O SEGUNDO
ARMÁRIO
(POESIA, DOR, AMOR,
REALIDADE, ALERTA –
TUDO SUFOCADO E NÃO CONTENDO
NUM “ARMÁRIO” TRANCADO,
QUE TEM DE SER ABERTO,
POR QUEM ESTÁ DENTRO,
E NÃO ARROMBADO,
Em
dezembro de 2018, ao apagar das
luzes do ano teatral, um espetáculo, sem muita divulgação, fez
apenas duas apresentações, no Memorial Municipal Getúlio Vargas, um espaço cultural, de cuja existência eu
tinha conhecimento, porém não o conhecia “in loco”, na Glória, bairro do Rio de
Janeiro. Convidado fui, porém não tive disponibilidade na agenda. Em janeiro deste ano (2019), voltou ao cartaz, no mesmo lugar, em somente mais
quatro apresentações, uma a cada semana, sempre às 3ªs feiras. No dia em que agendei, com a produção, para assistir ao espetáculo,
vi-me obrigado a voltar, do meio do caminho, em função de um terrível
engarrafamento, que inviabilizaria minha chegada, a tempo, ao local onde seria
realizado o espetáculo. Santo WAZE!!!
Fiquei
bastante contrariado, uma vez que o tema
e o conteúdo do “release”, este
enviado por LYVIA RODRIGUES (AQUELA QUE
DIVULGA – ASSESSORIA DE IMPRENSA) prometiam um bom espetáculo – interessante, no mínimo -, ainda que eu não
conhecesse, praticamente, ninguém ligado à ficha
técnica, a não ser JEAN MENDONÇA, o diretor, por um seu trabalho anterior. Como já disse, porém, e repetirei sempre, que TODO CRÍTICO E JURADO DE PRÊMIOS DE TEATRO
TEM DE IR AONDE O TEATRO ESTÁ, por mais distante e de difícil acesso que
seja o local da apresentação, tive, felizmente, a grata alegria de poder
conferir o espetáculo, na tarde de
um sábado, às 15h, numa sessão extra,
que teve seus ingressos esgotados,
com, aliás, todas as anteriores, sob um sol escaldante de fevereiro (dia 2), com 42
graus de temperatura. E consegui gostar bastante da peça, mesmo com o sistema de ar-condicionado não funcionando e
todos, plateia, técnicos e o ator, encharcados de suor. Temi, até mesmo, que o ótimo ator, HUGO CARAMELLO, se desidratasse em cena e passasse mal. Mas nada
foi obstáculo e, aqui, estou, exercitando o meu desejo de escrever sobre uma peça de TEATRO que me agradou bastante, ainda que feita franciscanamente,
com parquíssimos recursos financeiros, sem patrocínios, porém transbordando
amor e garra, por parte dos envolvidos no projeto.
Agora, ele está de volta, para apenas
quatro apresentações, no mesmo local das mini-temporadas anteriores.
Eis a sinopse que me chegou às mãos, que, de
tão curta, extrapola o significado do vocábulo “sinopse” (“Relato breve, síntese,
sumário de um filme, de um livro, de uma peça teatral, de uma ópera...”).
Mas ela será – espero – bem dissecada, ao longo desta crítica.
SINOPSE:
A história de um jovem que se descobre soropositivo.
Da angústia ao
sentimento de esperança, mostrando que a vida continua, mesmo após a descoberta
de uma doença crônica.
Depois
desta “breve” sinopse, muito pleonasticamente falando, vamos tratar da montagem.
A
peça foi baseada no livro de mesmo título, escrito por SALVADOR CORRÊA, contando sua própria
história, sob o pseudônimo de GABRIEL DE SOUZA ABREU, após ter-se
descoberto soropositivo para o vírus
do HIV-1. Para ser transformado numa
peça de TEATRO, contou com a colaboração valiosíssima de ANTONIO DE MEDEIROS, responsável pela dramaturgia.
Já falando do personagem que representa a voz do autor, “Tudo começa, quando, em 2011, GABRIEL,
vivido pelo ator HUGO CARAMELLO, recebe a notícia que mudaria a sua vida: o
exame positivo para HIV-1. A
partir daí, o protagonista divide, com o público, os momentos de desespero,
aflição e tristeza, quando não consegue enxergar nada, além da sua própria
fragilidade e medo”. Mas não fiquem pensando que sairão deprimidos do Teatro, porque a mensagem que é
passada, no frigir dos ovos, é de otimismo
e fé na vida.
