“31º FESTIVAL
DE CURITIBA”
“GASLIGHT:
UMA RELAÇÃO
TÓXICA.”
ou
(O QUE É BOM
NÃO TEM DATA DE VALIDADE.)
(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível (VOU TENTAR.), numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)
É uma pena que JÔ
SOARES tenha falecido no dia 5 de agosto do ano passado, um mês e quatro
dias antes da estreia de “GASLGHT – UMA RELAÇÃO TÓXICA”, no “Teatro
Procópio Ferreira”, onde fez uma brilhante temporada, com excelentes
críticas e um ótimo retorno por parte do público. Do “Procópio”,
a peça passou por outros Teatros, em São Paulo e fora da cidade.
Esta deliciosa COMÉDIA DRAMÁTICA é outro espetáculo a que não tive a oportunidade
de assistir, na capital paulista, e, graças ao “Festival de Curitiba”,
pude conhecer, no palco do “Teatro Guaíra” (“Guairão”),
no dia 5 de abril próximo passado.
O texto é do festejado
dramaturgo e romancista inglês PATRICK HAMILTON, que ganhou, nesta
montagem, tradução e adaptação, a quatro mãos, de JÔ SOARES e MATINAS
SUZUKI JR., com direção de JÔ e MAURICIO GUILHERME, trazendo,
no elenco – que atuou em Curitiba -, ERICA MONTANHEIRO, GIOVANI TOZI,
LEANDRO LIMA, MARIA JOANA e MILA RIBEIRO.
Foram dois os maiores sucessos de HAMILTON,
como dramaturgo. O primeiro foi "Rope", uma história verídica que, no Brasil, recebeu uma versão
musicada, sob o título de “Pacto”, direção de Zé Henrique
de Paula, com Leandro Luna e André Lodi,
como intérpretes, no "Teatro Porto Seguro", em 2018,
espetáculo ao qual assisti e do qual gostei muito. A outra foi, exatamente, “Gas
Light” (A grafia do título, em português, será explicada adiante.). Ambas
as peças tiveram versões cinematográficas: a primeira, um suspense, dirigido
por Alfred Hitchcock, em 1948; a segunda recebeu duas
versões: uma britânica, em 1940, e outra norte-americana, em 1948.
SINOPSE:
A base do enredo é o abuso psicológico nos relacionamentos
afetivos.
A peça retrata um casal em conflito, vivido por Jack Manninghan (GIOVANI TOZI) e Bella
Manninghan (ERICA MONTANHEIRO), casados
havia cinco anos.
Ele, que, no início do casamento, se mostrava doce e muito
apaixonado, revela-se impaciente e menos cordial, após a alegação de que sua
mulher sofre de algum desequilíbrio mental.
Ela sente que está ficando louca, mas, ao buscar apoio, no
companheiro, para lidar com a suposta doença, encontra apenas a resistência do
homem, justificando não ter mais forças para lidar com a situação.
Jack buscava manipular a
esposa, diminuindo as luzes da casa e negando qualquer alteração, quando a mulher percebia a mudança, fazendo com que ela passasse a questionar sua percepção e
sua sanidade.
A complicação do diagnóstico de Bella é acompanhada,
de perto, pela fiel governanta Elizabeth (MILA RIBEIRO) e pela
jovem e extrovertida Nancy (MARIA JOANA), a nova arrumadeira do
casarão.
Num determinado momento da trama, “entra em campo” Ralf
(LEANDRO LIMA), um inspetor de polícia, que chega para investigar fatos
remotos do passado de Jack e que tem uma ligação curiosa com a
casa, agora habitada pelo casal.
Essa relação desperta fantasmas do passado, que ainda habitam
os cômodos, com seus segredos, e revelam grandes surpresas.
A produção do espetáculo houve por bem atribuir-lhe o título de “GASLIGHT”,
unindo os dois vocábulos do título original, “GAS LIGHT”, cuja tradução
literal seria “LUZ A GÁS” ou “À MEIA LUZ” – também poderia ser -,
em alusão à atitude, deliberada, do marido, com relação a diminuir a luz
interior da casa, para confundir a esposa. Essa trama deu origem ao termo, em
inglês, “gaslighting” (Em portugês, “manipulação”.)
“que se refere a uma forma de abuso psicológico, na qual o agressor faz
com que a vítima duvide de si mesma e de sua sanidade”.
“O ‘gaslighting’ se trata
de uma manipulação feita por uma pessoa, com o intuito de manipular o parceiro.
