Logo que iniciei o blogue, em 25 de agosto de 2013, tive a ideia
de incluir, além das críticas, uma espécie de “sessão”, a qual batizei com o
nome de “NA COXIA, COM...”, que não era nada diferente de uma entrevista
com personalidades ligadas ao universo do TEATRO, com o único objetivo
de saber um pouco de sua formação, vida profissional, curiosidades de admirador
e crítico, além de planos e novos projetos, embora eu não tenha formação em jornalismo.
Assim, cheguei a pôr em pratica a ideia, com nomes
importantíssimos, dos palcos. Foram apenas cinco: PAULO CESAR MEDEIROS, NELLO
MARRESE, CACÁ MOURTHÉ, GOTTSHA e JULIA SPADACCINI, não
exatamente nessa ordem, todas as entrevistas publicadas em outubro e novembro
de 2013. Depois, sem nenhum motivo especial, interrompi-as e, agora, em tempos
de isolamento social, há, exatamente, 121 dias, 4 meses, sem ir ao TEATRO,
para quem ia todos os dias, sem espetáculos para assistir e poder escrever sobre
eles, decidi retomar a "sessão" e já tenho mais de 20 nomes que toparam fazer
parte da proposta. E outros convites serão feitos.
Para iniciar esta nova fase de “NA COXIA, COM...,
escolhi um grande e querido amigo; uma unanimidade, como artista e como pessoa,
no mundo teatral, o que não é muito comum acontecer: ALEXANDRE LINO.
Foto: Janderson Pires
LINO é aquele que joga nas onze posições. É ator,
diretor, produtor, empreendedor, com formação em cinema e especialização em TEATRO.
Embora em casa, em isolamento social, sei que não está parado, porque isso não
combina com ele. Na “Documental Cia”, de cujo repertório, constam vários
espetáculos, todos sucessos de público e crítica, além de outros, que ele fez
como convidado: “DOMÉSTICAS” (2012), “O PASTOR” (2013), “ACABOU
O PÓ” (2014), “NORDESTINOS” (2015), “VOLÚPIA DA CEGUEIRA”
(2016 – como diretor), “LADY CHRISTINY” (2016), “
ELES ERAM MUITOS CAVALOS” (2017 – como diretor), "ESTES FANTASMAS" (2017), “O
PORTEIRO” (2017), “CAFONA SIM, E DAÍ? (2018 - como diretor), “O CEGO E O LUCO”
(2019), “O SUBSTITUTO” (2019) e “O MARIDO DO DANIEL” (2019/2020),
dentre outros, em 20 anos de carreira, comemorados no ano em curso.
Há cerca de 10 anos, fundou a “Cineteatro Produções”,
uma
das mais ativas produtoras do Rio de Janeiro.
Foto: Janderson Pires
Foto: Janderson Pires
O TEATRO ME REPRESENTA (OTMR): LINO, você nasceu em Gravatá, interior de Pernambuco, uma cidade cujos habitantes pouco contato devem ter com o TEATRO, apesar de ficar a menos de 90 km da capital, Recife. Como é que você o descobriu, em que circunstâncias e quando decidiu que o TEATRO era o que você queria, para a sua vida profissional?
ALEXANDRE LINO (AL): Minha cidade, até hoje, não tem Teatros e nem cinemas, mas, quando criança, existia uma pequena sala de projeção, onde exibiam os filmes dos “Trapalhões”, e o circo era atração frequente na minha região. Aquilo me encantava imensamente, assim como as telenovelas. Minha inclinação foi natural. Sempre gostei do lúdico, da abstração e de arte em geral. Fui, desde cedo, me envolvendo com atividades artísticas, na escola, na igreja e em casa; era meu lugar de fuga. Aos 18 anos, decidi estudar e fazer carreira no Rio de Janeiro.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Antes de se tornar ator, você teve alguma formação acadêmica em outra área e
como foi sua formação no campo da Arte Dramática?
