quinta-feira, 29 de agosto de 2024

“HEDDA GABLER”

ou

(TEATRO MAIÚSCULO,

COM GOSTINHO

DE ANTIGAMENTE.)





             Não é o TEATRO, de forma generalizada, que me leva, do Rio de Janeiro a São Paulo, a cada dois meses, em média; é o TEATRO MUSICAL, especificamente, um segmento da arte de representar pelo qual tenho paixão, mais um pouquinho, em relação aos outros tipos. A capital paulista é pródiga em grandes produções desse tipo de espetáculo, muito mais que no Rio, ostentando faraônicas montagens, as quais, a meu juízo, por conhecer muitas de fora do país, não ficam nada a dever às da Broadway e West End, a maioria das nossas, sem o menor tom de ufanismo e exagero. Por outro lado, sempre que há um outro tipo de bom TEATRO em cartaz e a minha agenda comporta, dedico uma noite ou outra a peças que não são musicais, o TEATRO declamado, porque, quando é bom, não importa o tipo de peça. Na última visita a São Paulo, tive a oportunidade de assistir a uma montagem de “Álbum de Família”, sobre a qual já escrevi a crítica, e a outra. de “HEDDA GABLER”, motivo destes escritos; dois representantes do TEATRO tradicional. Minha decisão de assistir, na capital econômica do país, aos espetáculos que escolho se dá quando tenho a certeza de que não haverá chances de virem para o Rio, o que me causa muita pena dos que não terão a oportunidade que eu tive.

 



 

       Havia três motivos, para que eu incluísse, no meu roteiro, uma ida ao Auditório do MASP, onde a peça esteve em cartaz até o último domingo (25 de agosto de 2024), motivo pelo qual, obviamente, não incluo aqui o SERVIÇO da peça, na expectativa de que ela ainda volte ao cartaz, em outra(s) temporada(s). Assisti à montagem na sua penúltima semana em cartaz (dia 16), mas não tive tempo para escrever esta crítica, que a encenação bem merece. E quais seriam esses motivos? Um deles foi o simpático convite, como sempre, do meu querido amigo ANDRÉ ROMAN, responsável pela produção executiva do espetáculo, se bem que eu já vinha manifestando o desejo de conhecer a encenação. O segundo foi o desejo de ver uma nova leitura do texto, depois de uma que tive o privilégio de testemunhar, em 1982, no Teatro Glaucio Gil, aqui, no Rio, uma inesquecível montagem, com direção de Gilles Gwizdeck, representada por um elenco de notáveis, onde se destacavam Dina Sfat, Cláudio Marzo, Otávio Augusto e Edney Giovenazziembora as três outras atrizes também estivessem muito bem em seus papéis. E o terceiro, sem que nenhum se sobreponha aos outros dois, foi prestigiar mais um trabalho do excelente CÍRCULO DE ATORES, uma companhia de TEATRO, criada em 2014, em São Paulo, reunindo profissionais de TEATRO que - para além de atuar – “desejam estabelecer relações de colaboração e escolha em todas as fases de produção da obra teatral. Outro objetivo é abrir espaço para novos criadores, tradutores, autores e diretores”. Aprecio, imensamente, o trabalho deles, em espetáculos anteriores, que tive a feliz oportunidade de conhecer, como “A Profissão das Sra. Warren” (2018), “A Milionária” (2018) e “O Dilema do Médico” (2023). Posso até acrescentar uma quarta motivação: ver um trabalho de direção de CLARA CARVALHO, que eu já admirava tanto, como atriz, e que, agora, mais aplaudo, a quem coube, ainda, a tradução do texto de IBSEN.

 

 


 

 


         A peça, uma tragicomédia, escrita em 1890, ainda que seja bem atual e apresentada como um tema universal, mais em algumas sociedades que em outras, já teve outras montagens no Brasil, além da atual e da que foi citada por mim, de 1982: a primeira, em 1907; outra, nos anos 1920; mais uma, em 1937, e uma outra, em 1965.

 


 

SINOPSE (Curta):

A peça conta a história de Hedda Gabler (KAREN COELHO), uma mulher voluntariosa e fascinante, que, ao regressar de uma prolongada lua de mel, que durou seis meses, descobre que não consegue suportar a vida, que considera medíocre, com seu marido, Jorge (GUILHERME GORSKI).

A protagonista é a filha única de um militar, que lhe deixou, como herança, apenas um velho piano, um quadro, duas pistolas e a arrogância.

Casou-se, sem amor, com um homem que não admirava e criou, para si mesma, uma armadilha sem saída.

