O
PENA CARIOCA
(SUBVERSÃO,
QUANDO É BOA,
NÃO
É CRIME!
AO
CONTRÁRIO, MIL ANOS
DE
PERDÃO E AGRADECIMENTO.)
Antes
de qualquer palavra sobre este espetáculo, quero prestar uma homenagem, e fazer
um profundo agradecimento, a uma grande mestra, Professora Doutora Maria José da Trindade Negrão, que me ensinou
tudo o que sei, ou o pouco que sei, sobre o “Pai da Comédia Brasileira”, MARTINS
PENA, e a valorizar a sua obra.
É impossível
esquecer os finais das tardes das segundas-feiras, no início dos anos 70,
quando tínhamos aulas sobre esse grande dramaturgo, nas quais aprendíamos e nos
divertíamos bastante, num curso de Literatura
Dramática Brasileira, no saudoso prédio “improvisado” da Faculdade de Letras, da UFRJ, na Avenida Chile.
Com Dona Maria José, estudamos quase toda a
vasta obra de MARTINS PENA - as
comédias apenas -, com destaque para algumas peças, e ainda guardo alguns dos
trabalhos que me renderam o crédito “A”,
o mais alto daquela instituição, em termos de avaliação qualitativa.
Ainda
que “O PENA CARIOCA” não fosse um
bom espetáculo teatral – na verdade, é ÓTIMO!!!
-, valeria um aplauso a DANIEL HERZ,
diretor da peça, e aos que formam a CIA.
ATORES DE LAURA, pela iniciativa de montar mais um dos grandes esquecidos,
pouco valorizados e, por isso mesmo, injustiçados dramaturgos brasileiros.
Martins Pena.
Um pouco sobre
o grande dramaturgo MARTINS PENA, via Wikipédia, com adaptações, por acréscimos
e cortes:
Seu nome completo é LUÍS CARLOS MARTINS PENA.
Carioca,
nasceu em 1815, no Rio de Janeiro, e faleceu em Lisboa, precocemente, aos 33 anos
de idade, a 7 de dezembro de 1848, quando voltava para
o Brasil, depois de ter contraído tuberculose, em Londres, onde trabalhava como
Adido à Delegação Brasileira, pois,
além de grande dramaturgo,
introdutor da comédia de costumes no Brasil,
tendo sido considerado o Molière
brasileiro, foi diplomata.
Sua obra se caracterizou, pioneiramente, por ironia e humor, as graças e
desventuras da sociedade brasileira e de suas instituições, tudo visto sob um
prisma de crítica ferina, mordaz, porém de forma sutil e com muito bom humor,
aparentemente ingênuo.
Teve uma origem humilde, ficando órfão de pai,
quando tinha apenas um ano de idade, e, de mãe, aos dez. Por sorte, para compensar essas terríveis
perdas afetivas, passou a viver sob a responsabilidade de tutores de boa
condição financeira.
Concluiu o curso de Comércio, aos vinte anos, ramo
em que se iniciou na vida profissional. Depois,
passou a frequentar a Academia Imperial das Belas Artes,
onde estudou arquitetura, estatuária, desenho e música. Simultaneamente, estudava línguas, para as
quais tinha grande inclinação, história, literatura e TEATRO.
Em 4 de outubro de 1838, foi representada, pela
primeira vez, uma peça sua, "O Juiz
de Paz na Roça", no Teatro São Pedro, pela célebre companhia
teatral de João Caetano (1808-1863),
o mais famoso ator e encenador da época.
Apesar da brevidade de vida, contribuiu, para a
literatura dramática brasileira, com cerca de trinta peças, das quais,
aproximadamente, vinte são comédias, o que o tornou fundador do gênero da comédia de costumes no Brasil, e as
restantes são farsas, gênero bastante
divulgado e apreciado em sua época, e
dramas.
De agosto de 1846 a outubro 1847, também
escreveu críticas teatrais, como folhetinista, do Jornal do Comércio.
