A
SANTA JOANA DOS MATADOUROS
(UM BRECHT COM BASTANTE
TEMPERO BRASILEIRO: CHUCRUTE
COM PIMENTA.)
Seria
fundamental que todos assistissem a “A
SANTA JOANA DOS MATADOUROS”, um clássico de BERTOLT BRECHT, poucas vezes encenado, profissionalmente, no Brasil,
mas muito ao gosto de grupos amadores – não entendo o porquê (já assisti a
várias montagens) -, e que, sob a adaptação
(dramaturgia) de DIOGO LIBERANO
e direção deste e de MARINA VIANNA, idealizadora do projeto, ao lado de LUÍSA ARRAES, estava em cartaz no Teatro Gláucio Gill.
BRECHT, alemão, falecido em 1956, aos 58 anos de idade, além
de dramaturgo, era poeta, articulista
e diretor de TEATRO, tendo
exercido uma grande influência na concepção do TEATRO contemporâneo. Marxista convicto, ao final dos anos 20, seu
trabalho, como artista, concentrou-se na crítica, por meio da ARTE, ao desenvolvimento das relações
humanas no sistema capitalista.
Luísa Arraes e Leonardo Netto
Muitos o consideram
o mais importante autor teatral do século XX,
criador de obras difíceis de serem encenadas, que sempre precisam de bons
diretores e atores que as interpretem à altura do talento do dramaturgo. Está
sempre chamando a atenção do seu público para a necessidade de aguçar, mais e
mais, o olhar, fugindo à tentação de nos deixarmos enganar pelas aparências,
pelos que se nos apresentam como “bonzinhos”, benfeitores da humanidade, pois,
na maioria das vezes, isso é apenas um disfarce, que usam os ladrões, os
corruptos, os usurpadores da fé humana.
Qualquer pessoa que vive o universo
do TEATRO - os profissionais nele
envolvidos ou, até mesmo, aqueles que são seus grandes admiradores e estudiosos
- sabe o que significa o “distanciamento
brechtiano”, também conhecido como “efeito
de estranhamento”, um dos fundamentos do seu “teatro épico”.
Leonardo Netto e Adassa Martins.
Trata-se de uma técnica,
criada e desenvolvida por BRECHT, e
seguida, até hoje, por muitos encenadores, que consiste em deixar bem
claro, ao espectador, que o TEATRO é
uma ilusão, que o que ele está vendo é uma leitura, uma representação da
realidade, e não a própria. Seu propósito maior é fazer com que o espectador não
confunda arte com realidade. Por esse motivo, não seria exagero afirmar que o “distanciamento” não deixa de
apresentar um viés didático, uma vez que ensina o espectador a não “entrar” na
trama, mas, ao mesmo tempo, orienta-o a acompanhá-la, atenciosamente, de fora,
a refletir sobre o que está vendo e ouvindo e, o mais importante, a uma crítica
acerca do que lhe é dado constatar.
De todos os
recursos utilizados para a prática desse “distanciamento”,
BRECHT se vale, com muita frequência,
da ironia. O espectador deve ser
“testado”, muitas vezes, por meio dela, a demonstrar que entendeu que está
assistindo a uma encenação teatral,
e não vivendo uma realidade. Para esse “teste”, é comum, nos textos de BRECHT, a presença de um ou mais
“narradores”, falando diretamente à plateia, como se dá no espetáculo em tela.
O próprio BRECHT dizia que “distanciar um acontecimento ou um caráter significa, antes
de tudo, retirar, do acontecimento ou do caráter, aquilo que parece óbvio, o conhecido,
o natural, e lançar sobre eles o espanto e a curiosidade”.
Contra a força, não há argumento que resista.
Ainda dizia o
grande dramaturgo alemão: "Precisamos
de um teatro que não apenas liberte os sentimentos, pensamentos e impulsos
possíveis no âmbito de um determinado ambiente histórico, no qual a ação se
realiza, mas que utilize e encoraje esses sentimentos e ideias que ajudam a transformar
o próprio ambiente".
