A PEÇA ESCOCESA
(UM SHAKESPEARE
DO “SHOW BUSINESS”.)
Sou movido 50% pela tradição e 50% pela vanguarda (acho um bom
equilíbrio), o que, transposto para o TEATRO, significa dizer que adoro montagens que
seguem a linha convencional, estando, porém, aberto a novas propostas, mais
arrojadas, como é o caso do espetáculo aqui analisado: “A PEÇA ESCOCESA”
(VER SERVIÇO.)
Aquelas têm muito mais chance de
me agradar; com estas, tenho tido algumas profundas decepções, ultimamente, o que, de
modo algum, é o caso da peça em tela.
Contar uma história escrita há mais de quatro séculos (presumivelmente,
entre 1603 e 1607), um clássico da dramaturgia universal, de modo
ousado, destemido, intrépido, sob uma ótica genuinamente contemporânea,
expondo-se à crítica dos conservadores (Conheci, e ainda conheço, gente que seria
capaz de enfartar, ao ver a peça; ou não.) é um ato de muita coragem, que
poucos se arriscam a experimentar. MÁRCIA ZANELATTO faz parte desse
grupo.
Depois
do brilhante texto de “Ela”, que conquistou o público e a
crítica, no ano passado, com direito a prêmios e indicações a outros, MÁRCIA
nos brinda com um novo e interessante trabalho, escrito em pouco tempo, quase
que, apenas, durante os folguedos momescos, sustentado por muita pesquisa e
criatividade.
Que
fique bem claro, antes de mais nada, que é a história do general traidor, que
se tornou rei, o que se passa no palco, mas num texto novo, um outro
contexto, que só utiliza, em cena, dois personagens, o general MACBETH
(PAULO VERLINGS) e sua esposa LADY MACBETH (CAROLINA PISMEL), sendo
os demais apenas citados ou, meteoricamente, recebendo as vozes da dupla de
atores.
Trata-se de uma arrojada
releitura de um dos grandes textos escritos por WILLIAM SHAKESPEARE.
Resumindo: trata-se de uma obra original, livremente inspirada na mais curta e contundente
tragédia do bardo inglês, “MACBETH”,
concebida por PAULO VERLINGS, que
também dirige o espetáculo, em seu
segundo trabalho como diretor, e
atua, ao lado de sua mulher, CAROLINA
PISMEL.
SINOPSE:
Concebido pelo ator, diretor e produtor PAULO VERLINGS, o espetáculo trata de
ambição, jogos de poder, compensação e cobiça, dando um ponto de vista
contemporâneo às personagens MACBETH e LADY MACBETH.
VERLINGS se lança em uma investigação, na busca de uma cena fundida
entre “a palavra e a música”,
pesquisando um ponto de vista contemporâneo sobre a espetacularização da
monarquia.
Uma arena de gladiadores
contemporâneos se instaura e o público se delicia com um arrojado recorte
de um épico contemporâneo.
Sim, o espetáculo é um “épico contemporâneo”, um clássico,
contado, com tintas da modernidade, sob o formato de uma espécie de “Word Concert”, uma apresentação musical pública, na
qual participam vários cantores ou instrumentistas, ou ambos; no caso, aqui,
são dois atores/cantores, acompanhados
pela BANDA DAGDA, sobre a qual
falarei oportunamente.
De
acordo com o “release”, enviado por NEY MOTTA (assessoria de imprensa), “A dramaturgia original (...) traz
à tona vozes subterrâneas, criando uma polifonia, que transcende a ideia
de personagem. O jogo exige deslocamentos diversos dos atores, que dão
vozes desde os corcéis do Rei Duncan, decepcionados com a humanidade, até o
vozerio sobrenatural das bruxas, passando, é claro, pelos protagonistas da obra
original”.
Em seu texto, assim como no original, do século XVII, a dramaturga explora
os desejos e sentimentos inerentes ao Homem, até os mais espúrios, sórdidos, como ódio, cobiça, poder,
traição, vingança, assim como faz questionamentos sobre o ser humano, o
sujeito, e o “ser” humano, o ato de viver e agir como um.
Ainda nos diz o “release”: “Mas não é a história de Shakespeare que VERLINGS
e ZANELATTO estão encenando. Não é a história de SHAKESPEARE que os
espectadores vão assistir. Com ‘A PEÇA ESCOCESA’, a dupla procura dar voz ao que
SKAKESPEARE não disse, não pôde dizer ou quis dizer nas entrelinhas, nos
‘espaços’, nas ausências de LADY MACBETH. A dramaturga considera que ‘O Bardo’
pode ter sido censurado”. Quanto a o último detalhe, creio ser
pertinente, a julgar pela moral e pelas questões sociopolíticas da época, como
pensa a autora.
