VERMELHA
(O TEXTO QUE NÃO ESTÁ
ESCRITO,
MAS QUE É LIDO,
E POR MAIS DE UMA ÓTICA.)
Conheço
o trabalho da CIA DE TEATRO MANUAL,
desde 2014, quando me deixei
encantar pelo magnífico “Hominus
Brasilis”, espetáculo de estreia
da CIA., algo extraordinariamente
bem produzido e montado, fruto de um intenso e demorado trabalho de pesquisa dos
quatro componentes do grupo, formado em 2011:
MATHEUS LIMA, Helena Marques, Dio
Cavalcanti e Patrícia Ubeda. MATHEUS
e Helena haviam conhecido, em 2010,
a técnica da linguagem
da plataforma, em um curso de
especialização na LISPA - Escola Internacional de Artes Cênicas de Londres.
Tal técnica consiste em se
apresentar um espetáculo teatral
sobre uma plataforma de madeira, um
“palquinho”, um minúsculo praticável, baixo, (O de “Hominus Brasilis” media apenas 2,0m x 1,0m.), tendo, os atores, como “ferramentas
de trabalho”, apenas o corpo e a voz, sem a utilização de recursos
cênicos e com figurinos simples e, geralmente, aproveitados na encenação.
De volta ao Brasil, com a grande novidade na mala,
o casal se juntou a Dio Cavalcanti e
Patrícia Ubeda, os quais, durante três anos, se dedicaram ao
estudo do novo formato e à pesquisa do
espaço cênico e do corpo expressivo, até chegarem ao já citado espetáculo de estreia, “Hominus Brasilis”, um verdadeiro
sucesso, de público e de crítica, com várias temporadas, no Rio de Janeiro e fora dele, até no
exterior. Com essa montagem, a Cia. representou o Brasil nos festivais internacionais Chicago Physical Festival (EUA - 2016), Festival Efímero de Teatro Independente
(Argentina – 2017), Beijing Comedy
Week (China – 2017), Festival
Gargalhadas na Lua (Lisboa-2019) e Festival
Internacional de Teatro de Alentejo (FITA\2019). Também recebeu indicação a
vários Prêmios de TEATRO, tendo
conquistado alguns.
Desta
vez, de forma bem generosa, com os outros trabalhando nos bastidores, a CIA. DE TEATRO MANUAL abre espaço para
que MATHEUS LIMA se apresente num trabalho solo, com excelente texto verbal,
ainda que curto, apenas para dar apoio ao texto
não falado, apenas expresso por
gestos e ações, escrito por CECÍLIA
RIPOLL, um dos mais promissores nomes da atual dramaturgia brasileira, uma autora
muito jovem, porém de incomensurável talento. Trata-se do primeiro trabalho
solo da CIA..
SINOPSE:
Um menino trabalha,
exaustivamente, em uma fábrica de sapatos, praticamente, em regime de semiescravidão, mas, contraditoriamente, não tem
condições de comprar o próprio calçado.
Um dia, descobre que as
mercadorias produzidas na fábrica, situada no "país de baixo", são vendidas, por
um valor bem menor, no "país de cima", para onde são exportadas.
Começa, então, uma batalha
da classe trabalhadora, que quer ter acesso aos calçados baratos, e o
presidente daquele país, que decide construir um muro, para impedir a entrada
dos imigrantes descalçados.
Não tive como não ligar o desejo do personagem, que fabrica sapatos, mas não tem condições de adquirir um par, com uma velha marchinha de carnaval, chamada "Pedreiro Waldemar", de autoria de Martins, Roberto e Wilson Batista: "Você conhece o pedreiro Waldemar? / Não conhece? / Mas eu vou lhe apresentar. / De madrugada, toma o trem da Circular. / Faz tanta casa e não tem casa pra morar. / Leva marmita embrulhada no jornal. / Se tem almoço, nem sempre tem jantar. / O Waldemar, que é mestre no oficio, / Constrói um edificio / E, depois, não pode entrar".
