sexta-feira, 25 de dezembro de 2015


A SANTA JOANA DOS MATADOUROS
 
 
(UM BRECHT COM BASTANTE
TEMPERO BRASILEIRO: CHUCRUTE COM PIMENTA.)
 
 
 
 
 
 
 
            Seria fundamental que todos assistissem a “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS”, um clássico de BERTOLT BRECHT, poucas vezes encenado, profissionalmente, no Brasil, mas muito ao gosto de grupos amadores – não entendo o porquê (já assisti a várias montagens) -, e que, sob a adaptação (dramaturgia) de DIOGO LIBERANO e direção deste e de MARINA VIANNA, idealizadora do projeto, ao lado de LUÍSA ARRAES, estava em cartaz no Teatro Gláucio Gill.
               
BRECHT, alemão, falecido em 1956, aos 58 anos de idade, além de dramaturgo, era poeta, articulista e diretor de TEATRO, tendo exercido uma grande influência na concepção do TEATRO contemporâneo. Marxista convicto, ao final dos anos 20, seu trabalho, como artista, concentrou-se na crítica, por meio da ARTE, ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.
 
Luísa Arraes e Leonardo Netto

Muitos o consideram o mais importante autor teatral do século XX, criador de obras difíceis de serem encenadas, que sempre precisam de bons diretores e atores que as interpretem à altura do talento do dramaturgo. Está sempre chamando a atenção do seu público para a necessidade de aguçar, mais e mais, o olhar, fugindo à tentação de nos deixarmos enganar pelas aparências, pelos que se nos apresentam como “bonzinhos”, benfeitores da humanidade, pois, na maioria das vezes, isso é apenas um disfarce, que usam os ladrões, os corruptos, os usurpadores da fé humana.
 
            Qualquer pessoa que vive o universo do TEATRO - os profissionais nele envolvidos ou, até mesmo, aqueles que são seus grandes admiradores e estudiosos - sabe o que significa o “distanciamento brechtiano”, também conhecido como “efeito de estranhamento”, um dos fundamentos do seu “teatro épico”.
 

Leonardo Netto e Adassa Martins.
 
Trata-se de uma técnica, criada e desenvolvida por BRECHT, e seguida, até hoje, por muitos encenadores, que consiste em deixar bem claro, ao espectador, que o TEATRO é uma ilusão, que o que ele está vendo é uma leitura, uma representação da realidade, e não a própria. Seu propósito maior é fazer com que o espectador não confunda arte com realidade. Por esse motivo, não seria exagero afirmar que o “distanciamento” não deixa de apresentar um viés didático, uma vez que ensina o espectador a não “entrar” na trama, mas, ao mesmo tempo, orienta-o a acompanhá-la, atenciosamente, de fora, a refletir sobre o que está vendo e ouvindo e, o mais importante, a uma crítica acerca do que lhe é dado constatar.
 
De todos os recursos utilizados para a prática desse “distanciamento”, BRECHT se vale, com muita frequência, da ironia. O espectador deve ser “testado”, muitas vezes, por meio dela, a demonstrar que entendeu que está assistindo a uma encenação teatral, e não vivendo uma realidade. Para esse “teste”, é comum, nos textos de BRECHT, a presença de um ou mais “narradores”, falando diretamente à plateia, como se dá no espetáculo em tela. O próprio BRECHT dizia que “distanciar um acontecimento ou um caráter significa, antes de tudo, retirar, do acontecimento ou do caráter, aquilo que parece óbvio, o conhecido, o natural, e lançar sobre eles o espanto e a curiosidade”.
 
Contra a força, não há argumento que resista.
 
Ainda dizia o grande dramaturgo alemão: "Precisamos de um teatro que não apenas liberte os sentimentos, pensamentos e impulsos possíveis no âmbito de um determinado ambiente histórico, no qual a ação se realiza, mas que utilize e encoraje esses sentimentos e ideias que ajudam a transformar o próprio ambiente".
 
É, ainda, um pensamento de BRECHT: “Um teatro que seja novo necessita, entre outros, do efeito de distanciamento, para exercer crítica social e para apresentar um relato histórico das reformas efetuadas”.
 