AL: Tenho formação técnica em contabilidade e diversos cursos preparatórios em TEATRO.
Sou graduado em cinema e pós-graduado em Artes Cênicas.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Você chegou a fazer TEATRO,
antes de vir para o Rio?
AL: Só TEATRO amador, na igreja. Era o único espaço possível para um adolescente que frequentava muito pouco a capital. Morávamos próximos a Recife, mas minha família, muito conservadora, não proporcionava esse intercâmbio. Sem internet, as informações e contatos eram permitidos apenas nos períodos de férias escolares. Meus pais me autorizavam a viajar para a casa dos meus tios e, assim, descobri o TEATRO profissional, como espectador.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Como foram os primeiros passos, no
Rio, em se tratando de TEATRO?
AL: Cheguei ao Rio em 1993. Fui direto à procura de cursos. Nos anos 90, fiz diversos, na Escola Martins Penna e na FUNARTE. Naqueles anos, ofereciam, também, oficinas e “workshops”. Assim, tive a sorte de começar ouvindo Gilberto Gawronski, Suzana Saldanha, Nara Keiserman e Richard Riguetti. Naqueles anos, a UFRJ (curso de direção teatral) e a UNIRIO convidam ou aceitavam a participação de atores de fora da instituição, em montagens de final de curso de seus alunos. Também vivi experiências ótimas. Fiz 5 peças de Nelson Rodrigues, nesse formato, nos anos 90.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Você tem explorado bastante, e bem,
inclusive durante o isolamento social, nas mídias digitais, o delicioso
personagem Waldisney, de “O PORTEIRO”, o que, aliás, daria um bom
longa-metragem (Você, com sua formação em cinema, já deve ter pensado nisso
muito antes de mim). Não tem medo de que possa haver um desgaste em função
dessa exposição do personagem ou isso pode abrir portas para futuras aventuras
de Waldisney? (Eu tenho muitas ideias para ele. Risos.)
AL: Tudo, nesta pandemia, é um risco
imenso. Estamos navegando em terreno pantanoso e redescobrindo muito de nós
mesmos e de nossa atividade. O resultado disso tudo não sabemos ainda, mas
acredito que, entre acertos e erros, será muito bom. A utilização das mídias
digitais é a maneira de deixarmos em evidência nosso trabalho e seguir
dialogando com o público. Faço as “lives” com o Waldisney,
atendendo a inúmeros pedidos de amigos e, especialmente, dos espectadores da
peça, de vários lugares do Brasil. Acredito que isso tem sido bom para o
personagem. Tenho dosado o tempo de exposição gratuita. Esse acontecimento me
gerou trabalho remunerado para empresas, a publicidade começou a acenar e as
outras possibilidades para “O PORTEIRO” só crescem. Ele tem muita
história para contar ainda, e em diversos formatos.
Foto: Desirée do Valle
OTMR: Por meio do TEATRO, você se
tornou uma espécie de “embaixador do nordeste”, no Rio de Janeiro,
assumindo projetos e campanhas muito bonitas, que eu aplaudo de pé. Que tipo de
retorno você percebe que vem recebendo, em função disso, e como se sente,
assumindo esse papel?
AL: Depois da minha trilogia
nordestina: “DOMÉSTICAS” (2012), “NORDESTINOS” (2015) e “O
PORTEIRO” (2017), meu diálogo com os migrantes aumentou muito e foi natural
que meu envolvimento também crescesse. Percebi que minha contribuição artística
tinha muita importância, porque os meus conterrâneos se sentiam pertencentes e
respeitados nesses trabalhos. Mas, agora, acometidos por essa tragédia, vi que
tinha que fazer algo no campo social. Surgiu a campanha “NORDESTINOS CONTRA
A PANDEMIA”. Outros amigos nordestinos se juntaram à causa e essa
comunidade só se amplia. O poder público começa a notar e a querer diálogo
conosco. Minha proposta será só uma: A EMBAIXADA NORDESTINA. Um local
para orientação, encaminhamento e suporte ao migrante, especialmente, aos que
acabam de chegar à cidade. Essas pessoas precisam se sentir acolhidas e saber
como, onde e qual a melhor maneira de começar suas vidas na cidade que
escolheram para viver.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Sua parceria com o talentosíssimo DANIEL
PORTO, um dos próximos entrevistados, já dura cerca de uma década. Acertei?
