EUGÊNIA
(UM
BOM EXERCÍCIO PARA TESTAR UMA ATRIZ.)
Sempre considerei um grande
“atrevimento”, no sentido de “coragem, ousadia”, alguém decidir encarar um
palco sozinho, num monólogo. Chamar a si
a responsabilidade de, sozinho(a) – não solitário -, em cena, contar uma história, divertindo e/ou emocionando o espectador, é
um grande teste para quem escolhe o ofício de representar. E, dependendo do texto, passar nessa prova
pode se revestir de um maior ou menor grau de exigência do(a) testado(a).
GISELA DE CASTRO escolheu realizar essa
prova e foi aprovada, com louvor!!!
O monólogo EUGÊNIA, texto de MIRIAM HALFIM, com direção de SIDNEI
CRUZ, interpretado por GISELA DE
CASTRO, em cartaz até 31 de maio
(2015), no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), é um texto que
exige muito de uma atriz decidida a viver a personagem.
Não que seja
um grande texto, em termos de dramaturgia, quase inexistente, aliás; é
razoável, com algumas passagens excelentes, que possibilitam, à atriz, explorar
sua grande capacidade interpretativa.
Não se pode, porém, negar, absolutamente, que o texto não seja fruto de
uma pesquisa séria e profunda, de sua autora, nos meandros da nossa
História. É muito dinâmico e tem de ser
interpretado por uma atriz que seja aplicada e competente no que faz, quer na
exploração do corpo (muita elasticidade e versatilidade), quer nas variações
faciais, quer nas modulações da voz, o que não chega a ser um grande problema
para alguém como GISELA, que já vem
acumulando outras boas interpretações e que desenvolve um excelente trabalho,
na pele dessa mulher, que fez parte da vida e da intimidade de D. João VI.
Mas qual o
propósito da peça e quem foi a personagem-título?
Creio não ter
sido outro o desejo da autora do texto, que não o de, apenas, nos apresentar a essa
mulher (ou ela a nós), a qual pode/deve ter feito, em algum momento, a alegria
de D. João, ao contrário de sua
esposa legítima.
Falar dos
casos extraconjugais de Carlota Joaquina,
a esposa de D. João VI, seu (mau) caráter - depravada,
infiel, cruel, a despeito das circunstâncias que a obrigaram a desposar o,
então, Príncipe Regente, quando
ainda menina, aos dez anos de idade – já não causa nenhum espanto à grande
maioria das pessoas, não é nenhuma novidade.
Isso já foi mostrado em grandes obras artísticas, peças e filmes, com
destaque para o magnífico musical Império,
de Miguel Falabella e Josimar Carneiro, e Carlota Joaquina, Princesa do Brazil,
de Carla Camurati.
Mostrar,
entretanto, um outro lado de D. João,
além da já tradicional figura do bonachão e comilão, sempre atrelado a uma coxa
de frango, aguça a curiosidade do receptor da história. Mais ainda, quando revela um lado adúltero,
até então, só atribuído à Megera de
Queluz (Carlota Joaquina de Bourbon).
Pois bem, EUGÊNIA José de Menezes, “morta, porém ótima”, é o nosso foco de
atenção.
Prazer!
Eugênia!
SINOPSE:
EUGÊNIA José
de Menezes, filha do Governador de
Minas Gerais, no final do século XVIII, engravidou de D. João VI e, para evitar escândalos, foi banida da corte.
Ela “volta”, agora, do mundo dos mortos, para relatar a sua versão dos
fatos, utilizando ganchos para ironizar a atual política no Brasil.
Por
uma sinopse tão curta, talvez não possa o leitor avaliar o que se passa em 55
minutos de espetáculo, o primeiro monólogo na carreira de GISELA DE CASTRO.
Segundo o “release” enviado pela produção/assessoria de
imprensa da peça, aqui adaptado e comentado:
“A partir de uma ampla pesquisa
histórica, a escritora MIRIAM HALFIM criou
o texto, por meio do qual EUGÊNIA “sai
do túmulo” e conta, com muito humor (até
negro) e ironia (chega ao escracho),
sobre seu envolvimento com o Príncipe
Regente de Portugal.”
COMENTÁRIO:
Como já disse, o texto é fruto de uma profunda e muito bem elaborada pesquisa,
o que lhe atribui pontos positivos.
