. Quando JULIETA
desperta e toma sentido do que acontecera, desesperada, apropria-se do punhal
de seu marido e se mata.
E as famílias voltam a conviver pacificamente; não se
sabe até quando, mas tudo indica que para sempre, à custa do sangue de dois
inocentes, cujo “pecado” era o AMOR.
Pena que essa aparente
união não se tenha dado, de verdade, por obra do AMOR, mas pelo caminho do ódio, ambos separados por uma tênue
linha.
O
texto clássico nos é apresentado sob a
forma de um MUSICAL e confesso que
essas inovações me deixam apreensivo. Já assisti a algumas montagens da peça,
com “leituras modernas, contemporâneas”, verdadeiros martírios, uma vez que
foram cometidas as mais cruéis heresias contra SHAKESPEARE, que deve ter dado cambalhotas homéricas no seu túmulo,
na Church of the Holy Trinity, Stratford-upon-Avon, Reino Unido.
Aguardei,
com muita ansiedade, esta montagem, fruto da LEME PRODUÇÕES ARTÍSTICAS, em parceria com a AVENTURA ENTRETENIMENTO, mas confesso, com toda a sinceridade, que
temia pelo resultado, por dois motivos, que passarei a expor.
O primeiro deles era pela grande “ousadia”,
coragem, destemor, de transformar um modelo clássico de tragédia universal, um
dos textos mais encenados no mundo, se
não for o mais, num MUSICAL,
principalmente porque “se tornou moda” e, hoje em dia, tudo acaba virando MUSICAL, sem que, muitas vezes, seus
autores, diretores e produtores tenham a menor noção do que seja um nem de como
se construir um, o que, absolutamente, não
é o caso de GUSTAVO GASPARANI, que assina este, ao lado de EDUARDO RIECHE.
O segundo dizia respeito a quem caberia a adaptação e o roteiro musical, uma vez que, a
meu juízo, e manterei sempre esta minha opinião, embora tenham atingido
grande sucesso popular – e que bom que
isso tenha ocorrido -, os dois últimos textos,
para musicais, de GASPARANI tenham
deixado muito a desejar, se comparados a tantos espetáculos maravilhosos com os
quais ele nos vem brindando ao longo de vários anos. Isso acontece e, se não
agradaram a mim, muitos os aplaudiram. Há plateia para tudo e para todos. Mas
isso são águas que um rio já carregou e se diluíram no oceano. O que importa é “ROMEU & JULIETA”.
Reputo de perfeita a adaptação, a releitura da
dupla de autores, para o clássico shakespiriano.
A dupla foi extremamente cirúrgica, em respeitar o texto original, mantendo o que seria possível da linguagem do Bardo, fazendo pequenas e ótimas
adaptações e, o mais importante, cortando todas as gorduras, totalmente “cortáveis”,
que, se mantidas fossem, tornariam o espetáculo muito longo e, provavelmente,
enfadonho, de tanto que já assistimos a elas. Tudo o que era necessário, para
que a história fosse contada, sem mutilações, com dinamismo e despertando o
interesse do público para a próxima cena, foi conservado, e muito bem
conservado. Foram felicíssimos GASPARANI e RIECHE.
É claro que,
cercado por um exército de excelentes profissionais colaboradores, GUILHERME LEME GARCIA, realizou uma direção impecável, trabalhando o
potencial de cada ator, dos protagonistas
aos que interpretam personagens
coadjuvantes, e nada sobra ou falta em cena. Suas marcações são excelentes,
o perfil de cada personagem, dos principais,
na trama, está revelado na medida certa; não há estereotipias, não há pieguice,
não há falsidade. Tudo soa verdadeiro e, por conseguinte, emociona e faz o
público acreditar naquela história, tão bem contada por um elenco de profissionais de grande estirpe.
