terça-feira, 9 de julho de 2019


A MENINA
DO KUNG FU

(SIMPLICIDADE, INTELIGÊNCIA E SENSIBILIDADE:
TRÊS SUBSTANTIVOS PARA SE FAZER
UM ÓTIMO TEATRO INFANTOJUVENIL.)






            E cá estou eu, “fabricando tempo”, para escrever sobre mais um espetáculo não destinado aos adultos e que me deixou feliz, por saber que existe luz no fim do túnel, porque, em meio a tantas montagens destinadas ao público infantojuvenil, o qual será a plateia adulta de amanhã, a maioria dessas “encenações” de qualidade duvidosa, para ser generoso e educado, aparece, de vez em quando, uma produção merecedora de elogios, como “A MENINA DO KUNG FU”, recém-estreada no Teatro Ipanema (VER SERVIÇO), para uma curta temporada. Em função disso, digo-lhes que vão logo conferir o que vou escrever aqui sobre este espetáculo, que é para crianças de todas as idades, inclusive as que habitam em vocês, pais, tios, avós, padrinhos, adultos irmãos de “temporões”...

            Depois do grande sucesso obtido, há nove anos, com “Joaquim e as Estrelas”, espetáculo premiado e belíssimo, escrito por Renata Mizrahi e dirigido por DIEGO MOLINA e Gisela de Castro, DIEGO volta-se, novamente, para o público infantojuvenil, desta vez como autor do texto e diretor de uma obra tão poética quanto aquela, falando de temas do nosso dia a dia, que não podem ser varridos para debaixo do tapete e que têm de vir à luz, para debates e reflexões. DIEGO escreveu uma peça, com supervisão de BOSCO BRASIL, 100% didática, sem usar a técnica do didatismo, que entedia e pode até afastar o público-alvo. Imaginem seus acompanhantes!!!







SINOPSE:

A peça, para crianças a partir dos cinco anos de idade, porém mais voltada ao público entre 9 e 13 anos, conta a história de BELINHA (MONIQUE VAILLÉ), menina de 9 anos, cega, que se matricula numa academia de Kung Fu.

Logo no primeiro dia de aula, ela tem de encarar a desconfiança dos colegas de turma e da professora, a MESTRA (JANAÍNA BRASIL), além das peripécias de PEDROCA (FÁBIO NUNES), o líder do grupo, e seus dois amigos, CLÁUDIO (VICTOR ALBUQUERQUE) e YOSHI (JORGE NEVES), que adoram praticar “bullying”.

Com garra e determinação, BELINHA consegue superar todas as dificuldades e provar, aos colegas e à MESTRA que é capaz de fazer o que quiser, como uma pessoa dita “normal”.

O espetáculo é, acima de tudo, um exemplo de superação e de incentivo à inclusão.






            O lema de campanha do, então, candidato à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, que acabou por ser eleito, “Yes, we can!” (Sim, nós podemos!), pelo fato de ser “diferente” – um negro lutando pelo comando da nação mais rica e poderosa do planeta - se encaixa, perfeitamente, no tema desta peça. BELINHA não é uma só. Se assim o fosse, o mais aplicável seria “Sim, EU posso!”, entretanto ela é uma voz, uma grande voz, uma porta-voz de todos os que apresentam uma deficiência física ou mental, mas que devem, e merecem, antes de tudo, ser respeitados por todos e terem garantido o seu direito de ser um ente ativo e participante, na sociedade de que fazem parte. Não é pelo fato de ser cega, ou “deficiente visual”, como querem os “politicamente corretos”, com os quais não concordo*, que ela não pode ter direito a uma vida como a de qualquer outra pessoa. Ela se impõe, para conquistar seus direitos, sua vez e voz, e provar que é capaz de fazer tudo, e consegue, porque acredita na força e na perseverança do ser humano, assim como faz de tudo para conquistar a confiança dos que a cercam.




            Parênteses: (*O preconceito e a discriminação não estão no vocábulo, mas, sim, na intenção como ele é empregado, dentro de um contexto e embalado por uma entonação, quando de forma oral. “Saia daqui, sua cega!” é bem diferente de “Aquela menina nasceu cega”.) “Você não passa de um negro!” não tem nada a ver com “O negro foi trazido da África, para ser escravo no Brasil.”.).

            Também estão presentes nas ações mudas e reações idem.

            #prontofalei







            Só o teor da sinopse já bastaria, para que o espetáculo aqui analisado merecesse todo o meu carinho e admiração. Mas, além disso, percebemos uma série de fatores positivos, que fazem com que esta produção seja de excelente qualidade, motivo de minha recomendação.

            A vida da menina cega é feita de desafios, no dia a dia, dos quais ela não foge e consegue, sempre, superá-los, porque acredita em si mesma, crê em que nada pode anular um ser humano, quando este não se deixa abater e quer provar sua condição de cidadão. 
     
