sexta-feira, 23 de junho de 2023

 “UM TAL GUIMARÃES”

ou

(UM POEMA

PARA UM POETA.)

ou

(“UM CADIM” DE “TUDIBÃO”)

 

 

 

     Não me canso de propagar a minha paixão, na literatura brasileira, por dois gênios, meus escritores preferidos; os prediletos: Machado de Assis e Guimarães Rosa. No TEATRO, já tive contato com excelentes adaptações, para as tábuas, de obras de ambos. A mais recente, sobre Rosa, não se trata de uma de suas obras tornada uma peça teatral, mas de um texto original, com dramaturgia de LUIZ ANTONIO RIBEIRO, numa forma de homenagear o grande artista da pena, o enorme “fazedor de palavras”.



       O projeto de falar sobre GUIMARÃES, sob o viés que a peça nos apresenta, resgatar a vida e a obra do autor, é bem antigo – 20 anos -, de VITOR PERES, que também é o intérprete do solo, dirigido por RENAN MONTEIRO.



     Trata-se de um monólogo, entretanto VITOR PERES não está sozinho em cena. Fisicamente, sim; só ele, porém o ator dá voz e vez aos personagens saídos das vivências e experiências de Rosa, “por esse mundo de meu Deus”.





SINOPSE:

E se GUIMARÃES ROSA fosse um personagem inventado por ele mesmo?

A partir dessa pergunta, a peça constrói um universo poético-ficcional em que GUIMARÃES se vê mergulhado, ao lado de algumas de suas criações, que buscam se vingar do autor, por terem sido criadas tal como foram.

Entre elas, o casal Riobaldo e Diadorim, de “Grande Sertão Veredas”; personagens dos contos de “Sagarana”, como Lalino Salathiel, Maria Rita, Sete-de-Ouros, o Burrinho Pedrês ou Augusto Matraga, até as figuras presentes em “Primeiras Estórias”, como Darandina ou Tarantão, Brejeirinha ou Nhihinha.

 

 



      Assisti a “UM TAL GUIMARÃES”, há cerca de um mês, no final de uma curta temporada (Salvo engano, na última semana.), no Teatro Glaucio Gill, embora já tivesse recebido convites para uma outra, relâmpago, no Bar Teatro Caiçara, dentro da aprazível Ilha da Gigoia, onde o espetáculo estreou, e para outra, ainda, também muito curta, no Teatro Municipal Ruth De Souza, no Parque das Ruínas. Infelizmente, não pude atender aos dois convites primeiros, por dificuldade de acesso aos dois locais; mas fui ao Glaucio Gill. Fui, confesso, meio “no escuro”, com uma expectativa “X”, e tive uma gratíssima surpresa. O espetáculo superou, enormemente, as minhas expectações, e fiquei muito triste, porque merecia uma crítica, positiva, é claro, como são todas as minhas (Faço questão de esquecer o que não me agradou.), e eu não teria tempo para escrevê-la. Fiquei na esperança de rever a peça e, aí sim, poder escrever sobre ela, sobre as emoções que me causou; e a todos os espectadores. Sim, porque a reação do público é a melhor possível, como é de se esperar de quem aprecia o belo, o bom TEATRO e a obra de “UM TAL GUIMARÃES”. Os DEUSES DO TEATRO, "com pena de mim", acho eu, fizeram com que outra curtíssima temporada, de apenas quatro apresentações, acontecesse num espaço que, antes, era um cinema, transformado, agora no Espaço Provocações”, localizado na Barra da Tijuca, “quintal da minha casa”, dentro do Shopping Barra Point.




     A propósito do título, permitam-me uma divagação. O vocábulo “TAL” pode ter vários sentidos e empregos. Quando ladeado do artigo indefinido “UM” e da preposição “DE” – “UM TAL DE” -, é considerado, pelo filólogo Antônio Houaiss, um “regionalismo”, criado no português do Brasil, com “valor pejorativo, quando se quer fazer uma referência desdenhosa a outra pessoa”, o que, não é o caso aqui. Creio que LUIZ ANTONIO RIBEIRO teve a intenção de se referir ao consagrado escritor como alguém cuja importância se estende por esse “mundão” afora. Um caso de “conotação a seu jeito”. As palavras, com seus múltiplos significados, nos pregando peças. Faz-me lembrar um conto do próprio Rosa, do livro “Primeiras Estórias”, cuja leitura recomendo com o maior empenho. Seu título é “Famigerado”. Coisa de gênio! Pena que não posso discorrer sobre ele, aqui, contudo me coloco à disposição de quem esteja interessado num "cadim de prosa" sobre ele. Garanto que vale a pena.