É, ainda, um pensamento de BRECHT:
“Um teatro que seja novo necessita, entre outros, do efeito
de distanciamento, para exercer crítica social e para apresentar um relato
histórico das reformas efetuadas”.
Pois bem, podemos encontrar tudo isso em “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS”.
O diretor José
Renato, um dos melhores que tivermos (faleceu em 2011), dizia que “BRECHT, por meio da obra, ajuda as pessoas a entenderem as
mudanças de pensamento pelas quais elas próprias passam, de acordo com o tempo
e as transformações sofridas por causa de crises econômicas, políticas,
sociais, esportivas etc.”. Prato cheio para os brasileiros.
Tal máxima bem pode
ser aplicada à protagonista do espetáculo em análise. JOANA DARK vive o florescer de uma crença, baseada na fé e na
ingenuidade. Essa mesma fé a engaja num grupo religioso, cujo trabalho piedoso
ela assume com personalidade. E, logo, entra em choque com um sistema de vida
menos piedoso, que visa a favorecer-se das pessoas e delas tirar o maior
proveito possível, sem a menor preocupação com uma retribuição justa. (Quase um século se passou, desde que foi
escrito o texto. Mudou alguma coisa?)
O personagem que se
contrapõe a ela é alguém que acredita, profundamente, que seu ponto de vista é
o correto. Seu único objetivo é obter lucros nos negócios e seu comportamento
oscila entre o cinismo e a agressividade, sem escrúpulos.
SINOPSE:
A crise econômica, a
miséria, o patrão que explora o empregado e o trabalhador que luta pela
sobrevivência são temas presentes em “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS”.
O texto denuncia questões
tão atuais e importantes quanto eram na época em que foi escrito, há mais de
oitenta anos. Neste projeto, idealizado
por MARINA VIANNA e LUISA ARRAES, a dramaturgia original de BRECHT
ganha nova versão, de DIOGO LIBERANO.
JOANA DARK
(LUISA ARRAES) é uma jovem ingênua, cheia de fé, que pertence ao grupo
missionário “Boinas Pretas”, uma
espécie de “Exército da Salvação”.
Ela se une à luta dos operários
contra o desemprego e as demissões crescentes, que assolam a indústria
de carne enlatada.
Tentando aliviar a miséria dos trabalhadores dos matadouros
de Chicago, ela descobre que o desemprego em massa e a miséria decorrente disso
são causados, unicamente, pelo fracasso no comércio da carne enlatada.
A peça conta a trajetória da heroína,
desde a inocência, quando acreditava,
como missionária, que a distribuição de sopa e cânticos religiosos, para os
pobres, atenuaria as tensões provocadas pelo mercado das carnes, até o seu entendimento da mecânica complexa e violenta da política econômica.
A peça, na época em que BRECHT
a escreveu, foi uma análise crítica sobre a crise econômica de 1929, conhecida
como “A Grande Depressão”, que teve início em 1929, e persistiu, ao longo da década de 1930, terminando, apenas,
com a Segunda Guerra Mundial. “A Grande Depressão” é considerada o
pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX.
O encontro da inocência
útil de JOANA e da consciência, ao
mesmo tempo, pesada e esperta, do “rei da carne enlatada” resulta em um
agravamento ainda maior da crise.
Adassa Martins, Vilma
Melo e Luísa Arraes.
A peça é ambientada nos matadouros de Chicago, nos Estados
Unidos, durante um rigoroso inverno, que intensifica as diferenças sociais e
agrava a luta dos trabalhadores, em busca de comida e abrigo.
A proposta é dar voz aos que estão de fora, à margem. “São corpos e
vozes que dão testemunho da humanidade em tempos sombrios. Os sem nome, sem
rosto”, destaca MARINA VIANNA, que faz sua estreia
na direção.
Uma montagem deste texto, nos dias de hoje, no Brasil, é
de uma pertrinência total, a julgar pelas profundas e infndáveis crises – econômica,
política e moral – por que vem passando o país. Qualquer pessoa poderia fazer
uma outra adaptação do original, centralizando a trama na “Terra Brasilis”, na
totalidade do território nacional, especialmente em Brasília.
Adassa
Martins, Luísa Arraes, Gunnar Borges
e
Leandro Santanna (de costas).
