OS
SETE GATINHOS
(DA ARTE DE SE FAZER DE UM
TEXTO RUIM UM EXCELENTE ESPETÁCULO.)
Que
me perdoem as “viúvas” de NELSON
RODRIGUES, mas vou começar pela mesma ladainha. Conheço dois sujeitos com o
mesmo nome: um cronista, outro dramaturgo. Aquele me encanta, eu o
adoro; este eu abomino, com algumas raras concessões.
Sim,
já perdi a conta de quantas vezes já disse, inclusive aqui, que não gosto das peças de NELSON, sem medo
das pedradas que poderão me dar. Elas nunca me atingirão, pois estou muito bem
protegido daqueles que, por gosto pessoal, idolatram o dramaturgo e dos que, para não ficarem “fora da onda” embarcam
nessa viagem. Não sendo “maria-vai-com-as-ouras”,
defendendo a minha personalidade e coerência, pelo que entendo por ARTE, recuso-me a “concordar” com A,
B ou C – ou o alfabeto inteiro,
que seja -, só porque fazem parte da “intelligentsia”, dos intelectuais verdadeiros ou falsos,
aos quais nada devo, com as minhas opiniões, e que amam a obra dramática
rodriguiana. Cada um gosta do que quiser e eu respeito o gosto alheio, mesmo que o ache duvidoso.
Num rápido
balanço, das sua 19 peças escritas,
eis o meu saldo: Gosto de “Vestido de
Noiva”, “Dorotéia” e “O Beijo No Asfalto”. Não gosto das
outras, porém até tolero algumas, como “Anti-Nelson
Rodrigues”, “Senhora dos Afogados”
e “Perdoa-me por me traíres”.
Definitivamente, não gosto das outras e, por duas, tenho verdadeira aversão: “Álbum de Família” e “Os Sete Gatinhos”, muito embora NUNCA me recuse a assistir a qualquer
peça escrita por ele.
O que me
move a escrever sobre esta montagem de “OS
SETE GATINHOS”, em cartaz no Teatro da
CAIXA Nelson Rodrigues, no Rio de
Janeiro (VER SERVIÇO.) não é, obviamente a qualidade do texto, e sim o trabalho teatral, em si, da mesma forma
como fui capaz de escrever sobre “Álbum
de Família”, numa brilhante concepção do Grupo Transanteontem, em abril
de 2016, no Teatro Poeira.
Naquela ocasião, utilizei, como
subtítulo “QUANDO O TEXTO É COADJUVANTE”.
Se não me importasse em ser repetitivo, poderia usá-lo aqui, já que ocorre
a mesma coisa.
Sim, nesta brilhante montagem, dirigida por BRUCE GOMLEVSKI, o texto, para mim, é mero, “meríssimo”, coadjuvante e só serve para
que o competente diretor, fazendo
uso de seu talento de ótimo encenador, tantas vezes já comprovado, além do
ótimo ator que é, obedecendo, logicamente, à cabeça insana do autor do texto, construísse um espetáculo de
grandes qualidades, como espetáculo
teatral.
Mesmo que
fosse uma outra peça, que não merecesse a minha ocupação em escrever sobre ela,
seria quase certo fazê-lo, só para ter a oportunidade de registrar, com muita
alegria, a reinauguração de um dos melhores Teatros do Rio de Janeiro, que já abrigou tantos sucessos, de público e de
crítica, e que se manteve fechado por alguns anos, privando o carioca de mais
uma sala de espetáculos, o que, infelizmente, vem ocorrendo com uma certa frequência
nos últimos anos, ainda com outras idênticas ameaças por vir. Obrigado, DEUSES DO TEATRO!!!
Talvez a
peça tenha sido escolhida para a reinauguração do Teatro que leva o nome de seu autor e/ou, também, para se comemorar
os 60 anos de sua escritura, em 1957.
A esta
altura, já devo ter perdido alguns leitores, mas não abro mão das minhas
convicções e, para não perder mais, não me furto a dizer que reconheço alguns,
poucos, aspectos interessantes no texto,
algumas falas até brilhantes, no meio de um amontoado de sandices. Sobre o texto, é só o que tenho a dizer.
