IVANOV
(UM TCHEKHOV
POUCO CONHECIDO,
MAS, ANTES E
ACIMA DE TUDO,
UM TCHEKHOV.)
Infelizmente,
de vez em quando, acontece de eu demorar a escrever sobre um espetáculo,
depois da sua estreia. Fico muito aborrecido comigo mesmo, mas, por
algum motivo, aconteceu, contra a minha vontade.
No caso
específico desta peça, “IVANOV”,
comecei a escrever sobre ela, tão logo assisti ao espetáculo, entretanto, num
determinado momento dos meus escritos, “travei”. Não sei por quê. Não consegui
ir adiante, embora tenha gostado muito da montagem, uma das melhores produções do primeiro semestre deste ano de 2017, no
Rio de Janeiro
Marcelo Aquino, Mário Borges e Sheron Menezzes.
De novo, o
velho e bom ANTON TCHEKHOV. Não o
que nos reporta, imediatamente, a “O
Jardim das Cerejeiras”, “A Gaivota”,
“Tio Vânia” e “As Três Irmãs, as quatro consagradas peças do grande dramaturgo russo. O que ele nos
oferece, agora, é “IVANOV”, um texto tão bom quanto aqueles, quase inédito
entre nós, e que traz sua marca registrada e reconhecida a distância.
Com pouco
tempo de ação, o espectador que conhece a sua obra dramática, se já não for ao teatro sabendo quem escreveu a
peça, é capaz de identificar, nela, seu estilo, quer pela temática, quer pela
construção dos diálogos, quer pelos perfis dos personagens.
“IVANOV” é o primeiro
texto teatral completo do autor e foi escrito em 1897.
Julgo importantíssimo levar em consideração
as palavras do diretor, ARY COSLOV, extraídas do “release” da peça, enviado pela assessoria de imprensa (JSPONTES), para
que se possa entender a leitura moderna da direção
para um texto de mais de um século,
que se encaixa na realidade com a qual estamos convivendo, compulsoriamente,
neste início de século XXI: “NICOLAI IVANOV, o protagonista, é um
homem que não consegue mais se conectar com o mundo à sua volta, um mundo em
constante mudança. (...) parece que TCHEKHOV está nos falando do homem no mundo
de hoje. Com sua peculiar delicadeza e seu senso de humor, TCHEKHOV nos dá a
oportunidade de procurar entender e questionar o comportamento do ser humano,
confuso e perturbado, ante as perspectivas que a vida oferece, mesmo mais de
130 anos depois. Uma montagem atual de ‘IVANOV’ não poderia, jamais, desprezar
a primorosa construção dramatúrgica do texto de TCHEKHOV, mas, ao mesmo tempo,
deve se comprometer com a ideia sedutora de permitir, ao público, que faça
conexões, de fato, inevitáveis, com a contemporaneidade”.
Isio Ghelman e Mayara Travassos.
Originalmente, a peça é um drama,
escrito em quatro atos, que sofreu uma brilhante
adaptação do diretor, ARY COSLOV. Consta que o autor levou
apenas pouco mais de dez dias para escrever a peça e que, não satisfeito com o
resultado, após a sua primeira apresentação, resolveu proceder a algumas
alterações no texto, o que o tornou,
segundo seus maiores críticos, bem melhor. A
mim, agradou muito o que vi encenado.
“IVANOV” é uma peça atual, para não dizer atemporal, já que nos fala
não apenas do tédio, que sufoca os últimos anos da Rússia czarista e o qual também temos vivenciado, em função da
atual situação político-social brasileira, neste engatinhar de século, mas
também da angústia e da inércia que marcam o nosso próprio final de século e os
tempos atuais também. O texto apresenta
qualidades dramatúrgicas e literárias que marcaram a obra tchekhoviana, tais como o jogo psicológico oculto, o subtexto rico
de significações, pausas e vazios inesperados.
TCHEKHOV
foi o responsável por uma subversão na
estrutura dramatúrgica do final do século XIX, consagrando-se como dramaturgo e influenciando outros, de
sua época e os que vieram depois, colocando, no palco, uma galeria imensa de
anti-heróis, personagens fracas e embotadas.
Isio Ghelman e Mário Borges.
