“VOZ DE VÓ”
ou
(UMA AVÓ DE TODOS NÓS,
PARA TODA A FAMÍLIA.)
Sempre que vou a São Paulo, procuro assistir ao
espetáculo para crianças que esteja em cartaz no Teatro do SESI – SP,
dentro do Centro Cultural FIESP, e nunca me arrependo. Na minha estada
mais recente na capital paulista, tirei o final da manhã de uma sexta-feira,
dia 29
de setembro, para assistir a “VOZ
DE VÓ”, um lindo e delicioso espetáculo, que me ganhou já pelo título. Além
disso, tratava de um assunto muito importante e trazia, na FICHA TÉCNICA, nomes de grandes artistas que se dedicam ao fazer
teatral.
“VOZ DE VÓ” é um
espetáculo direcionado à família, como acho que deveriam ser todas as chamadas “peças
infantis”. Sim, porque são divertidos e transmitem notáveis
ensinamentos, os quais ganham mais robustez quando reforçados pelos pais ou
responsáveis, adultos, que acompanham os pequenos. Assim é esta peça, cheia de
momentos de beleza, ternura, bom humor e ensinamentos.
“VOZ DE VÓ”
é uma criação poética que aborda a perda da memória, mas também a fabulação.
Um projeto que reúne uma equipe comprometida com a narrativa
de uma história repleta de emoção, afetos, humor, amor e descobertas.
Uma avó, acometida da doença de Alzheimer, perde a
memória mais recente e foge de casa.
Ela entra no “labirinto do deslembrar” e é
seguida pelos netos, na tentativa de trazerem-na ao “plano do real”.
O livro em branco da
avó é a chance de uma nova história.
Em decorrência disso, mistérios e aventuras são seus desdobramentos.
A “Doença de Alzheimer” (DA),
um “transtorno
neurodegenerativo, progressivo e fatal, que se manifesta pela deterioração cognitiva
e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma
variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais”,
serve de pano de fundo para chamar a atenção das pessoas para como lidar com as
vítimas desse mal, para o qual não há cura, mas pode “machucar” menos, o
enfermo e os que estão à sua volta, quando estes não economizam amor,
no trato com o paciente.
Infelizmente, a cada
dia, aumenta o número de pessoas que sofrem dessa doença, o que, via de regra,
quando diagnosticada, faz com que “o chão desapareça” para a família
do doente. Raras são as pessoas que não tenham, ou tiveram, algum portador de Alzheiemer
na família ou, pelo menos, conheçam alguém com a doença. SARA ANTUNES, atriz, não é exceção a isso e idealizou este
espetáculo, sendo, também, responsável pela dramaturgia, baseada nas
suas experiências com sua própria avó, Dona Genuína. Segundo a autora do
texto, “‘VOZ DE VÓ’ é para a minha avó, que queria ser atriz e,
quando teve Alzheimer, lembrava do TEATRO e pedia para os atores, em conversa
com a televisão, esperarem por ela para o ensaio”.
Que imagem mais poética! Trata-se de uma peça que
fala sobre memória, família, relações, afetos, perdas e, principalmente, amor.
Tudo com muita delicadeza, cuidado e bom gosto. Ainda que o tema seja bem
triste e “pesado”, SARA disse tudo o que desejava da
forma mais clara possível, numa linguagem acessível aos pequenos, e tudo com
muita beleza, poesia e bom humor. “Mais do que fazer um espetáculo para crianças, queremos proporcionar
uma experiência dentro do sentir da infância a todo público, experimentar o
mundo através da brincadeira, da canção, do jogo lúdico. É neste desenrolar da
narrativa oral que queremos fazer viver a ‘VOZ DE VÓ’”, diz SARA.