São palavras de MÁRCIA, transcritas do já citado “release”: (...) “Não quero contar a história ou adaptá-la.
Eu quero fazer ouvir a vida interior e arquetípica dos personagens, à luz do
nosso tempo (...). Por exemplo, há, na estrutura emocional da peça de
SHAKESPEARE, além do problema da ambição desmedida, que reinscrevo como uma
necessidade de compensação pelo que não se tem - já que a peça está na
transição do feudalismo para o capitalismo, o tempo do TER -, uma forte questão
de gênero, na medida em que todo poder é do homem, MACBETH, mas toda potência é
da mulher, LADY MACBETH. Meu processo de trabalho foi examinar, em MACBETH, a
gênese do homem militar, bélico, talhado para a guerra, chegando ao governo com
sua marca de matador profissional e completamente paranoico. E reinscrever LADY
MACBETH no lugar feminista, levantando a hipótese de sua ação derivar da caça
às bruxas: alçar-se à condição de rainha pode ter sido uma estratégia para
escapar da fogueira da inquisição. (...) Pra mim, e o que quero apresentar ao
público, há a hipótese de que LADY MACBETH era da linhagem das bruxas e sua
ação foi de resistência. Agora, o que temos a examinar em ‘A PEÇA ESCOCESA’, é
o que ocorre quando a resistência feminina decide jogar o jogo patriarcal”.
MÁRCIA
desvia, com muita propriedade, o foco do homem para a mulher, no momento em
que, de forma mais ativa e organizada - e já não era sem tempo - a mulher luta
por um empoderamento, que sempre lhe foi negado; mais que tudo, luta por ser
respeitada e valorizada; luta por um reconhecimento de seu valor, na sociedade,
e sua capacidade, como ser humano, e no campo profissional. Esse viés,
explorado, a fundo, na peça, é assaz interessante. Quanto a uma possível
ascendência de LADY MACBETH, no
universo das bruxas, confesso que nunca me havia dado conta dessa possibilidade,
achando-a, a partir de agora, completamente plausível.
Gostei da forma como o texto foi construído, principalmente na
arquitetura dos diálogos, enxutos e de impacto para o público, embora, para os
que não tiveram a oportunidade de conhecer o texto que deu origem ao espetáculo, o desta montagem possa oferecer
algum embaraço, para a sua compreensão, por momentos de hermetismo, principalmente
as duas cenas iniciais.
Tendo sido bem sucedido na sua primeira
experiência como diretor, na peça “Ela”, a que fiz menção anteriormente, VERLINGS chamou a si a responsabilidade
de também dirigir o espetáculo, o
que reputo uma excelente ideia. Foi dele a iniciativa do projeto, partiu dele o
acertado convite a MÁRCIA, para
materializar seu desejo. Sendo assim, considerando, ainda, o pouco tempo para
os ensaios, assumir a direção do
espetáculo foi uma opção inteligente e prática, que acabou resultando uma boa
montagem. Ele já sabia o que desejava e como chegar lá; já havia trabalhado com
MÁRCIA outras vezes. Não foi fácil
nem simples transportar a peça para o palco, porém, de certa forma, acabou “facilitando”
as coisas. PAULO VERLINGS contou com
a valiosa assistência de FLÁVIO SOUZA e ORLANDO CALDEIRA. Um bom trabalho de direção!
Seguindo a proposta do texto, PAULO partiu para um trabalho totalmente em equipe (TEATRO não se faz sozinho.), em
comunhão com a cenografia e a iluminação.
No que diz respeito à cenografia, de MINA QUENTAL, a opção foi não utilizar cenários convencionais e,
como tudo parece um grande concerto
musical, MINA obedeceu à
proposta de um ”show”, vinda da direção, e deixou as coxias vazadas,
unindo a ação aos bastidores, mantendo, em cena, apenas microfones, em seus
pedestais, e os instrumentos da banda, além de fitas elásticas, tensionadas, em
várias direções, inclusive avançando para a plateia. Segundo a consagrada cenógrafa, existem, no palco,
basicamente, dois elementos: um piso quadrado, vermelho, representando um campo
de batalhas sangrento, e as linhas elásticas, cruzando o espaço, “como
um tabuleiro em 3D, uma trama, planos imaginários”. Tudo funciona bem.
A iluminação é um elemento que se destaca, na peça. A pedido, também,
da direção, TIAGO MANTOVANI e FERNANDA
MANTOVANI criaram uma “luz de show”,
frenética, que tem, também, seus momentos de menor intensidade (poucos, para
não iluminar o que está sendo tramado, às escondidas). Na maior parte do
espetáculo, predomina uma variação de tons e arroubos, seguindo a exigência da
dramaticidade do texto. Trabalho de mestres!
