2ª “MARATONA” TEATRAL
EM SÃO PAULO/2015
PARTE I
“JACQUES
E
SEU AMO”
(BOA COMÉDIA,
COMO NOS VELHOS TEMPOS.)
Está
em cartaz, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo, uma
deliciosa comédia, que vale a pena ser vista: “JACQUES E SEU AMO”, de MILAN
KUNDERA, com direção de ROBERTO LAGE, contando com um ótimo elenco:
HUGO POSSOLO, EDGAR BUSTAMANTE, RENATA ZHANET A,
ANDO CAMARGO, ÂNGELO BRANDINI, GRETA ANTOINE e FELIPE
RAMOS.
O
espetáculo pode, E DEVE, ser visto de 5ª feira a domingo, até o dia
13 de dezembro (ver SERVIÇO).
Em
sua primeira, e única, incursão na dramaturgia, o consagrado escritor tcheco MILAN
KUNDERA, de “A Insustentável Leveza do Ser” (1984), foi muito feliz,
e é uma pena que não tenha escrito outros textos para o TEATRO.
A
peça foi escrita em 1971, baseada no romance "Jacques, o Fatalista, e seu Amo", do iluminista francês Denis Diderot. Originalmente escrita em
três atos, a versão ora encenada, e motivo destes comentários, é apresentada em
apenas um, o que me parece ter sido uma excelente ideia da direção.
O
texto é inédito, no Brasil, e é um sonho acalentado, há
mais de vinte anos, pelo diretor ROBERTO
LAGE.
Jacques e seu Amo.
SINOPSE:
Dois homens, um amo e seu criado (JACQUES), estão
numa viagem, a pé, para um destino que só é revelado no final.
No caminho, os dois vão
rememorando suas aventuras e desventuras amorosas, descritas de tal forma, que,
atualmente, poderiam ser consideradas “politicamente
incorretas”.
A ação se passa no século
XVIII, porém não há nenhum rigor quanto à época ou estilo da comédia.
O criado JACQUES conta como foi que perdeu a
virgindade; o FIDALGO (AMO), que se
apresenta anônimo, lembra a traição da amada com seu melhor amigo; e a TABERNEIRA conta a história de uma DUQUESA vingativa, que ilude seu amante
e o leva a se casar com uma prostituta.
Casamento arranjado.
A carpintaria
do texto é bastante interessante,
misturando o passado e o presente, de forma muito dinâmica, que leva o
espectador a não perceber a passagem dos 90
minutos de pura ação e divertimento. Trata-se de um texto muito engraçado, daqueles em que o humor, crítico e refinado,
leva as pessoas a refletir sobre a hipocrisia humana, no seu meio social, seja
em que época for. Aqui, o que se vê, ocorrendo no século XVIII, numa França pré-revolução,
é, facilmente, identificado como as mazelas que vivemos hoje e a elas comparado.
Dá para se perceber, em cena, três tragicomédias distintas, vividas ao mesmo
tempo, fatos relacionados ao fatalismo determinista do personagem JACQUES e um grande apelo erótico (não pornográfico).
As passagens
de tempo (passado / presente) se dão da forma mais natural possível,
misturando-se, às vezes, e os atores se aproveitam disso para atirar farpas
contra o próprio autor da peça, um invadindo o papel do outro e emitindo
comentários, nem sempre abonadores, sobre o texto.
Os tempos
atuais estão presentes, em cena, quando se pode perceber um fato que vem
ocupando os espaços da mídia de hoje, a relação entre patrões e empregados,
modernamente bem mais flexíveis que em outras épocas. Na peça, porém, ao contrário
do que se pode pensar, KUNDERA,
seguindo Diderot, estabelece uma
grande intimidade, uma cumplicidade, entre amo e criado, numa total subversão hierárquica,
em relação aos padrões da época. A referência a estarmos todos, atores e
público, “no 3ª andar do CCBB”, para justificar a impossibilidade de se ter um
determinado elemento em cena, incapaz de ser transportado até aquele espaço, também
é uma interferência moderna, que, obviamente, foge ao texto original e funciona
muito bem, como piada.
O elenco se apresenta em excelente padrão
de qualidade, tecnicamente falando, com um ligeiro destaque para HUGO POSSOLO (JACQUES, o CRIADO). De reconhecida formação
circense (palhaço), o ator “parlapatão” explora o humor ingênuo do circo, seja
nos gestos, seja nas entonações, seja nas improvisações, sejas nas caretas “fora
de cena”, sempre ótimo em qualquer situação. A frase que vive repetindo, para
contar ao AMO como perdera a
virgindade (“Perdi a donzelice e o
cabacinho”.) é uma bobagem que, na boca do ator, provoca grandes
gargalhadas.
O elenco.
Ainda que
interessantes, mesmo fazendo parte de uma galeria já tão conhecida do público, comuns
em tantas outras histórias, todos os personagem são enriquecidos, graças à
correta interpretação dos atores, quando acrescentam, em seus trabalhos, toques
pessoais de interpretação. À exceção de HUGO, EDGARD BUSTAMANTE (AMO) e FELIPE RAMOS, todos os outros fazem
mais de um personagem, distintos e perfeitos em suas composições. Além de POSSOLO e BUSTAMENTE, RENATA ZHANET A também se destaca, tanto como a TABERNEIRA quanto na pele da MARQUESA. ANDO CAMARGO (SAINT-OUEN e
BIGRE PAI)N, GRETA ANTOINE (JUSTINE e FILHA), graciosa, leve, feminina e
bela em cena; ÂNGELO BRANDINI (BIGRE
FILHO e COMISSÁRIO) e FELIPE RAMOS (MARQUÊS) completam o equilibrado
elenco.