Além de nos brindar com a beleza e
importância de seu delicioso texto, SARA
ANTUNES assume a direção do espetáculo e o faz de
forma brilhante. Em TEATRO, nada que
funcione bem deve ser considerado “repetitivo e ultrapassado”, como
alguns insistem em dizer. O “velho e bom truque” de fazer com
que algum(ns) personagem(ns) entre(m) pela plateia, esta iluminada, com o
objetivo de “ganhar o público”, conquistar e prender a atenção da
assistência, mormente quando esta é formada, na sua grande maioria, por crianças,
sempre funciona, quando bem executado. O espetáculo tem início com CLARISSE DERZIÉ LUZ, atriz que vive a
personagem da Vó entrando pela plateia, à procura de um banheiro, a fim de “se
aliviar”, dialogando, no texto e no improviso, com os pequenos. Ali já
começa a se desenhar a “magia do TEATRO”. Além desse
detalhe, SARA encontrou, com a
colaboração de seus pares, artistas de criação, excelentes
soluções para todas as cenas, o que é totalmente positivo, a julgar pela reação
e interação das crianças. A diretora do espetáculo contou, ainda, com a luxuosa
colaboração de VERA HOLTZ numa supervisão
artística.
É necessário destacar a importância, nesta montagem, de dois atores / músicos, DEMIAN
PINTO e GUI CALZAVARA, os
quais interpretam os dois netos da Vó,
na idade adulta e acompanham, ao vivo, as canções que fazem parte da trilha
sonora da peça. No início, propriamente dito, da peça, a dupla também interage
com a plateia, propondo cantarem, juntos, alguns trechos de canções infantis. A
propósito, nesse momento, fiquei bastante triste, quando convidados, os pequenos, a
cantar com eles uma canção infantil, de domínio público, a qual fez parte da minha
infância, eles não o fizeram, por total desconhecimento dela.
Certamente, porque seus inocentes ouvidos devem estar entupidos de tanto “lixo musical”, imposto pela mídia.
O elenco é formado por cinco elementos: a Vó e seus dois netos, Tito e Bento,
quando crianças e na idade adulta. A grande protagonista de tudo é CLARISSE DERZIÉ LUZ, a qual interpreta a idosa que está com Alzheimer,
a Vó
Genuína, mesmo nome da avó da autora do texto. Ela vai, com a ajuda de
seus netos, em busca das suas memórias perdidas. O último sobrenome da atriz lhe
cai como uma luva, visto que se trata de uma pessoa e uma profissional “iluminada”,
que, como intérprete, com muitos anos de experiência nos palcos, transita muito
bem na COMÉDIA e no drama, e, agora,
atuando, de forma irretocável, no universo do TEATRO INFANTIL, muito difícil de ser feito, ao contrário do que
possam pensar os leigos. CLARISSE
compôs uma personagem que nos provoca a vontade de sair do mundo real e levar
para casa aquela doce, e também espevitada, vovozinha. Eu, que muito pouco
convivi com as minhas duas avós, queria ganhar da Vó Genuína o carinho e o
amor que me faltaram, por parte das minhas, Dona Leonor e Dona
Maricota.
Ser pai e mãe é uma delícia; ser avô
ou avó corresponde a essa delícia elevada à infinita potência. Tendo CLARISSE a “conduzir o barco”,
estamos diante de uma viagem, num jogo lúdico, que “leva a plateia a emoções
afetivas e muitos desses sentimentos podem remeter à casa de cada um dos espectadores”.
Surgiu uma forte candidata a indicações a prêmios e prováveis conquistas.
Quanto ao desempenho dos netos,
ótimo, no geral, este deve ser avaliado sob duas óticas, voltado para as duplas
de Tito
e
Bento, adultos e crianças. Quanto a DEMIAN PINTO e GUI CALZAVARA,
os adultos, os quais também assinam a excelente direção musical do
espetáculo, pautada na “construção de uma sonoridade afetiva,
fragmentos sonoros, que se unem em um mosaico de lembranças”, só tenho a
acrescentar que ambos se conduzem com perfeita correção em seus trabalhos,
destacando a facilidade com que interagem com a plateia. Reservo,
porém, um espaço maior para avaliar as atuações dos meninos que interpretam os
personagens quando crianças. Na FICHA
TÉCNICA, aparecem cinco nomes, uma vez que, atendendo à legislação em
vigor, sempre que há crianças e adolescentes em cena, a produção é obrigada a
contar com eventuais substitutos / alternantes para os papéis interpretados por
eles. Na referida FICHA, dois, dos
cinco nomes, estão destacados, em vermelho, o que corresponde à dupla de atores
mirins que atuaram na sessão que contou com a minha presença. São eles NICK
ARAÚJO (Bento), 10
anos, e PIETRO LEITE (Tito),
11. Ambos deixam bem claro, por suas atuações, que já definiram seus
futuros profissionais: têm tudo para serem atores. São dois “azougues” no palco, como dizia minha mãe, quando queria se referir a uma criança que não para quieta, nem
durante um minuto.