Pois bem, podemos encontrar tudo isso em “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS”.
 
O diretor José Renato, um dos melhores que tivermos (faleceu em 2011), dizia que “BRECHT, por meio da obra, ajuda as pessoas a entenderem as mudanças de pensamento pelas quais elas próprias passam, de acordo com o tempo e as transformações sofridas por causa de crises econômicas, políticas, sociais, esportivas etc.”. Prato cheio para os brasileiros.
 
Tal máxima bem pode ser aplicada à protagonista do espetáculo em análise. JOANA DARK vive o florescer de uma crença, baseada na fé e na ingenuidade. Essa mesma fé a engaja num grupo religioso, cujo trabalho piedoso ela assume com personalidade. E, logo, entra em choque com um sistema de vida menos piedoso, que visa a favorecer-se das pessoas e delas tirar o maior proveito possível, sem a menor preocupação com uma retribuição justa. (Quase um século se passou, desde que foi escrito o texto. Mudou alguma coisa?)
 
O personagem que se contrapõe a ela é alguém que acredita, profundamente, que seu ponto de vista é o correto. Seu único objetivo é obter lucros nos negócios e seu comportamento oscila entre o cinismo e a agressividade, sem escrúpulos.
 
(Foto: Ricardo Brajterman)
 
 
 
SINOPSE:
 
A crise econômica, a miséria, o patrão que explora o empregado e o trabalhador que luta pela sobrevivência são temas presentes em A SANTA JOANA DOS MATADOUROS”.
O texto denuncia questões tão atuais e importantes quanto eram na época em que foi escrito, há mais de oitenta anos. Neste projeto, idealizado por MARINA VIANNA e LUISA ARRAES, a dramaturgia original de BRECHT ganha nova versão, de DIOGO LIBERANO.
JOANA DARK (LUISA ARRAES) é uma jovem ingênua, cheia de fé, que pertence ao grupo missionário Boinas Pretas, uma espécie de “Exército da Salvação”.
 
Ela se une à luta dos operários contra o desemprego e as demissões crescentes, que assolam a indústria de carne enlatada. Tentando aliviar a miséria dos trabalhadores dos matadouros de Chicago, ela descobre que o desemprego em massa e a miséria decorrente disso são causados, unicamente, pelo fracasso no comércio da carne enlatada.
 
A peça conta a trajetória da heroína, desde a inocência, quando acreditava, como missionária, que a distribuição de sopa e cânticos religiosos, para os pobres, atenuaria as tensões provocadas pelo mercado das carnes, até o seu entendimento da mecânica complexa e violenta da política econômica.
 
A peça, na época em que BRECHT a escreveu, foi uma análise crítica sobre a crise econômica de 1929, conhecida como “A Grande Depressão”que teve início em 1929, e persistiu, ao longo da década de 1930, terminando, apenas, com a Segunda Guerra Mundial. “A Grande Depressão” é considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX.
 
O encontro da inocência útil de JOANA e da consciência, ao mesmo tempo, pesada e esperta, do “rei da carne enlatada” resulta em um agravamento ainda maior da crise.
 
 
 
 
 
A Santa Joana dos Matadouros 2
Adassa Martins, Vilma Melo e Luísa Arraes.
 
 
A peça é ambientada nos matadouros de Chicago, nos Estados Unidos, durante um rigoroso inverno, que intensifica as diferenças sociais e agrava a luta dos trabalhadores, em busca de comida e abrigo. 
 
A proposta é dar voz aos que estão de fora, à margem. “São corpos e vozes que dão testemunho da humanidade em tempos sombrios. Os sem nome, sem rosto”, destaca MARINA VIANNA, que faz sua estreia na direção.
 
Uma montagem deste texto, nos dias de hoje, no Brasil, é de uma pertrinência total, a julgar pelas profundas e infndáveis crises – econômica, política e moral – por que vem passando o país. Qualquer pessoa poderia fazer uma outra adaptação do original, centralizando a trama na “Terra Brasilis”, na totalidade do território nacional, especialmente em Brasília.
 
 
Adassa Martins, Luísa Arraes, Gunnar Borges
e Leandro Santanna (de costas).
 