O texto é todo metafórico, e isso costuma ser, na maioria as vezes, eu diria, um
grande entrave, para a compreensão do espetáculo,
por parte do grande público, incluindo os menos favorecidos, em termos de
inteligência e escolaridade. CECÍLIA RIPOLL,
porém, foi de uma felicidade incrível, trabalhando o universo metafórico da forma mais simples possível e fácil de ser
assimilada, mesmo pelas pessoas menos informadas e/ou formadas. Ninguém tem a
menor dificuldade para perceber qual é o “país
de cima” e qual é (No caso, são,
uma vez que podem ser muitos ou, especificamente, um, com maiores referências,
em relação ao “dominante”.) o “país de baixo”. Menos, ainda, alguém
sai do Teatro sem saber quem é o presidente
do “país de cima”, que deseja
construir um muro, para conter as investidas dos descalços e descamisados do “país de baixo”.
“VERMELHA” é, para a CIA.,
um “desafio
de encenar uma saga, repleta de acontecimentos, numerosos personagens e
geografias distintas, através de um único ator no palco”, como está
escrito no “release”, enviado por LYVIA RODRIGUES (AQUELA QUE DIVULGA –
ASSESSORIA DE IMPRENSA). Ainda que, neste trabalho, não exista a presença
física da plataforma, que foi trocada por uma simples e interessante cenografia, sobre a qual falarei
adiante, “os princípios que norteiam o trabalho dela (a plataforma),
sim: a gestualidade, o corpo expressivo, a pantomima, a comicidade física, o
trabalho rítmico, a construção da atmosfera, por meio das sonoridades; enfim,
elementos que definem nosso trabalho”, destaca MATHEUS, que interpreta quatro
personagens fixos: o menino, a mãe, o “presidente do país de cima” e o “presidente do país de baixo”.
Para conceber o texto, CECÍLIA RIPOLL inspirou-se no conto “Os Sapatos Vermelhos”, de Hans
Christian Andersen, porém com total liberdade, para impor suas críticas ao
mundo capitalista; à exploração do trabalho escravo, principalmente aplicado a
crianças; à prepotência desmedida e cruel dos países mais desenvolvidos; e
outras mais. Dois clássicos de Charlie Chaplin também serviram de
fonte: “O Grande Ditador” e “Tempos Modernos”. Quem conhece essas
duas obras-primas do cinema haverá de perceber tal interferência na peça.
A CIA. DE TEATRO MANUAL acertou em cheio,
na opção de um espetáculo-solo, no texto, na direção, na escolha do ator
e nos demais elementos necessários a uma
encenação teatral, bastante intimista, que apresenta uma “mescla
de densidade e comicidade”, estruturada em “frases curtas e pontuais,
pensadas enquanto enunciados da trama, espécie de ‘legendas orais’, oferecendo
lacunas a serem preenchidas pela relação entre ator e espectador. MATHEUS
‘joga’ com as frases-legenda, como se fossem companheiras de cena, e transita
por todos os fatos e personagens – ora sendo, ora vendo, ora manipulando.”.
Esse trecho, extraído do “release”,
resume – e traduz o meu pensamento -, muito bem, o que é a peça e quão lindo e correto é o trabalho de ator, de MATHEUS
LIMA, e quão gratificante é vê-lo, em sua força interpretativa,
dedicando-se, de corpo e alma, a cada personagem
que interpreta. MATHEUS tira, das
entranhas, uma força e uma garra, totalmente necessárias, para traduzir os
sentimentos do personagem- menino, principalmente.
MARCELA ANDRADE, atriz, diretora e professora de TEATRO, que,
faz alguns anos, vem realizando uma pesquisa
prática e teórica, acerca das possíveis relações entre atuação, dramaturgia, biografia e memória, com experiência, como residente, no Teatro Delle
Radici, grupo suíço, cuja investigação cênica parte de relações memoriais, põe
em prática toda a sua experiência, nesta direção,
extraindo o máximo do potencial de ator,
de MATHEUS LIMA, que não é pouco. MARCELA parece estar, ou melhor, está, completamente à vontade, para
dirigir um trabalho tão específico como este.
ROBERTO SOUZA contribui muito, para o êxito da montagem, com seu trabalho na trilha
sonora original. Tudo indica que o produto final dessa trilha tenha sido fruto de muito trabalho de pesquisa. Há vários
sons que reportam a ruídos produzidos numa fábrica, pelas máquinas, além de
outros igualmente interessantes e enriquecedores para a encenação.
A cenografia, uma criação de ELSA ROMERO, é muito simples,
entretanto bastante criativa e sugestiva, acompanhando a linha metafórica do espetáculo. Apenas dois elementos compõem o cenário: um no chão e outro aéreo. Quase
ao fundo do pequeno espaço cênico,
visualizamos uma sequência de tubos, de vários calibres, na cor cinza, montados,
lado a lado, sobre uma estrutura de base; o conjunto lembra as chaminés de uma
fábrica. De dentro desses tubos, ou neles, o ator retira ou coloca pequenos objetos, durante a peça. A cerca de um metro acima da cabeça do ator, está pendurada uma estrutura de
arame, como uma tela de se fazer galinheiro, por exemplo. Ela forma uma espécie
de “caixa” (Se não estou me deixando levar demais pela imaginação, no formato,
ainda que grosseiro, do mapa dos Estados
Unidos. Se estou “viajando” alto, por favor, PUXEM-ME PARA O CHÃO!!!), dentro da qual há dezenas de sapatos. Esse elemento nos reserva uma surpresa, no final do espetáculo, embora seja bastante previsível.
Não pensem num figurino tradicional; não esperem ver o
ator, um homem, de barba no rosto,
com roupas de uma criança. Nada disso! CAMILA
NHARY foi muito feliz na concepção do que deveria vestir o personagem: uma saia, de pontas,
comprida, em couro bem maleável, marrom, da qual ele tira muito partido,
durante o trabalho de interpretação,
deixando-lhe o tórax desnudo. Um acerto, certamente, em conjunto com o visagismo, de MONA MAGALHÃES. Entendi a caracterização
física do personagem como uma
referência a um ser de qualquer gênero. Trata-se de um menino, mas poderia ser,
também, uma menina. Ambos são, cruelmente, explorados por muitas indústrias
espalhadas pelo mundo.
Sem muitas variações, porém todas ajustadas às
cenas e feitas com a intensidade que cada uma pede, é muito bom o trabalho de
iluminação, feito por ANA LUZIA DE SIMONI, a filha de um mestre, que lhe segue os
passos.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Cecília Ripoll
Direção: Marcela Andrade
Atuação: Matheus Lima
Colaboração Artística: Dio Cavalcanti e Helena Marques
Trilha Sonora Original: Roberto Souza
Vozes: Matheus Lima, Helena Marques, Marcela
Andrade e Roberto Souza
Cenografia: Elsa Romero
Cenotécnico: Roberto Rodrigues
Figurino: Camila Nhary
Adereço – prótese: Mona Magalhães e Derô Martín
Visagismo: Mona Magalhães
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Design Gráfico: Jaqueline Sampin
Fotos: Renato Mangolin
Operação de Luz: João Gioia
Operação de Som: Luiz Rolim Fadul
Assessoria de Imprensa: Lyvia Rodrigues (Aquela que Divulga)
Assistente de Produção: Gabrielly Vianna
Produção: Bárbara Galvão, Carolina Bellardi e
Fernanda Pascoal (Pagu Produções Culturais)
Idealização: Helena Marques
Coordenação de Projeto: Cia de Teatro Manual
Realização: SESC Rio
SERVIÇO:
Temporada: De 10 de maio a 02 de junho de 2019.
Local: SESC TIJUCA (Teatro II).
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539, Tijuca – Rio de
Janeiro.
Telefone: 3238-2139.
Dias e Horários: De 6ª feira a domingo, sempre às 19h.
Valor dos Ingressos: R$30,00; R$15,00 (Casos previstos em lei ou para
quem levar 1kg de alimento não perecível.); R$7,50 (Associados do SESC).
Duração: 60 minutos.
Classificação: 12 anos.
Gênero: Drama.
Não penso duas vezes, para recomendar este espetáculo, na certeza de as minhas palavras traduzem,
fielmente, a sua qualidade, a maneira como é realizado e a importância do tema,
para reflexões e, se possível, tomadas de decisões, naquilo que estiver ao
alcance de cada espectador.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: RENATO MANGOLIN.)
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