Em sua obra, ele se debruçou sobre a vida do Rio
de Janeiro da primeira metade do século XIX e explorou, sobretudo, o povo comum da
roça e das cidades. Com a ajuda de sua
singular veia cômica, encontrou um ambiente receptivo, que favoreceu a sua
popularidade.
Construiu uma galeria de tipos, que constitui um
retrato realista do Brasil da época, feito de funcionários públicos, meirinhos
(funcionários da Justiça), juízes, malandros, matutos, estrangeiros, falsos
cultos e profissionais da intriga social, um eufemismo para “fofoqueiros”.
Suas histórias giram em torno de casos de família,
conflitos os mais diversos; casamentos, principalmente os arranjados, por
interesses; heranças, cobiçadas por quem as merecia, ou não; dotes, inescrupulosamente
negociados; dívidas, muitas delas escusas; traições, de todos os tipos; e
festas, da roça e das cidades.
Após sua morte, ainda vieram a público algumas de
suas peças, inéditas, até então, como "O
Noviço" (1853) e "Os Dois
ou O inglês Maquinista" (1871).
Nas comédias de MARTINS PENA, podem ser observadas, com
relevada frequência, semelhanças, entre uma e outra, quanto às temáticas e aos
personagens, porém sempre haverá algo que pontue cada uma delas como autêntica.
MARTINS PENA deu, ao TEATRO BRASILEIRO, um cunho nacional, uma roupagem própria,
influenciando muitos outros autores.
Elogiado por suas comédias, foi, entretanto, criticado
negativamente, pela baixa qualidade de seus dramas. No geral, produziu peças curtas e
superficiais, contidas em um único ato, apenas esboçando a natureza das
personagens e criando tramas, por vezes, ou melhor, muitas das vezes, com pouca
verossimilhança e coerência. Ainda
assim, construiu muitas passagens de grande vivacidade e situações
surpreendentes e é, constantemente, elogiado pela espontaneidade dos diálogos e
pela perspicácia no registro dos costumes brasileiros, mesmo que, quase sempre,
satirizados.
Às cenas rurais, reservou a comicidade e o humor,
explorados por meio dos hábitos rústicos e maneiras broncas da curiosa gente
rural, quase sempre pessoas ingênuas, na sua essência, que chegam a ser
ridículas, e de boa índole. Já às cenas
urbanas, reservou a sátira e a ironia, compondo tipos maliciosos e escolhendo
temas que representavam muitos dos problemas da época, como o casamento por
interesse, muito frequente à época (E por que não hoje também?); a carestia,
sempre um tema na ordem do dia; a exploração do sentimento religioso, ainda tão
atual, infelizmente; a desonestidade dos comerciantes, já naquela época; a
corrupção das autoridades públicas, nada mais moderno, para a nossa
infelicidade; o contrabando de escravos, os quais, hoje, foram transformados em
escravas brancas, crianças, órgãos humanos e o que mais der para ser
contrabandeado; a exploração do país, por estrangeiros, o que, de certa forma,
já vinha, desde o descobrimento, e continua até os nossos dias; e o
autoritarismo patriarcal, manifesto tanto na escolha da profissão para os
filhos quanto na de marido para as filhas.
Apesar disso, nada foi tratado do ponto de vista
trágico e nunca um desfecho era funesto; pelo contrário, dada a finalidade
destas comédias, que era a de opor-se aos dramas, a trama comum consiste na
apresentação dos problemas, na resolução cômica dos empecilhos e no surgimento,
muitas vezes, com casamento ou namoro sério, de um final feliz.
MARTINS PENA é responsável por criar tipos característicos e
situações peculiares, tanto no ambiente urbano quanto no rural. O malandro, o estrangeiro e a mulher, esta
sendo a responsável por "segurar as pontas" da família, são, talvez,
seus personagens mais característicos.
No retrato do ambiente
urbano, PENA trabalha na sátira dos
costumes da classe média carioca do século XIX, principalmente, com relação aos
relacionamentos amorosos e a busca pela ascensão.
