ELECTRA
(DILEMA NA VINGANÇA
(ou)
MODERNIDADE NA TRAGÉDIA.)
Apesar
da importância que representam, para a cultura moderna, ocidental e oriental,
as clássicas tragédias gregas e os que as escreveram, devemos admitir que, em
função da dinâmica dos dias de hoje, com o domínio da tecnologia e das mais
variadas mídias, com a diversidade de apelos e de oferta de fontes de lazer,
nem sempre culturais e edificantes, é bastante difícil, que SÓFOCLES, Ésquilo, Aristófanes, Eurípedes ou “Édipo Rei”, “ELECTRA”, “Medeia” ou “Antígona”, por exemplo, sejam motivos suficientes para tirar
alguém de casa e fazê-lo se deslocar a um teatro, a não ser os aficionados por
esta arte maior, como eu. Mas um clássico nunca deixará de ser um CLÁSSICO!
Digo-lhes,
porém, que quem confiar em mim e se dispuser a ir à Arena do Espaço SESC (Copacabana), até o dia 25 de outubro, a fim de assistir a “ELECTRA”, de SÓFOCLES,
na leitura de JOÃO FONSECA, sairá de
lá com a certeza de ter assistido a um belíssimo espetáculo, clássico e
moderno, ao mesmo tempo, no qual o espírito do texto clássico é mantido, a
essência da trágica história não se perdeu, tudo contrabalançado com as pitadas
de contemporaneidades, adicionadas pelo diretor
do espetáculo.
Certamente,
representar a protagonista deste
clássico da tragédia grega, e da dramaturgia universal, é um dos sonhos de
consumo de qualquer boa atriz, embora nem todas sejam talhadas para
fazê-lo. Vários nomes já tiveram a
oportunidade de representar a personagem, mas poucas deixaram boas e eternas
lembranças. Vi algumas, porém,
infelizmente, a não ser em curtas cenas em vídeo, não consegui, por causa da
pouca idade, à época, ver aquela que, sem dúvida alguma, foi a grande ELECTRA brasileira, segundo várias
vozes, a inesquecível e saudosa GLAUCE
ROCHA, dirigida por Antônio Abujamra,
há 50 anos (1965). Aliás, a atual
montagem é uma homenagem aos dois grandes ícones do TEATRO BRASILEIRO e também serve para comemorar os 20 anos de uma
profícua parceria, JOÃO FONSECA/RAFAELA AMADO, iniciada com a fundação da Companhia “Os Fodidos Privilegiados”, dirigida por Abujamra e, depois, por JOÃO FONSECA. O texto da montagem atual é uma
adaptação do próprio Abu.
A literatura
dramática grega apresenta
mais de uma versão da história de ELECTRA,
sendo as mais famosas as de Eurípides
e a de SÓFOCLES, a que foi utilizada
nesta montagem.
Camila e Rafaela (Amado).
SINOPSE:
A peça conta a história da vingança de ELECTRA (RAFAELA AMADO) pela morte de seu pai, Agamêmnon, assassinado por CLITEMNESTRA
(CAMILLA AMADO), mulher dele, e o amante desta, EGISTO (ALEXANDRE MOFATI).
Ansiosa por vingar a morte
do pai, a furiosa ELECTRA leva seu
irmão, ORESTES (RICARDO TOZZI) a
matar a própria mãe. Pouco antes de expirar, a rainha confessou que sempre
amara a filha, a qual não se deixa convencer disso, mas não podia assumir seus
sentimentos, pois tinha de protegê-la das intenções assassinas do amante.
Nesta versão, a rainha se
une a EGISTO, sobrinho de seu marido,
porque não suportava a ideia de ter perdido a filha, Ifigênia, sacrificada a Artemis, por conta de uma atitude
desrespeitosa do rei, que se gabara de caçar um cervo, reservado à deusa da
caça e da lua. Desesperada, ela trai Agamêmnon,
irmão de Menelau, e, cúmplice do
amante, mata-o, após seu retorno da Guerra de Troia.
ELECTRA é preservada pela mãe, mas, depois de salvar o irmão,
deixando-o nas mãos de um antigo mestre PRECEPTOR
(FRANCISCO CUOCO), bem distante de Micenas,
é tratada, no castelo, como uma mera escrava. Amargurada pela morte do pai, ela
espera o dia da vingança, que chegaria quando o filho do rei voltasse para a
cidade natal.
