MAMÃE
(CORAGEM E SENSIBILIDADE
EM FORMA DE UMA
CATARSE POÉTICA.)
E
eu, que achava que não assistiria a mais nenhum monólogo, nesta temporada de
2015, no Rio de Janeiro! Pensava ter visto todos, até que me lembrei de que não
havia assistido, ainda, a “MAMÃE”,
um belíssimo e emocionante espetáculo, que encerrou carreira no último domingo,
no Mezanino do Espaço SESC (Copacabana),
mas retornará, em 9 de janeiro de 2016, em outro teatro (Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto) (VER SERVIÇO).
Não
me lembro de um ano em que houvesse tantas, e boas, estreias, nos meses de
novembro e, principalmente, dezembro. Mas foi exatamente isso o que aconteceu
em 2015. Ao apagar das luzes tradicionais e ao acender das luzes natalinas,
fomos surpreendidos com magníficas estreias, excelentes surpresas. Uma delas é
esse lindo monólogo, escrito, interpretado e dirigido por ÁLAMO FACÓ, direção
dividida com CÉSAR AUGUSTO.
O
mínimo que se pode dizer sobre “MAMÃE”
é que, num arroubo de muita coragem e sensibilidade, ÁLAMO FACÓ nos presenteia com um belíssimo espetáculo em forma de uma
catarse poética, expondo um problema
particular, real, sem nenhum pudor, e mostrando uma ferida que parece estar
cicatrizada, a custa de muito sofrimento, é claro.
Álamo Facó.
SINOPSE:
Depois de a arquiteta Marpe Facó ter recebido um diagnóstico
de um tumor cerebral, em 2010, ÁLAMO
FACÓ, um de seus três filhos, vivenciou 100 dias de uma verdadeira jornada
emocional.
Sempre ao seu lado, o ator
e dramaturgo acompanhou, em detalhes, o tratamento, a luta e o dia a dia de sua
mãe.
Após seu falecimento,
mergulhou em um processo de criação, que chamou de “A Síntese do Relevante”, de onde nasceu o monólogo “MAMÃE”.
Influenciado por artistas,
como Sophie Callle, Lygia Clark e Bruce Nauman, a peça não traz o drama exacerbado das histórias com
essa temática nem, tampouco, sua estética traz os tons pastéis de um hospital.
A peça tem, como
prioridades, o encontro com o espectador e a busca pelo ineditismo, como
possibilidade.
FACÓ, um cenário incrível e uma luz idem.
De
acordo com o “release”, enviado pela
assessoria de imprensa (Lu Nabuco) (com
mínimos acréscimos deste crítico), já voltado para a reestreia, “O espetáculo
solo nasceu da necessidade de levar, aos espectadores, uma história real, sem sentimentalismos.
‘Apesar
do tema, a peça é coloridaça, uma peça para cima’, diz ÁLAMO FACÓ.
Não se atendo
a uma realidade documental, o texto dá voz à personagem MARTA, que, perdendo suas faculdades, começa a expandir sua
consciência a limites inesperados. ‘Eu sou o cérebro dela. Aqui, a dramaturgia
é usada como limite’, continua FACÓ.
‘MAMÃE’ traz à cena os tabus que
permeiam a morte, as variações do consciente e os limites do amor entre mãe e
filho.
Este é o
segundo monólogo, na carreira de ÁLAMO
FACÓ, e foi construído através de parcerias entre ele e pessoas pelas quais
cultiva respeito e admiração. ‘Esse é um espetáculo híbrido. Eu estou
envolvido em todos os âmbitos da peça. Eu a dirijo, mas, ao mesmo tempo,
convido o CÉSAR AUGUSTO, que é um artista que eu admiro muito, para dirigir
comigo. Com a BIA JUNQUEIRA, que é uma artista plástica completa, em quem
confio e a quem admiro, a mesma coisa; chamo-a para criar uma
instalação/cenário comigo. E isso se estendeu ao figurino, iluminação, som,
tudo!”.
Lázaro.
Confesso que
fui ver ao espetáculo com bastante medo de não suportar assistir a ele até o
fim, uma vez que minha mãe também faleceu de câncer, em outra região do corpo,
e uma “transferência” minha, da plateia para o palco, estaria por um fio, com
certeza. Temi muito sofrimento, mas FACÓ
tem toda a razão, quando diz que o espetáculo, a despeito de falar da morte, é
“para cima”. É é mesmo!