Fez um TEATRO simples, sem rebuscamentos, escrevendo
para as camadas mais populares, podendo ser considerado um “democratizador” do TEATRO, decorrendo daí a sua popularidade.
Marcio Fonseca.
Para o espetáculo “O PENA
CARIOCA”, DANIEL HERZ reuniu
três das comédias de MARTINS PENA,
obedecendo ao texto original, porém com alguns cortes, pois, apesar de serem
peças curtas, se montadas sem supressões de falas e/ou cenas, tornariam o espetáculo
um pouco longo, além dos 100 minutos de pura diversão.
Foram escolhidas “A FAMÍLIA E A
FESTA DA ROÇA” (1838), “O CAIXEIRO
DA TAVERNA” (1845) e “O JUDAS EM
SÁBADO DE ALELUIA” (1846).
Nelas, seis atores da CIA. ATORES
DE LAURA – ANA PAULA SECCO, ANDERSON
MELLO, LEANDRO CASTILHO, LUIZ ANDRÉ ALVIM, MARCIO FONSECA e PAULO HAMILTON
- e mais uma atriz convidada
para esta montagem, GABRIELA ROSAS,
se revezam, em vários papéis, com invejável qualidade interpretativa.
Segundo o premiadíssimo diretor do espetáculo, “O nosso desafio foi ultrapassar
a dimensão histórica desses textos, além de questões ingênuas e pueris, e
mostrar de que maneiras eles podem refletir sobre o cotidiano do carioca hoje. Você percebe, com perplexidade, que certas
mazelas da época continuam atuais: a valorização do estrangeiro, a tentativa de
conquistar uma estabilidade pelo funcionalismo público, o deslumbramento pela
vida urbana...”.
“‘O PENA CARIOCA’ privilegia muito a figura do ator, dá a liberdade de
se criar grandes tipos cômicos”, acrescenta DANIEL.
Ana Paula Secco e
Gabriela Rosas.
SINOPSE:
A trama de “A FAMÍLIA E A FESTA NA ROÇA” gira em
torno de uma moça querendo se casar com o médico que retorna à cidade, enquanto
sua família insiste em uma união arranjada.
“O CAIXEIRO DA TAVERNA” acompanha a trajetória de um caixeiro
ambicioso, cujo maior sonho é se tornar sócio da loja onde trabalha. Sem escrúpulos, esconde que é casado, para a
dona, a qual morre de amores por ele.
Em “O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA’, o protagonista se esconde na figura
de um boneco de Judas e testemunha conversas entre vários personagens,
inclusive a de sua pretendente, que não é quem ele pensa ser.
Entre uma obra e outra,
serão apresentados trechos de outros textos do dramaturgo.
Paulo Hamilton.
Gabriela Rosas e Paulo
Hamilton.
Em várias das
comédias de MARTINS PENA,
encontramos pessoas da roça, principalmente as moças, sonhando com as
maravilhas da cidade grande, levadas a elas por gente que já tivera a
oportunidade de conhecê-las, na Corte, geralmente, valendo-se de exageros, ao
falar de tais “modernidades”, com ênfase para o que estava ligado ao lazer, em
contraste com a monotonia da vida no campo.
Em “A FAMÍLIA E A FESTA DA ROÇA”,
um dos três textos encenados, por exemplo, o personagem ANTÔNIO PAU-D’ALHO é hilário, ao contar, “com riquezas de
detalhes”, a uma pequena plateia, atenta e interessada nas “novidades”, as
peripécias de um mágico, a quem vira atuando na Corte. “(...) a cidade está muito
adiantada. Eu estive, quatro meses,
destacado e posso dizer alguma coisa, porque, quando não estava de guarda,
passeava. Vá vendo quantas coisas boas. (...) Veja. Há um teatro aonde vai este homem (referindo-se
a um mágico), que é muito bonito, porque tem umas mesas bordadas de prata, luzes
amarelas, vermelhas e de todas as cores. Chega ele, como ia dizendo, a este teatro,
chama um homem, este vai para onde ele está, e, trepando em cima de uma mesa,
fica assim. (ajoelha-se) E, depois, o mata-gente, levantando a espada,
corta-lhe a cabeça e o homem cai assim. (deita-se
de bruços) Faça, agora, de conta que eu não tenho cabeça, e que ela anda na mão
do sujeitinho, para ser mostrada a quem quer ver.
