quinta-feira, 7 de maio de 2015


O ACOMPANHAMENTO

 

 

 

(DE QUE LADO ESTÁ A "LOUCURA"?)

 

 


 

           

            Você é carioca? 

Gosta de TEATRO? 

Tem o hábito de assistir a espetáculos teatrais? 

Sabia que, dentro da Livraria Cultura, na Rua Senador Dantas, num local de facílimo acesso, no Centro do Rio de Janeiro, na Cinelândia, prédio onde funcionava o Cine Vitória, existe, no subsolo, um excelente teatro, para 186 pessoas, confortável e muito bem equipado, e por onde já passaram magníficas montagens teatrais?

Trata-se do Teatro Eva Herz. 

Em dois anos de existência, assisti a tudo o que lá foi encenado, desde sua inauguração, com o magnífico A Alma Imoral, em abril de 2013, e só me lembro de duas ou três peças que não eram de boa qualidade.  Quase tudo o que lá é encenado merecia ser visto por um número grande de pessoas, porém, infelizmente, as plateias desses espetáculos, com raríssimas exceções, não chegam a ocupar a metade da lotação da sala. 

E por que isso acontece, se, além da excelente localização, das ótimas pautas e do horário convidativo (19h ou 19h30min), os preços são bem reduzidos, competindo com os dos cinemas? 

Sabem por quê? 

Simplesmente, porque parece não ser do interesse da administração da livraria, que mantém teatros também em outras cidades, divulgar o Teatro Eva Herz do Rio de Janeiro.  Tenho notícias de que, em São Paulo, por exemplo, tudo funciona muito bem, quanto à divulgação.

E por que digo isso? 

Porque não há um letreiro, na porta da livraria, anunciando que, ali, funciona um teatro. 

Porque não fazem, na mídia, uma mínima divulgação do espaço e dos espetáculos lá exibidos.  Limitam-se a pôr um(a) locutor(a), pouco tempo antes do início das sessões, anunciando, no interior da loja, a peça em cartaz.  Isso pode atrair público?! 

Porque, para as produções colocarem um cartaz, um “banner”, na porta do teatro, há restrições, pelo fato de o prédio ser tombado pelo Patrimônio Histórico, segundo me informaram.

Enquanto isso, os produtores ficam no prejuízo, os atores, frustrados, e os espectadores amantes do TEATRO, como eu, inconformados e revoltados com tal situação, já que existe uma carência de salas de espetáculo na ex-Cidade Maravilhosa.

            No momento, lá, está em cartaz, e ficará até o dia 30 de maio, de 5ª feira a sábado, às 19h30min, um espetáculo que recomendo, com empenho: O ACOMPANHAMENTO, ótimo texto do argentino CARLOS GOROSTIZA, muito bem dirigido por DANIEL ARCHANGELO e interpretado por dois excelentes atores: WILMAR AMARAL e ROBERTO FROTA.

 

 

 


Tuco e Sebastian.

 

 

 

 
SINOPSE:
 
TUCO (WILMAR AMARAL) é um velho metalúrgico, que, ao ver se aproximar o momento de sua aposentadoria, abandona o emprego e resolve pôr em prática um velho sonho, o de ser cantor, muito embora (suas demonstrações, em cena, o comprovam), não seja dotado para exercer tal atividade artística.
Como era instado, pela família e por amigos, que o ridicularizavam, a abandonar aquela “ideia louca”, resolve, então, manter-se isolado, num porão, “ensaiando”, exaustivamente, para o grande dia de sua estreia, sempre aguardando a chegada do “acompanhamento”, isto é, dos músicos que o acompanhariam em sua nova carreira profissional, o que lhe fora prometido por um outro amigo, que apenas é mencionado no texto: Mingo.  Fica a critério do espectador inferir as reais intenções desse amigo.
Num belo dia, recebe a visita de um velho amigo, SEBASTIAN (ROBERTO FROTA), ao qual coube a difícil missão de demovê-lo daquele intento e “voltar à realidade”, o que significava “deixar a loucura de lado e retornar ao mundo da sanidade mental”.  Isso representaria ter de abrir mão de um sonho de uma vida inteira, para atender a imposições externas de quem o julgava insano.
Durante 60 minutos, o tempo de duração do espetáculo, o amigo faz de tudo, com muito cuidado, para demover TUCO de suas pretensões, atento para não ser ferido pela faca que o recluso mantinha em seu poder, a fim de se defender dos que ousassem atravessar seu caminho e tentassem impedir a realização de seu velho sonho.
O protagonista espelhava-se em seu ídolo, Carlos Gardel.  Muito a propósito, nesta montagem brasileira, o notável cantor de tangos cedeu lugar a Sílvio Caldas, um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos.  Merecida homenagem.
O peso de uma velha amizade e o respeito ao direito de sonhar fazem com que, SEBASTIAN embarque naquela linda “viagem”.
 

