SE
VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMAL
(SERÍAMOS NORMAIS?)
Não
me lembro de um ano em que tenham sido encenados tantos monólogos de excelente
qualidade, no Rio de Janeiro, como
este ano de 2015.
Já
comentei, aqui, sobre alguns e, agora, é a vez de falar do último a que assisti, no
dia 15 de novembro passado (2015), na Sede
das Cias, infelizmente já com a temporada encerrada, restando-nos a
esperança de vê-lo reestreando no próximo ano.
Estou me
referindo a “SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR
NORMAL”, um excelente texto,
baseado num livro da autoria do escritor mexicano JUAN PABLO VILLALOBOS. A versão
e adaptação para o palco foi feita
por ROBERTO RODRIGUES, que além de
interpretar o monólogo, ainda o dirige.
O espetáculo
esteve em cartaz, na Sede das Cias,
em revezamento (temporada de repertório) com mais três (“Espelunca”, “POP - 15
Minutos de Fama” e “Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos”), todos
produzidos pela Cia. Teatral Milongas,
que completa 12 anos.
Fundada em 2003, a Cia. tem, como meta principal, desenvolver
a investigação cênica em diversos âmbitos, que se inicia na encenação de
clássicos, passando pela dramaturgia contemporânea, testando adaptações de
obras literárias, fazendo teatro (popular) de rua, infantil e palhaçaria. Em pouco
mais de uma década de existência, o grupo, formado por, antes de tudo, amigos,
ligados pela mesma paixão (TEATRO), e
excelentes profissionais, demonstra uma maturidade artística e profissional,
conquistando, aos poucos, um lugar de destaque no panorama teatral carioca.
Tomara que se expanda para todo o Brasil!
Do
repertório, que foi apresentado, na Sede
das Cias, além do espetáculo que motivou estas palavras, faziam parte:
1) “Espelunca” é um
clássico espetáculo de palhaçaria, inspirado na linguagem do cinema mudo. Dois
atores interpretam um dono de restaurante e o único cliente a entrar no
estabelecimento às moscas. Sem nenhuma fala e acompanhada de uma trilha musical
no estilo chorinho, a dupla se vale da expressão corporal para retratar essa
relação extremamente cômica.
2) Já em “Pop – 15 minutos de Fama”,
um trio de atores cria paródias de clipes musicais, novelas mexicanas,
propagandas políticas e programas de auditório, para satirizar as figuras do
mundo pop.
3)
“Rosencrantz
e Guildenstern Estão Mortos” é um texto escrito pelo dramaturgo
inglês Tom Stoppard, em 1966, adaptado
pela Cia. Teatral Milongas. Os dois
personagens que dão título à peça são, na verdade, coadjuvantes da tragédia “Hamlet”, de Shakespeare. Enviados pelo tio de Hamlet, para tentar conter a ira do seu sobrinho e desvendar a
origem da sua loucura, os amigos do Príncipe
da Dinamarca se encontram em uma reflexão filosófica sobre a vida, a arte e
a morte.
Mas falemos da peça que é alvo desta
crítica: “SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR
NORMAL”, cujo título original (do livro, lançado em 2013) é “Quesadillas”.
Segundo
o “release” que me chegou às mãos,
pela assessoria de imprensa (Lyvia Rodrigues – “Aquela que Divulga”),
“a
montagem é a primeira adaptação, para o TEATRO, da obra literária homônima do
escritor mexicano JUAN PABLO VILLALOBOS, autor
de contos, crônicas e críticas de cinema e literatura. O livro faz parte de uma trilogia sobre
o México, que começou com o aclamado ‘Festa no covil’ (2010) e se encerrou com o recém-lançado ‘Te vendo um cachorro’ (2015), ambos abordando o tema da violência, da desigualdade
social e da injustiça”.
SINOPSE:
“SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMAL” é a primeira adaptação, para o TEATRO, da obra literária homônima do
escritor mexicano JUAN PABLO VILLALOBOS.
Interpretado por ROBERTO RODRIGUES, o monólogo narra a
saga de ORESTES, um dos sete filhos
de uma família, cujo pai é um professor de educação cívica, mestre em propagar
todo tipo de impropérios, e a mãe, uma típica personagem de dramas mexicanos.
Dentro da “caixa de sapato”, apelido que a família
dá a casa em que vivem, no “Morro da
Puta Que Pariu", o protagonista
tenta entender sua situação econômica e mudar o curso de sua própria sorte.
Na iminência de ver a
pequena moradia ser demolida, pela chegada de um empreendimento imobiliário de
alto padrão, cada membro da família cria subterfúgios, muitas vezes delirantes,
para lidar com uma realidade cada vez mais opressiva.
É neste cenário, sob o
ponto de vista do personagem central, oscilando entre o adolescente entediado e
o adulto raivoso, que se dá a sua percepção da luta de classes e do papel
insignificante que a sua família ocupa no mundo.
De uma narrativa cômica,
dinâmica e irônica, essa tragicomédia resulta em uma encenação deliciosamente
subversiva.
Roberto Rodrigues.
O
texto é bastante interessante (Fui
presenteado, por RODRIGUES, com um
exemplar do romance, já “devorado”, e com um de “Te Vendo um Cachorro”, que ainda não li. E já pretendo comprar o
primeiro, da trilogia.) e ROBERTO
foi muito feliz na adaptação, tarefa que não é fácil, que contou com o aval do
autor do livro, o qual veio ao Rio de Janeiro, para a estreia da peça, no Teatro SESC Tijuca, transferindo-se,
depois, para outra temporada, no Parque
das Ruínas.