Não
tive a oportunidade, ainda, de ler o livro,
entretanto, segundo o que ouvi do seu autor,
no final da sessão em que estive presente, MEDEIROS
foi muito hábil, fiel e preciso, na transformação de uma mídia para outra. Como
espectador, gostei muito do texto.
A peça é uma produção da CIA BANQUETE
CULTURAL, que, há cinco anos,
vem trazendo, aos palcos, temas universais relevantes, “apostando em uma encenação
vigorosa, na qual os pensamentos e reflexões contidos no livro são expostos, de
maneira crua e poética, a partir da direção de JEAN MENDONÇA”.
(Extraído do “release”.).
A grande
preocupação do diretor, nesta montagem, segundo suas próprias
palavras, e plenamente atingida, foi “mostrar
a vivência do HIV (...) por um viés poucas vezes experimentado na arte: o da
esperança e da possibilidade de continuação de uma vida saudável, por meio do
tratamento. Ao propor que o tema seja tratado de forma crua e poética, quero
dizer que é através da poesia que falo da dor, para, com isso, ser possível a
aproximação do espectador. Mas isso não impede que o fio de tensão seja
esticado, até seu limite máximo, para que, quando for solto, a sensação de
alívio seja sentida por todos e levada por onde passarem e para além do espaço
cênico”. E é, exatamente, isso o que acontece. O espectador sofre, com
o personagem, divide, com ele, tudo
de negativo que possa a existir na sua vida. A tensão vai aumentando,
paulatinamente, o desespero também, como uma mola sendo puxada, entretanto, há
o instante em que as extremidades da mola se soltam, o momento para a catarse e
o toque, em cada um que acompanha o drama de GABRIEL, de que o poço tem fundo, sim; há luz no fim do túnel, sim,
graças a Deus, e ela vai se intensificar
cada vez mais. E SALVADOR CORRÊA / GABRIEL,
autor / personagem, está aí, como
prova viva disso, convivendo com o vírus, há cerca de oito anos, levando uma vida normal, produtiva e ajudando,
com uma garra infinita e uma empatia incomensurável, outras pessoas.
A peça levanta discussões que,
absolutamente, não poderiam ficar de fora, quando a temática está ligada à AIDS. Em primeiro lugar, o pânico de se
saber contaminado e achar que, naquele laudo, está lavrada a sua sentença de
morte. Depois, o medo de tornar público, de contar para a família, primeiro, e,
depois, para os de seu círculo de amigos. Como reagirão? Talvez o mais cruel de
tudo e, por isso mesmo, o mais temido seja o, ainda, infelizmente, inaceitável preconceito
de uma boa parte da população, com relação às pessoas soropositivas. Tudo isso
contribuiu para que SALVADOR vivesse
sozinho a sua tortura, por três anos,
dentro do que ele, de forma muito inteligente e criativa, chamou de seu “segundo armário”, considerando que o
primeiro, como já é sabido, é aquele no qual os homossexuais se enclausuram,
para evitar sofrimentos maiores, numa sociedade, ainda, majoritariamente,
preconceituosa, com relação à orientação sexual de cada um. São duas dores
distintas, dois “móveis” diferentes, porém, creio que um deva ser tão terrível
e asfixiante quanto o outro.
Como “válvula
de escape”, para a sua sobrevivência, SALVADOR
criou um blogue, anônimo, o embrião
do livro, que se tornou a peça de TEATRO, aqui comentada e analisada; um monólogo. “Com o pseudônimo de GABRIEL DE SOUZA ABREU,
ele usou a plataforma, para dividir, com desconhecidos, as experiências de um
jovem de 27 anos, soropositivo: da angústia ao sentimento de esperança,
mostrando que a vida continua, mesmo após a descoberta de uma doença crônica. A
troca com os leitores foi tão importante, que, em 2014, ele assumiu,
publicamente, a soropositividade e se tornou, desde então, um ativista do
combate à AIDS”. (Extraído do detalhado e completo “release”, uma raridade, nos dias de hoje, com relação às assessorias de imprensa, com algumas
exceções.)
O espetáculo é muito simples e direto – e
esse é seu ponto mais positivo - pobre, de recursos, porém rico, de conteúdo e
de vigor artístico, e pode ser apresentado em pequenos espaços, em palcos de
pequeníssimas dimensões, como o do local em que assisti a ele.