            O fato de a protagonista ser cega é apenas o pontapé inicial para que vários temas sejam abordados na peça, como a questão da inclusão social – talvez o mais importante de todos, por abarcar vários outros -, o empoderamento feminino – mais a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres - e a questão do “bullying” – tão nefasto e que pode gerar consequências as mais desastrosas, incluindo suicídio.

            Extraído do “release”, enviado por SHEILA GOMES (ASSESSORIA DE IMPRENSA), “BELINHA encara desafios, para se impor com uma limitação física e num universo dominado pelos meninos. No fundo, o texto (...) fala mesmo é de gente.”. “As relações humanas sempre serão uma pauta atual, e é disso que a peça fala: de construirmos um mundo, onde as pessoas se relacionem melhor. E quando falo em ‘pessoas’ falo de todos os tipos.”, explica MOLINA.”. E com muita propriedade.

A peça foi escrita em 2010, “quando DIEGO ainda fazia parte da ONG Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, e se utilizou de anos de capacitação sobre conceitos de diversidade, para realizar o desejo de escrever uma peça infantojuvenil que unisse inclusão e acessibilidade. Criou o texto justamente para tratar do assunto ‘deficiência’ diretamente com a criança e seus pais, porque, ‘apesar de pessoas com deficiência sempre terem existido (e sempre existirão), a inclusão é uma palavra extremamente contemporânea, ainda bastante complicada para a maioria das pessoas’, observa MOLINA”.





E por que falar dessas questões agora? Porque, apesar de alguns avanços, nos últimos anos, ainda se faz necessário, e muito, chamar a atenção das pessoas e das ditas “autoridades”, em todas as esferas, para os empecilhos que ainda existem, quando o assunto é a inclusão, envolvendo o direito a uma educação de qualidade e à adequados métodos de mobilidade urbana, por exemplo, e, mesmo, para denunciar a falta ou carência disso e exigir respeito a quem necessita de uma atenção especial, no sentido de mais amplo, e adequada.

Com relação ao vocábulo “especial”, achei muito adequado o questionamento sobre seu emprego, quando é referente a pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. “Especial” por quê? Não há nada de “especial” nelas, a não ser que sejam pessoas, seres humanos, de índole, caráter especial, que se se sobreponham à média das outras. Ninguém é “especial” porque não é “normal”, outra grande aberração e impropriedade. O que é ser “normal”? É ter nascido com todos os órgãos e membros do corpo humano no lugar e funcionando corretamente? É ter perfeita saúde mental? É agir como todo mundo age? É ser dotado dos cinco sentidos: visão, tato, olfato, paladar e audição? “De perto, ninguém é normal.”, já dizia o grande poeta, compositor e intérprete Caetano Veloso.

Gostei muito da simplicidade como o texto se apresenta, o que o faz chegar a qualquer espectador, sem lhe exigir muito para a compreensão das mensagens nele inseridas. Os diálogos, por meio de uma linguagem leve, direta e, por vezes, apelando para o bom humor, são bem consistentes e claros.

A direção, numa prova de grande competência, soube pôr em pratica uma proposta simples, dado o problema da falta de recursos financeiros, além de, muito corretamente – o que está ligado ao texto – não deixar que o espetáculo pendesse para o lado da pieguice (Ou pieguismo; ambos os vocábulos existem na língua portuguesa.).

Os cinco atores também fogem ao clichê, já, há muito, fora de moda, de adultos que representam crianças idiotizadas. O quinteto, ou melhor, o quarteto, visto que a personagem MESTRA não é uma criança, representa de modo que todos percebam, e entendam, que, no palco, há três meninos e uma menina, sem aquelas bobagens de adultos infantilizados. O grupo apresenta um bom rendimento, com um ligeiro destaque para MONIQUE VAILLÉ, pelo fato de representar uma menina cega. Sabemos todos que não é fácil representar um cego, com naturalidade. Por esse motivo, inclusive, alguns atores preferem utilizar, em cena, óculos escuros, na composição do(a) personagem, para lhes facilitar o trabalho, recurso para o qual MONIQUE não apelou.





Se não há dinheiro, patrocínios e afins, o jeito é correr para a criatividade, sem perder o bom gosto e procurando atingir a perfeição. Sendo assim, o cenário (DIEGO MOLINA e PATRÍCIA MUNIZ), se resume a placas de EVA (Etil Vinil Acetato, uma borracha não-tóxica, que pode ser, e é, aplicada em diversas atividades artesanais.), coloridas, as quais se juntam, para formar um tatame e para cobrir o fundo do palco. Solução prática, barata e que funciona muito bem. Os figurinos (PATRÍCIA MUNIZ, também responsável pelos adereços.) são muito simples e, como a cenografia, atendem, perfeitamente, à posposta da peça, adequados à montagem: roupas de treinamento, numa academia. A iluminação, criada por ANDERSON RATTO, não precisa ser “especial” e também se adéqua ao conjunto. PEDRO NÊGO assina uma trilha sonora que se encaixa, corretamente, na proposta da direção, assim como o visagismo (DIEGO NARDES). Os atores põem em prática posições e golpes de kung fu, graças às instruções, totalmente indispensáveis, de um profissional da área, RENAM NASCIMENTO.









