segunda-feira, 8 de maio de 2023

“A EXCEÇÃO

E A REGRA”

ou

(UMA EXCELENTE

PEÇA DIDÁTICA,

POR EXCELÊNCIA.)

ou

(ATÉ QUANDO

A REGRA SERÁ

PERDER?)

 

(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível (VOU TENTAR.), numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)

 

 

 



     Os nomes de certas pessoas e de companhias de TEATRO, quando evocados, nos remetem logo a uma associação. Quando ouço falar em Dona Bárbara Heliodora, falecida crítica teatral, no Rio de Janeiro, independentemente das coisas que ela escrevia, com as quais eu não concordava, na maioria maciça das vezes, não posso fugir ao caminho que me leva a William Shakespeare, sobre cuja obra aquela senhora era quem detinha o maior saber, no Brasil.  Da mesma forma, a “COMPANHIA ENSAIO ABERTO”, do Rio de janeiro, me faz, imediatamente, lembrar o nome de um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, o alemão BERTOLT BRECHT, grande teórico e prático do chamado TEATRO Épico, isso em função do tipo de espetáculo que a “COMPANHIA” vem apresentando, desde sua fundação, há 30 anos, incluindo obras do festejado dramaturgo.

 

 


 

     “BRECHT é um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou, completamente, a função e o sentido social do TEATRO, usando-o como arma de consciencialização e politização.”. Essa é voga da “ENSAIO ABERTO”. É assim que o “o barco deles navega”.

 

 



 

       A “COMPANHIA”, tendo à frente o ator, dramaturgo e diretor do grupo, LUIZ FERNANDO LOBO, um de seus fundadores, ao lado de TUCA MORAES, vem, há três décadas, lutando, bravamente, para resistir a todo tipo de pressão que recebe, sempre com uma montagem teatral melhor que a outra ou, pelo menos, de igual qualidade, em relação à anterior, o que a coloca na condição de uma das melhores companhias de TEATRO do Brasil, conhecida até fora de nossas fronteiras, onde já fez algumas apresentações. Desde 2010, é responsável pela ocupação artística "Armazém da Utopia", sediada no Armazém 6 do Cais do Porto do Rio de Janeiro, aonde adoro ir e onde assisti, na noite do último dia 1º (maio de 2023), ao espetáculo “A EXCEÇÃO E A REGRA”, de BRECHT. 45 artistas e técnicos compõem o atual coletivo da “COMPANHIA ENSAIO ABERTO”.


  


 

A “COMPANHIA” surgiu, em 1993, do desejo de um grupo de atores, os quais pensavam numa forma de fazer um tipo de TEATRO “para ocupar um vazio no que dizia respeito a um TEATRO assumido em sua vocação crítica e politizada, um TEATRO que aceitasse ser uma arena de discussão da realidade, um TEATRO onde o Mundo seria visto como prioridade, mais importante do que a própria cena. Reencontrar esse caminho significa resgatar, para o palco, uma função social...”. A “ENSAIO ABERTO” não faz TEATRO como mera forma de diversão e lazer. Seus trabalhos “sacodem” o público, questiona-o e faz com que ele pense no que viu representado e, se possível, sofra uma transformação; abandone a inércia e a comodidade e parta para alguma atitude que possa tornar melhores o Homem e o planeta em que vivemos. É utópico? Sim, não posso negar. Mas alguém tem que dar o pontapé inicial. Também é certo que não é de se esperar que todos os que adentrem o “Armazém da Utopia” aceitem a proposta que lhes é apresentada e se engajem nessa luta. Mas alguns o farão. Consciências são despertadas, até em gente “miúda”. Sobre isso, acho pertinente, e bem ilustrativo, o relato que me fez TUCA MORAES, ao final da sessão. Disse-me ela que um menino de tenra idade, que assistiu a uma das sessões de “A EXCEÇÃO E A REGRA”, quando terminou a peça, perguntou à mãe (Perdão pelo “spoiler”!): “Mas ele não foi preso?!”.

 

 



Com mais esta montagem, LUIZ FERNANDO LOBO, “grande entusiasta ao se tratar de Brecht”, e seu elenco esperam despertar a curiosidade do público e que os espectadores aprendam algo, reforçando o legado do dramaturgo alemão. BRECHT buscava referências nas análises de Karl Marx, sobre o mundo contemporâneo. “O desejo do autor é que o público estranhe os mínimos detalhes e gestos do cotidiano em uma sociedade (perversamente) dividida em classes.”. “PEDIMOS, EXPRESSAMENTE, A VOCÊS, QUE NÃO CONSIDEREM COMO NATURAL AQUILO QUE SEMPRE ACONTECE.” (BERTOLT BRECHT) (Uma das primeiras frases do texto.)