Um palco,
praticamente, nu (cenografia quase
inexistente, poucos objetos de cena – CRIAÇÃO COLETIVA); um bom
ator no palco, já quando o público
adentra a sala; uma iluminação (FELIPE LOURENÇO) sem muita sofisticação;
um figurino simples, do dia a dia (CRIAÇÃO COLETIVA); uma boa trilha sonora original (LEANDRO GRANDI); uma direção (JEAN MENDONÇA) descomplicada, mais voltada a permitir ao ator “soltar seus demônios”... Por
oportuno, quero salientar o ótimo
trabalho de interpretação, de HUGO
CARAMELLO, o qual, além de trabalhar bastante suas emoções e se
transformar, inteiramente, no personagem,
executa um excelente trabalho de corpo,
sob a supervisão de SILVANA STEIN, a
qual também é responsável pela supervisão
vocal, o que muito acrescenta à peça.
FICHA TÉCNICA:
Autoria do Livro Original: Salvador Corrêa
Dramaturgia: Antonio de Medeiros
Direção: Jean Mendonça
Atuação: Hugo Caramello
Supervisão Vocal e
Corporal: Silvana Stein
Trilha Sonora Original: Leandro Grandi
Gravação Musical: Leandro Grandi e Guto Grandi
Criação de Luz: Felipe Lourenço
Montagem e Operação de
Luz: Victor Tavares
Montagem e Edição de
Imagens: Jô Bittencourt
Operação de Som e
Vídeos: Felipe Carvalho Fonseca
Cenografia e Figurino: Criação Coletiva
Filmagem e Fotografia: Márcia Otto e Marcelo Cortez
Designer: Andrei Aguiar e Patrick Orlando
Estruturação Projeto e
Identidade Visual: Cristiana
Giustino
Produção Executiva: Joelma Di Paula e Márcia Otto
Produção e Realização: Cia Banquete Cultural
SERVIÇO:
Temporada: Dias 05, 12, 19 e 26 de abril de
2019.
Local: Sala Zaíra de Oliveira – Memorial Municipal Getúlio Vargas.
Endereço: Praça Luís de Camões, s/nº, subsolo – Glória – Rio de Janeiro
(Ao lado da estação Glória, do metrô).
Telefone: (21) 2205-8191.
Dias e Horários: Sempre às 6ªs feiras (de abril), às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada e lista
amiga). – Pagamento somente em dinheiro e a bilheteria abre uma hora antes do
início do espetáculo.
Reservas e mais informações: htps://www.facebook.com.br/banquete
cultural ou pelo “e-mail” banqueteculturalproducoes@gmail.com
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Drama.
Não tenho por hábito de transcrever,
nas minhas críticas, o currículo dos envolvidos no projeto,
normalmente parte do “release”, todavia senti vontade de fazê-lo, num
acentuado resumo, para que os que me leem fiquem conhecendo essas pessoas
talentosas e de excelente trato, que passei a conhecer, e se sintam motivadas a assistir ao espetáculo:
SALVADOR CORRÊA – autor do livro original: Escritor, psicólogo,
especialista em saúde coletiva, mestre em saúde pública pela ENSP / FIOCRUZ, ativista do movimento AIDS, “coach”, amante das artes
e das potencialidades humanas, coordenador da área de Treinamento e Capacitação da ABIA (Associação Brasileira
Interdisciplinar de Aids). Coordenou projetos de direitos sexuais e
direitos reprodutivos, na ONG BEMFAM,
e foi coordenador de saúde mental, em São Francisco de Itabapoana-RJ, quando implantou o Centro de Atenção Psicossocial e leitos
de atenção integral no município. No meio acadêmico, foi professor dos cursos
de graduação em Serviço Social , Nutrição e Enfermagem da Faculdade Redentor, e lecionou em cursos de
pós-graduação na Faculdade de Medicina
de Campos e UNIVERSO. Atualmente,
desenvolve pesquisas no campo de HIV
e AIDS e participa do Comitê Comunitário Assessor do INI / FIOCRUZ,
que acompanha pesquisas globais em prevenção e tratamento do HIV. Recentemente, foi consultor do
documentário “Tente Entender o que Tento
Dizer”, com previsão de estreia em 2019.
Participou de documentários, como “35/20:
Do pânico à Esperança (Globo News) e “Agora, Que Eu Sei!” (TV Futura). Nos últimos anos, tornou-se referência em HIV e AIDS, colaborando com diversos projetos e contribuindo para
abordagem do tema na mídia, concedendo diversas entrevistas na imprensa, sobre
o tema. Escreveu o livro “O Segundo
Armário, Diário de um Jovem Soropositivo” e vive, abertamente, com o vírus
do HIV.
