“UMA LEITURA
DOS BÚZIOS”
ou
(“TODO CORPO PRETO,
EM MOVIMENTO,
É REVOLUCIONÁRIO.”)
ou
(O BRASIL
NÃO CONHECE
O BRASIL.)
De todos os espetáculos aos quais eu iria assistir, em São
Paulo, no início de dezembro de 2022, e tive que abortar a ideia, por ter
contraído a COVID, apenas dois continuaram em cartaz, neste ano (2023), e um
deles tive o grande prazer de conhecer, no dia 26 de janeiro passado, “UMA
LEITURA DOS BÚZIOS”, que está à disposição do público, em longa temporada,
para os padrões de hoje, no SESC Vila Mariana, até o dia 12
próximo (fevereiro / 2023) (VER SERVIÇO.)
Trata-se de um projeto de grande porte, surgido da cabeça
iluminada de DANILO SANTOS DE MIRANDA, diretor do SESC São Paulo,
para lembrar, ainda em 2022, em dupla comemoração, os 200 anos da “chamada”
Independência do Brasil (7 de setembro de 1822) e os 100 anos
da realização da “Semana de Arte Moderna”, realizada entre 13 e 18 de
fevereiro, no Theatro Municipal de São Paulo.
Para dar forma ao seu arrojado projeto, como ele, hoje, se
apresenta, DANILO, em mais um de seus formidáveis acertos, foi buscar
gente de altíssima competência, no campo das artes, na Bahia: o encenador MARCIO
MEIRELLES; a diretora de movimento CRISTINA CASTRO; o diretor
musical JOÃO MILET MEIRELLES; e a dramaturga MÔNICA SANTANA.
Todos, juntos, são responsáveis pelo belíssimo e emocionante espetáculo “UMA
LEITURA DOS BÚZIOS”, que mobiliza um batalhão de artistas e técnicos, todos
envolvidos “até a raiz dos cabelos”, na produção da peça, abordando a
luta de heróis conhecidos – ou deveriam ser (O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL.)
– e muitos outros, anônimos, os quais “ao apagar das luzes” do século
XVIII (1798 e 1979), na Bahia, lutaram e sacrificaram suas vidas por um sonho
de liberdade, autonomia e um basta à exploração imposta pela Colônia
Portuguesa. O fato histórico, infelizmente, pouco estudado nos bancos escolares,
chama-se “Conjuração Baiana” ou “Revolta dos Alfaiates”; ou,
ainda, “Conspiração dos Búzios”.
Como, nesta primeira “maratona teatral” de
2023, em São Paulo, a minha agenda comportou sete espetáculos, em quatro dias,
todos de boa qualidade, variando, de acordo com a minha avaliação, de BOM a OBRA-PRIMA, e, portanto,
de acordo com o meu critério, merecedores de uma crítica, vou procurar ser
conciso, embora isso muito me custe. Sendo assim, sugiro que façam uma
pesquisa, para saber, com profundidade, o que foi esse importantíssimo episódio
da nossa História, magistralmente explicado pelo professor baiano FLÁVIO
MÁRCIO CERQUEIRA DO SACRAMENTO, no estupendo e completíssimo programa da
peça, quase um “livro”, de 26 páginas, programa este que mostra os
mínimos detalhes sobre a peça, o seu processo de criação, o trabalho de cada
artista nele envolvido, tudo numa apresentação irretocável, que só o SESC,
atualmente, “ousa” fazer.
Motivo
e ideias para escrever um “tratado” sobre esta produção teatral não me
faltam; escassos são, entretanto, o tempo e o espaço. Destarte, tentarei falar
um pouco sobre tudo. O tema mereceu um profundíssimo estudo de pesquisa, da
parte de MÔNICA SANTANA, para a excelente dramaturgia do texto, para o
que contou com a colaboração de MÁRCIO MEIRELLES e GUSTAVO MELLO.
O resultado final, no papel, é excelente, e a “materialização” do texto,
no palco, é o suprassumo disso, a quintessência do que pode ser considerado
maravilhoso. Todas as hipérboles do mundo se aplicam a esta montagem.
MÁRCIO MEIRELLES, um dos maiores encenadores
brasileiros, no já citado extraordinário programa da peça, diz, minuciosamente,
como se deu o processo de criação do espetáculo, desde o dia em que DANILO
MIRANDA, por um telefonema, praticamente, o “convocou” pra ser um
dos “pais da criança”, até a estreia da peça, em 18 de novembro de
2022. O público leigo assiste a um espetáculo teatral (É IMPOSSÍVEL NÃO GOSTAR DESTE”), entretanto não
faz ideia de quantas pessoas, além das que estão sob o foco dos refletores,
estiveram, e estão, de uma forma ou de outra, colaborando para que aquele
momento “mágico” seja único. Sim, cada apresentação de uma peça é única,
diferente das demais.