Assim como no original, o que não faltaria, como material,
para uma “A SANTA JOANA DOS MATADOUROS BRASILEIROS” é corrupção, como nunca se viu "antes, na história deste país"; exploração vergonhosa do homem pelo homem; total falta
de moral e escrúpulos; ausência de respeito aos semelhantes; descumprimento de leis; asquerosa miséria
humana; política de cabresto (assistencialismo barato e "e dando que se recebe"); manipulação descarada dos poderes "legalmente" constituídos; “compra”
da dignidade humana... O próprio quadro
do Brasil.
Para provar a contemporaneidade deste texto e sua relação
com a realidade brasileira, cito uma das falas (Profecia?) da peça: “SE ALGUÉM CONSTRÓI UMA BARRAGEM CONTRA A IRRACIONALIDADE
DAS ÁGUAS, E A BARRAGEM CEDE, O QUE É O HOMEM QUE CONSTRÓI ESSE TIPO DE OBRA?
VOCÊS DIRÃO QUE É UM HOMEM DE NEGÓCIOS, MAS NÓS DIZEMOS A VOCÊS QUE ELE É UM
TONTO”. Rubrica minha: É
UM ASSASSINO!!! Um detalhe: o texto foi escrito há oito décadas, muito antes da tragédia de Mariana.
Joana,
Mauler e Slift.
Passemos a uma análise dos elementos do espetáculo, a
começar pelo grande, no sentido qualitativo, elenco. Ótimas atuações, em
altíssimo nível de excelência. Farei apenas alguns comentários particulares,
para não me alongar muito.
Luísa Arraes e João Velho.
Leonardo Netto, Vilma Melo e Adassa Martins.
Gunnar Borges, Leandro Santanna e Sávio Moll.
Embora já tenha assistido a vários trabalhos de LUÍSA ARRAES, JOANA DARK, a protagonista, em TEATRO,
que é, para mim, o espaço em que o/a ator/atriz prova que nasceu para aquele
ofício, confesso que não esperava uma atuação tão brilhante dela, pela grandeza
do papel, a força do personagem e por sua pouca idade – apenas 22 anos. Tão
jovem, já demonstra um grande amadurecimento profissional, coisa de “gente
grande”, de uma atriz experiente. Oxalá este trabalho seja um divisor de águas
na sua carreira, marcando a passagem de uma atriz em formação a uma GRANDE ATRIZ. Neste espetáculo, ela já
merece ser assim chamada.
O público consegue perceber a metamorfose gradativa da
personagem. Primeiro, uma ingênua missionária, com um único objetivo na vida,
qual seja o de salvar seres humanos, miseráveis, sem empregos, ao relento,
saciando-lhes a fome, com sopinhas quentes, que serviam para alimentá-los e
para amenizar o sofrimento causado pelo rigoroso inverno. Depois, a partir do
seu envolvimento com os magnatas da carne, os exploradores dos pobres
miseráveis aos quais ela acudia, vai se conscientizando de que o mundo não é
pintado só de cor de rosa, que há outos tons, mais fortes e “perversos”, na
“aquarela dos homens”.
Sabia que ela “poderia ser capaz” de fazer bem o papel,
mas “não precisava exagerar” (momento descontração)! Seguramente, foi um dos melhores trabalhos
de atriz que tive a oportunidade e o prazer de ver em 2015!
Luísa
Arraes / Joana Dark.
JOÃO VELHO, a meu juízo, vive o
seu melhor momento na carreira. Embora já tenha tido a oportunidade de
representar bons personagens, é na pele de MAULER,
o “rei da carne enlatada”, que o ator tem a oportunidade de provar uma grande
competência profissional. Sua habilidade de viver o “lobo na pele de cordeiro”
é fascinante. Irônico e, ao mesmo tempo, firme nas suas convicções, como o
“dono”, o “patrão”, o “regente de vidas alheias”, chega a parecer amoral,
graças à ótima interpretação do JOÃO.
Mauler
tenta convencer Snyder.
