PASSIONAL
(PAIXÃO É COISA QUE DÁ E
PASSA;
ÀS VEZES, NÃO; MATA.)
Até o dia 31 de julho (VER SERVIÇO), podem ser vistos os
estragos a que uma paixão pode levar um ser humano (Humano?!) e as marcas indeléveis que deixa nas almas dos
apaixonados.
Falo de paixão; não de amor. Não falo do mais belo dos sentimento; refiro-me a um estado de total loucura,
de descontrole, de frenesi, que impede a visão, mesmo aos que mantêm os olhos
abertos, que leva uma pessoa a cometer os maiores desatinos, por desejar,
intensamente, alguém ou algo que não lhe é possível alcançar ou não lhe está
reservado.
Estou
falando da peça “PASSIONAL”, em
cartaz no Teatro I, do SESC Tijuca,
com texto de ALEXANDRE MOTA, DANIELLE
REULE, RAFAEL SARDÃO e RENATO LIVERA, direção de RENATO LIVERA,
com ANNA
SANT´ANA, KAREN MOTA e BRUNO QUARESMA,
no elenco.
Anna Sant'Ana, Bruno Quaresma e Karen Mota.
O substantivo “paixão” é utilizado, principalmente, no
contexto de romance ou
de desejo sexual, em geral,
implicando uma emoção mais profunda ou mais abrangente com relação a alguém ou
algo que se deseja ardentemente. Via de regra, se não refreada ou reprimida
totalmente, o que é muito difícil de acontecer, leva a situações de grande
desconforto, dor e, não raro, a finais trágicos.
Sobre o espetáculo aqui analisado,
partimos de uma breve sinopse (perdão
pelo pleonasmo), que será, em seguida, ampliada:
No bar.
SINOPSE:
Dentro
de um bar decadente, em Copacabana, acompanhamos o desenrolar de um triângulo
amoroso, formado por uma cantora, uma garçonete e um escritor.
A
vida dos três se entrelaça e mescla ficção com realidade, tornando esse jogo
perigoso e potencialmente fatal.
Toda a
ação se passa dentro de um bar de categoria e reputação duvidosa, no bairro de
Copacabana, frequentado, diariamente, por EUGÊNIO
(BRUNO QUARESMA), um escritor, um jovem roteirista, cuja inspiração, para
suas histórias, ele busca na noite, na escuridão e nos meandros dos bares da
vida, no correr das madrugadas.
Nesse bar,
ele desenvolve uma profunda relação de amizade, intimidade e cumplicidade com MIRANDA (ANNA SANT’ANA), garçonete do
estabelecimento, de longa experiência no ramo, apaixonada pelo rapaz, sem ser,
por ele, correspondida no mesmo grau.
O bar,
mesmo em sua decadência, não abre mão de “shows” vagabundos, com o objetivo de,
ainda, tentar conseguir atrair freguesia. Um dia, chega ao local, para ocupar o
“estrelato” das apresentações artísticas, uma cantora e, também, dançarina (não,
necessariamente, nessa ordem), LAVÍNIA
(KAREN MOTA), que vai arrebatar o coração de EUGÊNIO e ser a peça que faltava para a construção de um triângulo
amoroso, que, todos sabemos, sempre acaba, um dia, por se desfazer, lesando um
dos lados dessa figura “geométrica”.
EUGÊNIO vive um péssimo momento de
infertlidade criativa, mergulhado num desespero, por não encontrar nada ou ninguém
que lhe sirva de fonte de inspiração, o que o maltrata muito, atormentando-o
seriamente, uma vez que a crise criativa, consequentemente, leva a outra, a
financeira. O viver ser motivação criativa significa o caminho para um
não-viver, um não-sobreviver, em termos práticos.
O elenco.
Uma das
piores situações para um artista, um criador, é ter de trabalhar por encomenda,
para sobreviver, ou seja, ter de produzir uma “arte” compulsoriamente,
encomendada, como uma mercadoria. No caso em discussão, o rapaz aceita um
trabalho em que terá de escrever algo que não é de seu gosto ou interesse. Faz
isso, sem nenhum prazer, violentando-se, intimamente, sendo pressionado, constantemente,
pelo editor, que exige o cumprimento de um prazo contratual, o qual o escritor
procura postergar ao máximo.
Isso gera um bloqueio tal em EUGÊNIO, a ponto de fazer com que ele
não consiga prosseguir no seu “trabalho”, além da introdução do livro.