SINOPSE:
NICOLAI IVANOV (ISIO GUELMAN) é um homem em precária situação financeira, que luta por
recuperar sua antiga glória, ensimesmado, com seus conflitos interiores,
sufocado pelas pressões sociais e econômicas do mundo em que vive.
IVANOV, embora
tentasse mentir, casou-se com ANNA (SHERON MENEZZES,
a qual era judia e renunciara à religião, passando a ser uma ortodoxa russa, e
à família, por interesse, para receber um dote, que jamais lhe chegou às mãos,
em função de tal rompimento.
Oprimido
pelo amor de ANNA, sua esposa doente,
tuberculosa, com
quem estava casado havia cinco anos e a quem não amava mais, e assustado com a
paixão fulminante e envolvente da jovem SASHA
(MAYARA TRAVASSOS), IVANOV,
inerte e sem fé, não consegue escolher uma direção a seguir.
SASHA, que era
jovem, bela e saudável, usou de seus muitos atributos, para seduzir IVANOV, que, de início, tenta resistir
ao assédio da moça, porém acaba sucumbindo aos seus encantos.
Isso só
fez acelerar o processo de definhamento de ANNA,
até sua morte, da qual o marido distante é acusado pelo médico, o DR. LVOV (MARCELO AQUINO).
Mais
tarde, viúvo e prestes a se casar com SASHA,
compreende que se deixou levar, mais uma vez, pelos acontecimentos, e decide
dar um basta àquela situação.
Sheron Menezzes, Isio Ghelman e Mayara Travassos.
É muito
interessante a direção de ARY COSLOV, do ponto de vista estético
e de trazer o microcosmo tchekhoviano para os nossos dias, a começar pela
utilização do espaço cênico,
passando pela direção dos atores e
atentando para detalhes que afetam a sociedade contemporânea.
Com vasta experiência em direção,
COSLOV usou de muita criatividade na
condução deste trabalho, mostrando-nos uma montagem de um texto de TCHEKHOV,
fugindo bastante aos padrões a que nos acostumamos, com relação à obra do
grande dramaturgo, a começar pelo cenário, de MARCOS FLAKSMAN, que se resume a
um grande tablado ao centro, que serve a diversos ambientes cênicos. Ao fundo,
três painéis, com projeções de motivos do campo, remetem ao ambiente exterior, rural,
da trama.
O toque contemporâneo é registrado, logo no início do espetáculo, quando
o elenco aparece, fazendo uma
espécie de aquecimento, para o início da peça, à vista do público, o que inclui
uma das atrizes fazendo uma “selfie”. Confesso que aquilo me assustou um pouco,
pensando eu que poderia ser algo “modernoso”
demais (supostamente moderno, mas de gosto duvidoso), mas a ideia acaba sendo
um detalhe muito positivo, por ser instigante, para quem vai assistir à
encenação.
Não sei se está no original, mas o fato de o médico, o DR. LVOV ( MARCELO AQUINO), se dirigir
à plateia, quebrando a quarta parede, é um detalhe assaz interessante, que funciona
muito bem, para aproximar mais o espectador da trama.
AURÉLIO DE SIMONI caprichou na iluminação, bonita e funcional.
Isio Ghelman e Márcio Vito.
Quanto aos figurinos, mais
uma inovação, no mínimo, curiosa e que também funciona bem, de acordo com a
proposta. É que, apesar de a ação se passar na Rússia do final do século XIX, os figurinos, de BETH FILIPECKI são atemporais. No início, predominam
tons escuros, que vão cedendo à leveza de matizes no decorrer do espetáculo.
Um outro detalhe ótimo, na peça, é a
excelente trilha sonora, criação de ARY COSLOV, bastante eclética, que vai
de temas populares russos, passando por Chopin, por um rock frenético, Chet Baker, contemplando Nina
Simone e, até mesmo, incluindo um chorinho,
salvo engano, de Pixinguinha, terminando com “A
Hard Day’s Night”, dos Beattles.
Essa trilha me encantou deveras.
A direção
foi muito feliz, ao escalar o elenco,
de primeiríssima qualidade, cada um dando o melhor de si, contribuindo para a
realização de cenas lindas e emocionantes, algumas das quais aqui menciono.
ISIO
GHELMAN está impecável, aliás, como
sempre, na pele do melancólico e emocionalmente perturbado IVANOV, funcionário do Governo, preocupado com assuntos do campo.