Sozinho, em
cena, num cenário fantástico, o qual, apenas ele, já valeria uma ida ao teatro,
reproduzindo um espaço onde habita uma pessoa doente, condenada à morte, cujo
sofrimento durou exatamente cem dias, a partir de um diagnóstico fatal, ÁLAMO FACÓ mostra que é um ator
intenso, entranhado, que mergulha no abissal, em busca das emoções, para dizer
um texto, como nesta peça, em que
lhe bastariam apenas as emoções da superfície, para a comunicação com uma
plateia, a qual deixa o teatro totalmente arrebatada, tocada, mexida, de forma
positiva.
Memórias...
ÁLAMO é um dos três filhos da falecida Marpe Facó. Ao elaborar o texto, resolveu trocar o nome da
mãe-personagem para MARTA, cujo significado
é "senhora",
"patroa" ou "dona de casa", "protetora do lar". Reuniu os três irmãos num só
personagem, LÁZARO, nome de um
personagem bíblico, Lázaro de Betânia,
que, segundo as sagradas escrituras (Evangelho
de João), era irmão de Marta e Maria Madalena, o qual ressuscitou, por milagre de Jesus Cristo, de quem era amigo. O
significado do nome LÁZARO é "Deus ajudou" ou “Deus
socorreu”.
A despeito de desconhecer a religião que segue FACÓ, se é que segue alguma, e, também,
não saber se a escolha do nome do personagem foi proposital, de qualquer forma,
o LÁZARO da cena é aquele que “ressuscitou” de uma morte em vida, a
quem “Deus socorreu”, pois, quando
perdemos um ente querido, morre, também, uma parte de nós.
A imagem fala por si I.
O espetáculo alterna momentos em que a dor da
despedida é potencializada com outros em que o personagem demonstra, até, um
certo alívio, pelo fato, talvez, de MARTA,
uma criatura tão produtiva, sensível, inteligente, tão especial deixar de sofrer, livrar-se
daquele padecimento.
Para mim, o trecho mais comovente do espetáculo é
exatamente o momento da passagem, quando o personagem, vai “incentivando” a mãe
a “partir”, como num rito, louvando seus feitos, sua vida de glória, andando,
ao redor da “cama”, aumentando, gradativamente, o volume da voz e o ritmo da
fala, culminando com aplausos e um olhar para alguém invisível, que ascende.
Foi o instante que me fez chorar. ÁLAMO ultrapassa o limite do espaço cênico, sai de sua área de
atuação e se aproxima da plateia, dizendo seu texto, cada vez mais emocionado,
e, a um pequeno desviar do olhar do que seria o leito de morte de MARTA para a plateia, sem dizer nada, esta
entende que ele a convida a também aplaudir a "senhora", a
"patroa" ou a "dona de casa", "protetora
do lar". E todos o seguem. Momento
de comoção extrema!
A imagem fala por si II.
Mas o texto
também tem seus momentos leves, nos quais até cabe uma pitada de bom humor, que
parece ter sido uma das características de MARTA,
em vida. Em passagens em que a enferma demonstra perturbações mentais, momentos
de falta de lucidez, de ausência do domínio pleno da consciência, já que o câncer se
localizava no cérebro, ela diz e faz coisas esdrúxulas, recriadas pelo filho, o
qual reproduz as falas da mãe, com voz e trejeitos, grosseira e propositalmente,
femininos.
O nível de interpretação de ÁLAMO FACÓ é
algo absurdamente perfeito, irretocável, digno de premiação.
Não é fácil
encarar um monólogo, menos ainda este, em que está em jogo remexer em gavetas
que, talvez, devessem ficar trancadas, para sempre. Mas ele, corajosamente, as
abre, escancara-as, o que parece lhe fazer um grande bem. E a nós também.
Álamo Facó.
Falar
da direção do espetáculo parece ser
desnecessário, uma vez que o próprio ator é responsável por ela, contando com a
colaboração de CÉSAR AUGUSTO. Não
sei como se deu o processo de criação de montagem do monólogo, mas, sendo assim, parece
quase um trabalho “livre” de direção,
embora haja marcações e intenções estudadas e estabelecidas previamente, facilmente perceptíveis.