Ela é convencional demais, para sair do casamento ou aceitar um triângulo amoroso, proposto pelo Juiz Brack (SERGIO MASTROPASQUA), por considerar o adultério uma “condição vulgar”.

Mas, também, é inquieta: rejeita sua gravidez e não suporta a vida conjugal com um homem que considera fraco e desinteressante.

 

 

 

 

SINOPSE (Detalhada):

(Extraída, com adaptações, da Wikipédia.)

Quando a peça inicia, Hedda (KAREN COELHO) e Jorge (GUILHERME GORSKI), acabam de voltar de sua lua de mel, que teve seis meses de duração.

O marido passou seu tempo estudando e trabalhando, enquanto Hedda confidencia ao seu amigo, Juiz Brack (SERGIO MASTROPASQUA), ter ficado entediada.

Hedda Tesman é filha do falecido general Gabler, que, obviamente, só aparece num grande retrato, morto sem lhe deixar herança.

Perto dos trinta anos, acabou se casando com Jorge Tesman, que conta com uma bolsa de estudos em História da Arte.

Ele foi educado pelas tias, Juliana – Tia Ju (CHRIS COUTO) e outra, que não aparece em cena, apenas citada, e, agora, está esperando por uma cadeira na Universidade.

Hedda está grávida, fato que esconde de todos.

Logo que chegam de viagem, o marido descobre que precisará competir pela cadeira, na Universidade, justamente com um dos antigos admiradores de Hedda, Eilert Lovborg (CARLOS DE NIGGRO), conhecido por ser um boêmio; talentoso, mas propenso a beber demais.

Apesar disso, ele tem vivido sobriamente e está escrevendo duas teses, em colaboração com Thea Elvsted (MARIANA LEME), que está apaixonada por ele, tendo, inclusive, deixado o marido, para segui-lo.

No curso de apenas dois dias, Hedda participa de uma série de acontecimentos com consequências dramáticas.

Ela consegue embebedar Lovborg e ele perde o manuscrito de seu novo livro.

Jorge o encontra e o dá à esposa, para cuidar, mas esta não conta a Lovborg, queima o manuscrito e lhe dá uma das pistolas de seu pai, dizendo-lhe para atirar em si mesmo.

Lovborg leva, porém, um tiro acidental, em um bordel, e o Juiz Brack, que sabe de onde a pistola veio, usa esse conhecimento para chantagear Hedda, a fim de que ela se torne sua amante.

Thea e Tesman se ajudam num trabalho de reconstrução do manuscrito de Lovborg, por meio de anotações que Thea havia mantido consigo.

Quando Hedda percebe que ela está sob o poder do Juiz Brack e não tem mais nada para viver, suicida-se, com a segunda pistola deixada pelo pai general.

 

 

   Consagrado dramaturgo norueguês, considerado, universalmente, um dos maiores, de todos os tempos, HENRIK IBSEN tem como uma de suas principais características, como autor, a criação de uma galeria marcante de personagens femininas, que exprimiam o profundo mal-estar e a opressão das mulheres na sociedade de seu tempo. Dessa forma, acho sempre mais que oportunas montagens, nos dias de hoje, de suas peças. Hedda Gabler, a mulher, não é exceção, sendo o papel cobiçado por grandes atrizes, já que a construção da personagem é um grande desafio, que requer muito trabalho de cunho psicológico e emocional. Desde quando a conheci, antes de vê-la num palco, através de leitura detalhada da obra e debates, num dos cursos de Literatura Dramática Comparada, durante meu curso de Letras, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, percebi nela um caráter forte e enigmático, que se aproximava, um pouco, ao de Capitu, de Machado de Assis, a dos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, com relação a seu “mistério”.

 

 



  A montagem é idealizada pela pesquisadora ROSALIE RAHAL HADDAD, a quem agradeço, primeiramente, por este trabalho e pelo que levou a efeito em “O Dilema do Médico”, espetáculo que não me cansei de aplaudir, no ano passado, e sobre o qual tive a oportunidade de escrever uma crítica (https://oteatromerepresenta.blogspot.com/2023/02/o-dilema-do-medico-ou-uma-escolha-de.html). Os que se empenham em fazer nascer uma ótima produção teatral merecem ser reverenciados, estendendo-se o preito a todos os que, de uma forma ou de outra, “deram a sua mexidinha no caldeirão mágico do TEATRO”. 