Duas de suas cenas ganharam destaque para mim: o momento em que ele discute com
a esposa e chega a dizer a esta que ela iria morrer, que estava desenganada, e
o seu belíssimo “bife”, quando o
personagem faz um discurso sobre ecologia, que se encaixa, perfeitamente, nos
dias de hoje.
SHERON MENEZZES é
um dos grandes destaques desta montagem. Estou acostumado a ver a sua beleza e
seu talento na TV, sempre dando conta do que lhe mandam fazer, porém, como é no
TEATRO que o artista mostra seu
verdadeiro talento para a arte de representar, SHERON atrai, para si, toda a atenção do público, nas cenas de que
participa, quase que as “roubando”, pode-se dizer. De uma sensibilidade à flor
da pela, a atriz atingiu o ponto exato de construção da personagem, frágil,
pela doença e, ao mesmo tempo, fortalecida por seu caráter. Uma belíssima
interpretação, digna de todos os elogios, que muito me emocionou.
Isio Ghelman e Sheron Menezzes.
Na adaptação, COSLOV optou por deixar de fora alguns
personagens mais coadjuvantes, mas valorizou outros.
MÁRIO BORGES, sem
dúvida alguma, um dos nossos melhores atores, veterano, com grandes e inesquecíveis
atuações, também brilha, como MICHAEL BORKINE
(MICHA), um tio de IVANOV e
gerente de sua propriedade. Um pouco bobo e irreverente, ele sai com muitos esquemas de
fazer dinheiro durante toda a peça, incluindo uma proposta de casamento com MARTHA BABAKINA, uma viúva rica, que não aparece na peça.
Há
uma excelente cena dele com MÁRCIO VITO,
PAUL LEBEDEV, confidente e bom amigo
de IVANOV, além de Presidente do Conselho do Distrito Rural.
MÁRCIO
é outro grande nome do nosso TEATRO,
que, mais uma vez, se encontra, totalmente, no personagem que representa.
MARCELO AQUINO também tem um ótimo rendimento, em cena, como o DR. EUGENE LVOV, um jovem médico, que privava da
intimidade e da amizade da família de IVANOV,
além de ser um homem honesto. Ao longo da peça, ele moraliza e ataca o protagonista e
resolve, mais tarde, revelar o que ele acredita serem as intenções de IVANOV, ao se casar com SASHA.
Para completar o valioso elenco, temos MAYARA TRAVASSOS, que interpreta SASHA, a filha de 20 anos de LEBEDEV. Uma participação parcimoniosa, em
função da personagem, porém correta.
Mário Borges e Isio Ghelman.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Anton
Tchekhov
Adaptação e Direção: Ary Coslov
Assistente de Direção: Marcelo Aquino
Elenco (por ordem alfabética) / Personagem:
Isio
Ghelman / Ivanov
Marcelo
Aquino / Lvov
Márcio
Vito / Lebedev
Mário
Borges / Borkine
Mayara
Travassos / Sasha
Sheron Menezes / Anna
Cenário: Marcos Flaksman
Figurino: Beth Filipecki
Desenho de Luz: Aurélio de Simoni
Trilha Sonora: Ary Coslov
Fotos: Dalton Valério
Assistente de Produção: Renata Valois
Direção de Produção: Celso Lemos
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João
Pontes e Stella Stephany
Marcelo Aquino e Isio Ghelman.
SERVIÇO:
Temporada: De 13 de maio
a 17 de julho (2017).
Local: Teatro Ipanema.
Endereço: Rua Prudente de
Moraes, 824-A – Ipanema – Rio de janeiro (Próximo à estação Nossa Senhora da
Paz, do metrô).
Telefone: (21) 2267-3750.
Dias e Horários: sábados e 2ªs feiras, às 21h; domingos, às 20h.
Duração: 80 minutos.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e
R$20,00 (meia entrada)
Gênero: Drama.
Classificação Indicativa: 12 anos.
O elenco e o diretor, Ary Coslov, ao centro.
Os
que conhecem as quatro grandes peças de TCHEKHOV
e admiram seu talento devem acrescentar mais uma à lista.
“IVANOV” é tão boa e surpreendente
quanto as outras e tivemos a sorte de vê-la encenada, sob uma direção magnífica, que soube ousar e
criar um dos melhores espetáculos a que assisti este ano, até o presente
momento.
(FOTOS: DALTON VALÉRIO.)
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