Apesar de tantas
dificuldades e sofrimentos, ELECTRA
nunca deixou de acreditar em que a justiça se faria um dia, rogando,
diariamente, aos deuses, punições para os assassinos de Agamêmnon, apesar dos insistentes pedidos da outra irmã, CRISÓTEMIS (PAULA SANDRONI), para que ela
abandonasse o desejo de vingança, visto que isso poderia causar a ira dos
deuses.
Afastado de casa, durante anos, ORESTES, volta, acompanhado de seu PRECEPTOR, em busca da irmã, a quem
encontra vivendo como escrava, e se une a ela, para vingar o pai.
O PRECEPTOR, a pedido de ORESTES,
como parte de um embuste, traçado por este, apresenta-se a ELECTRA e CLITEMNESTRA,
como o arauto da notícia da morte de ORESTES. Conta-lhes, com detalhes, a suposta trágica
morte do rapaz, numa disputa esportiva.
ELECTRA, sabedora da notícia da morte do irmão, sua única esperança
para pôr em prática seu plano de revanche, sentiu-se perdida, vendo seu desejo
desfazer-se. A rainha, por sua vez, ficou muito feliz com a notícia, uma vez
que o filho era o único que representava o perigo de afastá-la, e ao marido, do
trono. Convida, então, o PRECEPTOR a entrar no palácio, com o
objetivo de festejar tão auspiciosa notícia.
ELECTRA, desesperada, insta a irmã a servir-lhe de cúmplice, na sua
vingança, mas esta não aceita o convite. ORESTES,
conforme combinara com o PRECEPTOR, aparece,
logo depois, diante de ELECTRA, sem
se fazer reconhecido e sem reconhecê-la, e apresenta-se como o detentor dos
restos mortais dele mesmo, trazendo as "cinzas" numa pequena urna. Ela se desespera mais ainda, porém o rapaz, diante
de tal transtorno, reconhece a irmã e conta-lhe sobre o plano. Ela só acredita
ser ele mesmo, quando este lhe mostra o anel do pai, colocado num cordão,
trazido ao pescoço, que a irmã lhe dera, quando dele se separou.
ELECTRA fica muito feliz ao vê-lo. Depois de algum tempo, o PRECEPTOR volta e avisa a ORESTES que sua mãe estava sozinha no
palácio. Então, o rapaz entra lá e mata a mãe. Em seguida, EGISTO, que estava viajando, volta ao palácio e fica radiante, ao
saber que ORESTES, o seu grande
rival, estaria morto, tendo-lhe sido apresentado, como o cadáver do rapaz, na
verdade, o de sua mulher, CLITEMNESTRA,
coberto por um manto. Ele pede que a cobertura seja retirada, para admirar o seu
“troféu”, e teve a grande surpresa.
Vendo-se perdido, EGISTO não esboçou muita reação, quando
ELECTRA convence ORESTES a matar o traidor também, que é
o que acontece.
Assim, ELECTRA teve a sua vingança consumada e
ela, o irmão e a irmã voltam a viver, em harmonia, no palácio.
Electra e Orestes, vitoriosos, diante do
cadáver de Clitemnestra.
Na esfera da psicanálise,
a expressão “complexo de
Electra” está relacionada ao desejo que a filha nutre pelo próprio
pai, contrapondo-se ao chamado “complexo
de Édipo”, que seria o mesmo, tomando-se o filho, em relação à mãe.
Extraído do “release”,
enviado pela assessoria de imprensa
(JSPontes Comunicação): “‘ELECTRA’,
uma das tragédias clássicas mais montadas no século XX, mostra o ser humano
frente a um dilema insolúvel - a honra reclama a vingança do crime de sangue
cometido contra o pai, e essa vingança aponta para o matricídio, já que a
mãe é cúmplice desse crime. Como agir? Que forças impulsionarão,
decisivamente, a ação? O dilema se impõe, revolvendo valores e emoções
universais, que ultrapassaram gerações, ao longo dos milênios, e chegaram até
aqui, vivos, no século vinte e um.”
A direção de JOÃO FONSECA
é excelente, mais uma, no currículo do encenador.
JOÃO ousou montar uma tragédia
grega, cuja escrita está estimada entre os anos 410 e 420 a .C., aproximando-a, ao
máximo, de um público moderno, sem ultrajar a memória das tradições culturais
gregas e daqueles que a construíram.
Optou
pela simplicidade, compactando as ações, privilegiando o que deveria ser
pontual, para que a história fosse contada com clareza e objetividade, mesmo
utilizando um português mais castiço, com tratamento na 2ª pessoa do plural, e,
até mesmo, mantendo jargões da tragédia grega, como o universalmente consagrado,
em qualquer língua, “Ai de mim!”,
sem o tornar “cafona”, “demodê”.