 
Assim como no original, o que não faltaria, como material, para uma “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS BRASILEIROS é corrupção, como nunca se viu "antes, na história deste país"; exploração vergonhosa do homem pelo homem; total falta de moral e escrúpulos; ausência de respeito aos semelhantes; descumprimento de leis; asquerosa miséria humana; política de cabresto (assistencialismo barato e "e dando que se recebe"); manipulação descarada dos poderes "legalmente" constituídos; “compra” da dignidade humana... O próprio quadro do Brasil.
 
Para provar a contemporaneidade deste texto e sua relação com a realidade brasileira, cito uma das falas (Profecia?) da peça: “SE ALGUÉM CONSTRÓI UMA BARRAGEM CONTRA A IRRACIONALIDADE DAS ÁGUAS, E A BARRAGEM CEDE, O QUE É O HOMEM QUE CONSTRÓI ESSE TIPO DE OBRA? VOCÊS DIRÃO QUE É UM HOMEM DE NEGÓCIOS, MAS NÓS DIZEMOS A VOCÊS QUE ELE É UM TONTO”. Rubrica minha: É UM ASSASSINO!!! Um detalhe: o texto foi escrito há oito décadas, muito antes da tragédia de Mariana.
 
 
Joana, Mauler e Slift.
 
 
Passemos a uma análise dos elementos do espetáculo, a começar pelo grande, no sentido qualitativo, elenco. Ótimas atuações, em altíssimo nível de excelência. Farei apenas alguns comentários particulares, para não me alongar muito.
 
 
 
    
Luísa Arraes e João Velho.
 
 
   
Leonardo Netto, Vilma Melo e Adassa Martins.
 
 
    
Gunnar Borges, Leandro Santanna e Sávio Moll.
 
 
Embora já tenha assistido a vários trabalhos de LUÍSA ARRAES, JOANA DARK, a protagonista, em TEATRO, que é, para mim, o espaço em que o/a ator/atriz prova que nasceu para aquele ofício, confesso que não esperava uma atuação tão brilhante dela, pela grandeza do papel, a força do personagem e por sua pouca idade – apenas 22 anos. Tão jovem, já demonstra um grande amadurecimento profissional, coisa de “gente grande”, de uma atriz experiente. Oxalá este trabalho seja um divisor de águas na sua carreira, marcando a passagem de uma atriz em formação a uma GRANDE ATRIZ. Neste espetáculo, ela já merece ser assim chamada.
 
O público consegue perceber a metamorfose gradativa da personagem. Primeiro, uma ingênua missionária, com um único objetivo na vida, qual seja o de salvar seres humanos, miseráveis, sem empregos, ao relento, saciando-lhes a fome, com sopinhas quentes, que serviam para alimentá-los e para amenizar o sofrimento causado pelo rigoroso inverno. Depois, a partir do seu envolvimento com os magnatas da carne, os exploradores dos pobres miseráveis aos quais ela acudia, vai se conscientizando de que o mundo não é pintado só de cor de rosa, que há outos tons, mais fortes e “perversos”, na “aquarela dos homens”.
 
Sabia que ela “poderia ser capaz” de fazer bem o papel, mas “não precisava exagerar” (momento descontração)! Seguramente, foi um dos melhores trabalhos de atriz que tive a oportunidade e o prazer de ver em 2015!
 
 
 
Luisa Arraes é a protagonista (Foto: Ricardo Brajterman)
Luísa Arraes / Joana Dark.
 
 
JOÃO VELHO, a meu juízo, vive o seu melhor momento na carreira. Embora já tenha tido a oportunidade de representar bons personagens, é na pele de MAULER, o “rei da carne enlatada”, que o ator tem a oportunidade de provar uma grande competência profissional. Sua habilidade de viver o “lobo na pele de cordeiro” é fascinante. Irônico e, ao mesmo tempo, firme nas suas convicções, como o “dono”, o “patrão”, o “regente de vidas alheias”, chega a parecer amoral, graças à ótima interpretação do JOÃO.
 
 
Mauler tenta convencer Snyder.
 