 

 

  A pertinência desta peça, no atual momento por que passa o planeta, é total, podendo ser vista como “um microcosmo da sociedade atual, que está em mudança, mas ainda lida, todos os dias, com as dificuldades que a mulher enfrenta, em busca de respeito e igualdade”. Como exemplo disso, causou-me, ontem mesmo, um misto de revolta, horror e nojo a decisão dos talibãs, não satisfeitos, ainda, com o modo estúpido e cruel, como tratam as mulheres, de proibir que elas “falem em público”. O absurdo é de tal monta que, se, num supermercado, por exemplo, uma mulher, que é obrigada a sair de casa, sempre, na companhia de um homem da família, se o deslocamento for além de um determinado perímetro de sua residência, precisar saber alguma informação sobre algo que deseja comprar, é obrigada a sussurrar, no ouvido do homem acompanhante, para que ele se dirija à outra pessoa. UM DESCALABRO TOTAL! (Parece que os fundamentalistas islâmicos sunitas são muito fãs daquele brinquedo chamado “telefone sem fio”. Momento descontração! Rir, para não chorar. Contém toneladas de sarcasmo!!!). Talibãs à parte, se temos, hoje, uma sociedade radicalmente machista, na maior parte do planeta, imaginemos o que acontecia há 134 anos.   

 

 

          Mesmo tendo sido escrita há quase um século e meio, são visíveis, na leitura da obra, toques de modernidade, propostos por CLARA CARVALHO, em sua função de dar corpo ao espetáculo, ainda que traços muito expressivos e características da época em que se dão as ações tenham sido bem preservados. Como uma das características do “cheirinho de contemporaneidade”, temos a sábia decisão de manter todos os atores no palco, fora do foco da ação principal, quando não fazem parte dela. Outro detalhe que atesta o tom hodierno desta encenação é a presença, também fora da cena, porém mantido no espaço cênico, à vista do público, do magnífico multimusicista GREG SLIVAR, o qual faz toda a diferença, nas cenas, quase todas, em que se encarrega de tocar uma trilha sonora original, composta por ele mesmo para o espetáculo. De suas mãos, saem sons de piano, teclado, violoncelo, entre outros instrumentos musicais. Ainda com relação à parte musical, destaco as participações da estupenda atriz NÁBIA VILLELA, em alguns momentos, cantando em um microfone, nas mesmas condições de GREG, no outro extremo do palco. Também ela, no mesmo microfone, fora de cena, mas também vista pelo público, dá algumas falas, anunciando os visitantes. Todos esses detalhes me agradaram bastante.


 

 

            A cenografia da peça é um dos grandes acertos desta produção. CHRIS AIZNER, que a assina, não economizou talento e foi muito além do que eu imaginava encontrar, criando um cenário de grande porte horizontal e de fundura, que ocupa, por completo, o espaçoso palco do Auditório do MASP. A história se passa na cidade de Cristiânia, atualmente, Oslo, capital da Noruega, no final do século 19. Sendo assim, a cenógrafa reproduziu uma casa aos moldes da época e da cultura local, tomando a liberdade de agregar, ao ambiente, algumas “licenças poéticas” modernas. Divido o ambiente em dois. A grande maioria das ações acontece numa suntuosa sala de estar da residência do casal Tesman. Ao fundo, a parede é vazada, construída com amplos janelões, cujos vidros deixam à mostra o segundo espaço do cenário: um corredor que leva a uma biblioteca ou escritório do dono da casa. Nas duas laterais do palco, à frente, detalhes de um jardim, com plantas de grande porte. O passado e o presente se fundem numa deslumbrante cenografia, digna de premiação.

 


 

         Também chamam a atenção os sóbrios e elegantes figurinos de época, também com uma pincelada ou outra de elementos atuaia, criados pelo bom gosto de MARICHILENE ARTISEVSKIS. 

 

 

         O espectador, mesmo os que se sentam ao fundo do auditório, têm a oportunidade de se deleitar com o belo, proporcionando, a seus olhos, constatar as delícias e riquezas de detalhes da cenografia e dos figurinos, graças ao requintado, e adequado a cada cena, desenho de luz, pensado e posto em prática por NICOLAS CARATORI.

 

 

 

          Todos os artistas de criação e os técnicos presentes na FICHA TÉCNICA, e que contribuem, sobremaneira, com seu trabalho e sua competência, para fazer com que o milagre do TEATRO aconteça, a cada sessão, são importantíssimos, e esse trabalho coletivo permite que um elenco de grandes atores, de TEATRO – é muito importante que se diga, independentemente de atuarem em outras mídias –, possa se destacar, cada um por meio de seu personagem, seja ele de grande participação na trama ou com um papel menor. São eles: KAREN COELHO (Hedda Gabler), GUILHERME GORSKI (Jorge Tesman), CARLOS DE NIGGRO (Eilert Lovborg), CHRIS COUTO (Juliana Tesman - Tia Ju), NÁBIA VILLELA (Berta), MARIANA LEME (Thea Elvsted) e SERGIO MASTROPASQUA (Juiz Brack). Ainda fosse eu jurado de um prêmio de TEATRO que laureasse o MELHOR ELENCO, com a maior certeza, o desta peça seria uma das minhas indicações.