A geografia da Arena, do
Espaço SESC, facilitou, ou inspirou,
em muito, o diretor. A peça merece
novas temporadas, em outros espaços, preferencialmente arenas, entretanto tende
a perder um pouco o brilho atual (ou não), já que foi concebida, especialmente,
em função de um determinado espaço físico, como acontecia nos anfiteatros
gregos. Mas, certamente, o talento de JOÃO
saberá compensar esse detalhe com outros coelhos, tirados de sua mágica
cartola.
No
plano espacial, todas as cenas se passam num único lugar físico, que ora pode
ser a porta de entrada do palácio, ora outros, sem exigir nenhum esforço do
público, para aceitar essas mudanças físicas.
Segundo
o diretor, “o texto original é uma disputa de poder. Para
SÓFOCLES, o que importa é que ninguém pode usurpar um poder que não é seu ou
abusar disso, para acabar com a liberdade de seus opositores”.
Podemos dizer, então, que o texto é bastante atual. E como!!!
“'ELECTRA' é uma peça a favor dessa liberdade e contra a opressão”, acrescenta JOÃO.
O texto flui, por meio da excelente leitura que JOÃO FONSECA fez do clássico, tornando-o “moderno”.
O elenco, de uma maneira geral, comporta-se bem e cada um demonstra
estar bastante confortável, numa relação harmoniosa com seu personagem.
Elenco (da esquerda para a direita):
Francisco Cuoco, Ricardo Tozzi, Mário Borges, Rafaela Amado, Camilla Amado,
Paula Sandroni e Alexandre Mofati.
Ser
protagonista, muitas vezes, não é
suficiente para garantir o brilho e o destaque para quem o/a representa. Já vi atores
em papéis coadjuvantes merecerem mais aplausos que os principais. Não é o caso
aqui. RAFAELA AMADO, que, nos últimos
anos, vinha se dedicando mais à direção, assistência de direção e direção de
movimento, estava nos devendo uma marcante volta aos palcos, como atriz, e o
fez da melhor forma possível, interpretando uma ELECTRA visceral, intensa, determinada e determinante. Confesso que me surpreendeu, positivamente.
Não que eu achasse que RAFAELA não
fosse capaz de conseguir um bom rendimento no palco, porém a surpresa positiva
superou, em muito, as minhas expectativas, dada a força da personagem e o grau
de dificuldade para interpretá-la. A dedicação da atriz é reconhecida, e
recompensada, por calorosos e merecidos aplausos. Não penso duas vezes, para
dizer que RAFAELA AMADO vive seu
melhor momento como atriz, numa interpretação magnífica, que inspira, emociona,
convence. À saída da Arena do Espaço
SESC, fiquei extremamente feliz, ouvindo dezenas de comentários emocionados
acerca da sua atuação, aos quais junto os meus. “O que é RAFAELA AMADO?!” Que
bela ELECTRA, RAFA!
CAMILLA AMADO, uma de nossas damas do TEATRO, como a pérfida CLITEMNESTRA, tem uma excelente
atuação, que parece tomar mais corpo ao contracenar com a filha, RAFAELA. A cena em que ambas discutem e
a filha acusa a mãe da morte do pai, prometendo-lhe vingança, é antológica,
nesta peça. Estamos diante de um grande momento do TEATRO BRASILEIRO.
Climnestra e Electra.
É
a primeira vez que tenho a oportunidade de ver RICARDO TOZZI no palco. Até
então, só o conhecia, e gostava de seu trabalho, como ator de TV, nos meus
poucos momentos de espectador televisivo. Como, a meu juízo, é no palco que se
conhece o bom ator, RICARDO, como ORESTES, deu-me a oportunidade de assim
qualificá-lo. Tem boa presença em cena e
consegue expressar bem o dilema entre fazer justiça, matando a assassina de seu
pai ou poupando a vida daquela que o gerara. Bom ator de TEATRO!
FRANCISCO CUOCO dispensa qualquer
comentário. A despeito do peso da idade,
continua sendo um excelente ator. E que
timbre de voz!
PAULA SANDRONI defende sua CRISÓTEMIS com garra e competência,
aproveitando o máximo, para explorar a personagem, cuja participação, na trama,
não é tão importante.
ALEXANDRE MOFATI também, no pouco espaço
que o texto lhe reserva, se bem que seu personagem seja, praticamente, o
deflagrador de toda a tragédia, atua com desembaraço e competência.
MÁRIO BORGES, um dos melhores atores
brasileiros, de TEATRO, na minha
avaliação, demonstra que um personagem secundário pode, por vezes, roubar a
cena, se feito por alguém de seu gabarito. O coro de mulheres, no texto
original, foi substituído pelo personagem de MÁRIO (CORO), quase que como um narrador, excelente ideia do adaptador ou da direção.