Não bastassem, para garantir a boa qualidade desta produção, um texto “enxuto”, uma direção acertada e um excelente e homogêneo elenco, a montagem foi toda construída cuidadosamente, visando a levar o máximo de beleza e poesia aos olhos dos espectadores, de todas as idades, para o que têm muito peso os elementos de criação relacionados à plasticidade da obra, principalmente a cenografia, o figurino e a iluminação. Reunidos sob a rubrica de direção de arte, os cenários e os figurinos são assinados por ANALU PRESTES, a qual, além de grande atriz, também se destaca como uma aplaudida artista plástica. Doçura e suavidade são marcas registradas em seus trabalhos nessa área. Nos meus mais de 50 anos de muita dedicação ao TEATRO, convivendo, diariamente, com uma multidão de artistas, poucos conheço que possam ser comparados, em delicadeza, sensibilidade e bom gosto à ANALU, principalmente quando ela se expressa por meio de seus desenhos, colagens e bordados. Esse trabalho está presente na cenografia e nos trajes criados e desenhados pela artista. Dos figurinos, muito criativos, lúdicos e carregados de cores vibrantes e alegres, grande “cereja do bolo” corresponde à roupa da Vó Genuína. Quem, como eu, da primeira fila, tem, como tive, a oportunidade de ver bem de perto essa indumentária pode perceber e identificar mínimos detalhes que embelezam e valorizam a roupa (Vejam detalhes nas ilustrações abaixo.).
Voltando à cenografia, excluindo-se um conjunto de instrumentos musicais, colocados num dos cantos do palco (Uma "usina de sons".), não há, praticamente,
elementos concretos, palpáveis, no conjunto cenográfico, o qual explora, de
forma bem ajustada e, tecnicamente falando, sem falhas, muitas encantadoras
projeções, que sempre entram na hora certa, um magnífico trabalho de videografismo, criado por VIC VON
POSER. No meio de tantas belas imagens projetadas, há duas participações
afetivas especiais, de ANALU PRESTES e VERA HOLTZ.
Toda a
encantadora beleza da cenografia e dos figurinos, assim como as expressões,
faciais e corporais, dos atores não saltariam tanto aos olhos da plateia, não as
superlativassem as cores e intensidades presentes na onírica iluminação de WAGNER PINTO.
Seu desenho de luz valoriza,
minuto a minuto, cada momento desta montagem.
Aproveito o
“gancho” para fazer alusão ao
trabalho de direção de movimento
e preparação
corporal, conduzido por VICTORIA ARIANTE, preocupada, naturalmente, em ocupar, com
bastante movimentação adequada a cada cena, o amplo espaço cênico, vazio de
elementos concretos, a não ser os próprios atores. O espetáculo, como deveria
mesmo ser, é bastante dinâmico.
