A TOCA DO COELHO
(DÓI, MAS PASSA. PASSA?)
É
ou não é mecanismo de defesa?
A gente vai
adiando, adiando, adiando... Sempre há
uma desculpa, para justificar a procrastinação.
Mas a verdade é uma só: covardia, medo.
Medo de tocar na ferida. Que não
foi na minha carne, mas pode ter sido (e foi) na minha alma.
Muita
conversa - talvez com a intenção latente de retardar um pouquinho mais – para anunciar
uma resenha sobre A TOCA DO COELHO,
que mexeu muito com o meu emocional e de, praticamente, com o de todos os
espectadores, e que está em cartaz, no Teatro
do Leblon (Sala Fernanda Montenegro), tendo estreado no dia 7 de março, e
vai ficar em cartaz até 8 de junho, às 6ªs e sábados, às 21h, e, aos domingos,
às 18h.
A peça estreou
no dia 7 de março, assisti a ela no dia 8, e só hoje, quinze dias depois,
apoio-me em todas “muletas” que encontrei para escrever sobre ela.
Por quê? Porque qualquer perda faz doer muito, e a
morte é a maior das perdas. E a morte de
um filho, o que contraria a lei natural da vida, é a mais dolorida de todas as
perdas.
Para
que você, que ainda não assistiu à peça, fique inteirado(a) do que vai ver em
cena, aqui vai uma sinopse do texto:
PAULO
e REBECA, respectivamente, REYNALDO GIANECCHINI e MARIA FERNANDA CÂNDIDO, formam um
casal, que teve sua vida completamente alterada com a morte de um filho de
quatro anos (DANI), há oito meses,
quando a peça começa.
O menino morrera atropelado por um
adolescente de 17 anos, quando corria atrás de seu cachorro, o qual fugira para
a rua, aproveitando-se de um descuido do pai da criança, que esquecera o portão
aberto.
A partir de então, os dois tentam,
cada um a seu modo, reencontrar um sentido para a vida, tentando refazê-la,
lutando contra todos os fantasmas que aquele dia fatídico lhes reservara.
Ambos se comportam como se estivessem vagando
ou presos, num labirinto de memórias, culpas e recriminações, do qual não
conseguem escapar, para o qual tudo indica não haver uma saída. Enquanto ela, mergulhada em profunda
introspecção, tenta encarar o fato como um acidente, uma armadilha montada pelo
destino (mecanismo de defesa), tentando se livrar de tudo que possa remetê-la à
memória do filho, como, por exemplo, desfazer-se de suas roupas e brinquedos,
ele parece mais obstinado a encontrar um culpado para o que aconteceu, embora
aparente suportar melhor a perda, apelando, ao contrário da mulher, para o
conforto encontrado nas reminiscências do filho, evocadas por desenhos, roupas
e um vídeo antigo. É exatamente nisso,
ou valendo-se disso, que ele busca conforto para
seguir adiante, mas com os olhos voltados para o verdadeiro culpado daquela tragédia. E por que não ele? E por que não?
A gravidez, inesperada, de uma
inconsequente e destemperada irmã caçula de
REBECA, ISA (SIMONE ZUCATO), faz com que BECA
passe a refletir um pouco mais sobre a dor da perda e a alegria da chegada, de
um novo ser, de mais um membro daquela família, mas não para ocupar um vazio
irreparável.
Participa da trama, também, a mãe de BECA e ISA, NAT, vivida por SELMA EGREI, que, por ter passado pelo
mesmo problema (também perdera um filho, quando criança), torna-se mais
permeável ao problema, por uma ferida já cicatrizada (Será?), por uma
experiência dolorosa já superada (Será?), e procura ajudar a filha, para que
esta supere o seu drama, ainda recente.
Uma visita do rapaz “responsável” pelo
atropelamento, JASON, vivido por FELIPE HINTZE, remoído pela culpa, que
chama para si, vai alterar toda a triste rotina daquele casamento em crise, uma
vez que BECA, surpreendentemente,
estende a mão, para amparar o jovem em seu papel de vítima, e este acaba por se
tornar um pilar que a ajudará a se sustentar e prosseguir, rumo à
felicidade. Uma estranha amizade surge
entre os dois e o resto... É silêncio.
