quarta-feira, 27 de setembro de 2017


OS SETE GATINHOS

 

(DA ARTE DE SE FAZER DE UM TEXTO RUIM UM EXCELENTE ESPETÁCULO.)

 

 

 

            Que me perdoem as “viúvas” de NELSON RODRIGUES, mas vou começar pela mesma ladainha. Conheço dois sujeitos com o mesmo nome: um cronista, outro dramaturgo. Aquele me encanta, eu o adoro; este eu abomino, com algumas raras concessões.

            Sim, já perdi a conta de quantas vezes já disse, inclusive aqui, que não gosto das peças de NELSON, sem medo das pedradas que poderão me dar. Elas nunca me atingirão, pois estou muito bem protegido daqueles que, por gosto pessoal, idolatram o dramaturgo e dos que, para não ficarem “fora da onda” embarcam nessa viagem. Não sendo “maria-vai-com-as-ouras”, defendendo a minha personalidade e coerência, pelo que entendo por ARTE, recuso-me a “concordar” com A, B ou C – ou o alfabeto inteiro, que seja -, só porque fazem parte da intelligentsia”, dos intelectuais verdadeiros ou falsos, aos quais nada devo, com as minhas opiniões, e que amam a obra dramática rodriguiana. Cada um gosta do que quiser e eu respeito o gosto alheio, mesmo que o ache duvidoso.

            Num rápido balanço, das sua 19 peças escritas, eis o meu saldo: Gosto de “Vestido de Noiva”, “Dorotéia” e “O Beijo No Asfalto”. Não gosto das outras, porém até tolero algumas, como “Anti-Nelson Rodrigues”, “Senhora dos Afogados” e “Perdoa-me por me traíres”. Definitivamente, não gosto das outras e, por duas, tenho verdadeira aversão: “Álbum de Família” e “Os Sete Gatinhos”, muito embora NUNCA me recuse a assistir a qualquer peça escrita por ele.
  









 



            O que me move a escrever sobre esta montagem de “OS SETE GATINHOS”, em cartaz no Teatro da CAIXA Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro (VER SERVIÇO.) não é, obviamente a qualidade do texto, e sim o trabalho teatral, em si, da mesma forma como fui capaz de escrever sobre “Álbum de Família”, numa brilhante concepção do Grupo Transanteontem, em abril de 2016, no Teatro Poeira.

Naquela ocasião, utilizei, como subtítulo “QUANDO O TEXTO É COADJUVANTE”. Se não me importasse em ser repetitivo, poderia usá-lo aqui, já que ocorre a mesma coisa.

            Sim, nesta brilhante montagem, dirigida por BRUCE GOMLEVSKI, o texto, para mim, é mero, “meríssimo”, coadjuvante e só serve para que o competente diretor, fazendo uso de seu talento de ótimo encenador, tantas vezes já comprovado, além do ótimo ator que é, obedecendo, logicamente, à cabeça insana do autor do texto, construísse um espetáculo de grandes qualidades, como espetáculo teatral.

            Mesmo que fosse uma outra peça, que não merecesse a minha ocupação em escrever sobre ela, seria quase certo fazê-lo, só para ter a oportunidade de registrar, com muita alegria, a reinauguração de um dos melhores Teatros do Rio de Janeiro, que já abrigou tantos sucessos, de público e de crítica, e que se manteve fechado por alguns anos, privando o carioca de mais uma sala de espetáculos, o que, infelizmente, vem ocorrendo com uma certa frequência nos últimos anos, ainda com outras idênticas ameaças por vir. Obrigado, DEUSES DO TEATRO!!!

            Talvez a peça tenha sido escolhida para a reinauguração do Teatro que leva o nome de seu autor e/ou, também, para se comemorar os 60 anos de sua escritura, em 1957.




            A esta altura, já devo ter perdido alguns leitores, mas não abro mão das minhas convicções e, para não perder mais, não me furto a dizer que reconheço alguns, poucos, aspectos interessantes no texto, algumas falas até brilhantes, no meio de um amontoado de sandices. Sobre o texto, é só o que tenho a dizer.