Muitas informações são
distorcidas, omitidas e inventadas, para que o a pessoa continue o abuso
psicológico na vítima.
Por sua vez, a vítima convive com
uma sensação de medo e insegurança, em relação ao agressor.
Além de duvidar de si, o alvo
desse abuso assume, por completo, a responsabilidade dos problemas, no
relacionamento.
Por isso, em casos mais graves, o
indivíduo começa a duvidar da sua própria sanidade.
Por exemplo, uma situação comum é
quando uma pessoa é suspeita de infidelidade, mas o outro defende que é exagero e
afirma que nada daquilo é real.
Logo, fica claro como o abusador
desmerece as suspeitas e acusa o parceiro de criar conflitos e, dessa forma, a
vítima acaba esquecendo, por um momento, essa desconfiança e se sente mal, por
ter causado esse confronto.
(“site”: https://www.psicanaliseclinica.com/gaslighting/)
“Gaslighting” é um tipo de
violência psicológica que pode trazer uma série de prejuízos para quem é sua
vítima.
Em outras palavras, o conceito
de “gaslighting” se refere a uma manipulação na qual a pessoa persuadida é
posta em uma posição de aparente inferioridade.
Não
é a primeira vez que o texto é apresentado num palco brasileiro. Em 1949,
ano em que nasci, ocorreu uma primeira – e creio que única montagem, até esta –
no TBC, em São Paulo, sob a batuta do encenador italiano Adolfo
Celi. Não vejo necessidade de acrescentar mais nada
sobre ela.
É
impressionante como uma COMÉDIA, da melhor qualidade, um dos maiores
sucessos da história da Broadway, encenada, pela primeira vez em 1938,
possa ter atravessado décadas e continuar “viçosa”, atraindo
grandes públicos, por onde é encenada, interessados no seu assunto central. O
que justifica isso? Creio que duas coisas. Em primeiro lugar, atribuo à transcendência
do tema, que, infelizmente, vem ganhando mais corpo, nos últimos tempos, no
Brasil e em todo o mundo. O segundo fator que mantém a peça em destaque, sob
muitos focos de luz, é sua arquitetura dramatúrgica, muito bem traduzida para o
nosso idioma, evidentemente, também, com uma direção impecável, um elenco de notáveis e
a colaboração preciosíssima de artistas de criação.
Às vezes, o texto pode parecer inverossímil, entretanto, se analisado com maior acuidade, observa-se que há muita probabilidade de que o que é mostrado “ficcionalmente” possa ocorrer na vida real. Afinal de contas, quase todos nós sabemos de situações de relação abusiva, principalmente entre maridos e esposas, ao alcance dos nossos olhos. Um aspecto do texto que merece relevo é o fato de, embora abordar um tema árido, “pesado”, o dramaturgo encontrar espaço para explorar o humor, de forma clássica.
Achei muito acertada (Não sei se está assim no original.) a ideia de a encenação ser
iniciada por um prólogo, no proscênio, com as cortinas ainda fechadas, feito
pela atriz – não a personagem – MARIA JOANA, quando ela explica, ao
público, o teor do título e fala um pouco sobre o que a plateia verá, com o
cuidado de não dar “spoilers”, o que, certamente, facilita a
compreensão da trama. Isso é muito importante, uma vez que, como o próprio JÔ
SOARES dizia, “o que não
pode ser compreendido, não causa interesse”, com o que concordo plenamente. Sou desse tipo de espectador.
Um ótimo texto e uma direção idem mereciam um
elenco à sua altura, o que foi encontrado no quinteto de intérpretes, todos
nivelados por cima, escalados, quase todos, por JÔ. Começo minha modesta
apreciação crítica pelo casal de protagonistas: GIOVANI TOZI e ERICA
MONTANHEIRO.
GIOVANI, na pele do cruel e “doente” marido
– ele sim -, faz um trabalho cuidadoso, capaz de atrair para si o ódio do público
ou, pelo menos, um sentimento de muita aversão, por sua perversidade. Ardiloso,
em seus planos, para a realização de seu intento, o personagem se utiliza de uma “refinada”
estratégia, que consistia em diminuir a luminosidade da casa, obtida por meio de
lampiões a gás, com o intuito de confundir a esposa. O fato de Jack se
mostrar, no início da relação íntima com a esposa, um companheiro gentil,
generoso, doce e apaixonado e ter se transformado num homem agressivo, violento,
perverso, astucioso, embusteiro, com um passado desabonador, condenável, torpe
exige um alto grau de talento do ator. Essa transformação me remete a um fato
próximo a mim. Uma amiga me contou que tinha, em seu consultório dentário, uma
auxiliar que viva reclamando das atitudes “erradas” do marido. Um
dia, diante da oportunidade de ter ficado a sós com ele, durante uns quinze
minutos, tempo em que conversaram, minha amiga achou-o bem diferente de como a
esposa o “pintava”. Depois que o homem se retirou, dirigiu-se à
funcionário e lhe disse: “Fulana, você vive reclamando do seu marido.