VILMA MELO, D. LUCKERNIDLE, a viúva de um trabalhador do
matadouro/fábrica/frigorífico, ainda que, nesta peça, lhe tenha sido
designada uma personagem coadjuvante, é uma atriz habilidosa e de grandes
recursos interpretativos, acabando por “protagonizar” um dos melhores momentos
dramáticos do espetáculo, ao tomar conhecimento de sua viuvez, de que seu
marido havia morrido, em virtude de um “acidente” na empresa. VILMA reserva, para esta cena, muita
energia e sentimento, armazenados até aquele momento, envolvendo e emocionando
a plateia. Senti vontade de aplaudi-la, em cena aberta, mas tive de me conter,
para não quebrar o ritmo da cena e, também, porque me sentia completamente
hirto, dos pés à cabeça, graças ao talento da atriz.
A cena acima mencionada.
São, igualmente, ótimos os desempenhos de LEONARDO NET TO, SLIFT, o homem de confiança de MAULER, o gerente de seus negócios e “negociatas”; SÁVIO MOLL, CRIDLE,
um outro industrial da carne enlatada; LEANDRO SANTANNA,
SNYDER, um missionário, líder religioso; e ADASSA MARTINS, MARTA,
outra missionária, todos já experientes no palco; e do jovem ator GUNNAR BORGES, GLOOMB, um trabalhador. A
propósito, a cena em que este ator parece manipular, como uma marionete, a
protagonista é fanatástica. Mérito para
os dois!
A direção do
espetáculo - MARINA VIANNA e DIOGO LIBERANO - preocupou-se,
bastante, além de fazer com que a mensagem da peça chegasse ao público e atingisse
seu objetivo, com uma proposta estética diferente, inovadora, que impactasse,
visualmente, o espectador e complementasse a principal intenção do espetáculo.
Uma estética que ficasse marcada na memória do público. Para isso,
cercaram-se de profissionais mais que competentes, os quais foram de uma
felicidade extrema, em suas participações. BIA
JUNQUEIRA, PAULO CÉSAR MEDEIROS e LAURA SAMY são três nomes que merecem
muitos comentários, em função de suas contribuições na maravilhosa concepção
visual do espetáculo. Ótimas parcerias!
Direção
de movimento.
BIA JUNQUEIRA assina a direção de arte, que coreresponde ao cenário, aos figurinos, aos adereços
e, enfim, a todo o material de cena.
2015 foi um ano em que BIA brilhou, em diversas peças, com destaque para suas instalações
cênicas, nos espetáculos “SANTA” e “MAMÃE”, por exemplo, para não citar
outros trabalhos. Este espetáculo foi mais um, neste ano.
É didícil acreditar, sem ter visto o espetáculo, que
engradados de plástico, para armazenar garrafas de bebidas, centenas de camisaetas, alguns enormes
ganchos, pendentes, daqueles de pendurar quartos de gado abatido, e alguns aparelhos e próteses ortopédicas
possam ser responsáveis por um visual tão incrível, para se contar uma história
num palco. É só conferir! Os engradados, carregados e montados, uns sobre os
outros, pelos próprios atores, vão sinalizando e demarcando a criação dos ambientes e também
reportam aos que são utilizados nos matadouros e frigoríficos, para transportar
carne de um ponto a outro. As camisetas
são de todos os tipos e tamanhos, lisas ou estampadas (a maioria), com detalhes
icônicos, na “decoração”. Os ganchos, subindo e descendo, são de um efeito
impactante. Os componentes ortopédicos chamam a atenção do público, numa
leitura simbólica, para os diversos tipos e quem os utiliza. Esse conjunto,
aliado à iluminação, serve para
criar, reproduzir, sugerir, principalmente, o ambiente inóspito em que vivem os
personagens, envoltos num frio, exterior e interior, que tamabém pode ser
simbólico, dentro do matadouro/frigorífico/fábrica e no exterior, em face do
violento inverno, já mencionado, que se abatia sobre Chicago.
Luísa
Arraes.
