PAPAI
ESTÁ NA ATLÂNTIDA
(OU NO PARAÍSO.
OU EM SHANGRI-LÁ.
OU JÁ NEM ESTÁ MAIS...)
Quando vi, há cinco dias, o
espetáculo “PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA”,
que, infelizmente, sairá de cartaz nesta semana (ver SERVIÇO), a vontade que tive foi de, imediatamente, postar, na
única rede social de que me utilizo, alguma coisa, conclamando o maior número
possível de amigos, reais e virtuais, a assistir a este espetáculo, um dos
melhores da safra carioca, desde o início do ano, e, certamente, um dos que
reúnem condições para figurar, ao final do ano, naquelas listas de TOP 10.
Assim,
postei:
Espetáculo
maravilhoso!
Cruzamento de
simplicidade, beleza, competência, bom gosto, sensibilidade...
Tudo de bom!
Recomendo MUITO!
Agora, ainda que
assoberbado de trabalho, encontrei um tempo, para discorrer um pouco sobre a
peça, pela primeira vez encenada no Brasil.
Confesso que não
conhecia o autor da linda dramaturgia,
o mexicano JAVIER MALPICA, de 51
anos, e, muito menos, tinha conhecimento de que o texto já fora premiado, no México e nos Estados Unidos; em 2005,
com o Prêmio Victor Hugo Rascón Banda.
Foi muitíssimo feliz o dramaturgo, na escolha do tema, que ele, como mexicano, conhece
bem de perto, qual seja a problemática da emigração clandestina, do México para
os Estados Unidos, assim como na arquitetura do texto, utilizando dois meninos, de 11 e 8 anos, expressando-se em
diálogos simples, profundos e comoventes, mostrando, como num Raio-X, a
ingenuidade e a esperança dentro de dois corações infantis, pulsando por um
rencontro com o pai, muito improvável. Muito!!!
Dois
irmãos mexicanos vivem sua infância e tentam reorganizar suas vidas, depois da
ida do pai para os Estados Unidos. Esse é o ponto de partida do drama.
Os
meninos, órfãos de mãe, não sabem, exatamente, para onde o pai fora, e se veem
na condição de ter de morar, no interior, com a avó paterna, a quem todos
temiam, por seu gênio ruim.
O
menor, após ter tido acesso, às escondidas, a uma carta enviada pelo pai, à sua
mãe, avó das crianças, confunde a cidade de Atlanta com Atlântida, que seria o paradeiro
do pai.
Marcada
por muito drama e sofrimento, a convivência com a avó não durou muito, pois
esta faleceu e os dois passaram a morar com um casal de tios e dois primos, que
os maltratavam muito, vendo-os como um grande estorvo em suas vidas, algo que
lembra uma “Cinderela”, em versão
masculina e dobrada. As crianças foram retiradas da escola e eram obrigadas a
trabalhar, em regime quase escravo, na mercearia do tio.
Não suportando mais tanto
sofrimento e esperançosos de encontrar alegria e amor, num reencontro com o
pai, os dois meninos decidiram atravessar a fronteira norte do México/Estados
Unidos, em sua busca, sem saber que o destino lhes reservava um fim tão trágico.
Uma história comovente e
gritante, que toca fundo no coração até dos menos sensíveis.
O texto de JAVIER MALPICA
é um primor de beleza e sensibilidade. Foi escrito, sem que a informação seja
muito precisa, em 2005, e o diretor
do espetáculo, GUILHERME DELGADO,
sempre preocupado em encontrar textos
novos, premiados e ainda inéditos no
Brasil, o descobriu numa publicação da Escola
SESC de Ensino Médio, como parte de um projeto de publicar autores
latinoamericanos, chamado “Periférico”.
Uma curiosidade: durante o trabalho de pesquisa sobre a obra e tudo
nela envolvido, na fase de produção, GUILHERME
teve acesso a um recorte de jornal, que noticiava a descoberta, na Turquia, de
um cemitério só para crianças sírias, refugiadas, compartilhando-o com todos os
envolvidos no projeto da peça, o que comoveu a todos.
GUILHERME
ainda se deixou emocionar bastante, assim como todo o grupo, nessa mesma época,
por um apelo do Papa, pedindo pelas crianças que morriam, sem identificação, no
Mediterrâneo.
Também durante o processo anteriormente citado, verificou-se o
fatídico encontro macabro de um bebê sírio, semienterrado na areia de uma praia,
imagem que, ainda hoje, é difícil de ser apagada de nossas mentes.
Não bastasse isso tudo, ainda nos deparamos, todos os dias, com
imagens chocantes de refugiados, que tentam encontrar paz e dignidade em algum
país europeu, sofrendo toda sorte de terror e humilhação.
O que não faltou foi motivação para que o diretor e sua equipe se lançassem na montagem de um espetáculo que
deveria ser visto por todos os amantes do bom TEATRO e funcionar como a porta de entrada para aqueles que ainda
não tiveram a primazia de terem sido apresentados a essa expressão cultural.
A cidade de Atlanta, certamente, não foi escolhida por acaso, pelo
autor. Ela é confundida, pelo menino mais novo, com Atlântida, o continente
escondido, ou desaparecido, ou perdido, uma inteligente metáfora, empregada no
título da peça, relacionada ao desaparecimento de milhares de migrantes mexicanos
que, no dia a dia, tentam entrar, clandestinamente, em terras norte-americanas,
à procura de um futuro melhor, pagando fortunas aos chamados “coiotes”, em
tentativas infrutíferas, na grande maioria das vezes.
Os protagonistas da peça
são anônimos. Os pequenos, um de 11 anos
e outro de 8, se tratam como “MANO”.