O
resultado dessa adaptação é um texto
bastante conciso, enxuto, sem gorduras, escrito numa linguagem de facílima
assimilação (popular, sem ser vulgar), leve, bem-humorado, de total comunicação
com o público, extremamente irônico, sarcástico e que apresenta uma realidade
muito próxima à nossa. Incrivelmente, consegui “visualizar” o “Morro da Puta Que Pariu”, desde sua
primeira menção, e todos os atos vividos pelos personagens, de tal forma o texto os descreve detalhadamente.
A
densidade e a agilidade do texto e das ações exige
um ator de grandes possibilidades
dramáticas, para representá-lo. Acabou caindo em mãos certas. Acredito que
vários outros atores, de larga experiência, poderiam vestir o ORESTES tão bem quanto o faz ROBERTO RODRIGUES, entretanto creio que
ninguém lhe daria melhores cores. Resumindo, ninguém faria melhor que ele,
talvez pelo grande envolvimento de ROBERTO
com o projeto, que partiu de uma paixão pelo primeiro livro da trilogia, cuja
encenação seria o desejo inicial do adaptador/ator/diretor,
o que não chegou a se concretizar, por motivos alheios à sua vontade.
Ao conhecer a
segunda obra da trilogia, a paixão se transferiu de um livro a outro (ou foi
dividida), e ROBERTO se jogou, de
cabeça, na tarefa de teatralizá-lo, entrando, logo, em contato com JUAN PABLO VILLALOBOS e partindo para a
produção do espetáculo, com recursos próprios, o que engrandece, mais ainda,
este trabalho.
“A realidade de ORESTES se
mesclava à minha, e o livro trazia o verbo potente e ácido o suficiente que eu
buscava, já havia um tempo, inspirado por grandes espetáculos, como ‘O
Pregoeiro’, ‘Descoberta das Américas’, ‘Estamira’ e outros, que possuem ironia,
comédia e poesia, em tons minuciosamente pensados, intuídos e valorizados pelos
artistas que os representam’, diz ROBERTO.
Ainda, retirado do já referido “release”:
“Sozinho,
em cena, o ator/personagem conta sua história, interpretando diversos papéis,
em um rico processo de composição corporal e vocal. A partir de um cenário
composto apenas por um cubo de madeira, cria-se, com elementos puramente
teatrais, a visualização dos espaços presentes na história.”
As informações reunidas no parágrafo acima são as principais
responsáveis pelo meu encantamento pelo espetáculo. Mais que tudo – texto,
cenário, figurino, iluminação... – mexeu comigo, hipnotizou-me, na primeira
fila, o trabalho deste ator, jovem,
mas de um potencial criativo riquíssimo, que sabe trabalhar a emoção,
utilizando, na media e no tom certos, o corpo e a voz.
Apoiado apenas num “carrón”,
um instrumento de percussão (que eu adoro), em forma de uma caixa, digo que é
comovente, em todos os sentidos, o trabalho de ROBERTO, que deveria ser levado a públicos mais numerosos.
O espetáculo, ou melhor, a encenação é intimista e tem, mesmo, de ser
representado em espaços pequenos, para um público reduzido, entretanto merecia (ou, antes, MERECE) outras temporadas,
longas. Tenho certeza de que, apenas com a divulgação de boca em boca, lotaria
todas as sessões.
Louvo a iniciativa de ROBERTO
RODRIGUES de se expor, com muita coragem, numa empreitada que não é para
qualquer um.
Cenário? Para que cenário? Tanto que esse elemento nem
está relacionado na ficha técnica. O
espetáculo é para ser feito em qualquer espaço, até na sala de alguma residência.
Talvez, até, no quintal de uma casa.
Adorei o figurino, único,
assinado por um craque, BRUNO PERLATTO,
e gostaria muito de ter, no meu guarda-roupa, uma jaqueta como a que veste o
ator, em boa parte da encenação. Não estou brincando; é sério.
É muito apropriada, ao espetáculo, a trilha sonora, de responsabilidade do compositor e músico VICTOR HORA, executada apenas com
trechos de guitarra e violão, revelando “uma influência da viola ‘country’, do
dedilhado brasileiro do samba e das tonalidades da música do sertão nordestino.
No final, entra um ‘blues’, com pegada brasileira.”
Enriquece, bastante, o espetáculo, promovendo um excelente diálogo com
todo o espaço cênico, a ótima iluminação,
de ADRIANA MILHOMEM.
O monólogo já foi apresentado em cidades, fora do Rio de
Janeiro, e recebeu alguns prêmios (e indicações a), em alguns festivais, tendo
feito sua pré-estreia durante o Festival
de Teatro de Curitiba, este ano (2015).
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Juan Pablo Vilallobos
DIREÇÃO,
ATUAÇÃO e ADAPTAÇÃO: ROBERTO RODRIGUES
Artistas
Colaboradores: Breno Sanches, Jane Celeste (Preparação Vocal) e Maria Celeste
Mendozi (Direção de Movimento)
Figurino:
Bruno Perlatto
Iluminação:
Adriana Milhomem
Operador
de Luz: Rafael Tonoli
Trilha
sonora: Victor Hora
Fotografia: Renan Lima e Thiago Cristaldi Carlan
Designer
(Programação Visual): Ivi Spezani
Realização:
Cia. Teatral Milongas
Produção:
Pagu Produções Culturais
Assessoria
de imprensa: Lyvia Rodrigues (Agência Aquela que Divulga)
Como foi bom, para mim,
enriquecedor, este ano de 2015, em termos de tomar conhecimento de atores tão
talentosos, como ROBERTO RODRIGUES, Bruce Brandão, Manoel Madeira e Maksin Oliveira,
por exemplo!
(FOTOS: RENAN LIMA
e
THIAGO CRISTALDI CARLAN)
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