Até hoje, quando, em conversas, alguém cita um espetáculo
que vi há mais de 30 anos, muitas vezes, a primeira imagem que me vem à cabeça
é o cenário, por sua importânia para
o espetáculo e por sua magnitude, como, para citar apenas um exemplo, o da
montagem de “Ralé”, de Maximo Gorki, em 1968, com direção de Gianni Ratto, no antigo Teatro Novo (Rio
de Janeiro), que substitui o emblemático Teatro
República, onde hoje funcionam os estúdios da TV - Brasil. Assim será, certamente, com as obras de arte que BIA criou neste ano de 2015. Oxalá eu
consiga viver mais 30 anos, para comprovar, a mim mesmo, o que estou dizendo.
PAULO CÉSAR MEDEIROS também, como sempre,
foi muito feliz, em 2015, criando belas luzes para alguns dos melhores
espetáculos do ano. Sua participação nesta “A
SANTA...” é fundamental, pois a intenção da direção, em conjunto com a proposta estética de BIA JUNQUEIRA, não seria concretizada,
sem o concurso da irretocável iluminação
do PAULINHO. É na medida certa, para
a obtenção dos efeitos citados anteriomente.
Um
detalhe da excelente iluminação.
Cada vez ganhando maior importância no TEATRO que se faz hoje em dia, a direção de movimento, de LAURA SAMY, em harmonia com a direção, é responsável por momentos de
incomensurável beleza neste espetáculo, como a já citada cena em que JOANA vira uma “marionete”, e o início
da peça, que é de tirar o fôlego, quando, ao sabor de uma longa fala de ADASSA MARTINS, ao microfone, dirigida,
diretamente, à plateia, com um fundo musical, gravado, parte dele, e produzido,
outra parte, ao vivo, pelo músico ARTHUR
BRAGANTI, que assina a direção
musical, ao lado de RODRIGO MARÇAL,
os atores vao entrando, vestindo uma quantidade inimaginável de camisetas, umas
sobre as outras, e vão retirando-as, uma a uma, como num “efeito cebola”, depositando-as no chão, esticadas, forrando todo o
piso do teatro. Isso é muito intrigante e vai provocando, na plateia, uma
reação difícil de ser descrita. Quanto mais camisetas vão retirando, parece que
mais vão aparecendo, sem falar em outras, que alguns atores trazem das coxias. São centenas. É como se cada uma delas
fosse mais uma pessoa (personagem) a participar da luta por seus direitos e por
um ideal. É uma cena fantástica!
Inesquecível!
Marionete I
Marionete II.
Marionete
III.
Sobre a direção da
peça, a quatro mãos, feita por MARINA
VIANNA e DIOGO LIBERANO, só
posso credenciá-la como um trabalho digno de todos os elogios, por vários
motivos. Por conseguir passar todo o universo brechtiano, utilizando-se de uma
estética moderna e muito criativa, a começar pela utilização de um texto
adaptado, sem fugir ao cerne do original, inclusive com a mudança dos nomes de
alguns personagens. Pela condensação de um espetáculo, que, no original, duraria
bem mais que as duas horas desta montagem, sem prejuízo para a obra. Por oncentrar
uma gama enorme de personagens, o que demandaria um elenco bem maior, com o
consequente aumento no custo da produção, em um número menor, de ambos, atores
e personagens, também sem mutilar a peça. Por desnudar, para quem não conhecia
a obra do consagrado dramaturgo, um homem preocupado com o momento em que
vivia, com o homem ao seu redor, e, ao mesmo tempo, uma espécie de visionário,
um profeta dos tempos que viriam.
Algumas
ideias, no decorrer do espetáculo, vão marcando a grandeza criativa dos
diretores, como a possibilidade de as camisetas representarem muitos objetos,
como dinheiro, por exemplo, e a já citada, por duas vezes, cena da manipulação
da marionete, que eu não me cansaria de rever.
Marina Vianna e Diogo
Liberano (diretores).