 

  


 

Eis algumas das características básicas do TEATRO Épico, presentes em “A EXCEÇÃO E A REGRA”, com relação à técnica narrativa do espetáculo: a comunicação direta entre ator e público, o que já começa na recepção ao público, quando elenco e diretor conduzem as pessoas às suas acomodações, de forma gentil e acolhedora;  a presença da música como comentário da ação, pontuando quase todas as cenas; a ruptura de tempo-espaço entre as cenas; exposição do urdimento, das coxias e do aparato cenotécnico; o posicionamento do ator como um crítico das ações da personagem que interpreta e como um agente da história.

 

 


 


 SINOPSE: 

O tema, em “A EXCEÇÃO E A REGRA”, é a divisão de classes reinantes na sociedade capitalista, de como, nela, as relações de poder se naturalizam e, ao mesmo tempo, se tornam desmedidas.

Um comerciante em busca de petróleo.

Para tal, contrata um guia e um cule (Denominação antiga dos indianos, chineses e outros povos asiáticos, que emigravam para trabalhar como assalariados.), para atravessar o deserto.

Como “o negócio é de quem chegar mais rápido”, o comerciante exerce enorme pressão sobre os dois contratados.

Com medo de que essa cobrança incite uma reação nos dois, deixando-o em condição de desvantagem, o comerciante demite o guia e força o cule a seguir em frente.

Acabam se perdendo e ficando sem água.

O cule, então, resolve partilhar a água de seu cantil com o comerciante, que não pode compreender um gesto daqueles, depois de tudo o que acontecera.

Apavorado, pensa que o cule vai matá-lo com uma pedrada e, então, mata-o com um tiro.

O comerciante vai a julgamento e é absolvido.

Os juízes entendem que ele agiu em legítima defesa.

O comerciante não podia acreditar na solidariedade vinda de um explorado.

O tribunal entende que, “pela regra”, o cule mataria o comerciante e, portanto, ele não poderia acreditar na “exceção.


 

 






     Pergunta bem fácil de ser respondida: Dá para trazer essa situação para os dias atuais? Em outras palavras: Como isso se dá atualmente? Não é possível fazer uma associação com o fato, por exemplo, de muitas pessoas, brancas, passarem para a outra calçada, quando veem um negro vindo na direção oposta a elas? Os que seriam capazes de lhes causar algum mal seriam a “regra” ou a “exceção”? Todas as pessoas conseguem entender um gesto de solidariedade e altruísmo, partindo de um subordinado para um superior, sem desconfiança de que, por trás dele, haja um interesse, geralmente, escuso? Quantos maus policiais são absolvidos, depois de terem abatido, a tiros, inocentes, por terem confundido um celular ou uma ferramenta de trabalho com uma arma de fogo? “Atiraram, e mataram, em legítima defesa”.

 

 


 

   Querendo ou não, qualquer indivíduo com um mínimo de consciência cidadã assimila todos os “recados” que estão na boca dos personagens e nas entrelinhas, com um marcante teor crítico e de acusação. Isso sem falar naqueles que “vestem a carapuça”.

 

 


 

        Assistir a uma montagem da “COMPANHIA ENSAIO ABERTO” é sempre uma experiência única, agradável e enriquecedora, mesmo que se assista ao espetáculo mais de uma vez, como já me ocorreu. Tudo é feito com muito esmero e profissionalismo, o que nem sempre encontramos por aí. LUIZ LOBO é conhecido por seu notável empenho pela perfeição. O que pode parecer exagero, para alguns, recebe, de minha parte, todos os aplausos, visto que, almejar o melhor nunca foi, nem será, um defeito. Essa quase obstinação pelo “perfeito” é passada aos seus pares e, todos, unindo forças, nos oferecem espetáculos da melhor qualidade.

 

 



        Todos os elogios que eu fizer sobre os elementos de criação do espetáculo são redundantes, visto que não consigo enxergar nenhuma mácula em nenhum deles, mas não posso deixar de fazê-los.

 

 


 

      Sou um declarado admirador do trabalho de J. C. SERRONI, na parte cenográfica. Os cenários que saem da criatividade de SERRONI, para os espetáculos da “ENSAIO ABERTO”, estão sempre de acordo com as grandes proporções do espaço físico em que as peças são encenadas. São cenários de grandes proporções, trazendo, sempre, atrelados a eles, o movimento, para as transformações de um espaço em outro. Nesta obra, um grande praticável, “fatiado” em oito partes, permite que elas sejam içadas, total ou parcialmente, pelo próprio elenco, como se fossem pontes levadiças sobre o fosso de um castelo medieval, o que gera bastante dinamismo e surpresas. Há, também, uma geringonça a qual permite que um ator seja erguido, num balaço, e que uma atriz faça um voo.