Dramaturgia:
Sara Nunes
Direção:
Sara Antunes
Assistência
de Direção: Henrique Landulfo
Supervisão
Artística: Vera Holtz
Direção
Musical: Demian Pinto e Gui Calzavara
Elenco: Adultos: Clarisse
Derzié Luz, Demian Pinto e Gui Calzavara - Crianças: Antônio
de Oliveira (Tito), Benjamim de Oliveira (Bento), Nick Araújo (Bento), Pietro Leite
(Tito) e Rodrigo Viegas (Bento)
Participação
afetiva: Analu Prestes e Vera Holtz
Direção de
Arte (Cenário e figurino): Analu Prestes
Assistência de Direção de Arte:
Camila Landulfo
Desenho de Luz: Wagner Pinto
Direção de Movimento e
Preparação Corporal: Victoria Ariante
Programação Visual: Analu Prestes e Camila Landulfo
Desenhos, Colagens e Bordados:
Analu Prestes
Videografismo: Vic Von Poser
Preparação Vocal: Patricia Antoniazi
Produção Executiva e
Administração da Temporada: Roberta
Viana
Assistência de Produção
RJ: Gabriela Newlands
Assistência de Produção
SP e Contrarregragem: Paolo Oliveira
Produção de Luz: Carina Tavares
Assistência de
Iluminação: Gabriel Greghi e Gabriela
Cezário
Visagismo: Kazuo Hair Design
Pesquisa de Figurino: Maura Begliomini
Peruca: Malonna
Fotógrafa: Alessandra Nohvais
Criação, Captação e
Mídias Sociais: gaTú Filmes / Gabriel
Metzner e Arthur Bronzato
“Making Of”: Pietra Baraldi
Assistência de Videografismo:
Ana Lopes
Operação de Vídeo: André Voulgaris
Direção de Produção: Bianca De Felippes
Temporada: De 28 de setembro a 17 de dezembro de 2023.
Local: Centro Cultural FIESP – Teatro
do SESI-SP.
Endereço: Avenida Paulista, nº 1313
(Em frente à estação Trianon - MASP do metrô.).
Dias e Horários: 5ª e 6ª feira, às 11h e 15h (sessões exclusivas
para escolas e grupos), e
sábados e domingos, às 15h (público em geral).
Sessões
com tradução e interpretação em Libras e audiodescrição: 29/10, 26/11 e 3/12.
Ingressos: Gratuitos. Reservas antecipadas, pelo “site”:
sesisp.org.br/eventos (As reservas abrem todas as segundas-feiras, a partir das
8h, para as apresentações que acontecem na mesma semana.).
Reservas
para grupos e escolas pelo e-mail: ccfagendamentos@sesisp.org.br
(.)
Duração: 60 minutos.
Classificação: Livre.
Gênero: Teatro Infantil.
Como, de uma forma geral, infelizmente, as produções direcionadas a crianças e adolescentes ficam muito a desejar, em se tratando de qualidade, embora esse quadro venha se modificando, para melhor, nos últimos tempos, quando surge uma temporada de um espetáculo, nesse nicho, “mais ou menos bom”, isso deve ser festejado. Quando estamos diante de uma produção tão linda e bem cuidada, como a de “VOZ DE VÓ”, a comemoração deve ser muito mais ampliada, pois temos a certeza de que uma rena do Papai Noel, escapou de “morrer de frio na Lapônia”. Numa premiação de TEATRO, voltada para o TEATRO INFANTIL, eu não ficaria nem um pouco surpreso se “VOZ DE VÓ” recebesse indicações a muitas das categorias, logrando êxito nelas. Se eu recomendo o espetáculo? Você chegou até aqui e ainda não entendeu? Quer que eu desenhe? Não! Se isso for necessário, chamo a ANALU PRESTES. Oxalá a peça venha para o Rio! Os carioquinhas também merecem esse mimo. Quase já ia me esquecendo: Vendo a "arte" (cartaz) da peça, que aparece logo no início desta crítica, existiria alguém que não desejasse logo assistir à peça, por tanto de beleza e poesia que há no trabalho de programação visual, assinado, a quatro mãos, por ANALU PRESTES e CAMILA LANDULFO?
FOTOS: ALESSANDRA NOHVAIS
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: Tony Coimbra.)
Com Nick Araújo (direita)
e Pietro Leite (esquerda).
Com Clarisse Derzié Luz, Stela Freitas
(prestigiando as amigas) e Sara Antunes.
Com Stela Freitas.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE,
JUNTOS, POSSAAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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