O SESC São Paulo, em suas redes sociais, fez uma
convocação pública, em 27 de julho de 2022, a quem quisesse participar
de uma seleção de elenco para um espetáculo inspirado na “Conjuração Baiana”.
Houve 547 inscrições, de diversas partes do Brasil, das quais os
titulares de 120 foram selecionados para as duas fases de preparação, até
que se chegasse ao esperado elenco: uma Oficina de Experimentações e o Laboratório
de Criação. Nelas, tudo girou em torno de um mergulho “abissal” nas
práticas de movimentos, gestos, danças e percussões, expressões corporais, além
de conhecimentos e valores éticos, historiográficos, políticos e identitários
da cultura brasileira, sobretudo a negra. Para orientar os trabalhos, foram
contratados alguns dos melhores profissionais em cada área. Dos 120, 17
artistas passaram à segunda fase, e a eles se juntou um grupo de convidados de
convidados e outros (13), que também fariam parte do espetáculo, num
total de 30 artistas. Foram três meses de profícuo trabalho, sacrifício
e muita dedicação, coroados e compensados pelos efusivos aplausos do público.
Minha emoção foi tamanha, ao final do espetáculo, que minha voz embargada,
acompanhando meus olhos embaçados, não me permitiu explodir num sonoro “BRAVO!”,
como costumo externar, quando considero excelente um espetáculo de TEATRO. "UMA LEITURA DOS BÚZIOS", para mim, é uma OBRA-PRIMA.
MARCIO MEIRELLES é um gigante na condução desta
montagem. Seu trabalho de direção é digno de muitos aplausos: uma epopeia
teatral”! Para contar a saga daqueles heróis, ainda que pouco reconhecidos
e, menos ainda, valorizados, uma vez que, repito, sabemos muito pouco da
verdadeira História do Brasil, e os anônimos, o diretor lançou mão de um
manancial de ideias brilhantes, super criativas, no trato geral com as cenas,
quer no direcionamento do trabalho dos atores, quer nas marcações, quer nas “metáforas
cênicas” e nas “licenças poéticas”. Um diretor de TEATRO,
como o “líder”, num projeto, precisa se cercar de profissionais de
extrema qualidade, para que exista, pelo menos, a possibilidade de que o alvo
seja atingido bem no centro, como ocorre em “UMA LEITURA DOS BÚZIOS”. O
espetáculo surpreende e prende a atenção de uma plateia inteira, da primeira à
última cena, durante os cerca de 100 minutos de sua duração, por tudo o
que está no palco, sob a “batuta” do “maestro” MARCIO
MEIRELLES.
SINOPSE:
A peça traz uma abordagem disruptiva sobre as
questões da desigualdade racial no Brasil, a partir de um acontecimento de 1798
em que várias camadas sociais estiveram envolvidas, mas pelo qual somente os
negros e pobres foram punidos e mortos.
Alguma relação com o Brasil de hoje?
MÁRCIO também é responsável pela criação de uma
cenografia (“Concepção de Espaço”, na FICHA TÉCNICA.), que
segue os padrões de uma superprodução e, ao mesmo tempo, não reúne tantos
elementos cenográficos no palco, todavia tudo, naquele cenário, é importante.
Os músicos ficam acomodados em duas plataformas fixas, nas duas laterais e no
centro, ao fundo, deixando, aos atores, uma vasta área livre para a atuação,
representada ou dançada. Em algumas cenas, dois praticáveis bem altos,
sustentados por fortes estruturas metálicas, como andaimes, sobre rodas, são
deslocados, pelos próprios atores, no palco. Um deles, à esquerda do público,
serve de “pousada” a D. Maria I, “A Louca”, rainha de Portugal, ao lado
do filho, o príncipe “Joãozinho”, que viria a ser, alguns anos depois, D.
João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Há espaço, também, para
o governador da Bahia, Fernando José de Portugal e Castro. Em outra estrutura
semelhante, à direita, fica a cantora VIRGÍNIA RODRIGUES, dona de uma
voz potente e inimitável, “saída de suas entranhas”, representando a Mater
Brasil, ou seja, a mãe, a mulher que gerou, deu à luz e criou seus filhos;
no caso, os “bahienses”. Tanto a realeza quanto a Mater
ficam, o tempo todo, bem no alto, acima de todos (Isso é simbólico.); os outros
estão “ao rés do chão”. D. João fica num plano um pouco abaixo da mãe e
o governador, abaixo dos dois, porém acima do povo. A hierarquia cruel
representada no palco.