Conversei um pouco com ele e o achei um homem tão simpático, “legal...”.
E a reação da esposa, uma mulher simples, “de poucas letras”, todavia muito perspicaz, veio logo: “A senhora achou, doutora? Vai comer um
quilo de sal com ele!”. Às vezes, acrescento eu, “só comendo
vários quilos de sal com alguém”, descobrimos, realmente, quem aquela
pessoa é. Pode até ser que “nem comendo uma salina inteira”.
ERICA MONTANHEIRO, que está em seu quarto trabalho dirigido por JÔ
SOARES, interpreta a ingênua e submissa dona de casa Bella Manninghan, como as
mulheres de seu tempo, e o faz no mesmo nível de qualidade do trabalho de GIOVANI.
O casal de atores mantém, durante os 90 minutos de duração da peça, um
perfeito entrosamento, sempre um “levantando a bola”, para que o
outro “chute em gol”. ERICA é uma atriz de grandes
possibilidades, que descobriu, na sua personagem, a correta maneira de reagir
às investidas maldosas de Jack, deixando bem clara, a evolução de
Bella, em seu processo de “enlouquecimento”. A
fragilidade, a sensação de vulnerabilidade da personagem, vai num crescendo,
até... (Sem “spoiler”.)
Muito me agradaram, também, as
atuações de LEANDRO LIMA, MARIA JOANA e MILA RIBEIRO. O
personagem de LEANDRO, ainda que coadjuvante (O personagem; não o
ator.), é de capital importância na trama, uma vez que sua chegada
interrompe o fluxo dramático e faz com a trama seja desviada para uma “via
vicinal”. Pela primeira vez, tive contato com seu trabalho, num palco,
e fiquei convencido de sua verdade cênica.
Também pela primeira vez, salvo
engano, pude apreciar e avaliar o bom trabalho de MARIA JOÃO, como
atriz. Seu comportamento em cena também é merecedor de aplausos, pela
naturalidade com que interpreta a descolada, lépida e carismática arrumadeira Nancy.
Para completar o naipe do
equilibrado elenco, temos MILA RIBEIRO, interpretando Elizabeth,
a fiel governanta dos Manninghan, personagem que alterna momentos
em que desfila doçura e impassibilidade, assertos (Com “ss”
mesmo.) e ironia. Nunca a vira, antes, num palco, e espero voltar a aplaudi-la,
atuando outras vezes.
Todos os artistas de criação
demonstraram, mais uma vez, seus talentos, “cada um no seu quadrado” e todos convergindo para o mesmo objetivo: a proximidade da perfeição. Começo pela cenografia,
que chama muito a atenção do público, tão logo é revelada, com o abrir da
cortina. O grande destaque vai para uma teia de aranha, de enorme proporção,
exposta ao fundo do palco, ocupando quase toda a sua largura. É uma ideia de JÔ
SOARES, executada por MARCO LIMA, representando, metaforicamente,
a “teia” de aranha à qual a personagem Bella está presa,
completamente indefesa, sem forças próprias para dela se livrar, aguardando,
vulneravelmente, a hora de “ser devorada de vez”. Completa o
cenário uma mobília de época, de fino bom gosto.
KAREN BRUSTTOLIN assina os belíssimos e requintados
figurinos realistas da peça, os quais retratam o vestuário da
época, com precisão histórica. Por seu trabalho, muito merecidamente, a meu juízo, a
figurinista, que vem se destacando, cada vez mais, entre os profissionais de
sua área, foi indicada ao “33º Prêmio Shell”, por São Paulo. Vale
o registro de que KAREN ficou bastante surpresa com sua indicação ao prêmio,
uma vez que não esperava tal distinção, pelo fato de a montagem ser erguida com
parcimônia no orçamento. Eu, contudo, digo que isso é uma prova inequívoca do
talento da artista, que criou trajes deslumbrantes, com um finíssimo acabamento
de detalhes, o que significa que o poder econômico teve que se curvar ante a criatividade
e o bom gosto.