Marcio Fonseca e
Leandro Castilho.
A ignorância, quase ingênua, dos roceiros fica bem marcada, em “A FAMÍLIA E A FESTA DA ROÇA”, quando o
personagem DOMINGOS JOÃO submete ao
jovem JUCA, rapaz da roça, que havia
ido estudar medicina, na Corte, a um questionamento sobre uma pendenga com um
tal José Pinote, com relação à
demarcação, aos limites, de uma área de terra, que DOMINGOS comprara a Pinote. Trata-se de uma cena de profundo humor ingênuo:
DOMINGOS JOÃO: Sr. Juca, é preciso acabar os seus estudos,
quanto antes, e vir ajudar a seu pai, que já está velho. Boa ocasião de saber em uma cousa, já que o
senhor é doutor.
JUCA: Diga o que é, Sr. Domingos João!
DOMINGOS JOÃO: Escute! No ano passado, comprei um sítio a José
Pinote, por quatro doblas, pra pagar duas doblas, no fim de seis meses, e duas
no fim de um ano. Ora, quando ele
vendeu-me o sítio, disse-me que tinha cinquenta braças de testada e cem de
fundo, porém eu mandei medir, pelo piloto, e este só achou quarenta de testada
e oitenta de fundo. Agora, quero que me
diga se eu devo ou não pagar as quatro doblas por inteiro, entende o senhor?
JUCA: Mas eu não posso lhe dizer
isto, porque não sou formado em leis.
DOMINGOS JOÃO: Pois o senhor não
é doutor?
JUCA: Sim, porém eu estudo
medicina, para curar os doentes, e não para ser letrado.
DOMINGOS JOÃO: Então não é
doutor; é licenciado. Ora, que doutor
que não sabe dar um conselho!
Gabriela
Rosas e Luiz André Alvim.
Outra prova da mesma situação (ingenuidade) se dá, na, mesma peça,
quando JOANA, mulher de DOMINGOS JOÃO, em defesa do marido,
fala a JUCA que uma vizinha, uma
curandeira, sabe curar e não estudou.
JOANA: Mas, Sr. Juca, a Angélica
sabe curar muito e nunca foi estudar.
JUCA: A Angélica é uma embusteira!
JOANA: Embusteira, não senhor,
que ainda ontem benzeu o filho da Senhoria de quebranto e, num instante, ficou
bom!
JUCA: Pois crê também em
quebranto?
JOANA: Então!
Anderson
Mello.
O sonho do
estrangeiro, principalmente o português, de vir para o Brasil, com o objetivo
de ganhar dinheiro facilmente, custasse o que custasse, e enriquecer, está
presente em “O CAIXEIRO DA TAVERNA”,
outro texto desta trilogia. O personagem
MANUEL é um português, do Porto,
caixeiro de um armazém, que só pensa em enriquecer o mais depressa possível,
nem que seja de forma desonesta, e vive se lastimando por não poder
corresponder aos interesses amorosos da patroa, viúva, pelo fato de já ser
casado. Num casamento com a viúva,
poderia estar o caminho para o seu enriquecimento fácil, quando, por extensão,
se tornaria seu sócio. MANUEL aceita fazer parte de um esquema
de fraude, comandado pela proprietária do estabelecimento, para ganhar mais
sobre os fregueses incautos, vendendo “gato por lebre”, principalmente quando
mistura vinho com água, vinho este vindo de Lisboa, comercializado como sendo o
melhor vinho do Porto. Desprovido de
qualquer escrúpulo, no trato com a freguesia, o português já praticava, naquela
época, o “gostar de levar vantagem em tudo”, parecendo conhecer, muito bem, a
psicologia do povo brasileiro: “O público deixa-se levar por estas
imposturas!”.