 
            VILMA MELO, D. LUCKERNIDLE, a viúva de um trabalhador do matadouro/fábrica/frigorífico, ainda que, nesta peça, lhe tenha sido designada uma personagem coadjuvante, é uma atriz habilidosa e de grandes recursos interpretativos, acabando por “protagonizar” um dos melhores momentos dramáticos do espetáculo, ao tomar conhecimento de sua viuvez, de que seu marido havia morrido, em virtude de um “acidente” na empresa. VILMA reserva, para esta cena, muita energia e sentimento, armazenados até aquele momento, envolvendo e emocionando a plateia. Senti vontade de aplaudi-la, em cena aberta, mas tive de me conter, para não quebrar o ritmo da cena e, também, porque me sentia completamente hirto, dos pés à cabeça, graças ao talento da atriz.

 
A cena acima mencionada.
 
 
São, igualmente, ótimos os desempenhos de LEONARDO NETTO, SLIFT, o homem de confiança de MAULER, o gerente de seus negócios e “negociatas”; SÁVIO MOLL, CRIDLE, um outro industrial da carne enlatada; LEANDRO SANTANNA, SNYDER, um missionário, líder religioso; e ADASSA MARTINS, MARTA, outra missionária, todos já experientes no palco; e do jovem ator GUNNAR BORGES, GLOOMB, um trabalhador. A propósito, a cena em que este ator parece manipular, como uma marionete, a protagonista é fanatástica. Mérito para os dois!
 
A direção do espetáculo - MARINA VIANNA e DIOGO LIBERANO - preocupou-se, bastante, além de fazer com que a mensagem da peça chegasse ao público e atingisse seu objetivo, com uma proposta estética diferente, inovadora, que impactasse, visualmente, o espectador e complementasse a principal intenção do espetáculo. Uma estética que ficasse marcada na memória do público. Para isso, cercaram-se de profissionais mais que competentes, os quais foram de uma felicidade extrema, em suas participações. BIA JUNQUEIRA, PAULO CÉSAR MEDEIROS e LAURA SAMY são três nomes que merecem muitos comentários, em função de suas contribuições na maravilhosa concepção visual do espetáculo. Ótimas parcerias!
 
 
Direção de movimento.
 
 
BIA JUNQUEIRA assina a direção de arte, que coreresponde ao cenário, aos figurinos, aos adereços e, enfim, a todo o material de cena.
 
2015 foi um ano em que BIA brilhou, em diversas peças, com destaque para suas instalações cênicas, nos espetáculos “SANTA” e “MAMÃE”, por exemplo, para não citar outros trabalhos. Este espetáculo foi mais um, neste ano.
 
É didícil acreditar, sem ter visto o espetáculo, que engradados de plástico, para armazenar garrafas de bebidas, centenas de camisaetas, alguns enormes ganchos, pendentes, daqueles de pendurar quartos de gado abatido,  e alguns aparelhos e próteses ortopédicas possam ser responsáveis por um visual tão incrível, para se contar uma história num palco. É só conferir! Os engradados, carregados e montados, uns sobre os outros, pelos próprios atores, vão sinalizando e demarcando a criação dos ambientes e também reportam aos que são utilizados nos matadouros e frigoríficos, para transportar carne de um ponto a outro. As camisetas são de todos os tipos e tamanhos, lisas ou estampadas (a maioria), com detalhes icônicos, na “decoração”. Os ganchos, subindo e descendo, são de um efeito impactante. Os componentes ortopédicos chamam a atenção do público, numa leitura simbólica, para os diversos tipos e quem os utiliza. Esse conjunto, aliado à iluminação, serve para criar, reproduzir, sugerir, principalmente, o ambiente inóspito em que vivem os personagens, envoltos num frio, exterior e interior, que tamabém pode ser simbólico, dentro do matadouro/frigorífico/fábrica e no exterior, em face do violento inverno, já mencionado, que se abatia sobre Chicago.
 
 
Luísa Arraes.