Misturar elementos atuais aos fatos ocorridos à época da personagem,
provocando analogias com a política nacional vigente, com tudo o que há de
errado nela, também me agrada muito. Se
isso não ocorresse, possivelmente o espetáculo pudesse se tornar monótono, exatamente
o oposto do que se vê em cena.
A ideia de, surrealisticamente, “ressuscitar” a falecida, para
que ela mesma faça o relato de sua peripécias, é muito boa.
Carnavalizando.
“GISELA, na pele da
personagem EUGÊNIA, que emerge do
mundo dos mortos, para contar sua versão dos fatos históricos, revela os
meandros da nobreza, as farsas dos governantes e as artimanhas para abafar um
escândalo real: do romance entre a jovem e o príncipe, nasce uma bastarda, que
vive, por vários anos, no claustro de um convento distante.”
COMENTÁRIO: Parece um enredo folhetinesco,
mas é real; trata-se da narrativa de um fato que ocorreu e que, tornado
público, subverte o imaginário coletivo popular que se tem de D. João. Serve para desfazer um certo mito e mostrar o
lado humano de um ser que viveu à margem de seus reais desejos: não queria ser
rei, não escolhera Carlota como esposa, não tinha o desejo de transferir a
Corte para o Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte...
Bela, atraente e
sensual!
“A peça pretende discutir o papel da mulher na formação da identidade
brasileira, levantando questões de gênero ao longo da história, mas lançando um
olhar contemporâneo sobre a mulher do final do século XVIII e início do XIX.”
COMENTÁRIO: Sinceramente,
não concordo com essa parte do “release”, pois não consegui enxergar tal
pretensão no texto. Ou será que faltaram
elementos, para que isso pudesse ser entendido dessa forma? Ou será a minha pouca capacidade de
entendimento?
Talvez fosse melhor dizer (não com “pretende”)
que a peça mostra que é histórica, e bem antiga, a questão da submissão da
mulher, a maneira como ela é tratada, na sociedade brasileira, de uma forma
geral, em relação ao jugo do macho. Mas
vejo isso apenas como mais um elemento focado no texto, porém nada que mereça
grande destaque nesta peça, especialmente.
Caso esteja errado, faço, aqui, o “mea culpa”.
Cá estou!
“Quem
foi EUGÊNIA – bela, sedutora, amada,
usada, grávida, confinada em um convento?
O
intuito é revelar o feminino oculto e velado dentro de uma sociedade machista.
O
que significava/significa ser esposa, amante, concubina, mãe, freira, escrava,
prostituta, bastarda?
O Brasil
é uma nação de Bastardos?”
COMENTÁRIO: A resposta à
primeira pergunta do trecho anterior, do “release”,
é muito bem, e completamente, respondida na peça, por conta do excelente
desempenho de GISELA DE CASTRO.
“Revelar o feminino oculto e velado dentro
de uma sociedade machista” não chega a ser nada de inovador na
dramaturgia brasileira. Isso, portanto,
não conta muito.
A resposta à penúltima pergunta do bloco não
chega a ser muito diferente da que seria dada hoje. No caso de EUGÊNIA, o problema ganhou maiores dimensões, porque o autor da desonra
era o homem mais poderoso do Império (Ou seria Colônia? Não vem ao caso.).
Quanto à última pergunta, acho um pouco
exagerado afirmar (não que esteja sendo afirmado no “release”) que somos uma “nação de bastardos”, a despeito de haver vários casos disso ao longo da História
do Brasil, que se estendem até a Nova República.
Se tomado, porém, o vocábulo no sentido de “espúrio”, “ilegal”, “ilícito”, além de
outras acepções afins, o título nos cabe totalmente.
“Estou morta e estou
ótima!”
“A
ideia é revelar, ao público, a história inédita dessa mulher – cujo enredo
conta muito da História do Brasil, vista por de trás dos panos.
A
história real é um verdadeiro folhetim, que, na peça, vira uma saga, recheada
de sedução, com espírito de aventura, cuja discussão perpassa tanto pelo
trágico como pelo cômico.”
COMENTÁRIO: Praticamente,
nada a acrescentar. A saga de EUGÊNIA apresenta, em proporções
diferentes e com igual brilho, momentos que remetem à reflexão, mais sérios,
com outros que provocam risos, na maior parte do tempo, com bom humor, sem
desperdícios.
Eugênia, em três momentos.