 

 





 

              Jamais dedicaria o mínimo de meu tempo a fazer comparações entre esta excepcional montagem e a outra que me marcou, e me marca até hoje, entretanto – e acredito que o que direi, de certo, vai soar aos ouvidos de KAREN COELHO como um grande e merecido elogio – não posso deixar de registrar minha total aprovação ao brilhante trabalho da atriz, que, em nada, fica a dever à marcante interpretação da saudosa Dina Sfat. KAREN desfila sua personagem, da primeira à última cena, com total desembaraço, força e personalidade. As mulheres de hoje hão de se identificar com ela, no sentido de que Hedda encarna o profundo mal-estar existencial da mulher do final do século XIX e de sua busca por um lugar dentro da opressiva sociedade patriarcal”, que não difere dos anseios da mulher do século XXI. A protagonista não consegue descobrir sua vocação e não exerce uma profissão que lhe dê alguma autonomia econômica”, daí a se sujeitar a um casamento enfadonho, por interesse ou necessidade. É extremamente sarcástica e impiedosamente astuta a personagem protagonista.

 

 



 

          Todos os demais do elenco se comportam da forma mais digna e profissional possível, elegantes, no comportamento, e cônscios de sua responsabilidade no desenvolvimento da trama. Todos, sem qualquer exceção, são dignos de muitos aplausos e destaco NÁBIA VILLELA, a qual atua brilhantemente em qualquer tipo de espetáculo, com a capacidade de valorizar um papel de menor participação no enredo, como a criada Berta. NÁBIA, nesta peça, como vivo a repetir, e não me canso de fazê-lo, é um exemplo vivo de que coadjuvante é o(a) personagem; nunca, o bom ator. Concluo meus comentários sobre o harmonioso elenco, dizendo que todos saltam uma régua desafiadora, colocada a uma altura considerável, de recordes, e atuam dentro do que pedem seus ricos personagens.

 

 




FICHA TÉCNICA:

Idealização: Rosalie Rahal Haddad

Texto: Henrik Ibsen

Tradução: Clara Carvalho

Direção: Clara Carvalho

 

Elenco: Karen Coelho (Hedda Gabler), Guilherme Gorski (Jorge Tesman), Carlos de Niggro (Eilert Loveborg). Chris Couto (Juliana – Tia Ju), Nábia Villela (Berta), Mariana Leme (Thea Elvested) e Sergio Mastropasqua (Juiz Brack)

Cenografia: Chris Aizner

Figurinos: Marichilene Artisevskis

Iluminação: Nicolas Caratori

Trilha Sonora Original (ao vivo): Gregory Slivar

Preparação Vocal: Babaya Morais

Assistência de Direção: Mariana Muniz e Thiago Ledier

Visagismo: Marcos Padilha

Costureira: Judite Lima

Camareira: Eliza Galdino

Cenotecnia: Alicio Silva

Produção de Objetos: Jorge Luiz Alves

Operação de Luz: Luisa Silva

Direção Técnica e Operação de Som: Valdilho Oliveira

Fotografia: Ronaldo Gutierrez

“Design” Gráfico: Rafael Oliveira

Produção: SM Arte e Cultura

Direção de Produção: Selene Marinho

Coordenação de Produção: Sergio Mastropasqua

Produção Executiva: André Roman/Teatro Jardim

Direção de Palco: Henrique Pina

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes

Gerenciamento de Redes Sociais: Sergio Mastropasqua, Selene Marinho e Luisa Silva

Realização: Círculo de Atores

 


 



         Foi um prazer enorme e indescritível ter conseguido assistir a mais uma encenação do CÍRCULO DE ATORES. Espero, em outras oportunidades, poder repetir as delícias daquela agradável noite. Seria uma honra e uma alegria enorme poder receber o espetáculo no Rio de Janeiro. Não sei se o público carioca, de hoje, estaria tão interessado nesse tipo de tragicomédia, mas garanto que eu estaria, mais uma vez, na primeira fila, para aplaudir, de pé, um espetáculo dessa categoria. 

 



 

 

FOTOS: RONALDO GUTIERREZ








GALERIA PARTICULAR
(Vários fotógrafos):


Com Chris Couto.


Idem.



Com Carlos Eduardo Sabbag Pereira, 
Selene Marinho e André Roman.


Com parte do elenco da peça e Celso Frateschi.


Com Karen Coelho.

 



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