     O texto de LUIZ ANTONIO RIBEIRO é construído e constituído com/de filigranas, a dramaturgia dividida em cenas isoladas, ligadas por um único fio condutor: a vivência de JOÃO GUIMARÃES ROSA, nascido na “Cidade do Coração” (Cordisburgo: “Cordis”, do latim “Cordis”, que significa “Coração”, + “Burgo”, do alemão “Burg”, significando cidade), em Minas Gerais, e a do ator VITOR PERES, natural de São Pedro dos Ferros, (Zona da Mata Mineira), conterrâneo, portanto, de GUIMARÃES, em rios que cumprem seus cursos paralelamente. É poético, é vibrante, é lírico, é engraçado, é palpável, é volátil... Escrito em “linguagem de dia comum” com pinceladas de “falares de feriado”, na qual sobra espaço para regionalismos do “mineirês”, doce e brejeiro. O texto “nos desce fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”, dito, com muita propriedade e com total entrega, por VITOR. A dramaturgia nos mostra "o ator revisitando as próprias memórias de sua infância, vivida em um sertão mineiro esquecido de Rosa, ao mesmo tempo que resgata a rica trajetória de um Guimarães Rosa 'urbano', recebedor de prêmios, como a cadeira de Imortal da ABL, resgatadas em relatos biográficos, entrevistas e matérias sobre o autor".




       Idealizador do projeto, cuja ideia surgiu há 20 anos (Não vou dar “spoiler”; assistam ao monólogo”), VITOR PERES apostou todas as suas fichas na sua realização, cercando-se de gente que também tem paixão pelo TEATRO, como ele, e sabe como fazê-lo bem feito.



       RENAN MONTEIRO, por exemplo, topou o desfio de dirigir o ator e o fez com muita maturidade e propriedade, para quem além de bom ator, está “engatinhando” no ofício de diretor, com ótimas ideias e resoluções, que nos causam uma relaxante sensação de prazer, um deleite para os olhos e para a alma. Nota-se uma grande simbiose entre ele e o ator dirigido. Durante os 60 minutos de duração da peça, nota-se um dedo sensível, “de Midas”, em cada cena.


 

      GUSTAVO FERNANDES, de quem conheço bem a sensibilidade e o bom gosto, assina a cenografia e os figurinos do espetáculo, transportando a pureza, a ingenuidade e o aconchego das cozinhas mineiras, o cômodo “mais importante” das casas do interior, cozinhas que “pulsam”, como um coração que não nega acolhimento a ninguém, pois sempre há um “lugarzim” sobrando, para mais um que “se aprochegue”. Em seu trabalho, sobram detalhes e significantes. GUSTAVO abusa, no melhor sentido da palavra, de apliques, fuxicos, bordados, cores e formas, tanto no cenário quanto nos trajes que VITOR PERES usa, em trocas à frente do público. Um deslumbre na simplicidade criativa.


(Foto: Gilberto Bartholo.)


THIAGO D’AVILA criou uma luz sem muitas firulas, mas acertada, para cada parte da encenação, iluminação que revela os meandros de todas as ambientações e põe em destaque os detalhes da linda cenografia e as máscaras do ator.



Um crédito muito importante, nesta montagem, vai para MARI BLUE, responsável pela direção musical do solo, na qual se destacam a ótima trilha sonora e a sonoplastia, que traz os ruídos da roça para a “urbis”.



É muito comovente o trabalho de VITOR PERES, como intérprete. O ator, "despudoradamente", abre seu coração, escancarando-o totalmente, e deixa transbordar dele todas as suas memórias afetivas familiares, com destaque para tudo o que diz respeito ao seu “Vô Tenente”, o qual se confunde com GUIMARÃES. No palco, além de, literalmente, quase se desidratar, VITOR “interpreta, canta e cozinha em cena, aproximando as pessoas da vida e obra do escritor mineiro”. Sua interpretação é visceral. Ele se emociona com tudo o que diz e transfere para o público seus sentimentos. VITOR nos contagia até o mais profundo de nossas almas.



Já assisti a vários monólogos em que o(a) solista propõe uma interação com o público, fazendo uso, para isso, de uma série de recursos, mas, em pouquíssimas vezes, me lembro de ter tido contato, antes, com alguém que, de forma tão descomplicada, simples e delicada, se comunica tão facilmente com a plateia, a ponto de, ao final de cerca de 60 minutos apenas, que passam “como uma piscada de olhos”, parece já fazer parte da nossa família. VITOR PERES é o grande responsável pela construção desse clima.