Gabriela Rosas, Paulo Hamilton e Ana Paula Secco.
Na outra comédia, que forma o tripé
deste “O PENA CARIOCA”, “O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA”, uma
típica comédia de costumes do Romantismo, é marcante a figura da moça
namoradeira, casadeira e dissimulada, MARICOTA,
que vive na janela, a flertar com os homens passantes, e é a eleita do pai, em
detrimento à irmã, CHIQUINHA, tão
recatada e obediente. MARICOTA acaba recebendo o castigo
merecido.
CHIQUINHA (para Maricota): Maricota, ainda te não cansou essa janela?
MARICOTA (voltando
a cabeça): Não é de tua conta!
CHIQUINHA: Bem o sei!
Mas, olha, o meu vestido está quase pronto; o teu, não sei quando
estará.
MARICOTA: Hei de aprontá-lo quando quiser e muito bem me parecer. Basta de seca! Cose e deixa-me!
Um personagem importante, na história, é
FAUSTINO, um dos pretendentes de MARICOTA, de quem pensa ser o grande
amor, quando, na verdade, é apenas mais um entre tantos outros. Para não ser surpreendido, na casa da
pretendida, por AMBRÓSIO, seu
superior, na Guarda Nacional, o qual lá vai, para uma visita à moça, faz-se
passar por um “Judas”, que os moleques haviam preparado para a malhação, o que
lhe permite ouvir três conversas interessantes e esclarecedoras. Primeiro, a confabulação entre JOSÉ PIMENTA, cabo de esquadra da
Guarda Nacional e pai das moças, e AMBRÓSIO,
capitão da Guarda Nacional, sobre a torta estrutura desta, um verdadeiro
esquema de corrupção. Na sequência, a
confissão de CHIQUINHA, falando
sozinha, enquanto cosia, entre suspiros e lamentos, sobre o quanto amava FAUSTINO. Depois, um diálogo, em que fica sabendo do
crime de falsificação de dinheiro, cometido por ANTÔNIO DOMINGOS, um velho negociante, e PIMENTA. Essas três
conversas, à espreita, lhe servirão de armas para suas vinganças.
FAUSTINO
(caindo sentado): Ai, que corrida! Já não posso! Oh, parece-me que por cá ainda dura
o medo. O meu não foi menor vendo esta
canalha. Safa, canalha! (Os
garotos riem-se e fazem assuada.) Ah,
o caso é esse? (Levanta-se.) Sr. Pimenta? (Pimenta, ouvindo
Faustino chamá-lo, encolhe-se e treme.) Treme? Ponha-me
esta corja no olho da rua... Não ouve? (Para
Maricota.) Então, quer que continue, ou quer casar-se?
MARICOTA
(À parte): Estou conhecida! Posso morrer
solteira... Um marido é sempre um
marido... (Para Pimenta.) Meu
pai, farei a sua vontade.
FAUSTINO:
Bravíssimo! Ditoso par! Amorosos pombinhos! (Levanta-se,
toma Maricota pela mão e a conduz para junto de Antônio, e fala com os dous à
parte.)
Menina, aqui tem o noivo que eu
lhe destino: é velho, baboso, rabugento e usurário. Nada lhe falta para sua felicidade. É este o fim de todas as namoradeiras: ou
casam com um gebas, como este, ou morrem solteiras! (Para o público.) Queira Deus que aproveite o
exemplo! (Para Antônio:) Os falsários já não morrem enforcados; lá se
foi esse bom tempo! Se eu o denunciasse,
ia o senhor para a cadeia e de lá fugiria, como acontece a muitos da sua laia. Este castigo seria muito suave... Eis aqui o que lhe destino (Apresentando-lhe
Maricota.) É moça,
bonita, ardilosa e... namoradeira: nada lhe falta, para seu tormento. Esta pena não vem no Código; mas não admira,
porque lá faltam outras muitas cousas. Abracem-se,
em sinal de guerra! (Impele um
para o outro.) Agora nós, Sr. Capitão! Venha
cá. Hoje mesmo, quero uma dispensa de
todo o serviço da Guarda Nacional! Arranje
isso como puder; quando não, mando tocar a música... Não sei se me entende?...