Há cenas,
que, mais por conta das ideias da direção,
ficarão marcadas, para sempre, nas nossas retinas, como a do casamento, que
encerra o primeiro ato. Com relação a esta, veio-me à cabeça um ensinamento,
que aprendi, com dois magos desse
gênero de TEATRO: “Num
MUSICAL, a última cena do primeiro ato deve ser muito ‘para cima’, para que o
espectador não se levante, vá ao banheiro e tome o caminho de casa”. Já
tive a oportunidade de fazer este comentário em outra crítica. “O
ideal é que o espectador se levante, para esticar as pernas, vá ao banheiro,
tome seu cafezinho rapidamente, ávido para voltar ao seu lugar, a fim de ver onde
aquele rio vai desaguar. É preciso que ele sinta interesse pelo segundo ato,
fique curioso pelo prosseguimento da trama e pelo final da história”.
GUILHERME faz exatamente isso. A tal cena do
casamento é de arrepiar, de uma beleza plástica indescritível, ao som de uma
canção belíssima (“Vilarejo”), na
qual se destaca o incomensurável talento vocal de CLÁUDIO GALVAN. É difícil conter as lágrimas.
Pensam que eu ia deixar de mencionar a
famosa cena do balcão e a do despertar da noite de núpcias? Como omitir duas
das mais belas cenas da peça e, em especial, desta montagem? Mas não vou me
deter nelas, para não lhes roubar o prazer de vê-las ao vivo.
“VILAREJO”
Há um vilarejo ali, / Onde areja um vento bom.
Na varanda, quem descansa / Vê o horizonte deitar no chão.
Pra acalmar o coração, / Lá, o mundo tem razão.
Terra de heróis, lares de mãe, / Paraíso se mudou para lá.
Por cima das casas, cal; / Frutas em qualquer quintal.
Peitos fartos, filhos fortes, / Sonhos semeando o mundo real.
Toda a gente cabe lá: / Palestina, Shangri-lá.
Vem andar e voa / Vem andar e voa / Vem andar e voa...
Lá, o tempo espera; / Lá, é primavera.
Portas e janelas ficam sempre abertas, / Pra sorte entrar.
Em todas as mesas, pão. / Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos / E essa canção.
Tem um verdadeiro amor, / Para quando você for.
(Compositores: Carlinhos Brown / Marisa Monte /
Pedro Baby / Arnaldo Antunes
Por sua
natureza, a peça, originalmente, é um pouco arrastada, com exceção das cenas de
lutas de espada, mas GUILHERME
imprime um ritmo moderno, de quem tem pressa, para contar a história, sem
sacrificar – REPITO – o original do roteiro. É coisa de quem
sabe enxergar, com os olhos do século
XXI, um clássico do século XVI.
“ROMEU & JULIETA”, a montagem aqui analisada, é daqueles
espetáculos que acontecem de vez em quando. Não é todo dia que se vê uma produção em que o que não está bom está ótimo, e o que estaria ótimo está... Alguém
sugere algum superlativo novo?
A equipe técnica brilha, nas suas áreas.
DANIELA
THOMAS assina um cenário fantástico. Ela faz, do óbvio,
o máximo, utilizando, apenas, resistentes estruturas de madeira, caixas enormes,
de tamanhos variados, em forma de cubos e retângulos, na cor cinza, imitando
paredes, das construções e das ruas de Verona,
que, também, movimentadas pelos próprios atores e o pessoal de apoio, se
transformam em interiores de casas, igreja e palácios, com o acréscimo de outros
mínimos, porém indispensáveis, detalhes, como a enorme cama, para a noite de
núpcias e uma “chuva” de flores, as quais pendem do teto, para ornamentar uma
bela cena de amor entre o casal de amantes. Se não me equivoco, é quase uma
marca de DANIELA a utilização de
formas geométricas, nos seus trabalhos
cenográficos, o que muito me agrada, pela simplicidade e criatividade,
como, no caso, em que peças ganham uma utilidade e beleza, em cena, o que é difícil
de ser explicado. É lindíssimo o seu cenário.
Esse toque sombrio é quebrado por alguns elementos, nos momentos exatos para
tal.
JOÃO
PIMENTA, um dos principais nomes da moda masculina e
sustentável, estava inspiradíssimo, quando desenhou
os figurinos da peça. São uma
atração à parte. De verdade. Um encanto, um bálsamo, para os olhos e para a
alma. TODOS, sem nenhuma exceção,
tanto na beleza plástica quanto na qualidade do material empregado, assim como,
também, no fino acabamento das peças. Um dos meus muitos defeitos é não saber
descrever, com detalhes, o que desejo, o que me causa muita frustração. Talvez
seja por não saber por onde começar, diante de tanta beleza. Todos os muitos figurinos trazem um requinte e um
encantamento que, em muito, contribuem para deixar a plateia boquiaberta, com
tanto apelo visual de finíssimo bom gosto.