Até hoje, quando, em conversas, alguém cita um espetáculo que vi há mais de 30 anos, muitas vezes, a primeira imagem que me vem à cabeça é o cenário, por sua importânia para o espetáculo e por sua magnitude, como, para citar apenas um exemplo, o da montagem de “Ralé”, de Maximo Gorki, em 1968, com direção de Gianni Ratto, no antigo Teatro Novo (Rio de Janeiro), que substitui o emblemático Teatro República, onde hoje funcionam os estúdios da TV - Brasil. Assim será, certamente, com as obras de arte que BIA criou neste ano de 2015. Oxalá eu consiga viver mais 30 anos, para comprovar, a mim mesmo, o que estou dizendo.
 
PAULO CÉSAR MEDEIROS também, como sempre, foi muito feliz, em 2015, criando belas luzes para alguns dos melhores espetáculos do ano. Sua participação nesta “A SANTA...” é fundamental, pois a intenção da direção, em conjunto com a proposta estética de BIA JUNQUEIRA, não seria concretizada, sem o concurso da irretocável iluminação do PAULINHO. É na medida certa, para a obtenção dos efeitos citados anteriomente.
 
 
 
Um detalhe da excelente iluminação.
 
 
Cada vez ganhando maior importância no TEATRO que se faz hoje em dia, a direção de movimento, de LAURA SAMY, em harmonia com a direção, é responsável por momentos de incomensurável beleza neste espetáculo, como a já citada cena em que JOANA vira uma “marionete”, e o início da peça, que é de tirar o fôlego, quando, ao sabor de uma longa fala de ADASSA MARTINS, ao microfone, dirigida, diretamente, à plateia, com um fundo musical, gravado, parte dele, e produzido, outra parte, ao vivo, pelo músico ARTHUR BRAGANTI, que assina a direção musical, ao lado de RODRIGO MARÇAL, os atores vao entrando, vestindo uma quantidade inimaginável de camisetas, umas sobre as outras, e vão retirando-as, uma a uma, como num “efeito cebola”, depositando-as no chão, esticadas, forrando todo o piso do teatro. Isso é muito intrigante e vai provocando, na plateia, uma reação difícil de ser descrita. Quanto mais camisetas vão retirando, parece que mais vão aparecendo, sem falar em outras, que alguns atores trazem das coxias. São centenas. É como se cada uma delas fosse mais uma pessoa (personagem) a participar da luta por seus direitos e por um ideal. É uma cena fantástica! Inesquecível!
 
 
 
Marionete I
 
Marionete II.
 
Marionete III.
 
Sobre a direção da peça, a quatro mãos, feita por MARINA VIANNA e DIOGO LIBERANO, só posso credenciá-la como um trabalho digno de todos os elogios, por vários motivos. Por conseguir passar todo o universo brechtiano, utilizando-se de uma estética moderna e muito criativa, a começar pela utilização de um texto adaptado, sem fugir ao cerne do original, inclusive com a mudança dos nomes de alguns personagens. Pela condensação de um espetáculo, que, no original, duraria bem mais que as duas horas desta montagem, sem prejuízo para a obra. Por oncentrar uma gama enorme de personagens, o que demandaria um elenco bem maior, com o consequente aumento no custo da produção, em um número menor, de ambos, atores e personagens, também sem mutilar a peça. Por desnudar, para quem não conhecia a obra do consagrado dramaturgo, um homem preocupado com o momento em que vivia, com o homem ao seu redor, e, ao mesmo tempo, uma espécie de visionário, um profeta dos tempos que viriam.
              Algumas ideias, no decorrer do espetáculo, vão marcando a grandeza criativa dos diretores, como a possibilidade de as camisetas representarem muitos objetos, como dinheiro, por exemplo, e a já citada, por duas vezes, cena da manipulação da marionete, que eu não me cansaria de rever.
 