   

“O objetivo de “UM TAL GUIMARÃES” é democratizar o acesso à cultura brasileira, despertando a curiosidade das pessoas, acerca da vida de um dos escritores mais destacados da literatura mineira e brasileira, que influenciou grandes escritores dos territórios lusófonos, como José Luandino Vieira, em Angola, e Mia Couto, em Moçambique. E para promover uma experiência intimista ao público, detalhes como o cheiro de broa quentinha saindo do forno, preparada pelo próprio ator em cena, e os móveis pertencentes à casa da avó de Vitor foram cuidadosamente pensados pelo ator e pelo diretor, RENAN MONTEIRO. (Trecho extraído do “release” que me chegou às mãos, pelo próprio RENAN MONTEIRO, diretor do solo. O espetáculo não se presta apenas ao entretenimento, mas tem pretensões maiores; e gosto muito disso.




“A peça traz um olhar afetivo e de resgate às origens mineiras de Guimarães Rosa e do próprio ator. Nosso trabalho de pesquisa foi intenso, para levar, ao público, uma imersão emocionante, em tantos personagens, que poderiam ser eu, você ou qualquer outra pessoa que cruzasse o caminho do escritor.”, afirma o diretor.



 

 

 FICHA TÉCNICA:

Idealização: Vitor Peres

Dramaturgia: Luiz Antonio Ribeiro

Direção: Renan Monteiro

 

Atuação: Vitor Peres

 

Direção Musical: Mari Blue

Cenografia: Gustavo Fernandes

Cenotécnico: Derô Martins

Figurino: Gustavo Fernandes

Iluminação: Thiago d’Avila

Direção de Movimento e Preparação Corporal: Daniel Leuback

Supervisão de Formas Animadas: Márcio Nascimento

Preparação Vocal: Dora Tóia

“Designer”: Igor Ribeiro

Preparação Rítmica: Aender Reis

Fotografia: José Peres e Aloysio Araripe

Vídeo: Luan Baptista

Assessoria de Imprensa: Isabelle de Paula

Montagem Técnica de Voo - Daniel Elias

Produção e Realização – Trupe do Mangue

 

 

 


 SERVIÇO:

Temporada: De 14 de junho a 05 de julho de 2023.

Local: Espaço Provocações – Shopping Barra Point.

Endereço: Avenida Armando Lombardi, nº 350, Barra da Tijuca (Ao lado da estação Jardim Oceânico, do metrô.). (Estacionamento no local.)

Dias e Horários: 4ªs feiras, às 20h.

Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada).

Vendas pela internet: https://bileto.sympla.com.br/event/83957/d/200913

Classificação: Livre.

Gênero: Monólogo. 

 


 



     Assistir a “UM TAL GUIMARÃES” é se permitir viajar por uma Minas Gerais bela e ingênua e mergulhar num universo para cuja descrição Guimarães Rosa se transformou no maior neologista da língua portuguesa, um criador de palavras “com sabores”, o pai dos “vocábulos mágicos”.



    Para mim, ter assistido a este monólogo, do qual jamais me esquecerei, foi o estopim que está me fazendo reler toda a obra do grande Rosa, à qual fui apresentado muito jovem, lá pelos meus 16 ou 17 anos, o que me levou a conquistar o honroso 2º lugar, num concurso estadual sobre a vida e a obra de Guimarães Rosa, pelo que recebi, como prêmio (E que prêmio!) das mãos de Dona Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, a obra completa de seu pai e um exemplar do livro que ela escreveu – Dona Vilma herdou o ofício paterno -, publicado em 1968, “Em Memória de João Guimarães Rosa”, republicado em 1983, com o novo título de “Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)", leitura obrigatória para os que desejam entender o conjunto da obra de Rosa. Infelizmente, Dona Vilma faleceu no ano passado, aos 90 anos.




      Guimarães Rosa cunhou muitas frases que se tornaram icônicas, como As pessoas não morrem, ficam encantadas.”. Parecia que estava “escrevendo em causa própria”. Sim, querido Rosa, “As coisas mudam no devagar depressa dos tempos.” e Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”. “Viver é muito perigoso”. Eu sei e concordo com isso. Quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa.” E é preciso mesmo jamais parar de desconfiar, porque Viver é plural”.



     Para terminar, um detalhe muito curioso e poético: Guimarães Rosa, que morreu, no dia 19 de novembro de 1967, vítima de um enfarte, aos 59 anos de idade, três dias após ter tomado posse da cadeira nº 02, na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Álvares de Azevedo, pediu, à família, para ser enterrado de óculos, no que foi atendido, segundo consta, porque era míope e queria enxergar melhor sabe-se lá o quê.

 

 





FOTOS: JOSÉ PERES

E

ALOYSIO ARARIPE.

 

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTOS: GILBERTO BARTHOLO.)

 

 

Com Vitor Peres.

 

Com Renan Monteiro.







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