Os figurinos
põem em relevo uma das cenas mais bonitas e ousadas da peça, que é a do baile
de máscaras, do qual ROMEU desfruta,
na condição de “penetra”. Todos os figurinos
são brancos, a cor da paz, com muitos brilhos e bordados, sendo que o único que
destoa, na cor, apenas, cinza, por motivos óbvios (era o único indesejável
naquela festa), o único “estranho no ninho”, é o de ROMEU, também de um deslumbramento ímpar.
A ideia de transformar um imenso lençol,
que cobria o leito nupcial, num esvoaçante e sensualíssimo vestido para JULIETA, é um dos pontos altos deste figurino, que, na maior parte da peça, aparece em tons escuros e pastéis: marrom, bege, cinza e, até, preto, com lugar
para os brilhos, dourados e prateados, acompanhados de uma verdadeira “orgia”
de requintados bordados, aplicações de rendas e adornos de metais.
Poderia ficar, aqui, dissertando sobre esse importantíssimo
elemento da montagem, tentando descrevê-lo, e jamais conseguiria passar, a quem
me lê, a emoção e o prazer que causaram aos meus olhos. Confiram!
O desenho de
luz, criado por MONIQUE
GARDENBERG e ADRIANA ORTIZ, a
experiência e a soma do cinema com
o TEATRO, respectivamente, se
encarrega de pontuar, com precisão, cada uma das cenas, de acordo com as
necessidades impostas pela situação. A
luz dialoga com a cenografia. Os cubos e os demais sólidos se deslocam,
muitas vezes, e a luz vai formando
sombras, exigidas, para criar um clima de suspense e/ou de perigo, da mesma
forma como ganha brilho e intensidade, além de colorido, nas cenas de amor, de
felicidade. Para iluminar as passagens de lutas, há uma luz diferente, móvel, que acompanha os bruscos movimentos dos
contendores, ampliando-os. A luz encontrada para a cena da noite de núpcias é
um achado, de uma lindeza e funcionalidade a toda prova. Corresponde a um bom
percentual para o clima da cena. Um belíssimo
trabalho de iluminação!!!
Na parte musical, muitos aplausos são
direcionados a alguns profissionais. À boa direção
musical, de APOLLO NOVE,
passando pela excelente seleção das canções que formam a trilha sonora, de responsabilidade de GUSTAVO GASPARANI, com as letras de todas as canções se encaixando
perfeitamente nas cenas (É muito importante que fique bem claro que a trilha não é feita, exclusivamente, de canções compostas por MARISA MONTE.
A maioria sim, por ela, sozinha, ou com seus parceiros, entretanto a verdade é
que as 25 canções são do repertório da
consagrada cantora.), chegando aos fantásticos arranjos vocais, da lavra de um dos mais competentes profissionais
do ramo, JULES VANDYSTADT, que também
fez alguns arranjos adicionais,
junto com GABREIEL GRAVINA. Os dois
e APOLLO NOVE assinam os arranjos musicais.
Uma
característica da obra de arranjador
vocal de JULES VANDYSTADT, que
me agrada profundamente, pelo trabalho de pesquisa e pelos resultados finais
alcançados, é a utilização do chamado “mashup”,
que consiste em “misturar duas ou mais canções, normalmente utilizando-se a
transposição do vocal de uma música em cima do instrumental de outra, de forma
a se combinarem”. JULES fez
isso, de forma primorosa, em “Beatles
num Céu de Diamantes”, completando dez anos em cartaz, este ano, com as
canções “Yesterday” e “Let It Be”, dos Beatles; repetiu a dose, em “O
Homem no Espelho”, atualmente em cartaz, com canções de Michael Jackson; agora, descobre como
utilizar tal recurso, mesclando “Infinito
Particular” (Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes) e “Cérebro
Eletrônico” (Gilberto Gil). Ficou
lindo!!!