BRUCE, evidentemente, um admirador da
obra de NELSON, captou, com
maestria, todas as intenções do autor e valorizou cada uma delas. Potencializou
sua (do NELSON) loucura, com geniais “sacadas” de direção
e soube, como ninguém, inserir cada ator/atriz
na pele de seu personagem, o que torna a montagem excelente, como já tive a
oportunidade de dizer.
Sim, ali
está, exatamente, o pensamento de NELSON;
ali, está reunida uma galeria de gente doente, carente, demente e outros “-entes”. BRUCE levou cada um ao seu patamar maior de aproximação, que a
ficção permite, com a realidade.
SINOPSE:
A peça conta a história da família NORONHA e, em especial, de SILENE
(LOUISE MARRIE).
Ela é a caçula das cinco
filhas de DONA ARACY (ALICE BORGES)
e SEU NORONHA (TONICO PEREIRA).
NORONHA, que só trata a mulher por GORDA, é um contínuo da Câmara
de Deputados e mora no Grajaú
com a esposa e suas filhas AURORA (KAREN
COELHO), HILDA (INGRID GAIGHER),
DÉBORA (PATRÍCIA CALLAI), ARLETE (LUIZA MALDONADO) e SILENE, de
apenas 16 anos, a caçula, motivo que
a faz ser a mais mimada de todas e, por ser a única "pura", ter o
direito a uma boa educação, em um colégio interno.
Mas, logo, a vida deles
toma um rumo diferente, quando a garota é acusada, no colégio, de matar, a
pauladas, uma gata grávida, de sete gatinhos.
A família NORONHA parece tão normal quanto
qualquer outra, mas, por trás das aparências, esconde segredos inconfessáveis.
As quatro filhas mais
velhas se prostituem, para garantir a castidade e a boa educação de SILENE.
A partir do incidente
ocorrido na escola, descobre-se que a jovem não é pura como todos pensam.
A
montagem é da CIA TEATRO
ESPLENDOR, fundada e dirigida por BRUCE GOMLEVSKY, que, pela
primeira vez, não atua num elenco de uma peça apresentada por sua CIA.
A título de esclarecimento, transcrevo
um trecho do “release”, enviado por JSPONTES, assessoria de imprensa: “Aqui, em ‘OS SETE GATINHOS’, as bases da
tragicomédia de NELSON RODRIGUES estão na relação virgindade / prostituição - a
família apodrece dentro da ordem capitalista, prostituindo-se, cada vez mais,
para conseguir mais dinheiro, ao mesmo tempo que é devorada pela nostalgia da
pureza, de quando as quatro filhas prostitutas eram virgens”.
Se me propus a escrever sobre uma
peça de que não gosto – do texto,
que fique bem esclarecido -, é porque apreciei muito da leitura feita pela direção, da excelente atuação do elenco e dos elementos técnicos que envolvem a montagem.
Dentro do que propõe o texto, não poderia ser mais expressivo
o fantástico cenário, de FERNANDO MELLO DA COSTA, que “apresenta
uma casa de dois andares, formada por praticáveis. Todos os cômodos estão
expostos ao público. Alguns elementos realistas, como cadeiras, algum
mobiliário e variados objetos amontoados, compõem todos os ambientes, que
exalam a decadência da família”. É, exatamente, no final da descrição,
extraída do “release”, que se
concentra a excelência do trabalho de FERNANDO.
Ele consegue, com sua concepção cenográfica, construir um ambiente que cheira a
algo podre, no reino do Grajaú.
CAROL
LOBATO, tantas vezes premiada, acertou na escolha do que utilizou para
vestir os personagens, de acordo, exatamente, com suas características, físicas
e psicológicas, obedecendo, obviamente, aos costumes da época em que se passa a
ação.
WAGNER PINTO, com seu projeto de iluminação,
também se incorporou ao espírito da peça e nos apresenta uma luz que valoriza a cenografia e põe em destaque, sem abusar da intensidade de luz, o
que deve ser destacado.