CAPITÃO:
Será servido. (À parte) Que remédio! Pode perder-me!
FAUSTINO:
E, se, de novo, bulir comigo, cuidado! Quem me avisa... Sabe o resto! Ora, meus senhores e senhoras, já que
castiguei, quero também recompensar. (Toma Chiquinha pela mão e coloca-se
com ela em frente de Pimenta, dando as mãos como em ato de se casarem.) Sua bênção, querido pai Pimenta, e seu
consentimento!
PIMENTA:
O que lhe hei de eu fazer, senão consentir?!
FAUSTINO:
Ótimo!
(Abraça a Pimenta e dá-lhe um beijo. Volta-se para Chiquinha.) Se não houvesse aqui tanta gente a olhar
para nós, fazia-te o mesmo... (Dirigindo-se
ao público.) Mas não o perde, que fica
guardado para melhor ocasião.
Ana Paula Secco, Gabriela Rosas, Anderson Mello e Luiz André Alvim.
Torna-se desnecessário falar mais
sobre os textos de MARTINS PENA. Passemos, então, a comentar outros detalhes
desta excelente montagem:
1) Direção: DANIEL HERZ – O currículo de DANIEL, como diretor, é vasto, premiado, dispensando maiores elogios. Limito-me a dizer que, para se montar uma
peça de época, é preciso muita pesquisa e criatividade, para “desconstruir e
subverter”, no melhor sentido possível, a fim de que o espetáculo, como é o
caso desta peça, cujo texto foi escrito na primeira metade do século XIX, seja
do agrado do público de hoje, sem, contudo, interferir na obra, a ponto de
descaracterizá-la. Foi exatamente isso
que DANIEL fez, com muita
competência, neste trabalho: desconstruiu, sem destruir, e reconstruiu, com sua
genialidade criativa.
A única montagem de um texto de MARTINS
PENA, de que me lembro, na qual o diretor ousou fazer algo diferente, fugir
aos clichês do TEATRO, em se
tratando de um texto clássico, foi em “As
Desgraças de uma Criança”, no saudoso Teatro
Casa Grande, quando Antônio Pedro,
diretor da montagem, que ficou em cartaz por dois anos, se não me engano, de 1973 a 1975 (Saudade desse tempo, quando um espetáculo
teatral ficava em cartaz durante meses, com nove sessões semanais, de 3ª feira
a domingo, com três matinês!!!), também, com muita genialidade, inovou
bastante. Lembro-me bem de Eduardo Dusek, atuando e tocando piano,
arrancando grandes gargalhadas do público, e de Marco Nanini, solto no palco, em mais uma de suas demonstrações de apurado
talento e inesgotável veia cômica.
Mas a “subversão herziana” me
agrada mais.
Paulo Hamilton.
DANIEL
HERZ é um diretor “de atores” e, conhecendo, a fundo, os seus, o talentoso
material humano de que dispõe, permite que cada um construa os personagens,
interferindo apenas no que acha que, embora já esteja bom, pode, ainda,
melhorar.
Uma das características mais importantes, das marcas estilísticas do
texto de MARTINS PENA, são as falas
dos personagens diretamente à plateia, “à
parte” da cena, quase solilóquios, o que gera uma cumplicidade entre esta e
aqueles. DANIEL as manteve, e nem se esperaria que fosse diferente, e soube,
por meio de marcações geniais e intenções, via inflexões, propositais,
valorizar as cenas.