FICHA TÉCNICA:

Texto: Diego Molina
Supervisão de Texto: Bosco Brasil
Direção: Carolina Godinho e Diego Molina

Elenco (por ordem alfabética): Fábio Nunes (Pedroca), Janaína Brasil (Mestra), Jorge Neves (Alcione, mas gosta de ser chamado de Yoshi), Monique Vaillé (Belinha) e Victor Albuquerque (Cláudio)

Figurinos e Adereços: Patrícia Muniz
Cenografia: Diego Molina e Patrícia Muniz
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha Sonora: Pedro Nêgo
Visagismo: Diego Nardes
Assistente de Visagismo: Lucas Souza
Programação Visual e Ilustrações: Marcelo Martinez – Laboratório Secreto
Fotografias: Bruno Coqueiro
Instrutor de Kung Fu: Renan Nascimento
Intérpretes de Libras: JDL Traduções - Acessibilidade na Comunicação – Davi de Jesus e Jadson Abraão
Audiodescrição: Nara Monteiro
Assessoria de Imprensa: Sheila Gomes
Direção de Produção: Janaína Brasil
Produção: Carolina Godinho, Diego Molina, Janaína Brasil e Monique Vaillé
Coprodução: Arte Nova e 2BB2 Produções Artísticas










SERVIÇO:

Temporada: De 06 a 28 de julho de 2019.
Local: Teatro Ipanema.
Endereço: Rua Prudente de Morais, 824 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: Sábados e domingos, às 16h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Tempo de Duração: 50 minutos.
Classificação Indicativa: Livre (Mais indicado para a faixa entre 9 e 13 anos.).
Gênero: Teatro Infantojuvenil.

OBSERVAÇÃO: Haverá sessões com acessibilidade na comunicação (audiodescrição e intérpretes de libras) nos dias 21 (domingo) e 29 (sábado) de julho e em outras datas, a confirmar.








            Três detalhes me chamaram bastante a atenção, na peça. Um deles é a orientação para que não devamos superproteger as pessoas que apresentam deficiências, para que elas não se sintam diminuídas ou excluídas e para que tenham a oportunidade de mostrar que são capazes de levar uma vida o mais próximo possível do modo como todos vivem. Outro aspecto é que, em hipótese alguma, devemos ou podemos apontar um dedo para outrem, uma vez que, como todos sabemos, quando isso ocorre, os outros quatro apontam para nós. Um dos personagens, que, a princípio, praticava “bullying” contra BELINHA, tinha uma perna mais curta que a outra (Só a MESTRA sabia e, sem querer, deixou escapar.), o que era possível corrigir, com o uso, disfarçado, de uma palmilha ou um salto, para a ocultação do “defeito”. Alguns podem ser disfarçados, ou, até mesmo, escondidos; a cegueira não. O terceiro, ligado ao anterior é o fato de quem pratica "bullying" não gostar, quando ele se torna a vítima. ALCIONE odiava seu nome, por ser unissex, e só aceitava ser chamado de YOSHI, embora "zoasse" os outros.

            Gostaria de deixar registrado um relato que me fez a assessora de imprensa, SHEILA GOMES, depois da peça, em conversa informal. Assisti ao espetáculo no seu segundo dia em cartaz. Disse-me ela que, no dia anterior, o da estreia, havia, na plateia, por uma incrível coincidência, uma menininha de nove anos, chamada BELINHA, cega também, que, após o espetáculo, estava radiante com a experiência de ter “assistido” à peça, com o auxílio da audiodescrição, e confessou uma identificação total com a personagem, falando de todos os percalços que passa na vida real, como os que viu encenados. Acrescentou que convidaria seus amiguinhos para o espetáculo. Achei muito lindo e emocionante esse relato. E isso prova a importância desta peça, que deveria ser mostrada, sob um patrocínio oficial, governamental, a crianças deste país continental, sejam as que apresentam necessidades especiais, sejam as que não apresentam qualquer tipo de “diferença”.

            Também é muito importante saber que, em determinados dias (VER SERVIÇO.), há a presença de profissionais para atuar como intérpretes de libras ou fazendo audiodescrição. “Afinal, não basta falar de inclusão. É preciso incluir. Assim, crianças e adultos com deficiência auditiva e visual vão poder assistir ao espetáculo”, diz o já citado “release”.

            Já deu para desconfiar que adorei o espetáculo e o recomendo a todos: crianças, adolescentes e adultos?




(Foto: Gilberto Bartholo.)


(Foto: Gilberto Bartholo.)



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, 
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!


(FOTOS: BRUNO COQUEIRO.)



































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