Não encontrei qualquer falha no
trabalho de direção, de BRUCE GOMLEVSKI, e creio que um de seus
maiores acertos foi optar por uma trilha
sonora original, executada, ao vivo, por dois músicos: FELIPE COTTA e ANDRÉ
SILVESTRE. Achei genial a ideia de ambos atuarem na sonoplastia, produzindo sons marcantes, que pontuam algumas cenas
inteiras ou momentos especiais destas.
A ideia de utilizar o espaço da
plateia, em algumas cenas, também é bastante interessante, ainda que não original.
Mas, quando feito com boas justificativas, não há espaço para se discutir
originalidade. Ponto positivo, também, para a iniciativa de fazer as cenas iniciais
no proscênio, com o cenário ainda não
à mostra.
O elenco se comporta com uma grande homogeneidade, ninguém fora de
seu personagem, com destaques para TONICO
PEREIRA e ALICE BORGES.
ALICE,
que tem uma veia cômica apurada, compôs uma GORDA que sabe até onde pode ir, sem se tornar caricata. Um de seus
maiores méritos é atuar fora da cena. Se repararmos na atriz, enquanto está no
palco, a veremos, certamente, interpretando o tempo todo, mesmo que não
participe, diretamente, da cena. Sua submissão e conivência, paradoxalmente,
arrancam risos da plateia e, até, algumas gargalhadas. Uma bela composição!!!
Quanto a TONICO, vale a pena ir ao Teatro
CAIXA Nelson Rodrigues só para vê-lo atuando. É, sem a menor dúvida, um dos
nossos maiores atores, reconhecido pelo público e pela crítica. É daqueles atores
que agradam a púbicos completamente diferentes, como os da TV e os do TEATRO. Muito
respeitado e querido por seus pares e amigos, nos quais me incluo, deveria ser
ele o grande homenageado, com esta montagem, por toda a sua contribuição ao TEATRO BRASILEIRO, tendo atuado em quase 50 produções teatrais, fora os
trabalhos em outras mídias. O seu NORONHA é perfeito, no ponto (sem trocadilhos).
Não falta muito para que eu me veja na obrigação moral de chamá-lo de “SEU TONICO”, como forma de reverência,
da mesma maneira como trato as grandes damas do TEATRO: DONA FULANA.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Nelson Rodrigues
Direção:
Bruce Gomlevsky
Elenco
/ Personagem:
Alice
Borges / Dona Aracy
Tonico
Pereira e Lourival Prudêncio (substituto) / Seu Noronha
Karen
Coelho / Aurora
Louise
Marrie / Silene
Luiza
Maldonado / Arlete
Patrícia
Callai / Débora
Ingrid
Gaigher / Hilda
Gustavo
Damasceno / Bibelot
Jaime
Lebovitch / Seu Saul
Luiz
Furlanetto / Dr. Bordalo
Thiago
Guerrant / Portela
Músicos: Felipe
Cotta e André Silvestre
Cenário:
Fernando Mello da Costa
Figurino:
Carol Lobato
Iluminação:
Wagner Pinto
Direção
de Produção: Luiz Prado
Realização:
LP ARTE Produções
Assessoria
de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 14 de setembro a 29
de outubro.
Local: Teatro da CAIXA Nelson
Rodrigues.
Endereço: Avenida República
do Chile, 230 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3980-3815.
Dias e Horários: 5ª e 6ª feira, às 20h; sábado
e domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (plateia) e R$30,00
(balcão). Meia entrada para quem fizer jus ao benefício.
Duração do Espetáculo: 90 minutos.
Capacidade: 409 lugares.
Gênero: Tragicomédia.
Classificação Etária: 16 anos.
Embora eu sempre pregue a minha
máxima, aceita por muitos, de que um bom
espetáculo começa por um bom texto, vejo-me, outra vez, e tendo NELSON RODRIGUES envolvido, na
obrigação de reconhecer que há exceções
– muito raras, é verdade – e esta montagem de “OS SETE GATAINHOS” é uma delas.
Recomendo, com o maior empenho esta
montagem!
(FOTOS:
DALTON VALÉRIO.)
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