A alternância de atores, na posição do falso Judas, grudado a um
cabideiro do cenário, e na formação do “parapeito da janela” são ideias magníficas,
assim como deixar os atores, imóveis, entre cabideiros, com figurinos,
aguardando a entrada do público, bem como fazer uma atriz desmaiar “em pé”. A marcação, em fila, lado a lado, num mesmo
plano, no decorrer, praticamente, de todo o tempo de duração da primeira peça,
é algo que poderia se tornar monótono, contudo isso não acontece. Foi um risco muito grande, que valeu a pena
ter sido corrido. Um toque de
modernidade, que funciona e não deixa de ser uma crítica aos “escravos da
tecnologia”, se dá, quando um dos atores abandona o personagem e deixa a cena,
falando em seu celular, devidamente retirado do bolso do figurino.
A escolha das três peças permite que a direção, com muita sabedoria,
trace um oportuníssimo paralelo entre o passado, de um Brasil “ingênuo”, e o
presente, de um Brasil que luta, com todas as armas de que dispõe, contra o
excesso de “esperteza” e de corrupção.
Agradou-me muito, também, a ideia de fazer com que os atores, entre uma
peça e outra, em meia luz, enquanto vestem os figurinos da próxima
representação, digam falas marcantes de outros textos de MARTINS PENA.
Leandro Castilho.
2) Elenco: Formado por
profissionais do melhor nível, versáteis e aplicados. Fica muito difícil destacar um, dentre os
seis, que fazem parte do grupo fixo da CIA.
ATORES DE LAURA, e GABRIELA ROSAS,
convidada para esta montagem e que apresenta o mesmo, e ótimo, nível de atuação
dos colegas, demonstrando estar perfeitamente inserida na família da “Dona Laura”.
Sem exceção, TODOS brilham,
nos diversos papéis que representam, entretanto não poderia deixar de desviar
um pouquinho só do foco para ANA PAULA
SECCO, LEANDRO CASTILHO, MARCIO FONSECA e PAULO HAMILTON. Esse “pequeno destaque” não se dá pela maior
ou menor importância dos papéis que representam, uma vez que estes, todos, nas
três tramas, permitem um excelente trabalho de construção de personagem, o que,
certamente, os sete atores fazem, entretanto o quarteto acima mencionado, na
minha visão, destaca-se. Pronto! Pensei, mil vezes, se deveria escrever isso ou
não, e acabei fazendo-o. Quase
arrependido!!!
O elenco é brilhante!!!
Uma “química”, que vem
de outras montagens,
entre Paulo Hamilton e
Ana Paula Secco.
3) Cenário: FERNANDO MELLO DA
COSTA – A concepção do cenário
parte de uma ideia simples, porém de grande efeito plástico, alem de poder ser
considerada uma homenagem, não só à figura dos atores de TEATRO, como, principalmente, aos figurinistas, quando põe, no fundo do palco, dezenas de cabides de
pé, sustentando roupas e adereços, que serão utilizados em cena ou apenas para
adorno, sugerindo coxias e camarins. A
esses cabideiros, misturam-se os próprios atores, gerando, no público, uma
intencional (?) confusão entre imagens vivas e componentes para a construção
dos personagens.
4) Figurinos: ANTÔNIO GUEDES – Perfeitamente adequados à época e aos
personagens, com intencionais toques de exagero, em alguns, o que contribui
para provocar o riso, antes de tudo obtido pelo texto e pela maneira como este é
dito e interpretado pelo elenco. Às
vezes, pequenos acessórios, o que me parece ser a tônica dos figurinos, são
suficientes para caracterizar este ou aquele personagem. A ideia – deve ter sido conjunta, entre
diretor, cenógrafo e figurinista – de fazer com que os personagens, em quase
todo o tempo de duração do espetáculo, troquem de roupa, para compor um novo
personagem, às vistas do público, desfaz um pouco o mistério dos bastidores e “humaniza”
a atuação do ator, visto, por muitos, como um ser inatingível, de um outro
plano.
Figurinos.
5) Visagismo: DIEGO NARDES –
Gosto muito da exploração de uma maquiagem forte, exagerada, de cores vivas,
sobre um fundo branco, próxima aos “clowns”, desenvolvida por DIEGO, para este espetáculo. Combina com os personagens e a linha assumida
pela direção.
6) Iluminação: AURÉLIO DE SIMONI
– Desta vez, AURÉLIO, para
executar um ótimo trabalho, como sempre, optou por uma luz partindo mais das
laterais baixas (não do chão) do palco e pouco direcionada aos personagens,
privilegiando mais a cena, como um todo, do que os solos, a não ser quando isso
se fazia muito necessário. Bom trabalho!!!
7) Direção de Movimento: DUDA
MAIA – DUDA vem de um grandioso
trabalho, em “Beija-me como nos Livros”,
que muito me impressionou, e chega quase àquela grandiosidade, neste
espetáculo. Muito do brilho cênico deste
espetáculo é devido ao trabalho de direção
de movimento, sempre em consonância com a direção. Os deslocamentos
dos atores pelo palco, ora bruscos, ora mais lentos e suaves, totalmente
harmoniosos, afinados com as atitudes e comportamentos dos personagens, são
perfeitos.
Luiz André Alvim.
8) Trilha Sonora Original:
LEANDRO CASTILHO – Depois de seu magnífico trabalho de direção musical e composição
de trilha sonora para “As Bodas de
Fígaro”, outra, recente e brilhante, direção de DANIEL HERZ, que lhe rendeu o Prêmio
Cesgranrio, no ano passado, além de outras indicações, LEANDRO nos apresenta, aqui, uma trilha mais simples que aquela,
porém não menos interessante e adequada às três peças e ao espírito do
espetáculo, no todo.
Não resta a menor dúvida de que MARTINS
PENA contribuiu para a compreensão histórico-sociológica do seu tempo, bem
como com a linguística, visto que escrevia as falas das personagens, utilizando
a linguagem coloquial da época.
Se, por uma esdrúxula hipótese, uma “hecatombe”
destruísse a Terra e, evidentemente, todas as bibliotecas do mundo e, por uma
razão totalmente inexplicável, dessa catástrofe, restasse apenas um volume com
as peças de MARTINS PENA, seria
possível chegar-se à realidade do Rio de Janeiro da primeira metade do século
XIX, da civilização que ali habitou, apenas pelos detalhes descritivos dos
hábitos de seus habitantes e da linguagem da época, pela pena do PENA.
Recomendo, de todo coração, este
espetáculo!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto: Reunião de três obras de Martins Pena: “A FAMÍLIA E A FESTA NA ROÇA”
(1838), “O CAIXEIRO DA TAVERNA” (1845) e “O JUDAS NO SÁBADO DE ALELUIA” (1846).
Direção e Concepção: Daniel Herz
Elenco: Ana Paula Secco, Anderson Mello, Gabriela
Rosas, Leandro Castilho, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Paulo Hamilton
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Fernando Mello da Costa
Figurino: Antônio Guedes
Visagismo: Diego Nardes
Trilha Sonora Original: Leandro Castilho
Direção de Movimento: Duda Maia
Projeto Gráfico: Maurício Grecco
Direção de Produção: Renata Campos
Consultoria
Psicanalítica: Evelyn Disitzer
Assistente de Direção: Tiago Herz
Assistente de Produção: Thaisa Areia
Assessoria de Imprensa: MNiemeyer
Fotos: Paula Kossatz e Ricardo Brajterman
Assistente de Figurino: Renata Mota
Direção Artística da
Cia Atores de Laura: Daniel Herz
Realização: Cia Atores de Laura
Gabriela Rosas.
SERVIÇO:
Temporada: Até 25 de outubro.
Local: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2537-8053
Sessões: De 5ª feira a sábado, às 21h, e domingo, às 19h.
Preço: R$70,00 (inteira) e R$35,00 (meia-entrada).
Capacidade: 120 lugares
Indicação Etária: 12 anos
Ana Paula Secco e Paulo Hamilton.
(FOTOS:
PAULA KOSSATZ
e
RICARDO
BRAJTERMAN.)
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