Desespera-se por causa disso e vai matar as mágoas no bar, afogado em bebidas e
sob a “proteção” de MIRANDA, que
mais atrapalha que ajuda. Às vezes, chega a ser cruel com ele, talvez como uma
forma de puni-lo, por não lhe corresponder o amor.
O deserto
criativo de EUGÊNIO expande-se para
um deserto em sua vida. Encontra-se perdido, no meio de um “saara”, sem saber a
direção do norte, ou qualquer outra, para que possa se guiar a um porto seguro,
a uma salvação.
Como nada é tão ruim, que não possa piorar, a chegada
da dançarina cantora, ou vice-versa, o que não faz a menor diferença, tudo
muda, uma vez que ela desperta um forte desejo no rapaz, e ele passa a vê-la
como a possível tábua de salvação, vê nela uma fonte de inspiração para uma de
suas obras. Escrever a sua história passa a ser uma meta. Surge, daí, uma
extrema e explícita obsessão dele por ela, o que, obviamente, irá mexer com os
brios e os sentimentos de MIRANDA,
advindo, daí, um forte jogo de poder entre os três, no qual cartas são postas
na mesa, ao sabor de manipulações, blefes e trapaças. O trio é extremamente
passional e não economiza manifestações explicitas de provocação e desafio, uns
aos outros. É um jogo e a sorte está lançada. A vida dos três se entrelaça e
mescla ficção com realidade, tornando esse jogo perigoso e potencialmente
fatal.
‘‘Diante da dificuldade do artista em criar
sua obra, EUGÊNIO mistura realidade com a ficção. Relacionamentos, amor doentio
e as consequências que isso pode gerar, são abordados através de uma série de
intrigas, manipulações e mistérios que cercam a trama”, de acordo com o “release”,
enviado pela assessoria de imprensa (GABRIELA
MOTA).
Convenhamos
que os ingredientes dessa sopa são os de sempre; não há um legume de gosto mais
forte ou um tempero novo, que pudesse dar outro sabor ou textura a ela. Mas
isso não importa. O mexer a panela ou outro detalhe, no preparo desse alimento,
pode ser um fator diferencial, que fará com que o comensal (espectador) se
interesse bastante pela iguaria (a história) e, mais uma vez, como, em tantas
outras, já aconteceu comigo, chegue à conclusão de que “o enredo é mais do que batido,
mas há alguma coisa diferente nessa história que me fez gostar da peça”,
comentário que ouvi, ao deixar o teatro,
e que bem poderia ter sido feito por mim mesmo.
E o que
seria responsável por essa conclusão? Acho que alguns legumes raros e novidades
em condimentos, que foram jogados naquele caldeirão.
Provocações.
Comecemos
por algo que me encanta, naquele Teatro
I do SESC Tijuca: a arquitetura do palco. Ou melhor, o fundo do palco, aquilo
que não deveria aparecer, aos olhos do público, mas que RENATO LIVERA e outros diretores, em espetáculos anteriores,
souberam explorar, e muito bem, deixando-o à vista das pessoas. Refiro-me a
escadas e espécies de balcões, em planos diferentes, que parecem levar aos
camarins, e que podem, e devem, ser aproveitados, nos espetáculos, como espaços
cênicos, o que cria uma estética diferente e muito interessante. LIVERA, mais do que qualquer outro
diretor que teve, anteriormente, a mesma ideia, fez isso melhor que ninguém, explorou
aquele detalhe, sendo que seu trabalho, nesse setor do palco, bem ao fundo, é
muito valorizado pela excelente luz,
de RENATO MACHADO, que, aliás, se
aplica a todas as cenas da peça.
Sabemos
todos que, por conta de uma crise geral por que passa o país, também, ou
principalmente, econômica, as artes
e a cultura, de uma forma geral, são as primeiras a sofrer cortes. Sendo assim,
montar um espetáculo de TEATRO, e de
qualidade, torna-se, a cada dia, uma tarefa mais hercúlea, porque envolve muitos
gastos, e os patrocínios têm-se tornado, cada vez mais, raros. Louvo, por isso,
esses heróis, que não desistem.
“Eu acredito é na rapaziada / Que segue
em frente e segura o rojão. / Eu ponho fé é na fé da moçada / Que não foge da
fera e enfrenta o leão. / Eu vou à luta com essa juventude, / Que não corre da
raia a troco de nada. / Eu vou no bloco dessa mocidade, / Que não tá na saudade
e constrói / A manhã desejada”. (“E
Vamos À Luta” – Gonzaguinha).