Aliás, o pai e a avó, assim como os tios, também não recebem nomes, podendo
representar milhares de outros seres humanos, que passam pelas mesmas
situações, um monte de “mais um na multidão”. Parecem não ter importância, não
ser importantes. As únicas referências nominais, na peça, vão para os dois
primos, HEITOR e FELIPE.
“PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA” faz
uso do universo bem humorado e lúdico da infância para trazer à tona um dos
assuntos mais importantes da atualidade, em várias partes do mundo: a migração,
principalmente daqueles que fogem dos horrores das guerras e seus massacres.
A montagem deve ser vista por vários motivos. Um deles é a excelente atuação de DANIEL ARCHANGELO , o MANO mais velho, e RICARDO GONÇALVES, o MANO
mais novo. Ambos, em interpretações viscerais, arrebatam o espectador,
atraem a plateia ao palco, levam as pessoas a viver, com eles, o drama da
sobrevivência no deserto, principalmente à noite, quando o frio maltrata os
dois inocentes.
Os atores interpretam duas crianças de uma forma genuinamente natural,
sem excessos, sem estereótipos, ser caricaturas. Percebe-se, desde a primeira
cena, que se trata de duas crianças, de idades diferentes, pela postura e por
outros recursos de interpretação empregados pelos atores, sem nenhum ranço de
idiotização, como é comum se ver em adultos interpretando crianças.
Duas marcas bastante visíveis, nos dois trabalhos, é o tom “professoral”
empregado pelo personagem de DANIEL,
demonstrando um saber e uma “esperteza” superior à do irmão, pela diferença de
idade, o que desaparece no final da peça, quando os dois se igualam em dor e
fragilidade. O medo iguala todos. Já o personagem de RICARDO destaca-se pela ingenuidade, pela pureza, quase angelical,
que se deixa proteger pelo irmão mais velho. Ambos exploram o universo lúdico
da criança e usam e abusam da imaginação, nas brincadeiras, como, por exemplo,
a ótima cena da partida de beisebol, na qual o menor, como um dos “jogadores”,
ainda acumula a função de “locutor”, que transmite a “partida”, um grande ponto
também para a direção. Dois belíssimos trabalhos, irretocáveis!!!
E já que estamos falando de direção,
esta merece os maiores elogios. O grande mérito de GUILHERME DELGADO é saber contar uma história, que mexe, profundamente,
com a emoção do espectador, sem ser piegas, tendo atingido o tom exato para
emocionar e levar o público a uma reflexão sobre o semelhante, a luta pela
sobrevivência e o reconhecimento de uma situação de cidadania.
Sua criatividade está presente, por exemplo, na utilização dos
elementos cênicos, poucos, diga-se de passagem, já que se trata de uma produção
modesta, sem patrocínios. Três longos bancos de madeira, em cena, mudam de
posição e são sobrepostos, uns aos outros, pelos próprios atores,
transformando-se em ônibus, móveis diversos e uma mercearia.
Além dos referidos bancos do cenário,
também de GUILHERME e de RICARDO ROCHA, são objetos de cena um
velho rádio de pilha e uma bola de beisebol.
Agradaram-me bastante os cortes
bruscos de uma cena para outra, feitos em detalhes sutis e facilmente
perceptíveis pelo espectador atento. Esse detalhe confere à peça mais ritmo,
não permitindo que as ações passadas, durante muito tempo, num mesmo lugar
pudessem tornar as cenas monótonas. Grande
acerto da direção!!!
RICARDO
ROCHA assina, ainda, os corretos figurinos,
que, além de vestirem os atores, servem de soluções, em algumas cenas, assim
como LUIZ PAULO BARRETO faz um bom
trabalho na iluminação, que varia de
acordo com a “temperatura” das cenas.
Este
espetáculo deve fazer parte da “cesta
básica” de quem procura uma boa peça de TEATRO para assistir.
FICHA TÉCNICA:
Autor: Javier Malpica
Direção: Guilherme Delgado
Direção: Guilherme Delgado
Elenco: Daniel Archangelo e Ricardo Gonçalves
Cenografia: Guilherme Delgado e Ricardo Rocha
Figurino: Ricardo Rocha
Iluminação: Luiz Paulo Barreto
Realização: Tentáculos Espetáculos
Comunicação: Aline Peres
Art Designer: not.a.pipe
Fotos: Luiz Luz
Figurino: Ricardo Rocha
Iluminação: Luiz Paulo Barreto
Realização: Tentáculos Espetáculos
Comunicação: Aline Peres
Art Designer: not.a.pipe
Fotos: Luiz Luz
SERVIÇO:
Temporada: De 11 de agosto a 17 de setembro de 2016
Local: Teatro Eva Herz (Rua Senador Dantas 45 – Centro / Dentro da
Livraria Cultura).
Capacidade: 178 lugares (4 lugares para cadeirantes)
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, sempre às 19h
Telefone Bilheteria: (21) 3916-2600
Valor do Ingressos: R$60,00 (inteira), R$ 30 (meia-entrada, para os casos previstos em lei)
Duração: 80 minutos
Classificação Etária: 12 anos
Capacidade: 178 lugares (4 lugares para cadeirantes)
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, sempre às 19h
Telefone Bilheteria: (21) 3916-2600
Valor do Ingressos: R$60,00 (inteira), R$ 30 (meia-entrada, para os casos previstos em lei)
Duração: 80 minutos
Classificação Etária: 12 anos
Mais informações:
Tentáculos Espetáculos: facebook.com/tentaculosespetaculos
Aline Peres: (21) 988633003/ papainaatlantida@gmail.com
Aline Peres: (21) 988633003/ papainaatlantida@gmail.com
(FOTOS LUIZ LUZ)
Nenhum comentário:
Postar um comentário