Repetir que o trabalho de interpretação, de GISELA DE
CASTRO é excelente não é perda de tempo, e sim o merecido reconhecimento
por uma tarefa de difícil execução. Só
chamo a atenção para um pequeno detalhe que, se corrigido, poderia produzir um
melhor efeito cênico. Falo da
possibilidade de a atriz variar um pouco a entonação e o volume de voz, de
acordo com as situações. Por vezes,
senti-a um pouco monocórdia.
Quanto à direção,
de SIDNEI CRUZ, ela muito me agrada,
com destaque para a liberdade que concedeu à atriz, para explorar todo o espaço
cênico – e, aí, conta, também, a ótima preparação
corporal, de MORENA CATTONI.
GISELA, por vezes, em cena, parece uma artista circense, uma
contorcionista; um “azougue”, como dizia a minha avó Leonor.
Excelente trabalho corporal.
Tentação.
Como o TEATRO
comporta vários setores, para a montagem de uma peça, entretanto todos precisam
trabalhar em conjunto, na base da troca, este espetáculo é uma bela prova
disso, se considerarmos o trabalho da
atriz, a direção, o engenhoso,
criativo e fantástico cenário, de JOSÉ DIAS, mais a iluminação, de AURÉLIO DE SIMONI e os belos,
funcionais e, também, criativos figurinos,
adereços e “design de aparência” da atriz, assinados por Samuel Abrantes.
Esse conjunto de fatores é responsável, por exemplo, por
cenas marcantes, como a “ressurreição” de EUGÊNIA,
primeira cena da peça, que causa grande impacto na plateia. A ideia de, antes de se apresentar ao público,
ir atirando, desordenadamente, no palco, de dentro do seu túmulo, caixas de diversos
tamanhos, como se fossem suas memórias vindo à tona, é, simplesmente, genial.
E agora, eu!
Desencaixotando as memórias.
Exibicionista.
Outra cena que merece ser aplaudida é aquela em que a
atriz ingere quase um litro de água, de uma só vez, contida numa garrafa
quadrada, e, quando a plateia fica se perguntando o porquê daquilo, a atriz nos
surpreende, utilizando a garrafa, agora vazia, como se um barco fosse, a navegar
por rios e mares, estes, as bordas da caixa/túmulo. Tudo, é obvio, acompanhado de um texto pertinente
à cena.
Também é muito criativa, e bastante engraçada, a cena em
que EUGÊNIA canta e dança um “funk”. Aproveito, aqui, para fazer um elogio à direção musical, composição e execução,
de BETO LEMOS.
Ao final da peça, disse-me GISELA que sua pequena filha, de seis anos, comentando a peça,
saiu-se com esta pérola: “Pena que não
tem ninguém pra brincar com você!”, referindo-se, é lógico à falta de atores
para contracenar com a mãe.
A visão lúdica do TEATRO,
que a pequena Lara e todas as
crianças têm, de que aquilo é uma grande brincadeira, ainda que nós, adultos,
saibamos da sua seriedade, passa à plateia, em EUGÊNIA, mesmo que GISELA
tenha de “brincar sozinha em cena”.
Foi uma gratíssima surpresa ver esse espetáculo, que
recomendo, neste final de temporada, esperando que possa se transferir para
outro espaço, mais conhecido e acessível que o Teatro Maria Clara Machado, que mais parece um cemitério “administrado”
pelo “governo” municipal.
FICHA
TÉCNICA:
Texto -
Miriam Halfim
Direção - Sidnei Cruz
Interpretação - Gisela
de Castro
Direção musical,
composição e execução - Beto Lemos
Cenário - José Dias
Figurino, Adereços e Design
de Aparência da Atriz - Samuel Abrantes
Iluminação - Aurélio de
Simoni
Direção de Produção -
Maria Alice Silvério
Assistente
de Direção - Viviane Soledade
Assistentes
de Produção - George Luis Prata, Anderson e Carolina Godinho
Assistente
de Figurino - Rosa Ebee
Preparação
Corporal - Morena Cattoni
Preparação
Vocal - Verônica Machado
Fotos e
Programação Visual - Thiago Sacramento
Assessoria
de Imprensa - Armazém Comunicação
SERVIÇO:
Temporada: 11 de abril a 31 de maio de 2015.
Horário: sexta-feira, sábado
e domingo, às 20h30min.
Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea)
Endereço: Rua Padre Leonel
Franca, 240, Gávea
Tel: 2274-7722
Ingressos: inteira R$30,00,
meia R$15,00
Capacidade: 120 pessoas
Duração: 55 min
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia
(FOTOS: THIAGO SACRAMENTO.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário