quarta-feira, 3 de abril de 2019

O SEGUNDO
ARMÁRIO

(POESIA, DOR, AMOR, REALIDADE, ALERTA –
TUDO SUFOCADO E NÃO CONTENDO
NUM “ARMÁRIO” TRANCADO,
QUE TEM DE SER ABERTO,
POR QUEM ESTÁ DENTRO,
E NÃO ARROMBADO,
POR QUEM ESTÁ DE FORA.)





          Em dezembro de 2018, ao apagar das luzes do ano teatral, um espetáculo, sem muita divulgação, fez apenas duas apresentações, no Memorial Municipal Getúlio Vargas, um espaço cultural, de cuja existência eu tinha conhecimento, porém não o conhecia “in loco”, na Glória, bairro do Rio de Janeiro. Convidado fui, porém não tive disponibilidade na agenda. Em janeiro deste ano (2019), voltou ao cartaz, no mesmo lugar, em somente mais quatro apresentações, uma a cada semana, sempre às 3ªs feiras. No dia em que agendei, com a produção, para assistir ao espetáculo, vi-me obrigado a voltar, do meio do caminho, em função de um terrível engarrafamento, que inviabilizaria minha chegada, a tempo, ao local onde seria realizado o espetáculo. Santo WAZE!!!

            Fiquei bastante contrariado, uma vez que o tema e o conteúdo do “release”, este enviado por LYVIA RODRIGUES (AQUELA QUE DIVULGA – ASSESSORIA DE IMPRENSA) prometiam um bom espetáculo – interessante, no mínimo -, ainda que eu não conhecesse, praticamente, ninguém ligado à ficha técnica, a não ser JEAN MENDONÇA, o diretor, por um seu trabalho anterior. Como já disse, porém, e repetirei sempre, que TODO CRÍTICO E JURADO DE PRÊMIOS DE TEATRO TEM DE IR AONDE O TEATRO ESTÁ, por mais distante e de difícil acesso que seja o local da apresentação, tive, felizmente, a grata alegria de poder conferir o espetáculo, na tarde de um sábado, às 15h, numa sessão extra, que teve seus ingressos esgotados, com, aliás, todas as anteriores, sob um sol escaldante de fevereiro (dia 2), com 42 graus de temperatura. E consegui gostar bastante da peça, mesmo com o sistema de ar-condicionado não funcionando e todos, plateia, técnicos e o ator, encharcados de suor. Temi, até mesmo, que o ótimo ator, HUGO CARAMELLO, se desidratasse em cena e passasse mal. Mas nada foi obstáculo e, aqui, estou, exercitando o meu desejo de escrever sobre uma peça de TEATRO que me agradou bastante, ainda que feita franciscanamente, com parquíssimos recursos financeiros, sem patrocínios, porém transbordando amor e garra, por parte dos envolvidos no projeto. Agora, ele está de volta, para apenas quatro apresentações, no mesmo local das mini-temporadas anteriores.

Eis a sinopse que me chegou às mãos, que, de tão curta, extrapola o significado do vocábulo “sinopse” (“Relato breve, síntese, sumário de um filme, de um livro, de uma peça teatral, de uma ópera...”). Mas ela será – espero – bem dissecada, ao longo desta crítica.







SINOPSE:
A história de um jovem que se descobre soropositivo.
Da angústia ao sentimento de esperança, mostrando que a vida continua, mesmo após a descoberta de uma doença crônica.






            Depois desta “breve” sinopse, muito pleonasticamente falando, vamos tratar da montagem.

            A peça foi baseada no livro de mesmo título, escrito por SALVADOR CORRÊA, contando sua própria história, sob o pseudônimo de GABRIEL DE SOUZA ABREU, após ter-se descoberto soropositivo para o vírus do HIV-1. Para ser transformado numa peça de TEATRO, contou com a colaboração valiosíssima de ANTONIO DE MEDEIROS, responsável pela dramaturgia.

Já falando do personagem que representa a voz do autor, “Tudo começa, quando, em 2011, GABRIEL, vivido pelo ator HUGO CARAMELLO, recebe a notícia que mudaria a sua vida: o exame positivo para HIV-1. A partir daí, o protagonista divide, com o público, os momentos de desespero, aflição e tristeza, quando não consegue enxergar nada, além da sua própria fragilidade e medo”. Mas não fiquem pensando que sairão deprimidos do Teatro, porque a mensagem que é passada, no frigir dos ovos, é de otimismo e fé na vida.

            Não tive a oportunidade, ainda, de ler o livro, entretanto, segundo o que ouvi do seu autor, no final da sessão em que estive presente, MEDEIROS foi muito hábil, fiel e preciso, na transformação de uma mídia para outra. Como espectador, gostei muito do texto.

A peça é uma produção da CIA BANQUETE CULTURAL, que, há cinco anos, vem trazendo, aos palcos, temas universais relevantes, “apostando em uma encenação vigorosa, na qual os pensamentos e reflexões contidos no livro são expostos, de maneira crua e poética, a partir da direção de JEAN MENDONÇA”. (Extraído do “release”.).




A grande preocupação do diretor, nesta montagem, segundo suas próprias palavras, e plenamente atingida, foi “mostrar a vivência do HIV (...) por um viés poucas vezes experimentado na arte: o da esperança e da possibilidade de continuação de uma vida saudável, por meio do tratamento. Ao propor que o tema seja tratado de forma crua e poética, quero dizer que é através da poesia que falo da dor, para, com isso, ser possível a aproximação do espectador. Mas isso não impede que o fio de tensão seja esticado, até seu limite máximo, para que, quando for solto, a sensação de alívio seja sentida por todos e levada por onde passarem e para além do espaço cênico”. E é, exatamente, isso o que acontece. O espectador sofre, com o personagem, divide, com ele, tudo de negativo que possa a existir na sua vida. A tensão vai aumentando, paulatinamente, o desespero também, como uma mola sendo puxada, entretanto, há o instante em que as extremidades da mola se soltam, o momento para a catarse e o toque, em cada um que acompanha o drama de GABRIEL, de que o poço tem fundo, sim; há luz no fim do túnel, sim, graças a Deus, e ela vai se intensificar cada vez mais. E SALVADOR CORRÊA / GABRIEL, autor / personagem, está aí, como prova viva disso, convivendo com o vírus, há cerca de oito anos, levando uma vida normal, produtiva e ajudando, com uma garra infinita e uma empatia incomensurável, outras pessoas.

A peça levanta discussões que, absolutamente, não poderiam ficar de fora, quando a temática está ligada à AIDS. Em primeiro lugar, o pânico de se saber contaminado e achar que, naquele laudo, está lavrada a sua sentença de morte. Depois, o medo de tornar público, de contar para a família, primeiro, e, depois, para os de seu círculo de amigos. Como reagirão? Talvez o mais cruel de tudo e, por isso mesmo, o mais temido seja o, ainda, infelizmente, inaceitável preconceito de uma boa parte da população, com relação às pessoas soropositivas. Tudo isso contribuiu para que SALVADOR vivesse sozinho a sua tortura, por três anos, dentro do que ele, de forma muito inteligente e criativa, chamou de seu “segundo armário”, considerando que o primeiro, como já é sabido, é aquele no qual os homossexuais se enclausuram, para evitar sofrimentos maiores, numa sociedade, ainda, majoritariamente, preconceituosa, com relação à orientação sexual de cada um. São duas dores distintas, dois “móveis” diferentes, porém, creio que um deva ser tão terrível e asfixiante quanto o outro.





Como “válvula de escape”, para a sua sobrevivência, SALVADOR criou um blogue, anônimo, o embrião do livro, que se tornou a peça de TEATRO, aqui comentada e analisada; um monólogo. “Com o pseudônimo de GABRIEL DE SOUZA ABREU, ele usou a plataforma, para dividir, com desconhecidos, as experiências de um jovem de 27 anos, soropositivo: da angústia ao sentimento de esperança, mostrando que a vida continua, mesmo após a descoberta de uma doença crônica. A troca com os leitores foi tão importante, que, em 2014, ele assumiu, publicamente, a soropositividade e se tornou, desde então, um ativista do combate à AIDS”. (Extraído do detalhado e completo “release”, uma raridade, nos dias de hoje, com relação às assessorias de imprensa, com algumas exceções.)

O espetáculo é muito simples e direto – e esse é seu ponto mais positivo - pobre, de recursos, porém rico, de conteúdo e de vigor artístico, e pode ser apresentado em pequenos espaços, em palcos de pequeníssimas dimensões, como o do local em que assisti a ele.

Um palco, praticamente, nu (cenografia quase inexistente, poucos objetos de cena – CRIAÇÃO COLETIVA); um bom ator no palco, já quando o público adentra a sala; uma iluminação (FELIPE LOURENÇO) sem muita sofisticação; um figurino simples, do dia a dia (CRIAÇÃO COLETIVA); uma boa trilha sonora original (LEANDRO GRANDI); uma direção (JEAN MENDONÇA) descomplicada, mais voltada a permitir ao ator “soltar seus demônios”... Por oportuno, quero salientar o ótimo trabalho de interpretação, de HUGO CARAMELLO, o qual, além de trabalhar bastante suas emoções e se transformar, inteiramente, no personagem, executa um excelente trabalho de corpo, sob a supervisão de SILVANA STEIN, a qual também é responsável pela supervisão vocal, o que muito acrescenta à peça.








FICHA TÉCNICA:

Autoria do Livro Original: Salvador Corrêa
Dramaturgia: Antonio de Medeiros
Direção: Jean Mendonça

Atuação: Hugo Caramello

Supervisão Vocal e Corporal: Silvana Stein
Trilha Sonora Original: Leandro Grandi
Gravação Musical: Leandro Grandi e Guto Grandi
Criação de Luz: Felipe Lourenço
Montagem e Operação de Luz: Victor Tavares
Montagem e Edição de Imagens: Jô Bittencourt
Operação de Som e Vídeos: Felipe Carvalho Fonseca
Cenografia e Figurino: Criação Coletiva                                                                                     
Filmagem e Fotografia: Márcia Otto e Marcelo Cortez
Designer: Andrei Aguiar e Patrick Orlando
Estruturação Projeto e Identidade Visual: Cristiana Giustino
Produção Executiva: Joelma Di Paula e Márcia Otto
Produção e Realização: Cia Banquete Cultural








SERVIÇO:

Temporada: Dias 05, 12, 19 e 26 de abril de 2019.
Local: Sala Zaíra de Oliveira – Memorial Municipal Getúlio Vargas.
Endereço: Praça Luís de Camões, s/nº, subsolo – Glória – Rio de Janeiro (Ao lado da estação Glória, do metrô).
Telefone: (21) 2205-8191.
Dias e Horários: Sempre às 6ªs feiras (de abril), às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada e lista amiga). – Pagamento somente em dinheiro e a bilheteria abre uma hora antes do início do espetáculo.
Reservas e mais informações:  htps://www.facebook.com.br/banquete cultural   ou  pelo “e-mail” banqueteculturalproducoes@gmail.com
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Drama.








Não tenho por hábito de transcrever, nas minhas críticas, o currículo dos envolvidos no projeto, normalmente parte do “release”, todavia senti vontade de fazê-lo, num acentuado resumo, para que os que me leem fiquem conhecendo essas pessoas talentosas e de excelente trato, que passei a conhecer, e se sintam motivadas a assistir ao espetáculo:
SALVADOR CORRÊA – autor do livro original: Escritor, psicólogo, especialista em saúde coletiva, mestre em saúde pública pela ENSP / FIOCRUZ, ativista do movimento AIDS, “coach”, amante das artes e das potencialidades humanas, coordenador da área de Treinamento e Capacitação da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids). Coordenou projetos de direitos sexuais e direitos reprodutivos, na ONG BEMFAM, e foi coordenador de saúde mental, em São Francisco de Itabapoana-RJ, quando implantou o Centro de Atenção Psicossocial e leitos de atenção integral no município. No meio acadêmico, foi professor dos cursos de graduação em Serviço Social, Nutrição e Enfermagem da Faculdade Redentor, e lecionou em cursos de pós-graduação na Faculdade de Medicina de Campos e UNIVERSO. Atualmente, desenvolve pesquisas no campo de HIV e AIDS e participa do Comitê Comunitário Assessor do INI / FIOCRUZ, que acompanha pesquisas globais em prevenção e tratamento do HIV. Recentemente, foi consultor do documentário “Tente Entender o que Tento Dizer”, com previsão de estreia em 2019. Participou de documentários, como “35/20: Do pânico à Esperança (Globo News) e “Agora, Que Eu Sei!” (TV Futura). Nos últimos anos, tornou-se referência em HIV e AIDS, colaborando com diversos projetos e contribuindo para abordagem do tema na mídia, concedendo diversas entrevistas na imprensa, sobre o tema. Escreveu o livro “O Segundo Armário, Diário de um Jovem Soropositivo” e vive, abertamente, com o vírus do HIV.





            JEAN MENDONÇA – diretor: Diretor teatral, ator, dramaturgo e produtor, fundador da Cia Banquete Cultural, possui ampla experiência nas artes cênicas. Formado pela Casa das Artes de Laranjeiras-CAL e pós-graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, começou sua carreira no norte de Minas, há mais de 20 anos, atuando, sob a direção de Daniel Rodrigues, em diversas peças. Foi indicado, por dois anos seguidos, 2001 e 2002, ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Teatro de Belo Horizonte, pela sua atuação nos espetáculos “Lisístrata - A Greve do Sexo” e “Os Irmãos das Almas”. Retomou a carreira, no Rio de Janeiro, através da Casa das Artes de Laranjeiras, apresentando uma série de cenas e peças clássicas e contemporâneas. A partir de 2009, iniciou seus estudos e pesquisas sobre o método de trabalho de Jerzy Grotowski, no Teatro Laboratório, cerne da sua direção em “Amor e Restos Humanos”, primeira peça realizada pela Cia Banquete Cultural. Com a Cia, dirigiu, também, as peças “Áurea, a Lei da Velha Senhora” (2015) e “Pobre Super-Homem - Avesso do Herói” (2016 e 2017). Escreveu a peça “Mefisto – A Natureza dos Anjos ou a Anti-Questão Humana”, o roteiro da série “Diadorim – As Veredas Mortas de Seus Verdes Olhos” e o conto “Negrinho - Anjinho de Asa Negra”. Em 2018, iniciou o trabalho de pesquisa para a direção do espetáculo “O SEGUNDO ARMÁRIO”. Para 2019, está prevista a estreia de “Não Sei Qual Cidade Passa aos Olhos Dele”, longa-metragem, dirigido por Thaís Inácio e João Bernardo Mendonça, no qual assina a direção de "performers" e a coprodução.





           ANTONIO DE MEDEIROS – dramaturgo: Dramaturgo, mestrando em "Literatura, Cultura e Contemporaneidade&quot, pela PUC-Rio. Formou-se em Turismo, pela UNIRIO, e tem Especialização em Literatura Brasileira pela UERJ. Teve seu livro de contos “"Sangue Pisado&quot” entre os pré-selecionados do 13º Concurso Sesc de Literatura. Participou da antologia de contos “Contágios”, organizada pelo jornalista e crítico José Castello. Foi finalista do I Concurso de Relatos Breves do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca. Tem um conto publicado na revista digital luso-brasileira “Subversa” e na revista de literatura luso-brasileira “Gueto”. Participou da terceira turma do Núcleo de Dramaturgia SESI Cultural / Rio de Janeiro. É coautor da peça “" não adianta morrer&quot”, que foi encenada na Faculdade de Teatro da CAL com direção de Diogo Liberano. É de sua autoria a Trilogia do Desejo, composta pelos romances “Desejos Secretos”, ”Sozinho Esta Noite” e “O Rabiscador de Corpos”.




            HUGO CARAMELLO – ator: Ator, formado no curso técnico profissionalizante da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e bacharelando da Faculdade de Artes Cênicas da CAL. Estudou, também, com Cininha de Paula e com a Cia de Teatro Anjos da Cena. O espetáculo “O SEGUNDO ARMÁRIO” é seu primeiro trabalho-solo. Em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, atuou nas peças “Certos Rapazes”, sob direção de Maurício Canguçu (2018), trabalho que lhe rendeu a indicação ao Prêmio SINPARC de Artes Cênicas de Melhor Ator Coadjuvante; “Amor e Restos Humanos”, sob a direção de JEAN MENDONÇA (2015 e 2016); “O Despertar da Primavera” (2013); “Purificado” (2013); “O Abajur Lilás” (2012); “O Casamento do Pequeno Burguês” (2012); e “Os Sete Gatinhos” (2012). Em “web-séries”, atuou em “Positivos” e “Secreto”. No cinema, trabalhou em 5 curtas-metragens, todos exibidos no Festival Cinema da Mare (Itália): “Meu Grande Sonho”, “Apnea” , “As Caixas”, “Meditation” e “Come ti Chiami”.





            Pelo bom nível do espetáculo e por abordar, de uma forma tão singular, um assunto deveras “pesado”, tão evitado, em discussões, RECOMENDO O ESPETÁCULO.







E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR

NO TEATRO BRASILEIRO!!!


(FOTOS: MÁRCIA OTTO 

MARCELO CORTEZ.)

































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