Ao fundo, um enorme telão, de altíssima resolução, projeta,
ininterruptamente, da primeira à última cena, imagens, fixas ou em movimentos,
que tanto podem encantar – menos – nossos olhos como chocá-los – mais. Imagens
fortes, como se a provocar, no espectador, empatia, com relação ao sofrimento
daquela gente. Todos os ícones que nos são dados ver estão relacionados, direta
ou simbolicamente, com o que está sendo encenado. A presença do telão em cena e
sua utilização são algo a merecer muitos aplausos, direcionados a RAFAEL
GRILO, ROGÉRIO VILALONGA e TIAGO SANSOU.
Assim como as imagens, sons de instrumentos de percussão,
numa comunhão perfeita com os que saem de outros, utilizados na música
eletrônica, são ouvidos, do início da encenação até o seu final. É outro ponto
alto do espetáculo, graças ao talento dos musicistas, RAIANY SINARA, CAIO
TERRA e GIOVANNI DI GANZÁ, e dos próprios atores, todos obedecendo a
uma fantástica direção musical de JOÃO MILET MEIRELLES.
Também faz parte da elite de artistas criadores, nesta
encenação, o nome de CRISTINA CASTRO, que, de forma irretocável, responde
por tudo o que se refere à coreografia e direção de movimento. CRISTINA criou
desenhos coreográficos belíssimos e uma proposta de movimentação do elenco, em
cena, explorando, ao extremo, o rendimento de cada um. Um trabalho de corpo
merecedor dos mais calorosos aplausos. Aqui, o corpo fala, realmente, em cena.
A postura coreográfica do elenco transmite uma “percepção de coletividade,
incorporando elementos da dança contemporânea, de rua e afro-brasileira”.
GABRIEL D’ANGELO, com seu desenho de som, tem a
responsabilidade de equalizar vozes humanas, interpretando e cantando, com os
sons dos instrumentos musicais, sem permitir que uns se sobreponham aos outros
e que tudo corra bem, com bastante harmonia e clareza, nesse campo, importantíssimo, num
musical.
O espetáculo conta com uma iluminação, criada por GRISSEL
PIGUILLEM, muito de acordo com sua proposta. O palco é totalmente
iluminado, nos momentos propícios a isso, porém, em se tratando de um movimento
“clandestino”, algo que não poderia ser exposto, durante sua fase de
preparação, muitas cenas contam com uma iluminação mais comedida, gerando um
tom de mistério, creio que intencionalmente, relacionado à necessidade de
ocultar o que não pode ser revelado. Espero que tenham entendido o que desejo
dizer.
São ótimos os figurinos de todos, criação de ADRIANA HITOMI,
com a utilização de tecidos rústicos, com predominância da cor branca e do cru.
As peças que os atores vestem conferem muita credibilidade aos personagens, com
o reforço, muito pertinente, do visagismo, criado por ELI VIEGAS.
Para contar essa emocionante história, tocar o público e
emocioná-lo bastante, um elenco de primeiríssima qualidade foi formado.
São 27 atores, de diferentes formações, de gerações e trajetórias
distintas, “o que reforça a diversidade na montagem”, no entanto
com algo em comum: muito talento. Todos brilham igualmente, com
oportunidades pontuais de mostrar seu potencial artístico, individualmente, com um certo
destaque para uns, os quais, infelizmente, por não os conhecer, não citarei,
para não cometer injustiça. Reservo-me, porém, o direito de citar os que,
facilmente, posso identificar, como a atriz CHICA CARELLI (D. Maria) e ARARA
XESTAL (D. João). Reforço a opinião de que todos me encantaram
sobremaneira. Desnecessário seria enaltecer o trabalho de VIRGÍNIA
RODRIGUES, não como atriz, mas como uma grande intérprete, como cantora.
É preciso que se faça um justo reconhecimento ao árduo
trabalho de toda a equipe de produção do espetáculo, visto que, sem
eles, nada poderia ser mostrado ao público. Embora o grande público, de uma
forma geral, desconheça esse fato, a verdade é que muitas pessoas, cujos nomes
podem, e devem, ser conferidos na FICHA TÉCNICA (No programa da
peça. A lista é muito extensa e resolvi não colocá-la, aqui, na sua íntegra,
por motivos óbvios.) trabalham pesado, para que tudo saia a contento em cada
sessão da peça. São, da mesma forma, merecedores dos nossos aplausos todos os
que operam a parte técnica do espetáculo.