Um casamento perfeito: pessoal - uma bela e sólida amizade - e profissional.
Que relação precedeu a outra? Foi você quem descobriu o DANI dramaturgo?
AL: Conheci o DANIEL quando
estreamos “DOMÉSTICAS” (2012) no Teatro FIRJAN SESI Centro. Ele
era técnico no Teatro. Percebi nele o mesmo encantamento, o desejo de
aprender e a seriedade que eu nutro, até hoje, pelo meu ofício. Vi nele o jovem
que fui outrora. Toda equipe ficou apaixonada por ele e era natural falarmos
muito sobre Teatro, em geral. Ele já tinha escrito alguns contos e me
apresentou a eles. Gostei muito de sua escrita e sugeri que ele escrevesse, a
partir de um argumento meu, “O PASTOR”. Deixei claro que não havia o
compromisso de montar a peça. Para isso, eu teria que gostar da obra. O resto
da história você sabe bem. Nasceu, ali, um autor, uma grande amizade e meu
melhor parceiro no Teatro. Já somamos 14 peças juntos e uma
relação que desejo pra vida toda.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Você é dos raros atores que
dominam, com facilidade e naturalidade, três mídias totalmente diferentes de se
atuar: TEATRO, TV e cinema. A pergunta é bastante “batida”, mas eu
não sou jornalista e o que me interessa aqui é a justificativa: Em qual das
três prefere atuar e por quê? E, aproveitando, acoplo outra pergunta
relacionada à anterior? Em qual das três se sente menos confortável e por quê?
AL: Minha formação é em cinema e Artes Cênicas. Mas o palco é o lugar onde estabeleci minha carreira e onde me sinto
mais em casa. A transposição para a TV foi natural. Apenas nos primeiros
trabalhos, você sente mais a diferença de tempos e temperaturas na atuação. No TEATRO,
o corpo fala muito mais e tudo é mais largo. No audiovisual, buscamos a
economia sem perder a emoção e intensidade. É natural que se leve um tempo,
para que essas diferenças se tornem orgânicas. Depois se torna um prazer imenso
transitar pelo TEATRO, TV e cinema, justamente por essas diferenças. Hoje
me sinto igualmente confortável nos três veículos e vivendo, do mesmo modo, as
dificuldades que cada um apresenta, em cada novo trabalho.
Foto: zero8onze Photo Cine (aguinaldo Flor / Fernando Cunha Jr.
OTMR: Apesar de seus projetos, em TEATRO,
serem sempre vitoriosos, você já deve ter recebido alguma crítica negativa que
lhe tenha desagradado, não por ela, em si, mas por não a achar pertinente. Sim
ou não? Em caso afirmativo, sem citar nomes, evidentemente, poderia nos dizer
qual?
AL: Já tenho no currículo 20 peças como ator profissional. Sou um homem de sorte no diálogo com o público e com os críticos. Ambos gostam bastante do meu trabalho e isso é uma honra e privilégio. Tive, em alguns trabalhos, tropeços, que eu mesmo entendo que, hoje, faria melhor, mas houve um episódio em “LADY CHRISTINY”, em que um crítico disse que a peça era um “desserviço”. Isso, unicamente, por discordar da visão conservadora da travesti (personagem real) e não analisar a amplitude daquela provocação. Talvez tenha esquecido, naquele impulso, de analisar o TEATRO, a função da arte, e não trocar isso por imprimir, na sua crítica, uma opinião estritamente pessoal.