O ator é
mantido em cena, quase o tempo todo, participando dela, direta ou
indiretamente, e isso não teria a menor importância, se fosse outro ator,
contudo, quando este é MÁRIO BORGES,
a coisa muda de figura. Sua forte presença em cena, “contracenando”, em silêncio
e fora da luz, com os demais companheiros de cena é comovente, obra de um ator
como ele. Sou eterno fã do teu trabalho,
Mário!
Orestes e Electra.
Como
em 99,9% de seus trabalhos, agradou-me muito o cenário, de NELLO MARRESE.
Via de regra, em montagens de tragédias gregas, não há a necessidade de
cenários exuberantes. NELLO,
mantendo essa ordem, utilizou a simplicidade de estrados de madeira, utilizados,
originalmente, para movimentação de cargas, com aspecto envelhecido, forrados
de cânhamo, ou algo parecido, uns na tonalidade original do tecido, outros mais claros, de diferentes alturas, que recriam vários ambientes –
entrada do palácio, espaços ermos, escadas, colunas. O conjunto formado pela
junção desses pequenos praticáveis cria algo que lembra um tabuleiro de xadrez,
pronto para receber uma partida entre ferozes contendores. Revestindo todo o
espaço que sobra, na arena, há terra sintética, uma marca registrada nos cenários
assinados por NELLO MARRESE. Gol de placa!
O desespero de Electra.
A iluminação, de LUIZ PAULO NENEN, além
de boa, ajuda a desenhar os diversos ambientes e varia de intensidade,
de acordo com o maior ou menor impacto das cenas.
Outro detalhe
que não pode, nem deve, se destacar, em exuberância, numa tragédia grega, é o figurino. Mesmo os reis e os mais
nobres membros da Corte se vestiam com trajes simples, sem grandes ornamentos. MARÍLIA CARNEIRO e REINALDO ELIAS foram muito
felizes na concepção dos figurinos,
paleta de cores, mais para frias, e tipos de tecidos, fiéis às exigências da época.
A simplicidade assume um belo efeito plástico em cena.
JOÃO
BITTENCOURT, mais uma vez, acertou,
na escolha da trilha sonora original, que valoriza determinadas cenas da
peça. Difícil é imaginá-las sem os sons
que as embalam.
Quanto à direção de movimento, ANA BEVILAQUA realizou um ótimo trabalho, dinamizando o
que, em montagens tradicionais de tragédias gregas, costuma ser muito parado. É
excelente a movimentação dos atores em cena, principalmente os deslocamentos de
RAFAELA AMADO.
A tradicional “rodinha”.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Sófocles
Adaptação:
Antônio Abujamra
Supervisão
do texto: Fernanda Schnoor
Direção:
João Fonseca
Elenco
/ Personagem:
Rafaela
Amado / Electra
Camilla
Amado / Clitemnestra, mãe de Electra
Ricardo
Tozzi / Orestes, irmão de Electra
Mario
Borges / Coro
Paula
Sandroni / Crisótemis, Irmã de Electra
Alexandre
Mofati / Egisto, amante de Clitemnestra
Francisco
Cuoco (ator convidado) / Preceptor
Iluminação:
Luiz Paulo Nenen
Cenário:
Nello Marrese
Figurino:
Marília Carneiro e Reinaldo Elias
Trilha
Sonora Original: João Bittencourt
Direção
de Movimento: Ana Bevilaqua
Assistência
de Direção: Paula Sandroni e Alexandre Mofati
Direção
de Produção: Carla Mullulo
Produção
Executiva: Preta Adorno
Assistência
de Produção: Patrícia Melo
Fotos:
Renato Mangolin
Design
Gráfico: André Coelho
Visagismo:
Rosa Bandeira
Realização:
SESC Rio
Idealização:
Camilla Amado
Assessoria
de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Encontro entre irmãos.
SERVIÇO:
Local:
Espaço SESC (Copacabana) – Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana
Temporada:
Até 25 de março
Valor
do Ingresso: R$20,00 (inteira); R$10,00 (meia-entrada); R$5,00 (associado SESC)
Classificação
Etária: Não recomendado a menores de 14 anos
Tempo
de Duração: 80 minutos
Informações:
(210 2547-0156
Aplausos
Com Rafaela Amado.
Com Alexandre Mofati.
(FOTOS:
DIVULGAÇÃO /
RENATO
MANGOLIN /
LÉO
LADEIRA)
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