FICHA TÉCNICA (SIMPLIFICADA):
Texto: Mônca Santana
Dramaturgia:
Mônica Santana
Codramaturgia:
Marcio Meirelles e Gustavo Mello Cerqueira
Direção
/ Encenação: Marcio Meirelles
Coreografia
e Direção de Movimento: Cristina Castro
Direção
Musical: João Milet Meirelles
Composições:
João Milet Meireles, Jadsa e Mônica Santana
Elenco
(por ordem alfabética): Amaurih Oliveira, Angélica Prieto, Arara Xestal, Cainã
Naira, Chica Carelli, Clara Paixão, Clara Torres, David Caldas, Ella
Nascimento, Emira Sophia, Igor Nascimento, Jackson Costa, Jhonnã Bao, Júlio
Silvério, Loiá Fernandes, Lucas Tavlos, Lucio Tranchesi, Marinho Gonçalves,
Mario Alves, Nara Couto, Rafael Faustino, Rodrigo de Odé, Sofia Tomic, Vagner
Jesus, Vinicius Barros, Vinicius Bustani e Virgínia Rodrigues
Músicos:
Raiany Sinara, Caio Terra e Giovanni di Ganzá
Cenografia
(Concepção de Espaço): Marcio Meirelles
Figurinos:
Adriana Hitomi
Iluminação:
Grissel Piguillem
Desenho
de Som: Gabriel D’Angelo
Visagismo:
Eli Viegas
Vídeos:
Rafael Grillo, Rogério Vilaronga e Tiago SanSou
Fotografias:
Tiago Lima
Assessoria
de Comunicação e Gestão de Redes Sociais: Alma Preta
Assessoria
de Imprensa: Mídia Pente Fino (Kelly Freitas)
Produção
Executiva: Luiza Meira Alves
Coordenação
de Produção: Marisa Riccitelli Sant’ana e Rachel Brumana
Direção
de Produção e Gestão: Associação SÙ de Cultura e Educação
Assistência
de Produção: Arthur Hideki Okutani
Uma
idealização e realização do SESC São Paulo (Danilo Santos de Miranda)
SERVIÇO:
Temporada: De
18 de novembro de 2022 a 12 de fevereiro de 2023.
Local: Teatro Antunes
Filho - SESC Vila Mariana.
Endereço: Rua
Pelotas, nº 141 – Vila Mariana – São Paulo.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 16h.
Valor dos Ingressos: R$12,00 (credencial plena), R$20,00 (meia entrada) e
R$40,00 (inteira).
Venda de ingressos a partir de 8/11, às 12h, pelo portal sescsp.org.br, e a partir de 9/11, às 17h, nas bilheterias da Rede Sesc São Paulo.
Horário de funcionamento da bilheteria: De 3ª a 6ª feira, das 9h às
20h30min; sábado, das 10h às 18h e das 20h às 21h; domingo e feriado, das 10h às 18h.
Estacionamento: R$5,50 a
primeira hora + R$2,00 a hora adicional (credencial plena: trabalhador no
comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e
dependentes); R$12,00 a primeira hora + R$3,00 a hora adicional (outros). 125 vagas.
Paraciclo: Gratuito (Observação:
É necessária a utilização travas de seguranças.). 16 vagas.
“Resumo da ópera”: “UMA LEITURA DOS BÚZIOS” traz uma reflexão
sobre os tempos atuais, a partir do levante popular baiano conhecido como “Conjuração
Baiana”, “Revolta dos Alfaiates” ou “Revolta dos
Búzios”, que tinha, como agendas, igualdade, liberdade e vida
digna, pautas reivindicatórias que, infelizmente, ainda estão presentes no
século XXI. Isso confere ao espetáculo uma importância muito maior do que,
a(em) princípio, aquela que se possa a ele atribuir. Com a peça, “os
sonhos de liberdade do passado emergem”, a toda força. O que se vê, no
palco, “confronta-o com o Brasil contemporâneo, por
meio de temas como a independência, a democracia e as sementes e frutos da
política e economia colonialista, bem como o legado delas na formação das
desigualdades sociais, especialmente sobre o racismo e a manipulação da
história”.
Por tudo
o que consegui condensar, nestes escritos, RECOMENDO,
DE FORMA BEM “ROBUSTA”, este espetáculo.
FOTOS: TIAGO LIMA
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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POSSAMOS DIVULGAR
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