Pois
é! Com toda crise e com poucos recursos, também é possível montar um bom
espetáculo de TEATRO, e “PASSIONAL” é uma prova disso.
Para
que um grande cenário? Com um bom texto,
um cenário muito simples, formado
apenas por uma mesa retangular, grande, e três cadeiras, atende às necessidades
da peça, para compor um bar. Sem a quarta cadeira, porque ela não é necessária,
uma vez que um triângulo não é formado por quatro lados. Já está aí, de forma
bem criativa; uma “economia”, portanto. A criatividade surge da necessidade de
economizar. E dá certo. Muito certo.
Diferentemente
de um samba-enredo, que, quase sempre, conta com vários autores e cuja
qualidade, geralmente, piora, na mesma proporção da quantidade de compositores
(já vi até oito), o texto, escrito a
oito mãos, por ALEXANDRE MOTA, DANIELLE REULE, RAFAEL SARDÃO e RENATO
LIVERA, é muito bom e apresenta diálogos fortes, dentro de uma arquitetura
dramática simples, mas muito bem alicerçada. Aqui, quatro cérebros criativos
deram origem à base de uma boa montagem teatral, que é o texto.
Ainda que
classificado, o gênero da peça, como “drama”,
cabe, dentro das situações, até as mais “dramáticas”, pitadas de humor, quase
sempre um pouco cáustico e/ou provocado pelo duplo sentido, como na ótima cena
em que MIRANDA, um pouco mais
próxima ao proscênio, fala, demoradamente e com bastantes detalhes, de um certo
cão que não gostava de cruzar, enquanto ao lado, e um pouco mais atrás, EUGÊNIO e LAVÍNIA protagonizam uma tórrida cena de sexo sobre a mesa. Talvez
seja o momento de maior descontração da plateia. Muito boa a cena.
Estão bem
inseridos no contexto da peça os figurinos de TICIANA PASSOS, que não poderia, nem deveria,
ter criado nada melhor do que fez, tudo dentro dos conformes, seguindo a linha
do espetáculo.
O trio de
atores se sai muito bem, cada um envolvido por seu personagem e numa sintonia,
alcançada ao longo dos ensaias, o que desemboca numa ótima interpretação dos três,
com um ligeiro destaque para ANNA SANT’ANA,
talvez pela natureza de sua personagem. As trocas de farpas entre eles e os
resultados que isso produz fazem com que o espectador se deixe levar,
passionalmente, ora para um lado, ora para outro, ora para um terceiro, ao
sabor de marolas ou ondas mais fortes, tudo isso em função do bom texto e da
excelente interpretação dos atores.
O elenco: Karen, Bruno e Anna.
Recomendo
a peça, lembrando que o título de uma obra de arte é muito importante, por
resumir o seu conteúdo e para “vender” o produto, chamar a atenção dos futuros
espectadores, no caso do TEATRO. “PASSIOINAL” se encaixa nos dois critérios.
E, para
terminar, um toque gramatical, referente à regência verbal, que é uma pista
e, espero, sirva, também, como um elemento de curiosidade, para quem ainda não assistiu
ao espetáculo: Eu posso matar DE ou POR. Mantenho as preposições, mas jamais troco o verbo MATAR por MORRER.
Fecha o pano!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto: ALEXANDRE MOTA, DANIELLE REULE, RAFAEL SARDÃO e RENATO LIVERA
Direção: RENATO LIVERA
Elenco: ANNA SANT'ANA, KAREN MOTA e BRUNO QUARESMA
Fotografia: ELDER GATTELY e J. KEISE
Concepção do Cenário: RENATO LIVERA
Figurino: TICIANA PASSOS
Iluminação: RENATO MACHADO
Operação de Luz: ROBERTO MACEDO
Operação de Som: MARIANA AMARAL
ARGUMENTO E IDEALIZAÇÃO: RAFAEL SARDÃO
PRODUÇÃO EXECUTIVA: KAREN MOTA
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: ANNA SANT´ANA
SERVIÇO:
Temporada: De 8 a 31 de julho
Dias e Horários: De 6ª feira a domingo, às 20hs
Local: Sesc Tijuca – Teatro I - Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 3238-2139
Bilheteria: Funciona de 3ª feira a 6ª feira, das 7h às 20h
Valor do Ingresso: R$20,00
Gênero: Drama
Duração: 70 minutos
Classificação Etária: 14 anos
(FOTOS: ELDER GATTELY e J. KEISE.)
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