As vinhetas, que são utilizadas para dar
tempo às mudanças de cenários, são de grande utilidade e bom gosto. A música é fundamental, obviamente, em
qualquer espetáculo de TEATRO MUSICAL;
aqui, porém, ela ganha um relevo acima das expectativas.
Na sombra da música, vem a coreografia, outro elemento de destaque num musical. Gostei bastante da que vi, assinada por TONI RODRIGUES, que foi bastante
parcimonioso, porém competente, no seu trabalho, já que a peça não exigia uma coreografia muito sofisticada. Seu
trabalho se faz mais presente na já citada linda cena do baile, na qual TONI abusa dos rodopios e mergulha, de
cabeça, na ousadíssima ideia da direção,
de inserir um pouco de “funk” num
baile medieval. Acreditem que a cena funciona muito bem. E quem está dizendo, eu, é suspeito, pois tenho total aversão a isso a que chamam de
música. A brincadeira de GUILHERME,
contudo, quebra a pompa do original e vem como uma proposta inovadora e muito
interessante.
Para as cenas de luta, a direção contou com o correto trabalho de RENATO ROCHA.
Parabéns, também, merecem o craque FERNANDO TORQUATTO,
pelo excelente visagismo, com
destaque para os penteados e a “ousadia”, que ficou excelente, na utilização de
“dreads”; CARLOS ESTEVES, pelo desenho
de som; e VICTOR HUGO, pelo desenho gráfico. A propósito, o programa da peça é uma joia, com textos elucidativos e belíssimas fotos. É para ser guardado
para sempre, e continuo achando que, nos prêmios de TEATRO, deveria entrar a categoria “programação visual”.
Não me lembro
de ter visto, em críticas – nem nas minhas – o nome do/a responsável pela produção de elenco, a pessoa que tem o
“faro” certo, para identificar quem pode e deve fazer qual papel. Aqui, o mérito
vai para MARCELA ALTEBERG, que
tantos serviços já vem prestando ao TEATRO
MUSICAL BRASILEIRO.
Gosto de
deixar para o final, como a cereja importada do mais decorativo bolo,
o elenco, aqui atuante sem a menor
restrição, seja por parte dos protagonistas,
seja com relação aos demais personagens
principais, seja ao que cabe a cada um dos personagens coadjuvantes ou elenco de apoio.
Em primeiro
lugar, é fantástica a ideia de escolher, para a protagonista, uma atriz negra, BÁRBARA
SUT. Tenho certeza de que não foi para causar discussões, provocar
celeumas. Penso que, em primeiro lugar, vem um desejo de mostrar que o AMOR enxerga a alma, não a pele. A cor
da pele é um mero detalhe. Mas também serve para esbofetear, com luva de pelica,
os preconceituosos de plantão.
BÁRBARA foi escolhida pelo seu potencial
de artista, quer como atriz, quer como grande cantora, dona de uma afinação perfeita
e uma voz encantadora, sem falar na sua presença de palco. Para a atriz, deve
ter sido um grande desafio compor a personagem, já tão “estigmatizada”, no bom
sentido, se é que ele existe, como a cândida, ingênua e pura donzela de priscas
eras. BÁRBARA encontrou o tom exato
da pureza de sua personagem, da verdade do seu sentimento e do destoar, na
medida certa, das atitudes e posições de uma adolescente, numa Itália medieval. Impressionou-me o
detalhe dos movimentos com as mãos, um recurso que a atriz encontrou para
passar toda a delicadeza da personagem. Merece
todos os aplausos que lhe são dirigidos, durante o espetáculo e ao seu final.
THIAGO MACHADO é um dos mais completos
atores de musicais deste país. Seu
currículo é extenso e só comporta grandes espetáculos, em muitos dos quais ele
foi o protagonista ou um dos personagens principais. É um grande ator, excelente
cantor e dono de um carisma só dele. Ganha a plateia logo na cena inicial, em
que atua sozinho, cantando, no proscênio, “Ontem
ao Luar”, de Pedro Alcântara e Catulo da Paixão Cearense, ainda com
as cortinas fechadas. Saber encontrar o tom exato de atuação para ROMEU, assim como já me referi à personagem
JULIETA, é um grande desafio para
qualquer ator. THIAGO parece ter
sido talhado para este ROMEU. É
excelente a “química” entre ele e BÁRBARA.
Ator tem cor? Não! Ator tem talento. Acertadíssima
a escolha de ÍCARO SILVA, um grande
ator negro, para viver MERCUCCIO,
um dos principais personagens da trama. Que domínio de cena tem o ÍCARO! Como sabe dizer um texto e como domina a arte de falar só
pelas expressões faciais! Grande
talento!!!
STELLA MARIA RODRIGUES talvez fosse, do
elenco, quem mais cuidado deveria tomar, para que sua personagem não caísse no
vulgar ou, no mínimo, no estereótipo do “gaiato”. Já vi muitas atrizes, no
papel, sendo ridículas. Isso porque a personagem, AMA, carrega um grande componente de humor, porém tem de ser refinado,
não escrachado. STELLA está brilhante no papel, sem falar de
seus atributos como cantora, com destaque para um lindo dueto com CLÁUDIO GALVAN.
O humor da personagem
não é exagerado e ela, como sempre, cai no gosto do público, por ajudar a
“mocinha”. Nesta versão, que, nas entrelinhas, passa toda uma crítica social
aplicada aos dias de hoje, cabe espaço para que STELLA, numa determinada cena, cujo teor me escapa, mas a essência
não, solta um “NÃO É NÃO!”, bordão
que se tornou um termo de resistência contra o machismo, em defesa das mulheres,
de grande apelo popular, muito bem proferido pela atriz, e que, merecidamente,
arranca muitos aplausos do público.
Já me referi,
mais de uma vez, nestes escritos, a CLÁUDIO
GALVAN, de quem aprendi a gostar e cujo talento passei a admirar muito desde
o inesquecível musical “Império” (2007),
de Miguel Falabella e Josimar Carneiro, no qual GALVAN interpretava o pintor Debret. De formação em canto lírico, atuando
em óperas, CLÁUDIO também representa,
dignamente, todos os personagens que lhe caem às mãos, como já o vi em tantos
outros musicais e, agora, muito
feliz, o reencontro neste “ROMEU &
JULIETA”.
KACAU GOMES faz uma corretíssima SRA. CAPULETTO, submissa ao marido e
dedicada à filha. Atriz e cantora das mais requisitadas para musicais, é bastante emocionante a
pequena cena em que ela faz um solo “a capella” e quando, também, sola, de modo marcante, acompanhada pelos colegas de cena, "Panis Et Circenses".
MARCELLO ESCOREL, não tão habituado a musicais, executa uma boa “performance”, como o SR. CAPULETTO. Pode, e deve, se
arriscar a outros.
Encantou-me,
profundamente, o trabalho de PEDRO
CAETANO, como TEABALDO. Já o vira
em outras atuações, em papéis de menor relevância, mas ele já estava por
merecer um bom personagem, como o de primo da protagonista. Permito-me, aqui, uma repetição: Ator tem cor? Não! Ator tem talento. E que mal há em escalar um
negro numa família de brancos. Achei maravilhosa a ideia, pelo rendimento de PEDRO, em cena, como ator e cantor. E
de que linda e potente voz ele é dono! Desde sua primeira aparição de peso,
passei a esperar por suas novas cenas. Lindo
trabalho!
BRUNO NARCHI, na pele de BENVOGLIO; NEUSA ROMANO, como a SRA.
MONTECCHIO e ELENCO; MAX GRÁCIO, o SR. MONTECCHIO e ELENCO; KADU
VEIGA, o PRÍNCIPE e ELENCO; DIEGO LURI, PÁRIS e ELENCO; e SAULO SEGRETO, PEDRO e ELENCO, acenam com seus talentos nas
cenas em que tomam parte mais diretamente.
Completam o numeroso e talentoso elenco, de 24 atores, todos dando conta de suas
funções, FRANCO KUSTER, GABRIEL VICENTE, LAURA CAROLINAH, LUCI
SALUTES, THIAGO LEMMOS, VÍTOR MORESCO, GABI PORTO, SANTIAGO VILLALBA,
NATÁLIA GLANZ e DANIEL HAIDAR.
FICHA TÉCNICA:
Concepção
e Direção: Guilherme Leme Garcia
Adaptação
e Roteiro Musical: Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche
Colaboração
Artística (Preparação do Elenco): Vera
Holtz
Direção
Musical: Apollo Nove
Direção
Vocal: Jules Vandystadt
Arranjos
Musicais: Apollo Nove, Jules Vandystadt e Gabriel Gravina
Arranjos
Adicionais: Jules Vandystadt e Gabriel Gravina
Elenco:
Bárbara Sut (Julieta), Thiago Machado (Romeu), Ícaro Silva (Mercuccio), Stella
Maria Rodrigues (Ama), Cláudio Galvan (Frei Lourenço), Marcello Escorel (Sr.
Capuleto), Kacau Gomes (Sra. Capuletto), Bruno Narchi (Benvoglio), Pedro Caetano (Teobaldo), Diego Luri
(Páris), Kadu Veiga (Príncipe), Max Grácio (Sr. Montecchio), Neusa Romano (Sra.
Montecchio), Franco Kuster, Gabriel Vicente, Laura Carolinah, Luci Salutes,
Saulo Segreto, Thiago Lemmos, Vitor Moresco, Gabi Porto, Santiago Villalba,
Daniel Haidar e Natália Glanz.
Coreografia:
Toni Rodrigues
Preparação
de Lutas: Renato Rocha
Cenário:
Daniela
Thomas
Figurino:
João Pimenta
Visagismo:
Fernando Torquatto
Desenho
de Luz: Monique Gardenberg e Adriana Ortiz
Desenho
de Som: Carlos
Esteves
Desenho
Gráfico: Victor Hugo
Fotos de Estúdio: Fernando Torquatto
Fotos de Cena: Felipe Panfili
Fotos de Estúdio: Fernando Torquatto
Fotos de Cena: Felipe Panfili
Produção
de Elenco: Marcela Altberg
SERVIÇO:
Temporada: De 9 de março a 27 de maio de 2018
Local: Teatro Riachuelo Rio
Endereço: Rua do Passeio, 40 - Cinelândia - Centro - Rio de Janeiro - RJ
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às
18h
Vendas: www.ingressorapido.com.br
Preços
(valores de entrada inteira): 6ª feira: Plateia VIP - R$140,00; Plateia - R$120,00;
Balcão Nobre - R$100,00; Balcão - R$50,00
Sábado
e domingo: Plateia VIP - R$ 160,00; Plateia - R$ 140,00; Balcão Nobre - R$
120,00; Balcão - R$ 50,00
Capacidade: 1000 lugares
Duração:120 minutos
Classificação Etária: Livre
Gênero: Tragédia Romântica
Se
for analisada “comme il faut”, uma tragédia é “pesada”, principalmente
quando os envolvidos, as vítimas maiores, são um casal de adolescentes, os
quais morrem por AMOR, entretanto o
que se vê, nesta montagem, é de uma imensa leveza, lirismo, poesia, e muitos
fatores contribuem para isso.
GUILHERME LEME GARCIA pensou num
espetáculo que agradasse aos mais velhos e aos jovens também. Com certeza,
atingirá seu objetivo, desde a estreia até o final das temporadas (merece várias e longas). As canções parecem ter sido compostas para
o espetáculo. Aliás, ANIELA JORDAN
disse isso, a MARISA MONTE, ao final
da sessão para convidados, como se MARISA
e seus parceiros fossem visionários e pensassem: “Vamos compor isto para ser
usado, futuramente, no musical “ROMEU & JULIETA”. Uma das provas
disso é quando JULIETA, que só tinha
13 anos, canta a canção “Já Sei Namorar”, querendo demonstrar,
com determinação, “já saber das coisas” (“Já
sei namorar / Já sei beijar de língua / Agora, só me resta sonhar...” – Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes). Outra é “Panis
Et Circenses”, do antológico álbum “Tropicália,
da autoria de Caetano Veloso e Gilberto Gil, uma das canções executadas
durante o baile de máscaras.
Outro
fator que vai agradar aos “novinhos” é a inclusão de um pouquinho de “funk” (Creiam: isso, no contexto do musical, não constitui uma heresia!),
caracterizando uma certa atemporalidade, um ar puxado para o “pop”. Isso pode, até mesmo, se alguém
exigir, encontrar uma explicação no desejo explícito de SHAKESPEARE, de escrever para o povo, de ir até o povo. Por que,
então, não se aproximar das massas? Chega de “elite teatral”!
O
peso de arranjos melodramáticos, mais clássicos, nesta peça, cede à leveza de
sons mais atuais, ainda que não sejam abandonados, nos arranjos instrumentais, que utilizam muitas cordas, instrumentos tradicionais,
encontrados em orquestras sinfônicas, como uma harpa e, até mesmo, um harmônio,
instrumento de difícil execução.
Encontro,
aqui, um “gancho”, para falar da excelente
banda que atua, às escondidas, sendo mostrada, apenas, na cena do baile de
máscaras, formada por CLÁUDIA ELIZEU
(maestrina e harmônio), GABRIEL
GRAVINA (teclados), ANDRÉ BARROS
(violões e bandolim), TÁSSIO RAMOS (baixo
acústico), ARTHUR PONTES (violino e
viola), FÁBIO MEG (cello acústico),
GABRIEL GUENTHER (percussão orquestral)
e GELTON GALVÃO (harpa).
Considero “ROMEU & JULIETA” uma
obra-prima, que veio trazer um frescor, um pouco de alegria a um povo tão
massacrado, como o carioca, por tanto de mal que nos tem acontecido. O musical é uma válvula de escape, para
um respirar mais puro. Durante o tempo do espetáculo, o “mundo mau” fica lá
fora e, apesar de estarmos assistindo a uma tragédia, constatamos, bem ou mal,
a vitória do AMOR.
Obviamente, não poderia faltar uma exaltação à produção do espetáculo - LEME PRODUÇÕES ARTÍSTICAS e AVENTURA ENTRETENIMENTO -, pelo esforço hercúleo que possibilitou a concretização de um sonho, há tanto tempo, acalentado por GUILHERME LEME GARCIA e que encontrou eco na AVENTURA. A produção não mediu esforços para erguer o espetáculo. Foram muitos meses de trabalho diário, da formação do elenco, passando pelos ensaios, até chegar à linda estreia. Um belíssimo trabalho de uma produção que administra os ofícios de mais de uma centena e meia de bravos e competentes profissionais.
Obviamente, não poderia faltar uma exaltação à produção do espetáculo - LEME PRODUÇÕES ARTÍSTICAS e AVENTURA ENTRETENIMENTO -, pelo esforço hercúleo que possibilitou a concretização de um sonho, há tanto tempo, acalentado por GUILHERME LEME GARCIA e que encontrou eco na AVENTURA. A produção não mediu esforços para erguer o espetáculo. Foram muitos meses de trabalho diário, da formação do elenco, passando pelos ensaios, até chegar à linda estreia. Um belíssimo trabalho de uma produção que administra os ofícios de mais de uma centena e meia de bravos e competentes profissionais.
Várias
traduções existem para a obra, mas termino esta crítica com quatro, que conheço, das que foram feitas para a(s)
última(s) frase(s) da peça:
“Uns serão perdoados, outros serão punidos,
pois jamais história alguma houve mais dolorosa do que a de JULIETA e do seu
ROMEU.”!
“O sol, magoado, não aparecerá, pois nunca
houve história tão triste como esta de JULIETA e seu ROMEU!”.
“O amor
é dos suspiros a fumaça; puro, é fogo, que os olhos ameaça; revolto, um mar de
lágrimas de amantes... Que mais será? Loucura temperada, fel ingrato, doçura
refinada!”.
“Jamais
história alguma houve mais dolorosa / Do que a de JULIETA e a do seu ROMEU!”.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA A DIVULGAÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO!!!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA A DIVULGAÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: FERNANDO TORQUATTO
e
FELIPE PANFILI.)
e
FELIPE PANFILI.)
(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS DE ALEXANDRE POMAZALI
e CAIO GALLUCCI.)
Muito obrigado Gilberto pela completa e excelente crítica. Grato em saber que estamos no caminho certo. Um abraço!
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