Foto: Janderson Pires
OTMR: Como é seu método de trabalho,
quando está na pele do diretor, nas experiências que já teve nessa função?
AL: Sempre gostei de ser dirigido por diretores que também fossem atores ou que já tivessem atuado. Nunca gostei dos encenadores ou arrumadores de cena. O ator está para o TEATRO assim como o TEATRO está para o ator. Não precisamos de mais nada, no palco, além de um ator. Isso é o belo maior das Artes Cênicas. Uma herança milenar e definitiva. Então, quando dirijo, coloco-me como um colega, que está ali para descobrir algo novo com seus amigos. Tenho conceito, linguagem e método dos quais não abro mão, mas me projeto nos atores todo tempo, para entender suas dores, dificuldades e, daí, poder resgatar deles o essencial e mais precioso para o trabalho.
Foto: Cristina Granato
OTMR: Pode nos falar sobre algum(ns)
projeto(s) que está/estão sendo pensado(s) e/ou já desenvolvido(s) durante o
atual confinamento?
AL: Tenho um projeto intitulado “FILMES CURTÍSSIMOS”. São obras de curta duração (de até 3 minutos), que são observações sobre o dia a dia na pandemia. Arte no isolamento. Sou o próprio objeto de estudo. Já temos 15 títulos prontos e os filmes começaram a circular. O IMS (Instituto Moreira Salles) e a Mídia Ninja selecionaram-nos, para projetá-los em 10 cidades do Brasil, e outro projeto similar, na Argentina, também agregou alguns dos meus curtíssimos para um longa. Além disso, estou, regularmente, experimentando conteúdos e formas, para plataformas diversas. Vou dirigir “LA PARESSE”, de DANIEL PORTO, no Teatro, quando reabrirmos, e farei alguma nova obra como ator, certamente.
Fotos: Janderson Pires
OTMR: O nosso futuro, como Humanidade, é
completamente uma incógnita, pós-pandemia. Disso, acho que ninguém tem dúvidas.
No que concerne ao TEATRO, quais as suas previsões com relação a quando
teremos sessões “normais” ou como deve ser essa volta à “normalidade”?
AL: Neste momento, é observar como o mundo se comporta e tentar absorver as melhores soluções. A Europa já está dando ótimos exemplos. Claro que nossa realidade cultural e disciplinar não é compatível, mas, no que depender de nós, artistas, só iremos nos expor com segurança e nos espaços que garantam proteção a nós e ao público. Infelizmente, este está sendo um ano triste para o nosso TEATRO. Talvez, só voltemos, de fato, em 2021, mas é tentar fazer, da tragédia, oportunidade. E, disso, gerar novos experimentos a serem apresentados, ao vivo, ao grande público. A volta será lenta, mas o impacto será grande. Torço!
Lino e eu - 1
Foto: Marisa Sá
OTMR: O ator consciente tem uma grande
importância como agente transformador de uma sociedade, uma vez que essa é uma
das mais importantes funções do TEATRO. Como você se situa quanto a
isso? Em outras palavras, até que ponto você tem consciência da sua importância
como agente transformador, por meio da arte e da cultura?
AL: Acredito que somos agentes
transformadores, quando executamos, com dignidade, nossa profissão e nos
preocupamos com o outro. Isso vale para
qualquer profissão. No meu TEATRO, tenho o compromisso em transpor a
realidade para os palcos, sem agredi-la ou romantizá-la, e, sobretudo, não
criar uma arte intimidadora. Acredito no TEATRO DO PERTENCIMENTO, que
dialogue com a educação e inclua o público como personagens. Somos todos
transformadores e passíveis de transformação a vida inteira.
E VAMOS AO TEATRO (QUANDO HOUVER SEGURANÇA.)!!!
Lino e eu - 2
Foto: Marisa Sá
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL (QUANDO HOUVER SEGURANÇA.)!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
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PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Amei matar saudades de Lino❤️ Muito maravilhoso 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
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