 

 




 

      Os muitos figurinos, criados por BETH FILIPECKI e RENALDO MACHADO, são de “deixar nossos queixos caídos”, por sua indescritível beleza e preciosidade de detalhes. Para se ter uma ideia disso, os tecidos foram tingidos com corantes naturais, trazidos de Marrocos, assim como de lá também vieram vários acessórios que ajudam a compor as vestes dos personagens. Os sapatos são verdadeiras joias, confeccionados manualmente, por um dos atores do grupo.

 

 



      CESAR RAMIRES criou um desenho de luz que nos encanta, pela variedade de cores, combinação delas e movimentos que as mudanças de iluminação criam. Do ponto de vista plástico, o resultado é deslumbrante.

 

 



      Para intercalar algumas cenas ou servindo de fundo musical, há uma bela trilha sonora original, composta por FELIPE RADICETTI, que também se encarrega da correta direção musical do espetáculo. Poucas dessas canções, ou trechos delas, são interpretadas “a capella”; na maioria dos números musicais, quem canta é acompanhado(a) por três músicos: MINGO ARAÚJO (percussão), LUIZA MORAES (piano) e PAMELLA  ALMEIDA (lira). MINGO é “o mago da percussão” e seu trabalho, por vezes, chegou a me fazer desviar para ele o meu olhar de espectador atento a tudo.

 


    Muito do rendimento físico do elenco se deve ao trabalho de preparação vocal, a cargo de ANA CALVENTE, e preparação corporal, executado por LUIZA MORAES e PAULO MAZZONI.


 

 




 

 

 

 FICHA TÉCNICA: 

Texto Original: Bertolt Brecht

Tradução: André Vallias

Dramaturgia: Luiz Fernando Lobo

Direção: Luiz Fernando Lobo

 

Elenco: Negociante: Leonardo Hinckel (+ cantos Negociante) e Gilberto Miranda, Cule: Tuca Moraes, Luiza Moraes (+ aéreo), Dani Arreguy (+ cantos Cule), Capataz: Bruno Peixoto, Soldados: Felipe de Góis, Mateus Pitanga (+ clarin), Grégori Eckert e Amanda Tamarozzi, Estalajadeiro: Igor Federici, Mulher do Estalajadeiro: Pamella Almeida, Juiz: Luiz Fernando Lobo, Mulher do Cule: Rossana Rússia (+ canto Estação 1), Chefe 2ª Caravana: Felipe de Góis

 

Coro de Cules e Guias: Amanda Tamarozzi, Bruno Peixoto, Dani Arreguy, Douglas Amaral, Eduardo Cardoso, Felipe de Góis, Grégori Eckert, Igor Federici, Luiz Rodrigues, Luiza Moraes, Mariana Pompeu (+ “stand in” aéreo), Mateus Pitanga, Pamella Almeida, Rossana Rússia, Tuca Moraes, Antônio Hinckel Lobo (participação especial dentro da barriga de LUIZA MORAIS)

 

Cules Músicos: Mingo Araújo (percussão), Luiza Moraes (piano) e Pamella Almeida (lira)

 

Cenografia: J. C. Serroni

Figurinos: Beth Filipecki e Renaldo Machado

Iluminação: Cesar de Ramires

Direção Musical e Trilha Sonora Original: Felipe Radicetti

Preparação Vocal: Ana Calvente

Preparação Corporal: Luiza Moraes e Paulo Mazzoni

Programação Visual: Marcos Apóstolo, Marcos Becker e Tatiana Rodriguez

Fotos: Thiago Gouveia e Nem Queiroz

Produção: Marina Gadelha

Direção de Produção: Tuca Moraes


 

 


 



 

 

  

 SERVIÇO:

Temporada: De 14 de abril a 22 de maio (24 sessões gratuitas).

Local: Armazém da Utopia - https://www.armazemdautopia.com.br/como-chegar/

Dias e Horários: De sexta-feira a terça-feira, sempre às 20h.

Agendamento de Grupos: (21)98909-2402 – WhatsApp.

Abertura da casa uma hora antes do início do espetáculo.

Valor dos Ingressos: ENTRADA GRATUITA. Lotes de retirada de ingressos disponíveis a partir de 03/03 Na plataforma Sympla.

Classificação indicativa: 12 anos.

Gênero: Drama Épico.


 

 





 

    Em 2022, o “ARMAZÉM DA UTOPIA” tornou-se patrimônio imaterial cultural do Estado e do Município do Rio de Janeiro. A Lei Estadual 9.441/2021 e a Lei Complementar 246/2022 tornaram o “ARMAZÉM DA UTOPIA” um espaço para uso restrito a atividades culturais e sociais e fortalecem a luta da “COMPANHIA ENSAIO ABERTO” pela permanência no “ARMAZÉM DA UTOPIA”, motivo de grande orgulho para os brasileiros.

 

 


 

  Por tudo acima exposto, RECOMENDO MUITO ESTE ESPETÁCULO!!!

 

 

 


FOTOS: THIAGO GOUVEA

e

NEM QUEIROZ

 

  

VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

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A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!

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