            BRUCE, evidentemente, um admirador da obra de NELSON, captou, com maestria, todas as intenções do autor e valorizou cada uma delas. Potencializou sua (do NELSON) loucura, com geniais “sacadas” de direção e soube, como ninguém, inserir cada ator/atriz na pele de seu personagem, o que torna a montagem excelente, como já tive a oportunidade de dizer.

            Sim, ali está, exatamente, o pensamento de NELSON; ali, está reunida uma galeria de gente doente, carente, demente e outros “-entes”. BRUCE levou cada um ao seu patamar maior de aproximação, que a ficção permite, com a realidade.

             
 
 

 
SINOPSE:
 
 
A peça conta a história da família NORONHA e, em especial, de SILENE (LOUISE MARRIE).
 
Ela é a caçula das cinco filhas de DONA ARACY (ALICE BORGES) e SEU NORONHA (TONICO PEREIRA).
 
NORONHA, que só trata a mulher por GORDA, é um contínuo da Câmara de Deputados e mora no Grajaú com a esposa e suas filhas AURORA (KAREN COELHO), HILDA (INGRID GAIGHER), DÉBORA (PATRÍCIA CALLAI), ARLETE (LUIZA MALDONADO) e SILENE, de apenas 16 anos, a caçula, motivo que a faz ser a mais mimada de todas e, por ser a única "pura", ter o direito a uma boa educação, em um colégio interno.
 
Mas, logo, a vida deles toma um rumo diferente, quando a garota é acusada, no colégio, de matar, a pauladas, uma gata grávida, de sete gatinhos.
 
A família NORONHA parece tão normal quanto qualquer outra, mas, por trás das aparências, esconde segredos inconfessáveis.
 
As quatro filhas mais velhas se prostituem, para garantir a castidade e a boa educação de SILENE.
 
A partir do incidente ocorrido na escola, descobre-se que a jovem não é pura como todos pensam.
 

 
 
 


            A montagem é da CIA TEATRO ESPLENDOR, fundada e dirigida por BRUCE GOMLEVSKY, que, pela primeira vez, não atua num elenco de uma peça apresentada por sua CIA.

            A título de esclarecimento, transcrevo um trecho do “release”, enviado por JSPONTES, assessoria de imprensa: “Aqui, em ‘OS SETE GATINHOS’, as bases da tragicomédia de NELSON RODRIGUES estão na relação virgindade / prostituição - a família apodrece dentro da ordem capitalista, prostituindo-se, cada vez mais, para conseguir mais dinheiro, ao mesmo tempo que é devorada pela nostalgia da pureza, de quando as quatro filhas prostitutas eram virgens”.

            Se me propus a escrever sobre uma peça de que não gosto – do texto, que fique bem esclarecido -, é porque apreciei muito da leitura feita pela direção, da excelente atuação do elenco e dos elementos técnicos que envolvem a montagem.
 
 
 
 


            Dentro do que propõe o texto, não poderia ser mais expressivo o fantástico cenário, de FERNANDO MELLO DA COSTA, que “apresenta uma casa de dois andares, formada por praticáveis. Todos os cômodos estão expostos ao público. Alguns elementos realistas, como cadeiras, algum mobiliário e variados objetos amontoados, compõem todos os ambientes, que exalam a decadência da família”. É, exatamente, no final da descrição, extraída do “release”, que se concentra a excelência do trabalho de FERNANDO. Ele consegue, com sua concepção cenográfica, construir um ambiente que cheira a algo podre, no reino do Grajaú.
 
 


            CAROL LOBATO, tantas vezes premiada, acertou na escolha do que utilizou para vestir os personagens, de acordo, exatamente, com suas características, físicas e psicológicas, obedecendo, obviamente, aos costumes da época em que se passa a ação.

            WAGNER PINTO, com seu projeto de iluminação, também se incorporou ao espírito da peça e nos apresenta uma luz que valoriza a cenografia e põe em destaque, sem abusar da intensidade de luz, o que deve ser destacado.