CESAR PIVETTI criou um desenho de luz que atende às
necessidades de cada cena, variando com o grau de objetividade ou subjetividade
que cada uma delas comporta. Em algumas, é preponderante, para a criação de um
clima de suspense.
Outro elemento de criação de relevada importância
é a trilha sonora original, composta e organizada por RICARDO SEVERO. Funciona
mais como um elemento incidental, também chamada de música de cena ou de
fundo, com o objetivo maior de destacar determinadas situações, principalmente quando está a serviço da intenção
de ajudar na criação de um clima de suspense, desconfiança e medo.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Patrick Hamilton
Tradução e Adaptação: Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.
Direção: Jô Soares e Mauricio Guilherme
Elenco: Erica Montanheiro, Giovani Tozi, Maria João, Leandro Lima e
Mila Ribeiro
Cenografia: Marco Lima
Figurinos: Karen Brustollin
Desenho de Luz: César Pivetti
Trilha Sonora: Ricardo Severo
Direção de Arte Gráfica: Giovani Tozi
Fotografia: Priscila Prade, Annelize Tozetto e Lina Sumizono
Direção de Produção: Priscila Prade e Giovani Tozi
Produção Executiva: Maria Mayer
Assessoria de Imprensa: Fernanda Teixeira - Arte Plural
Assistente de Direção: Giovanna Donadio
Idealização: Giovani Tozi
Realização: Brica Braque Produções e Tozi Produções
Um grande mérito
extra deve ser creditado a GIOVANI TOZZI e PRISCILA PRADE, os
quais, pelo tanto de crença que tinham no projeto, o produziram com recursos
próprios, sem qualquer tipo de patrocínio. Sim, senhores, é inacreditável,
porém verdade, que um texto de tal qualidade, envolvendo um tema tão importante
e atual, tendo alguém do porte de JÔ SOARES envolvido no projeto, pode
não ter atraído a atenção de patrocinadores. Triste realidade brasileira! Ainda
bem que o artista brasileiro é resiliente; enverga, mas não quebra. E quem sai
lucrando somos nós.
Apesar de as mulheres terem mudado um pouco, evoluído,
parcialmente, em termos de consciência com relação ao seu importante papel de
protagonistas, numa sociedade predominantemente machista, chauvinista, sexista,
misógina, ainda há muita luta pela frente, por uma igualdade, um emparelhamento
com os homens. A conclusão da peça – e aqui já me desculpo por algum tipo de “spoiler”
- não deixa de acender a luz amarela, de "atenção", direcionada aos homens, no sentido de lhes
mostrar que há, sim, ainda que não o suficiente ainda, uma distância entre as mulheres de cerca de oito décadas atrás e as hodiernas.
Segundo todos os envolvidos no projeto, ele já
estava totalmente desenhado, quando do falecimento de JÔ SOARES. Com a
partida do grande entusiasta da montagem do espetáculo, toda a sua equipe
chegou à conclusão de que não era para abortar o projeto. Muito pelo contrário,
viram-se impelidos a reunir todos os cacos, juntar todas as forças e levantá-lo
o mais breve possível, e da melhor forma que houvesse, como uma grande homenagem a JÔ. E tudo deu muito certo,
com a bênção dele.
JÔ SOARES, infelizmente, não viveu o suficiente
para ver o espetáculo erguido e fazendo muito sucesso, entretanto sua presença
é reconhecida no espetáculo. Na trama, o astuto marido esconde um quadro, que
fica ao fundo, no cenário, para fazer com que a mulher aceite que foi ela quem
desapareceu com o objeto. Esse quadro poderia ser qualquer um, mas o que está
em cena é uma imagem de JÔ SOARES, muito bem pintada, evidenciada, ao final da
peça, nos agradecimentos do elenco, quando, de uma forma muito carinhosa e
merecida, os atores viram-se para a obra, de costas, portanto, para o público e
pede a este que os siga, em aplausos de reconhecimento ao talento
incomensurável de JÔ SOARES. É a apoteose da emoção.
FOTOS: PRISCILA PRADE,
ANNELIZE TOZETTO
e
LINA SUMIZONO
GALERIA
PARTICULAR:
FOTOS:
GILBERTO BARTHOLO
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Coletiva de imprensa.
Sala Jô Soares.
Coletiva de imprensa.
Com Karen brustollin.
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
Nenhum comentário:
Postar um comentário