 
         
Marina Vianna e Diogo Liberano (diretores).
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Do original A SANTA JOANA DOS MATADOUROS, de Bertolt Brecht
Direção: Marina Vianna e Diogo Liberano  
Tradução: Roberto Schwarz
Dramaturgia: Diogo Liberano
 
Elenco (por ordem alfabética): Adassa Martins, Gunnar Borges, João Velho, Leandro Santanna, Leonardo Netto, Luísa Arraes, Sávio Moll e Vilma Melo
 
Músico em cena: Arthur Braganti
 
Direção de Arte: Bia Junqueira
Direção Musical: Rodrigo Marçal e Arthur Braganti
Direção de Movimento: Laura Samy
Iluminação: Paulo César Medeiros
Produção Executiva: Marcelo Mucida
Direção de Produção: Ana Lelis
Realização: Moinho Produções
Idealização: Marina Vianna e Luisa Arraes
 
Persongens:
Luisa Arraes – Joana Dark, a missionária
João Velho – Mauler, o rei da carne enlatada
Leonardo Netto – Slift, braço direito de Mauler
Sávio Moll – Cridle, industrial da carne enlatada
Vilma Melo – D. Luckernidle, viúva de um trabalhador
Adassa Martins – Marta, missionária
Leandro Santanna – Snyder, missionário, líder religioso
Gunnar Borges – Gloomb, um trabalhador
 
 
 
 
A Santa Joana dos Matadouros.
 
 
 
            “Distancie-se”, para algumas reflexões acerca de falas pinçadas do texto:
 
 
 
 
"Que gente é essa, Joana, que não é enterrada com as devidas honras? Gente que acaba antes do tempo natural. Gente liquidada e esfrangalhada e insultada."
 
"Esta luta será perdida. E, talvez, a próxima também seja perdida. Mas vocês aprendem a lutar e ficam sabendo que, se não for à força, não vai. Nem vai, se a força não for de vocês."
 
"Como vocês exploram a maldade dela! Você não vê que a maldade dela passa frio?"
 
"Olho este sistema, por fora. É meu velho conhecido. O funcionamento é que eu não via! Alguns poucos em cima, outros muitos embaixo"
 
"O que é preciso para ser alguém?"
 
"Homem, duas almas lutam e disputam em teu peito! Não te ponhas a escolher. Uma e outra são teu ser. Vive sempre dividido! Tu és o uno repartido!"
 
"Vês, Joana, como são os maus quem desperta a tua compaixão?"
 
"Quem queremos ser? Que pernicioso projeto de mundo é este que perpetuamos, muitas vezes, sem nem sequer perceber?"
 
 
 
 
            Ocorreu-me, ao final destes escritos, a lembrança de uma bela canção, do compositor e cantor Zé Ramalho, que, embora não faça parte da trilha sonora deste espetáculo, bem nele poderia ter sido inserida.
 
Mais material para uma boa reflexão:
 
 
 
 
ADMIRÁVEL GADO NOVO
(Zé Ramalho)
 
Vocês, que fazem parte dessa massa
que passa nos projetos do futuro,
é duro tanto ter que caminhar
e dar muito mais do que receber.
E ter que demonstrar sua coragem,
à margem do que possa parecer.
E ver que toda essa engrenagem
já sente a ferrugem lhe comer.
Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!

(...)

O povo foge da ignorância,
apesar de viver tão perto dela,
e sonham com melhores tempos idos,
contemplam esta vida numa cela.
Esperam nova possibilidade
de verem esse mundo se acabar.
A Arca de Noé, o dirigível...
Não voam nem se pode flutuar.
Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!

 
 
 
 
 
Leonardo Netto, Luísa Arraes, Leandro Santanna e João Velho.
 
 
 
Considero o espetáculo um dos melhores da safra de 2015, no Rio de Janeiro, e espero que faça uma nova e longa temporada em 2016.
 
 
Já me cansei de ver excelentes produções, como esta, fazendo carreiras de, no máximo, dois meses, por falta de... ...espaços, ...dinheiro, ...patrocínio, ...incentivo dos (des)governos...
 
 
            SOS TEATRO DO RIO DE JANEIRO!!!
 
 
            #voltaasantajoanadosmatadouros
 
 
            Dá gosto, atiça e satisfaz o paladar, assistir a um BRECHT com bastante tempero brasileiro: chucrute com pimenta.
 
 
 
Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!”
 
 
Elenco em ação.
 
 
Luisa Arraes e João Velho posam com elenco após espetáculo (Foto: Thyago Andrade/Agência Brazil News)
Elenco, recebendo os merecidíssimos aplausos.
 
 
(FOTOS: FRANCISCO COSTA,
RICARDO BRAJTERMAN
e
THAÍS GRECHI)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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