terça-feira, 13 de setembro de 2016


PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA

 

(OU NO PARAÍSO.

OU EM SHANGRI-LÁ.

OU JÁ NEM ESTÁ MAIS...)

 
 
 

            Quando vi, há cinco dias, o espetáculo “PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA”, que, infelizmente, sairá de cartaz nesta semana (ver SERVIÇO), a vontade que tive foi de, imediatamente, postar, na única rede social de que me utilizo, alguma coisa, conclamando o maior número possível de amigos, reais e virtuais, a assistir a este espetáculo, um dos melhores da safra carioca, desde o início do ano, e, certamente, um dos que reúnem condições para figurar, ao final do ano, naquelas listas de TOP 10.

            Assim, postei:

Espetáculo maravilhoso!

Cruzamento de simplicidade, beleza, competência, bom gosto, sensibilidade...

Tudo de bom!

Recomendo MUITO!


 




Agora, ainda que assoberbado de trabalho, encontrei um tempo, para discorrer um pouco sobre a peça, pela primeira vez encenada no Brasil.

Confesso que não conhecia o autor da linda dramaturgia, o mexicano JAVIER MALPICA, de 51 anos, e, muito menos, tinha conhecimento de que o texto já fora premiado, no México e nos Estados Unidos; em 2005, com o Prêmio Victor Hugo Rascón Banda.

Foi muitíssimo feliz o dramaturgo, na escolha do tema, que ele, como mexicano, conhece bem de perto, qual seja a problemática da emigração clandestina, do México para os Estados Unidos, assim como na arquitetura do texto, utilizando dois meninos, de 11 e 8 anos, expressando-se em diálogos simples, profundos e comoventes, mostrando, como num Raio-X, a ingenuidade e a esperança dentro de dois corações infantis, pulsando por um rencontro com o pai, muito improvável. Muito!!!

 
 


 
SINOPSE:
 
Dois irmãos mexicanos vivem sua infância e tentam reorganizar suas vidas, depois da ida do pai para os Estados Unidos. Esse é o ponto de partida do drama.
Os meninos, órfãos de mãe, não sabem, exatamente, para onde o pai fora, e se veem na condição de ter de morar, no interior, com a avó paterna, a quem todos temiam, por seu gênio ruim.
O menor, após ter tido acesso, às escondidas, a uma carta enviada pelo pai, à sua mãe, avó das crianças, confunde a cidade de Atlanta com Atlântida, que seria o paradeiro do pai.
Marcada por muito drama e sofrimento, a convivência com a avó não durou muito, pois esta faleceu e os dois passaram a morar com um casal de tios e dois primos, que os maltratavam muito, vendo-os como um grande estorvo em suas vidas, algo que lembra uma “Cinderela”, em versão masculina e dobrada. As crianças foram retiradas da escola e eram obrigadas a trabalhar, em regime quase escravo, na mercearia do tio.
Não suportando mais tanto sofrimento e esperançosos de encontrar alegria e amor, num reencontro com o pai, os dois meninos decidiram atravessar a fronteira norte do México/Estados Unidos, em sua busca, sem saber que o destino lhes reservava um fim tão trágico.
Uma história comovente e gritante, que toca fundo no coração até dos menos sensíveis.
 

 
 


            O texto de JAVIER MALPICA é um primor de beleza e sensibilidade. Foi escrito, sem que a informação seja muito precisa, em 2005, e o diretor do espetáculo, GUILHERME DELGADO, sempre preocupado em encontrar textos novos, premiados e ainda inéditos no Brasil, o descobriu numa publicação da Escola SESC de Ensino Médio, como parte de um projeto de publicar autores latinoamericanos, chamado “Periférico”.

Uma curiosidade: durante o trabalho de pesquisa sobre a obra e tudo nela envolvido, na fase de produção, GUILHERME teve acesso a um recorte de jornal, que noticiava a descoberta, na Turquia, de um cemitério só para crianças sírias, refugiadas, compartilhando-o com todos os envolvidos no projeto da peça, o que comoveu a todos.

            GUILHERME ainda se deixou emocionar bastante, assim como todo o grupo, nessa mesma época, por um apelo do Papa, pedindo pelas crianças que morriam, sem identificação, no Mediterrâneo.

Também durante o processo anteriormente citado, verificou-se o fatídico encontro macabro de um bebê sírio, semienterrado na areia de uma praia, imagem que, ainda hoje, é difícil de ser apagada de nossas mentes.

Não bastasse isso tudo, ainda nos deparamos, todos os dias, com imagens chocantes de refugiados, que tentam encontrar paz e dignidade em algum país europeu, sofrendo toda sorte de terror e humilhação.
 
 
 

O que não faltou foi motivação para que o diretor e sua equipe se lançassem na montagem de um espetáculo que deveria ser visto por todos os amantes do bom TEATRO e funcionar como a porta de entrada para aqueles que ainda não tiveram a primazia de terem sido apresentados a essa expressão cultural.

A cidade de Atlanta, certamente, não foi escolhida por acaso, pelo autor. Ela é confundida, pelo menino mais novo, com Atlântida, o continente escondido, ou desaparecido, ou perdido, uma inteligente metáfora, empregada no título da peça, relacionada ao desaparecimento de milhares de migrantes mexicanos que, no dia a dia, tentam entrar, clandestinamente, em terras norte-americanas, à procura de um futuro melhor, pagando fortunas aos chamados “coiotes”, em tentativas infrutíferas, na grande maioria das vezes.