Hugo Possolo, Renata Zhaneta e Edgar Bustamante.
Uma
espera por tanto tempo e o enorme desejo de encenar este texto podem explicar, e justificar, o empenho de ROBERTO LAGE, para que este seu “filho”,
longe de ser um “patinho feio” se revelasse ao público, após o terceiro sinal,
como um belo e imponente “cisne branco”. LAGE
captou as entrelinhas do texto de KUNDERA e soube decodificá-las, de
forma bem simples, descomplicada, para o público, o qual percebe o que se quis
dizer por trás do que foi dito, e, até, do que não foi dito. Soube utilizar bem
o cenário, para, com muita
criatividade, fazer as passagens de tempo e espaço, de uma forma simples e
convincente, de modo a levar a plateia a perceber, facilmente, essas passagens
e já aguardá-las em cenas seguintes. Não sei se a ideia é apenas da direção ou se contou com o dedo de JULIANA GARAVATTI, responsável pelo desenho coreográfico, muito
interessante, no espetáculo. Com relação a este elemento, também acrescento a boa
ideia de fazer com que os dois protagonistas “trotem”, lembrando um caminhar,
entre uma narrativa e outra, em animadas conversas, pelos caminhos por onde
andam. Em cenas em que é necessário mostrar um personagem encarcerado, bastou
que o ator fosse colocado no palco nu (o
palco, não o ator), sendo projetada, sobre e contra ele, apenas a sombra da
grade de uma cela, contando com o trabalho de iluminação de WAGNER FREIRE,
correto, em todo o espetáculo.
Edgar Bustamante e Hugo Possolo.
Em
tempos de crise econômica, o TEATRO
não poderia ficar de fora. Não se trata de uma montagem luxuosa, em termos de cenário e figurino, porém estes, sob a responsabilidade de profissionais
competentes, podem ser simples, mas funcionar bem, numa montagem teatral, como é
o caso de “JACQUES E SEU AMO”.
No
cenário (KLEBER MONTANHEIRO), que não
define um ou mais espaços, há um linóleo (pereceu-me, sem tocar nele), ao
fundo, com manchas assimétricas, em tons pastéis amarelados, sugerindo um vazio.
Completam-no dois banquinhos e armações de madeira clara (pinho, creio eu), no
fundo e nas laterais, lembrando escadas e que intrigam o espectador, ao tomar
conhecimento delas. São muito úteis e bem exploradas, como já disse, nos
momentos de transição entre tempo e espaço.
Nos figurinos, FÁBIO NAMATAME, um dos melhores profissionais na área, nos
apresenta modelos comportados, isentos de exageros, porém fruto de uma
pesquisa, necessária à sua confecção.
Na parte técnica, além do que já foi
citado, agradaram-me os efeitos produzidos pela sonoplastia e a trilha
sonora (DR. MORRIS).
Oxalá o público
carioca possa ter a oportunidade de conferir o que estou dizendo, caso o espetáculo
faça uma temporada no Rio de Janeiro.
Indo a São Paulo,
não deixe de assistir a “JACQUES E SEU
AMO”!
Vale a pena a
pessoa ver a peça e ter a sensação de que voltou no tempo, lembrando-se das
gostosas e bem montadas comédias de outras décadas.
Sem nenhum saudosismo, por favor!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Milan Kundera
Tradução:
Aline Meyer
Direção:
Roberto Lage
Assistência
de Direção: Juliana Garavatti
Elenco:
Hugo Possolo (Jacques)
Edgar Bustamante (Amo)
Renata Zhaneta (Taberneira
/ Marquesa)
Ando Camargo (Saint-Ouen
/ Bigre Pai)
Greta Antoine (Justine /
Filha)
Angelo Brandini (Bigre
Filho / Comissário)
Felipe Ramos (Marquês)
Figurinos:
Fábio Namatame
Cenografia
e Adereços: Kleber Montanheiro
Iluminação:
Wagner Freire
Trilha
Sonora: Dr Morris
Fotos:
João Caldas
Projeto
Gráfico: Heron Medeiros
Vídeos:
J. P. Rezek e Graziela Barduco
Direção
de Produção: Maurício Inafre
Produtor
Executivo: Regilson Feliciano
Assistência
de Produção: Jô Nascimento
Assessoria
de imprensa: Eliane Verbena
Momento “ternura”.
SERVIÇO:
Temporada: Até 13 de
dezembro (2015)
Local: Centro
Cultural Banco do Brasil – São Paulo
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112. Centro / São Paulo
Metrô Sé e São Bento
Telefone: (11) 3113.3651/52
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h
Ingressos: R$ 10,00 (meia-entrada = R$ 5,00)
Funcionamento da Bilheteria: das 9h às 21h, de 4ª feira a 2ª feira
Gênero: Comédia Clássica
Duração: 90 min
Classificação: 14 anos
Acessibilidade para pessoas com deficiência física.
Ingresso
pela Internet: www.ingressorapido.com.br
(FOTOS: JOÃO CALDAS)
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