            Não encontrei qualquer falha no trabalho de direção, de BRUCE GOMLEVSKI, e creio que um de seus maiores acertos foi optar por uma trilha sonora original, executada, ao vivo, por dois músicos: FELIPE COTTA e ANDRÉ SILVESTRE. Achei genial a ideia de ambos atuarem na sonoplastia, produzindo sons marcantes, que pontuam algumas cenas inteiras ou momentos especiais destas.
 



            A ideia de utilizar o espaço da plateia, em algumas cenas, também é bastante interessante, ainda que não original. Mas, quando feito com boas justificativas, não há espaço para se discutir originalidade. Ponto positivo, também, para a iniciativa de fazer as cenas iniciais no proscênio, com o cenário ainda não à mostra.

            O elenco se comporta com uma grande homogeneidade, ninguém fora de seu personagem, com destaques para TONICO PEREIRA e ALICE BORGES.

            ALICE, que tem uma veia cômica apurada, compôs uma GORDA que sabe até onde pode ir, sem se tornar caricata. Um de seus maiores méritos é atuar fora da cena. Se repararmos na atriz, enquanto está no palco, a veremos, certamente, interpretando o tempo todo, mesmo que não participe, diretamente, da cena. Sua submissão e conivência, paradoxalmente, arrancam risos da plateia e, até, algumas gargalhadas. Uma bela composição!!!
 
 
 
 

            Quanto a TONICO, vale a pena ir ao Teatro CAIXA Nelson Rodrigues só para vê-lo atuando. É, sem a menor dúvida, um dos nossos maiores atores, reconhecido pelo público e pela crítica. É daqueles atores que agradam a púbicos completamente diferentes, como os da TV e os do TEATRO. Muito respeitado e querido por seus pares e amigos, nos quais me incluo, deveria ser ele o grande homenageado, com esta montagem, por toda a sua contribuição ao TEATRO BRASILEIRO, tendo atuado em quase 50 produções teatrais, fora os trabalhos em outras mídias. O seu NORONHA é perfeito, no ponto (sem trocadilhos). 

Não falta muito para que eu me veja na obrigação moral de chamá-lo de “SEU TONICO”, como forma de reverência, da mesma maneira como trato as grandes damas do TEATRO: DONA FULANA
 
 

 

 
 

 
FICHA TÉCNICA: 
 
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Bruce Gomlevsky
 
Elenco / Personagem: 
Alice Borges / Dona Aracy
Tonico Pereira e Lourival Prudêncio (substituto) / Seu Noronha
Karen Coelho / Aurora
Louise Marrie / Silene
Luiza Maldonado / Arlete
Patrícia Callai / Débora
Ingrid Gaigher / Hilda
Gustavo Damasceno / Bibelot
Jaime Lebovitch / Seu Saul
Luiz Furlanetto / Dr. Bordalo
Thiago Guerrant / Portela
 
Músicos: Felipe Cotta e André Silvestre
Cenário: Fernando Mello da Costa
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Wagner Pinto
Direção de Produção: Luiz Prado
Realização: LP ARTE Produções
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
 

 
 
 


 
SERVIÇO:
Temporada: De 14 de setembro a 29 de outubro.
Local: Teatro da CAIXA Nelson Rodrigues.  
Endereço: Avenida República do Chile, 230 – Centro – Rio de Janeiro.  
Telefone: (21) 3980-3815.
Dias e Horários: 5ª e 6ª feira, às 20h; sábado e domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (plateia) e R$30,00 (balcão). Meia entrada para quem fizer jus ao benefício.
Duração do Espetáculo: 90 minutos.
Capacidade: 409 lugares.
Gênero: Tragicomédia.
Classificação Etária: 16 anos.
 


 
 
 
 


            Embora eu sempre pregue a minha máxima, aceita por muitos, de que um bom espetáculo começa por um bom texto, vejo-me, outra vez, e tendo NELSON RODRIGUES envolvido, na obrigação de reconhecer que há exceções – muito raras, é verdade – e esta montagem de “OS SETE GATAINHOS” é uma delas.

 
         Recomendo, com o maior empenho esta montagem!

 

 

 

(FOTOS: DALTON VALÉRIO.)
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 























 

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