Confira, assistindo ao espetáculo.
O texto, pela primeira vez encenado no
Brasil, é do americano DAVID
LINDSAY-ABAIRE, ganhador do Pulitzer
em 2007, e ainda rendeu um Tony à
atriz americana que interpretou BECA,
na montagem da Broadway. Ainda que denso,
tenso, nele cabem momentos de descontração, por conta das personagens ISA e NAT, aquela pródiga em linguagem chula.
Ao contrário do que muitos possam pensar, o
texto não joga o espectador para baixo.
Ou melhor, pode até jogá-lo, mas, concomitantemente, um elevador é
acionado e o humor provocado pelas duas o impulsionará, para cima, novamente,
em alternâncias constantes.
Estreante na direção, o grande ator DAN STULBACH o fez com o pé direito,
demonstrando saber como extrair o que de melhor o texto contém, sabendo, ainda,
explorar muito bem as rubricas do autor (imagino, pelo que vi em cena). DAN
não permitiu que o texto descambasse para o
melodramático. Também soube conduzir,
com maestria, sua direção, para que muita coisa importante do subtexto pudesse
ser captada pelos espectadores, o mais importante da mensagem da obra, segundo
ele.
Não há somente prejuízos na perda; pode haver ganhos
também, se quem nela estiver envolvido souber tirar proveito da situação, para
uma reflexão e um aprendizado. E é o que
ocorre em A
TOCA DO COELHO. Depois da perda e de todas as implicações
negativas nela envolvidas, a plateia tem a oportunidade de perceber e
acompanhar a mudança na relação entre as irmãs, mãe e filha e na do próprio
casal.
Ressalto, agora, duas falas que me marcaram muito na
peça. Uma revela a revolta incontida de BECA, contra Deus, quando pergunta ao
marido: “Ele queria mais um anjo?! Ele
não é Deus? Por que não criou um?”. A outra, também dita pela personagem de MARIA FERNANDA, questiona o porquê de
“sua culpa” pela morte da criança: “Eu, que fiz tudo certinho, que fui correta, por que
comigo?”.
O elenco não poderia ter sido mais bem
escolhido.
MARIA FERNANDA CÂNDIDO, além da beleza física que lhe proporcionou a natureza, é
uma atriz de grande potencial e já o demonstrou em produções anteriores. Comporta-se muito bem em cena, sem, em nenhum
momento, escorregar para o piegas ou para o seu oposto.
REYNALDO GIANECCHINI não precisa provar
mais nada. Ele não é só uma “carinha bonita”. O ator, que começou sua carreira de forma não
muito convincente, como qualquer outro, estudou, dedicou-se bastante ao ofício
de representar e o leva muito a sério, demonstrando, nesta peça, um
visível amadurecimento profissional. Faz um trabalho irretocável.
SELMA EGREI, em cena, não faz mais do
que ratificar seu grande talento de intérprete.
SIMONE ZUCATO, que também acumula as
funções de uma das tradutoras do teto e uma das produtoras do espetáculo, ainda
arranjou tempo para compor, de forma correta, sua personagem.
O jovem FELIPE HINTZE, apesar de suas
meteóricas aparições em cena, sabe como fazê-las marcantes e é responsável por uma
boa atuação.
Na excelente tradução do texto, SIMONE ZUCATO contou com a parceria de ALESSANDRA PINHO.
São bons, sem
grandes destaques, o cenário, de ANDRÉ CORTEZ, e os figurinos, de ADRIANA HITOMI.
Igualmente interessante
é o desenho de luz, assinado por MARISA BENTIVEGNA, e a trilha sonora original, composta por DANIEL MAIA.
A TOCA DO COELHO deve ser vista por
todos e não é, absolutamente, um espetáculo que leve o espectador à depressão. É bem verdade que algumas pessoas, que se
identificam mais diretamente com a temática da peça, saem do teatro aos prantos
(fui testemunha) e outras tantas, no mais profundo silêncio, mas nada que uma simples
frase, ou duas, não possam curar:
É TEATRO.
“LEVANTA, SACODE A POEIRA E DÁ A VOLTA POR
CIMA”. (Paulo Vanzolini)
(FOTOS DA PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO)
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