PAULO VERLINGS e CAROL PISMEL apostam todas as fichas em
seus personagens e o resultado é muito
bom. Ambos parecem ter armazenado muita energia, para libertá-la no palco,
e se comportam como dois “superstars pop”,
quando cantam, e como dois atores viscerais, quando representam.
Um forte apelo visual, com um
profundo cheiro de futurismo, “à la “Barbarella”,
é o que caracteriza o magnífico figurino,
assinado por FLÁVIO SOUZA, na cor
preta e com muitos brilhos. Completa o lindo visagismo do casal o trabalho de VINI KILESSE, que mudou, radicalmente, a imagem exterior de VERLINGS e PISMEL, a começar pelos apliques de cabelo (rastafári) e a
contundente maquiagem, na qual é, fartamente, utilizado o “glitter”.
O
espetáculo é todo sublinhado por uma trilha
sonora eletrizante e de finíssimo bom gosto, originalmente surgida do
talento de RICCO VIANA, com sons que
evidenciam os sentimentos e as tramas que desfilam no palco, com momentos de um
delicioso “rock” progressivo.
Segundo me informaram, tudo foi composto durante os ensaios e em tempo recorde,
o que valoriza o trabalho de RICCO e
dos quatro excelentes jovens músicos da BANDA
DAGDA: ANTÔNIO FISCHER-BAND (teclado); ARTHUR MARTAU/KIM FONSECA (guitarras); PEDRO
VELHO (baixo); e VICTOR FONSECA (bateria).
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Marcia Zanelatto
Direção
e Concepção: Paulo Verlings
Diretor
Assistente: Flávio Souza
Assistência
de Direção: Orlando Caldeira
Elenco:
Carolina Pismel e Paulo Verlings
Músicos:
Banda Dagda (teclado: Antônio Fischer-Band; guitarras: Arthur Martau e Kim
Fonseca; baixo: Pedro Velho; bateria: Victor Fonseca)
Direção
Musical: Ricco Viana
Cenário:
Mina Quental
Figurino:
Flávio Souza
Desenho
e Técnico de Som: Luciano Siqueira
Visagismo:
Vini Kilesse
Iluminação:
Tiago e Fernanda Mantovani
Assessoria
de Imprensa: Ney Motta
Fotos:
Paula Kossatz
Vídeo:
Eduardo Chamon
Projeto
Gráfico: Raquel Alvarenga
Produção
Executiva e Marketing Cultural: Héder Braga
Direção
de Produção: MS Arte & Cultura - Aline Mohamad e Gabriel Salabert
SERVIÇO:
Temporada:
De 3 de março a 1º de abril
Local:
Caixa Cultural Rio de Janeiro - Teatro Nelson Rodrigues
Endereço:
Av. República do Chile, 230, Centro, Rio de Janeiro (Entrada pela Av.
República do Paraguai (próximo ao Metrô e VLT Estação Carioca)
Dias
e Horários: De 5ª feira a domingo, às 19h
Informações: (21)3509-9600 / 3980-3815
Valor
dos Ingressos: R$20,00 (plateia) e R$10,00 (balcão). Além dos
casos previstos em lei, clientes CAIXA pagam meia.
Lotação:
400 lugares (mais 08 para cadeirantes). Acesso para pessoas com necessidade
especial de locomoção.
Horário
de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 13h às 20h
Classificação
Indicativa: 14 anos
Duração:
60 minutos
Já ouvi alguns (poucos)
questionamentos acerca do nome da peça. Certamente, foram feitos por pessoas
que não têm grandes conhecimentos sobre a obra de SHAKESPEARE. Ocorre que, no mundo teatral anglófono, principalmente, e acabou se espalhando pelos quatro cantos do mundo, muitos
acreditam que a peça seja "amaldiçoada", atrai o azar e, por esse
motivo, nem mesmo mencionam seu nome em voz alta, referindo-se a ela como "The
Scottish Play" ("A PEÇA ESCOCESA"). Daí o título,
engenhosamente, sugerido por PAULO VERNINGS, o que pode fazer com que essa superstição acabe sendo colocada sob
holofotes.
Quem assistir ao
espetáculo, que eu recomendo, haverá de se lembrar dele pelo que traz de ousadia,
de valentia e coragem, arrojo e intrepidez, audácia e atrevimento, mas, acima
de tudo pelo que ele oferece e deixa para reflexões e pela sua plasticidade.
E VAMOS AO
TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA DIVULGAR E VALORIZAR O TEATRO BRASILEIRO!!!
(Carolina Pismel, Márcia Zanelatto e Paulo Verlings.)
(FOTOS: PAULA KOSSATZ.)
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