BIA JUNQUEIRA, que assina o cenário, é uma artista que dispensa
adjetivos e teve, neste ano de 2015, vários momentos de extrema inspiração,
criando cenários e instalações cênicas que haverão de
ficar na memória dos amantes de TEATRO
e apreciadores de obras de arte. Este trabalho é uma delas.
BIA projetou um espaço único, no fundo
esquerdo da arena, que pode ser imaginado como o quarto da casa de MARTA, numa fase inicial da doença, ou
de hospital, na fase terminal. Não utilizou móveis e objetos convencionais,
para compor o ambiente. A “cama” é formada por quatro cadeiras de acrílico
transparente, duas delas dispostas uma em frente à outra, como a cabeceira e a
parte oposta da “cama”, com mais duas no meio daquelas, voltadas para a
plateia. Quatro aparelhos de nebulização bem grandes, transparentes, voltam-se
para a “cama”, na “cabeceira”, ligados, em ação, desde que o público
adentra a sala, produzindo muito vapor aromatizado. Eles só param de funcionar
quando MARTA morre. Representariam a
ebulição da vida. Nada que lembre um quarto de uma casa ou de um hospital. Um
trabalho muito criativo, de alguém que domina o seu ofício.
A iluminação, de FELIPE LOURENÇO, é outro detalhe que merece atenção, neste
espetáculo. Toda a iluminação é
feita com luz fria, produzida por lâmpadas fluoerescentes, tradicionais e
coloridas, dispostas, irregularmente, no espaço cênico, em várias posições,
inclusive no chão. As trocas de luz são excelentes e valorizam bastante cada
cena e o trabalho do ator.
A imagem fala por si III.
São ótimos o
trabalho de direção de movimento, de
LUCIANA BRITES e a trilha sonora, do próprio FACÓ e de RODRIGO MARÇAL. Este também assina a direção musical.
O figurino, de TICIANA PASSOS, é simples e confortável, funcional, para que o ator
possa se movimentar com destreza como o faz: descalço, uma calça comprida, uma
camisa social e uma jaqueta, raramente usada. Na maior parte do tempo, ÁLAMO se apresenta sem camisa.
A “ressurreição” de Lázaro!
FICHA TÉCNICA:
Texto
e Atuação: Álamo Facó
Direção: Álamo
Facó e César Augusto
Direção de Produção:
Carlos Grun
Direção de Movimento:
Luciana Brites
Direção Musical:
Rodrigo Marçal
Cenário: Bia
Junqueira
Luz: Felipe
Lourenço
Trilha Sonora:
Álamo Facó e Rodrigo Marçal
Direção Musical
do Performer: Lan Lanh
Figurino: Ticiana
Passos
Preparação Vocal:
Sônia Dumont
Fotos: Júlio
Andrade e Ana Alexandrino
Assessoria de
Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Projeto gráfico:
Mary Paz
Produção e
Realização: Bem Legal Produções e Álamo Facó
Colaboração
Artística: Dandara Guerra, Fernando Eiras, Remo Trajano, Júlio Andrade,
Tamara Barreto, Lidoka Martuscelli, Andrucha Waddington, Lully Villar, Marina
Viana, Victor Garcia Peralta, Cristina Flores e Renato Linhares.
O SERVIÇO
abaixo refere-se à segunda temporada,
que estreia no
dia 9 de janeiro de 2016,
no Espaço
Municipal Cultural Sérgio Porto.
SERVIÇO:
Local: Espaço Municipal Cultural
Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá – entrada pela Rua Visconde Silva,
sem nº, ao lado do posto Petrobrás) – Rio de Janeiro.
Categoria: Drama.
Temporada: Até 31 de janeiro de 2016.
Dias e Horários: De 6ª feira a
domingo, às 20h30min.
Valor do Ingresso: R$ 40,00 (meia-entrada,
para quem fizer jus ao benefício).
Bilheteria: Das 17h às 20h30min.
Telefone: (21) 2535-3856.
Duração: 70min.
Classificação Etária: 12 anos.
(FOTOS: JÚLIO ANDRADE
e
ANA ALEXANDRINO.)
"Mamãe" é imperdível!
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