 

 

 


Será o “acompanhamento”?  Não!  É apenas o Sebastian!

 

 

 


Ensaiando.

 

 

            Há algo em comum, e muito bonito, entre a trajetória do personagem e a do protagonista da peça, uma vez que, apesar de médico, por formação, WILMAR sempre alimentou o sonho de poder representar, o que só conseguiu realizar a partir dos 60 anos, quando fundou sua própria produtora cultural, bancando seus espetáculos (já está no quinto). 

Ambos, TUCO e WILMAR, têm em comum a coragem de correr atrás de seus sonhos, combustível que faz mover a vida de qualquer ser humano.  Não ter sonhos ou abrir mão deles é estar condenado à infelicidade.  O ser humano nasce com duas grandes missões na vida: ser feliz e sonhar, não necessariamente nessa ordem.

 

 

 


Preparando o terreno...

 

 


A roupa para a estreia: a transformação.

 

 

 

O texto, ainda que muito conhecido e festejado, na Argentina, e já representado em vários outros países, é inédito no Brasil.  Foi escrito por CARLOS GOROSTIZA, um portenho, nascido no bairro de Palermo, Buenos Aires, em 1920, vivo, e atuante, aos 95 anos.  Se não me equivoco, também ganhou uma versão cinematográfica, em 1991.  Certamente, um argumento que daria, mesmo, um belo filme, nas mãos de um bom cineasta.

Sua primeira peça, The Bridge, na década de 40, dirigida por ele mesmo, já lhe rendeu notável sucesso. 

GOROSTIZA é muito respeitado e considerado, pelos críticos, em geral, como o iniciador do moderno teatro argentino. 

Em 1958, produziu seu segundo grande sucesso, como autor e diretor: O Pão da Loucura, uma obra que ganhou vários prêmios e, assim como tantas de suas peças, também foi encenada, com sucesso, em outros países.

Em 1981, foi um dos principais promotores do Open Theater, um movimento de resistência cultural que, criado por gente de teatro, proibidos pela ditadura, despertou um fervor popular, sem precedentes.

 

 

 


            Carlos Gorostiza.

 

 

A propósito, além da temática da peça, que gira em torno da luta do Homem pela realização de seus sonhos e pelo valor de uma sincera amizade, não se pode deixar de mencionar o que ela traz de cunho político. 

Sabendo-se que o texto foi escrito em 1981, quando a Argentina passava por um triste e lamentável período de uma cruel ditadura militar, metaforicamente, a peça pode ser compreendida como uma crítica ao regime de exceção e serve como um instrumento de conscientização dos espectadores, com relação a não perder a força e resistir contra a opressão.

Sem grandes apelos midiáticos, com uma produção modesta, em todos os sentidos, a equipe envolvida no projeto provou que é possível se fazer TEATRO da melhor qualidade com parcos recursos, o que é compensado por um excelente texto, uma brilhante direção, corretos cenários, figurinos e iluminação, além, evidentemente, de dois magníficos atores, genuinamente de TEATRO, o que faz uma grande diferença numa montagem teatral.

 

 

 


“Foram ‘eles’ que te mandaram aqui?”

 

 


Ameaça 1.