FICHA TÉCNICA:
Do original A SANTA JOANA DOS MATADOUROS,
de Bertolt Brecht
Direção: Marina Vianna e Diogo Liberano
Tradução: Roberto Schwarz
Dramaturgia: Diogo Liberano
Elenco (por ordem
alfabética): Adassa Martins, Gunnar Borges, João Velho, Leandro Santanna, Leonardo Netto, Luísa Arraes, Sávio Moll e Vilma Melo
Músico em cena: Arthur Braganti
Direção de Arte: Bia
Junqueira
Direção Musical: Rodrigo Marçal e Arthur Braganti
Direção de Movimento:
Laura Samy
Iluminação: Paulo César Medeiros
Produção Executiva: Marcelo Mucida
Direção de Produção: Ana Lelis
Realização: Moinho Produções
Idealização: Marina Vianna e Luisa Arraes
Persongens:
Luisa Arraes – Joana Dark, a missionária
João Velho – Mauler, o rei da carne enlatada
Leonardo Netto – Slift, braço direito de Mauler
Sávio Moll – Cridle, industrial da carne
enlatada
Vilma Melo – D. Luckernidle, viúva de um
trabalhador
Adassa Martins – Marta, missionária
Leandro Santanna – Snyder, missionário, líder
religioso
Gunnar Borges – Gloomb, um trabalhador
A Santa Joana dos
Matadouros.
“Distancie-se”, para algumas reflexões acerca de falas
pinçadas do texto:
"Que gente é essa, Joana, que não é enterrada
com as devidas honras? Gente que acaba antes do tempo natural. Gente liquidada
e esfrangalhada e insultada."
"Esta luta será perdida. E, talvez, a próxima
também seja perdida. Mas vocês
aprendem a lutar e ficam sabendo que, se não for à
força, não vai. Nem vai, se a força não for
de vocês."
"Como vocês exploram a maldade dela! Você não
vê que a maldade dela passa frio?"
"Olho este sistema, por fora. É meu velho
conhecido. O funcionamento é que eu não via! Alguns poucos em cima, outros muitos embaixo"
"O que é preciso para ser alguém?"
"Homem, duas almas lutam e
disputam em teu peito! Não te
ponhas a escolher. Uma e outra são teu
ser. Vive sempre dividido! Tu és o uno repartido!"
"Vês, Joana, como são os maus quem desperta a
tua compaixão?"
"Quem queremos ser? Que pernicioso projeto de
mundo é este que perpetuamos, muitas vezes, sem nem sequer perceber?"
Ocorreu-me, ao final destes
escritos, a lembrança de uma bela canção, do compositor e cantor Zé Ramalho, que, embora não faça parte
da trilha sonora deste espetáculo,
bem nele poderia ter sido inserida.
Mais
material para uma boa reflexão:
ADMIRÁVEL GADO NOVO
(Zé Ramalho)
Vocês, que fazem parte dessa massa
que passa nos projetos do futuro,
é duro tanto ter que caminhar
que passa nos projetos do futuro,
é duro tanto ter que caminhar
e dar muito mais do que receber.
E ter que demonstrar sua coragem,
à margem do que possa parecer.
E ver que toda essa engrenagem
já sente a ferrugem lhe comer.
Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!
(...)
O povo foge da ignorância,
apesar de viver tão perto dela,
e sonham com melhores tempos idos,
contemplam esta vida numa cela.
Esperam nova possibilidade
de verem esse mundo se acabar.
A Arca de Noé, o dirigível...
Não voam nem se pode flutuar.
Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!
Leonardo Netto, Luísa Arraes, Leandro Santanna e João Velho.
Considero o espetáculo um dos melhores da
safra de 2015, no Rio de Janeiro, e espero que faça uma nova e longa temporada
em 2016.
Já me cansei de ver excelentes produções,
como esta, fazendo carreiras de, no máximo, dois meses, por falta de... ...espaços,
...dinheiro, ...patrocínio, ...incentivo dos (des)governos...
SOS TEATRO DO RIO DE
JANEIRO!!!
#voltaasantajoanadosmatadouros
Dá gosto, atiça e
satisfaz o paladar, assistir a um BRECHT com bastante tempero brasileiro:
chucrute com pimenta.
“Êh, oô, vida de gado!
Povo marcado!
Êh, povo feliz!”
Elenco em ação.
Elenco, recebendo os merecidíssimos aplausos.
(FOTOS: FRANCISCO COSTA,
RICARDO
BRAJTERMAN
e
THAÍS
GRECHI)
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