JEAN
MENDONÇA – diretor: Diretor
teatral, ator, dramaturgo e produtor, fundador da Cia Banquete Cultural, possui ampla experiência nas artes cênicas. Formado pela Casa das Artes de Laranjeiras-CAL e
pós-graduado pela Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG, começou sua carreira no norte de Minas, há mais de 20 anos, atuando, sob a direção de Daniel Rodrigues, em diversas peças. Foi
indicado, por dois anos seguidos, 2001
e 2002, ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Teatro de Belo Horizonte,
pela sua atuação nos espetáculos “Lisístrata
- A Greve do Sexo” e “Os Irmãos
das Almas”. Retomou a carreira, no Rio de Janeiro, através da Casa das Artes de Laranjeiras, apresentando uma série de cenas
e peças clássicas e contemporâneas. A partir de 2009, iniciou seus estudos e pesquisas sobre o método de
trabalho de Jerzy Grotowski, no
Teatro Laboratório, cerne da
sua direção em “Amor e Restos Humanos”, primeira peça realizada pela Cia
Banquete Cultural. Com a Cia,
dirigiu, também, as peças “Áurea, a Lei da Velha Senhora” (2015)
e “Pobre Super-Homem - Avesso do
Herói” (2016 e 2017). Escreveu a peça “Mefisto – A Natureza dos Anjos ou a Anti-Questão Humana”, o
roteiro da série “Diadorim – As
Veredas Mortas de Seus Verdes Olhos” e o conto “Negrinho - Anjinho de Asa Negra”. Em 2018, iniciou o trabalho de pesquisa
para a direção do espetáculo “O SEGUNDO
ARMÁRIO”. Para 2019, está
prevista a estreia de “Não Sei Qual
Cidade Passa aos Olhos Dele”, longa-metragem, dirigido por Thaís Inácio e João Bernardo Mendonça, no qual assina a direção de "performers" e a coprodução.
ANTONIO DE
MEDEIROS – dramaturgo: Dramaturgo,
mestrando em "Literatura,
Cultura e Contemporaneidade", pela PUC-Rio. Formou-se em Turismo,
pela UNIRIO, e tem Especialização em Literatura Brasileira
pela UERJ. Teve seu livro de contos “"Sangue Pisado"”
entre os pré-selecionados do 13º
Concurso Sesc de Literatura. Participou da antologia de contos “Contágios”, organizada pelo jornalista
e crítico José Castello. Foi
finalista do I Concurso de Relatos
Breves do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca. Tem um conto publicado na revista
digital luso-brasileira “Subversa” e
na revista de literatura luso-brasileira “Gueto”. Participou
da terceira turma do Núcleo de Dramaturgia
SESI Cultural / Rio de Janeiro. É coautor da peça “" não adianta morrer"”, que foi encenada na Faculdade de Teatro da CAL com direção de Diogo Liberano. É de sua autoria a Trilogia do Desejo, composta
pelos romances “Desejos Secretos”, ”Sozinho Esta Noite” e “O Rabiscador de Corpos”.
HUGO
CARAMELLO – ator: Ator,
formado no curso técnico profissionalizante da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e bacharelando da Faculdade de Artes Cênicas da CAL.
Estudou, também, com Cininha de Paula
e com a Cia de Teatro Anjos da Cena.
O espetáculo “O SEGUNDO ARMÁRIO” é seu primeiro trabalho-solo. Em
Belo Horizonte , Rio de Janeiro e São Paulo, atuou nas peças “Certos
Rapazes”, sob direção de Maurício Canguçu (2018), trabalho que
lhe rendeu a indicação ao Prêmio SINPARC
de Artes Cênicas de Melhor Ator Coadjuvante; “Amor e Restos Humanos”, sob a direção
de JEAN MENDONÇA (2015 e 2016); “O Despertar da Primavera” (2013);
“Purificado” (2013); “O Abajur Lilás” (2012); “O Casamento do Pequeno Burguês” (2012);
e “Os Sete Gatinhos” (2012). Em “web-séries”,
atuou em “Positivos” e “Secreto”. No cinema, trabalhou em 5 curtas-metragens, todos exibidos no Festival Cinema da Mare (Itália): “Meu Grande Sonho”, “Apnea” , “As Caixas”, “Meditation”
e “Come ti Chiami”.
Pelo bom nível do espetáculo e por abordar, de uma forma tão singular,
um assunto deveras “pesado”, tão evitado, em discussões, RECOMENDO O ESPETÁCULO.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO
BRASILEIRO!!!
(FOTOS: MÁRCIA OTTO
e
MARCELO CORTEZ.)
e
MARCELO CORTEZ.)
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