 

 

 

É ótima a direção de DANIEL ARCHANGELO, dinâmica, sem grandes “complicações”, proporcionando, aos atores, uma liberdade de ação, que só faz agregar valores à encenação.  DANIEL é um diretor de grande sensibilidade e merece todos os elogios neste seu segundo trabalho ao lado de WILMAR.  O primeiro foi em O Lugar do Passado, em março de 2014, no, INFELIZMENTE, fechado Teatro Sesc Casa da Gávea.  Não necesariamente, todo diretor precisa, antes, ser ator, mas, quando isso acontece, como é o caso de DANIEL, acho que o trabalho de direção fica mais “limpo” e “humanizado”, pois parece haver mais interação entre os dois profissionais, o que dirige e o que é dirigido.

A dupla de atores executa, com maestria, suas funções.  Embora o protagonismo esteja centrado em TUCO (WILMAR AMARAL), ROBERTO FROTA (SEBASTIAN), com sua vasta experiência nos palcos, sabe ser um bom “escada”, demonstrando talento e competência, além de conduzir a plateia a participar, também daquele momento, a se envolver com o drama de TUCO.  Um ator muito carismático, numa brilhante interpretação, comedida e convincente.

Se WILMAR for tão bom pediatra quanto o é, como ator, recomendo a todas as mamães que confiem seus pimpolhos aos seus cuidados.  Muito seguro no personagem, consegue emocionar o público, desde a primeira cena, e a contar com a sua cumplicidade, para que consiga tornar concreto o seu sonho, muito embora todos, na plateia, saibamos que ali não há nenhum talento de cantor.  Sua interpretação é tão verdadeira e comovente, que o aspecto técnico, de ter ou não voz, de ser ou não afinado, fica em segundo plano.  Somos seres humanos, que se projetam nas esperanças e no sofrimento de um semelhante “incompreendido”.  Isso só se dá, graças à excelente interpretação do ator.

 

 

 

                  

                      Wilmar Amaral                                          Roberto Frota

 

 


Resistindo à tentação de abortar um sonho.

 

 


Ameaça 2.

 

 

Quanto ao cenário, de CARLOS AUGUSTO CAMPOS, ao figurino, de RICARDO ROCHA, e à iluminação, de DANIEL ARCHANGELO, nenhum comentário especial, além de reconhecer que tudo funciona muito bem em cena e contribui para a beleza desta montagem.

Recomendo muito o espetáculo e, se tivesse de qualificá-lo com um único adjetivo, este seria “COMOVENTE”. 

Se pudesse utilizar dois, o outro seria “IMPERDÍVEL”.

 

 

 


Mudando de lado.

 

 


É só uma questão de ponto de vista.

 

 

 

 

 


FICHA TÉCNICA: 

Autor: Carlos Gorostiza
Tradução e Adaptação: Daniel Archangelo e Wilmar Amaral.
Direção: Daniel Archangelo 
Elenco: Wilmar Amaral e Roberto Frota 
Cenografia: Carlos Augusto Campos 
Figurino: Ricardo Rocha 
Iluminação: Daniel Archangelo 
Contrarregra: João Batista 
Assistente de Direção: Marianna Mugnaini 
Assistente de Cenografia: Yuri Azevedo 
Cabine: Daniele de Deus e Gustavo Martins 
Realização: Wilmar Amaral Produções Culturais Ltda 
Assessoria de Imprensa: Waléria De Carvalho 
Formação de Platéia: Aline Peres 
Art Designer: André Lacaz Amaral 
Fotos: Luiz Luz
 

 

 


Preparando-se para a apoteose.

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Local: Teatro Eva Herz – Livraria Cultura – Rua Senadsor Dantas, 45 – Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro.
 
Temporada: Até 30 de maio
 
Dias e Horários: de 5ª feira a Sábado, às 19h30min.
 
Duração: 60 minutos.
 
Classificação Etária: 14 anos.
 
Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada)
 

 

 

 


Apoteose: um “canta”, enquanto o outro “acompanha”.

 

 

 

 

 

(FOTOS: LUIZ LUZ)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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