Os protagonistas da peça são anônimos.  Os pequenos, um de 11 anos e outro de 8, se tratam como “MANO”. Aliás, o pai e a avó, assim como os tios, também não recebem nomes, podendo representar milhares de outros seres humanos, que passam pelas mesmas situações, um monte de “mais um na multidão”. Parecem não ter importância, não ser importantes. As únicas referências nominais, na peça, vão para os dois primos, HEITOR e FELIPE.  

“PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA” faz uso do universo bem humorado e lúdico da infância para trazer à tona um dos assuntos mais importantes da atualidade, em várias partes do mundo: a migração, principalmente daqueles que fogem dos horrores das guerras e seus massacres.

A montagem deve ser vista por vários motivos. Um deles é a excelente atuação de DANIEL ARCHANGELO , o MANO mais velho, e RICARDO GONÇALVES, o MANO mais novo. Ambos, em interpretações viscerais, arrebatam o espectador, atraem a plateia ao palco, levam as pessoas a viver, com eles, o drama da sobrevivência no deserto, principalmente à noite, quando o frio maltrata os dois inocentes.
 
 


Os atores interpretam duas crianças de uma forma genuinamente natural, sem excessos, sem estereótipos, ser caricaturas. Percebe-se, desde a primeira cena, que se trata de duas crianças, de idades diferentes, pela postura e por outros recursos de interpretação empregados pelos atores, sem nenhum ranço de idiotização, como é comum se ver em adultos interpretando crianças.

Duas marcas bastante visíveis, nos dois trabalhos, é o tom “professoral” empregado pelo personagem de DANIEL, demonstrando um saber e uma “esperteza” superior à do irmão, pela diferença de idade, o que desaparece no final da peça, quando os dois se igualam em dor e fragilidade. O medo iguala todos. Já o personagem de RICARDO destaca-se pela ingenuidade, pela pureza, quase angelical, que se deixa proteger pelo irmão mais velho. Ambos exploram o universo lúdico da criança e usam e abusam da imaginação, nas brincadeiras, como, por exemplo, a ótima cena da partida de beisebol, na qual o menor, como um dos “jogadores”, ainda acumula a função de “locutor”, que transmite a “partida”, um grande ponto também para a direção. Dois belíssimos trabalhos, irretocáveis!!!

E já que estamos falando de direção, esta merece os maiores elogios. O grande mérito de GUILHERME DELGADO é saber contar uma história, que mexe, profundamente, com a emoção do espectador, sem ser piegas, tendo atingido o tom exato para emocionar e levar o público a uma reflexão sobre o semelhante, a luta pela sobrevivência e o reconhecimento de uma situação de cidadania.

Sua criatividade está presente, por exemplo, na utilização dos elementos cênicos, poucos, diga-se de passagem, já que se trata de uma produção modesta, sem patrocínios. Três longos bancos de madeira, em cena, mudam de posição e são sobrepostos, uns aos outros, pelos próprios atores, transformando-se em ônibus, móveis diversos e uma mercearia.

Além dos referidos bancos do cenário, também de GUILHERME e de RICARDO ROCHA, são objetos de cena um velho rádio de pilha e uma bola de beisebol.
 
 


            Agradaram-me bastante os cortes bruscos de uma cena para outra, feitos em detalhes sutis e facilmente perceptíveis pelo espectador atento. Esse detalhe confere à peça mais ritmo, não permitindo que as ações passadas, durante muito tempo, num mesmo lugar pudessem tornar as cenas monótonas. Grande acerto da direção!!!

            RICARDO ROCHA assina, ainda, os corretos figurinos, que, além de vestirem os atores, servem de soluções, em algumas cenas, assim como LUIZ PAULO BARRETO faz um bom trabalho na iluminação, que varia de acordo com a “temperatura” das cenas.

 
            Este espetáculo deve fazer parte da “cesta básica” de quem procura uma boa peça de TEATRO para assistir.

 
 
 


 
FICHA TÉCNICA:
 
Autor: Javier Malpica
Direção: Guilherme Delgado

Elenco: Daniel Archangelo e Ricardo Gonçalves

Cenografia: Guilherme Delgado e Ricardo Rocha
Figurino: Ricardo Rocha
Iluminação: Luiz Paulo Barreto
Realização: Tentáculos Espetáculos
Comunicação: Aline Peres
Art Designer: not.a.pipe
Fotos: Luiz Luz
 

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 11 de agosto a 17 de setembro de 2016
Local: Teatro Eva Herz (Rua Senador Dantas 45 – Centro / Dentro da Livraria Cultura).
Capacidade: 178 lugares (4 lugares para cadeirantes)
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, sempre às 19h
Telefone Bilheteria: (21) 3916-2600
Valor do Ingressos: R$60,00 (inteira), R$ 30 (meia-entrada, para os casos previstos em lei)
Duração: 80 minutos
Classificação Etária: 12 anos
 
Mais informações:
Tentáculos Espetáculos: facebook.com/tentaculosespetaculos
Aline Peres: (21) 988633003/ papainaatlantida@gmail.com
 

 
 












 


(FOTOS LUIZ LUZ)
 








 

Nenhum comentário:

Postar um comentário